por Caio Coletti
Family Tree se apropria de uma noção e um sentimento tão únicos a ela no atual panorama da televisão americana que é justamente essa noção e esse sentimento que a fazem especial: é uma espécie de nostalgia em processo de descoberta, uma procura por si mesmo que compreende, ao mesmo tempo, a noção de que nunca sabemos exatamente quem somos. Durante os deliciosos 25 minutos de seu episódio de estreia, a série nos entrega uma jornada pelo passado que diz muito sobre o presente, uma viagem pelo próprio processo de construção de uma identidade. E ainda tem tempo de conter algumas peculiaridades que só a tornam mais saborosa.
“The Box”, o episódio em questão, é escrito e dirigido pelo criador da série Christopher Guest. O nova-iorquino de 65 anos é conhecido por ter praticamente inventado o gênero hoje conhecido como mockumentary (uma narrativa ficcional que assume a forma de um documentário encenado) no lendário This is Spinal Tap, de 1984. Desde então, o moço seguiu com obras bastante pessoas e cheias de maneirismos, quase um Woody Allen menos mainstream, e só resolveu se aventurar pela TV agora, com Family Tree. É da célebre criação de Guest que a série empresta seu formato, incluindo no meio da narrativa entrevistas dadas pelos personagens diretamente para a câmera, como em um reality show. Embora a ideia não seja nova à TV (vide The Office), não há nada como a delicadeza e o fino sarcasmo do criador original da mesma para fazê-la funcionar.
A primeira meia hora da série nos apresenta Tom Chadwick (Chris O’Dowd), homem que acaba de sair de um relacionamento e está se dirigindo para a casa do pai com a irmã, Bea (a ventriloquista Nina Conti). Chegando lá, o patriarca conta aos filhos que uma tia-avó distante havia morrido e deixado um pedaço da herança para cada membro da família: para Tom ficou um enorme baú cheio de relíquias e lembranças de família, de tempos e tempos atrás. Nesse primeiro episódio, o que chama a atenção do moço é uma foto de um homem de idade trajando vestes militares, que seu pai acredita se tratar de um avô a muito tempo falecido, aclamado herói de guerra. Conforme Tom persegue essa história, no entanto, as coisas não parecem tão simples assim.
Entre a fina ironia da construção dos personagens e a hilária desventura amorosa do protagonista, “The Box” mostra-se uma série igualmente sensível com cada uma dessas figuras pitorescas. Desde Bea, que foi aconselhada quando criança a usar um boneco ventríloquo para liberar a ansiedade e nunca mais o deixou para trás; passando pelo pai de Tom, um guarda da rainha aposentado que hoje se contenta em tentar inventar engenhocas inúteis que nunca funcionam direito; até o estranho especialista em fotos antigas, o dono de um antiquário ao lado da casa de Tom e o melhor amigo do mesmo, o galanteador Pete (Tom Bennet). Family Tree se tornará, muito provavelmente, uma daquelas séries de comédia com inesgotável fonte de personagens pitorescos e deliciosos.
Mas quem segura tudo isso junto em uma unidade é, claro, Chris O’Dowd. Quem o conhece só pela participação em Girls como o irritante Thomas-John vai se surpreender com a sensibilidade e timing cômico impecável de sua atuação, e vai passar a pensar que o caráter enervante de seu personagem na série de Lena Dunham é só uma prova do quão bom ator e facilmente adaptável ao papel ele pode ser. Ele é um protagonista cativante sem fazer esforço para tal, e brilha com uma luz diferente da dos outros personagens, embora seja em última instância tão estranho (e tão patético) quanto eles. O’Dowd não faz questão de esconder isso. Só quer provar, assim como Family Tree aparentemente também quer, que o patético também pode ser extraordinário.
***** (4,5/5)
Próximo Family Tree: 01x02 – Treading The Boards (19/05)
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