Review: Dirty Computer (álbum e filme)

Janelle Monáe cria a obra de arte do ano com um álbum visual espetacular - e que desafia descrições.

Os 15 melhores álbuns de 2017

Drake, Lorde e Goldfrapp são apenas três dos artistas que chegaram arrasando na nossa lista.

Review: Me Chame Pelo Seu Nome

Luca Guadagnino cria o filme mais sensual (e importante) do ano.

Review: Lady Bird: A Hora de Voar

Mais uma obra-prima da roteirista mais talentosa da nossa década.

Review: Liga da Justiça

É verdade: o novo filme da DC seria melhor se não tivesse uma Warner (e um Joss Whedon) no caminho.

26 de fev. de 2016

Diário de filmes do mês: Fevereiro/2016



por Caio Coletti

Nem todos os filmes merecem (ou pedem) uma análise complexa como a que fazemos com alguns dos lançamentos mais “quentes” ou filmes que descobrimos e nos surpreendem positivamente. É levando em consideração a função da crítica e da resenha como uma orientação do público em relação ao que vai ser visto em determinado filme que eu resolvi criar essa coluna, que visa falar brevemente dos filmes que não ganharam review completo no site. Vamos lá:

007 Contra Spectre (Inglaterra/EUA, 2015)
Direção: Sam Mendes
Roteiro: John Logan, Neal Purvis, Robert Wade, Jez Butterworth
Elenco: Daniel Craig, Christoph Waltz, Léa Seydoux, Ralph Fiennes, Monica Bellucci, Ben Whishaw, Naomie Harris, Dave Bautista, Andrew Scott, Rory Kinnear
148 minutos

Quando do lançamento de Spectre, o 24º filme estrelado pelo espião britânico James Bond desde O Satânico Dr. No, de 1962, os reviews pouco favoráveis ao filme foram rivalizados, em termos de atenção da mídia, só pelos ácidos comentários de Daniel Craig, astro das últimas quatro produções da franquia, em entrevistas. Craig não só confirmou que não pretende interpretar Bond novamente, como discursou francamente sobre as tendências misóginas do personagem e seu longo histórico de usar mulheres como objetos sexuais (e ser considerado muito cool por isso). De certa forma, o Bond de Craig é uma suavização dessa característica do personagem, principalmente porque já o vimos se apaixonar antes, em Cassino Royale, pela Vesper Lynd de Eva Green, um espectro que assombrou todas as quatro instalações da franquia estreladas por Craig. Isso não perdoa o personagem automaticamente, mas garante que ele ganhe mais nuance, no sentido que somos capazes de enxergar a sua jornada emocional mesmo que não apoiemos o seu comportamento – em muitos sentidos, o Bond de Craig não é um cara do qual gostamos muito, mas é um protagonista formidável mesmo assim.

O problema de Spectre, como última investida de Craig no papel, é que o ator está largamente desinteressado em fazer o personagem funcionar, e para completar ainda é dado um roteiro que tenta fazer muito em pouco tempo (sim, pouco tempo, mesmo com os 148 minutos de metragem). Fechar a jornada do personagem, amarrando pontas soltas de outros filmes, incluir uma subtrama política com um discurso de liberdade de informação, passar por todas as convenções (do “Bond. James Bond.” ao pedido do martíni, passando pelo carro) da franquia, e ainda entregar uma aventura divertida, com cenas de ação intensas, que contenha um vilão definitivo e definidor para o Bond de Craig. Pelo menos na escalação o filme acerta – Christoph Waltz é sempre uma presença bem-vinda, especialmente em um papel que lhe cai como uma luva, mas o filme desenvolve seu Blofeld de forma rasa, sem a magnitude que o seu encontro com Bond deveria ter (levando em consideração o histórico dos dois personagens). Léa Seydoux se dá melhor como uma bondgirl tão marcante quando Vesper, em grande parte graças aos esforços da atriz.

Para quem esperava uma conclusão apoteótica para a quadrilogia do Bond de Daniel Craig talvez tenha se decepcionado, mas Spectre ainda é exponencialmente melhor que muitas das instalações da franquia anteriores a essa nova fase capitaneada pelo loiro britânico. Para quem não liga muito para isso, ainda sobra a fotografia espetacular (de verdade) de Hoyte van Hoytema, o cinematógrafo suiço que fimou Interestelar e Ela, entre tantos outros, e já se destaca como o nome por trás dos filmes mais gloriosamente belos dos últimos tempos.

✰✰✰✰ (3,5/5)




Ricki and the Flash (EUA, 2015)
Direção: Jonathan Demme
Roteiro: Diablo Cody
Elenco: Meryl Streep, Kevin Kline, Mamie Gummer, Sebastian Stan, Rick Springfield, Audra McDonald
101 minutos

Vamos tirar uma coisa do caminho: sim, Meryl Streep pode fazer tudo. A atriz vencedora de 3 Oscar, do alto de seus 66 anos, encarna uma rockeira fracassada em Ricki and the Flash – após se casar e ter três filhos com Pete (Kevin Kline), ela saiu do subúrbio no Meio-Oeste americano onde vivia com a família e foi tentar a sorte como vocalista de uma banda na Califórnia. Não deu certo, e Ricki agora toca com seu grupo de instrumentistas (o The Flash) em um barzinho da cidade em que mora, enquanto o marido se casou novamente e os filhos ressentem a mãe ausente. A emergência familiar que a traz de volta para a cidade natal é a depressão da filha mais velha, Julie (Mamie Gummer, filha de Meryl na vida real), que tentou se matar depois do marido traí-la e deixá-la para trás. Na pele de Ricki, Meryl canta com as habilidade já provada em Mamma Mia! e Caminhos da Floresta, faz pose de rockstar no palco com um carisma insuspeito, e constrói uma personagem mais ordinária e trágica do que está acostumada a interpretar, deixando de devorar cenários como fez em Álbum de Família, por exemplo, e entregando uma interpretação quieta e extremamente envolvente. Meryl nos faz acreditar nessa fracassada americana, com convicções políticas um pouco conservadoras demais para a família liberal, e um estilo de vida liberal demais para a família conservadora. Ressentimentos e conflitos borbulham em Ricki and the Flash, mas o diretor Jonathan Demme (O Silêncio dos Inocentes) e a roteirista Diablo Cody (Juno) preferem tomar um caminho mais sutil do que fazer com que todos esses sentimentos se explodam em tela.

Por falar em Cody, a famosa roteirista das referências pop e entendimento profundos dos detalhes da mentalidade americana (e humana, a bem da verdade) abaixa um pouco a bola em Ricki and the Flash, contendo os diálogos rápidos e escrevendo para personagens mais maduros, ainda que essencialmente tão perdidos e equivocados quanto Juno ou Mavis, a personagem de Charlize Theron no subestimado Jovens Adultos, de 2011. Sua afeição por esses personagens, pelas suas falhas, seus segredos, seus sentimentos escondidos e suas sensações à flor da pele, carrega Ricki and the Flash do começo até o final, e provem os atores com pratos cheios para construir performances interessantes. Gummer, emprestando sensibilidade e concentração para sua personagem deprimida, é um destaque óbvio, por vezes até ofuscando a mãe em cena; mas Kline e Rick Springfield, ele mesmo um rockstar da vida real, também tem seus momentos e suas virtudes.

Saudado como um retorno de Jonathan Demme à materiais e temas caros a sua filmografia antiga, Ricki and the Flash é um drama musical com um elenco que transpira garra, além de um roteiro que se esforça para encontrar um retrato preciso da situação que propõe, com todos os espinhos e preconceitos contidos nela. É um triunfo menor para todos os envolvidos, mas nem por isso deixa de ser um triunfo.

✰✰✰✰ (3,5/5)




Ponte dos Espiões (Bridge of Spies, EUA/Alemanha/Índia, 2015)
Direção: Steven Spielberg
Roteiro: Matt Charman, Joel Coen, Ethan Coen
Elenco: Tom Hanks, Mark Rylance, Amy Ryan, Eve Hewson, Austin Stowell, Jesse Plemons, Alan Alda, Scott Shepherd, Sebastian Koch
142 minutos

Ter Steven Spielberg por perto nos últimos 40 e poucos anos nos deixou mal-acostumados. E não é só que suas técnicas e sua forma de entreter foi copiada ad nauseam desde que ele ascendeu à fama, mas também que nós nos habituamos com o estilo e a forma de contar histórias do diretor. De quando em quando, portanto, é preciso parar e reconhecer: quatro décadas depois de Tubarão, Spielberg ainda é um dos talentos mais absurdos trabalhando no cenário cinematográfico americano. A cena de abertura de Ponte dos Espiões é o exemplo perfeito, e o filme não deixa a peteca cair – com o auxílio de colaboradores da longa data na edição, fotografia e trilha-sonora, Spielberg nos lembra das sutis razões pelas quais nos apaixonamos por seus filmes. Se o americano usa de takes mais longos de vez em quando, não é para chamar atenção para si, mas sim seguir a história adiante, pelos locais em que ela caminha, sem quebrar ilusões; se lança mão de um close detalhado da face de algum ator (o que faz raramente), não é para glorificar um pedaço especialmente inspirado da atuação, mas para nos comunicar a importância do pensamento e do sentimento do personagem naquele momento. Spielberg trabalha em função da história, e trabalha como ninguém – o poder que Ponte dos Espiões tem como narrativa é, em grande parte, devido ao seu diretor. Se os diálogos espertos dos irmãos Coen conseguem se sobressair em um “thriller de espionagem” que é bem mais um drama de direito e uma análise política do que qualquer outra coisa, é por conta do trabalho de Spielberg.

Também é injusto dizer que Ponte dos Espiões é uma patriotada sem pudores. A história acompanha James B. Donovan (Tom Hanks), um advogado americano que é chamado para defender um suposto espião russo (Mark Rylance) capturado pelo FBI – isso no auge da Guerra Fria, é claro. Baseada em fatos reais, a trama vai se desenvolvendo quando Donovan se dedica um pouco mais à defesa do seu “cliente” do que muitos gostariam, e logo o advogado e o governo americanos se veem em uma situação de troca de reféns com os inimigos soviéticos. Embora o retrato idealista de Donovan cheire à construção de um “herói americano” baseado em valores conservadores (um pai de família, branco, de classe média-alta, esposa dona-de-casa, etc), Hanks o torna inevitavelmente afável, jogando luz nessa idealização com habilidade e nos dirigindo a ver o que o personagem representa – em todas as pedras no caminho que encontra ao tentar defender o personagem de Mark Rylance, a jornada de Donovan vai puxando as cortinas da hipocrisia do sistema judicial americano e da forma como ideologias, medo e preconceito interferem na concepção libertária que o país tem de si mesmo e de sua posição como representante do capitalismo na Guerra Fria. Em Ponte dos Espiões, o “herói americano”, o “advogado com princípios”, é um peixe fora d’água em um sistema corrupto e condenável.

E ter Mark Rylance do outro lado, representando o espião russo Rudolf Abel, é uma jogada de mestre. O ator, que recentemente ganhou mais fama com a minissérie Wolf Hall mas ostenta uma carreira longa e premiadíssima no teatro, é um daqueles intérpretes de detalhes e sutilezas, que foge da hiperexpressividade e aposta em maneirismos críveis e construção de personagem inteligente. constrói uma das personas mais marcantes do cinema americano em 2015. É uma performance espetacular em um filme envolvente e entertaining como tudo que Spielberg já fez, mas que ao mesmo tempo pede leitura mais profunda e política para ser entendido como obra completa.

✰✰✰✰ (4/5)




A Grande Aposta (The Big Short, EUA, 2015)
Direção: Adam McKay
Roteiro: Charles Randolph, Adam McKay, baseados no livro de Michael Lewis
Elenco: Steve Carell, Christian Bale, Ryan Gosling, Brad Pitt, Finn Wittrock, Marissa Tomei, Rafe Spall, Hamish Linklater, Jeremy Strong, Melissa Leo, Karen Gillan
130 minutos

Se você for acreditar nas redes sociais, a grande característica de A Grande Aposta é ser incompreensível para qualquer um que já não entenda de economia e dos fatores que levaram à grande crise de 2008. E embora, sim, os esforços do filme de Adam McKay para nos explicar alguns elementos desse mundo para o espectador sejam falhos nos detalhes, A Grande Aposta dá uma boa ideia do quadro geral mesmo para os neófitos. Energético, ágil, com os truques do diretor de comédias McKay (O Âncora) funcionando a todo o vapor para o filme não se tornar uma longa sessão de exposição de conceitos econômicos, A Grande Aposta não é só um filme surpreendentemente divertido e didático, é também muito efetivo no sentido de nos dar uma dimensão emocional do que significou essa derrocada da economia americana para a identidade nacional deles e para o mundo além das fronteiras geográficas. E nos leva para dentro desse mundo traiçoeiro e egocêntrico da finança com gosto, escondendo por trás das brincadeiras conceituais (especialmente da aparição surpresa de celebridades explicando conceitos complicados de economia) uma emulação do estilo de vida ganancioso, ultra-luxuoso e fascinado por capital que levou para a grande crise no final das contas. Em A Grande Aposta, o sistema financeiro é um jogo sujo, mas ainda mais do que isso, é um jogo burro, à longo prazo, condenado a falhar de novo e de novo (e a ser resgatado covardemente de novo e de novo pelo governo).

Quando essa realização se abate sobre os personagens, que inicialmente buscaram lucrar com a situação econômica que viram chegar a quilômetros de distância, é que A Grande Aposta dá o bote e nos mostra que criou arcos de personagens realistas e identificáveis enquanto nos apresentava a aula de economia mais cinematográfica da história. Especialmente Mark Baum (Steve Carell), o ostensivo protagonista do filme, um analista financeiro traumatizado pelo suicídio do irmão e revoltado contra o sistema, perpetuamente estressado, cuja realização do preço que a crise que ele e seus colegas estão prevendo vai cobrar vem junto com uma indignação moral que Carell vende com maestria. Christian Bale também está excepcional como o excêntrico Michael Burry, o primeiro a ver os riscos do mercado imobiliário americano, cujos tiques e métodos são questionados pelos chefes assim que ele tenta investir contra tal mercado para ganhar dinheiro no futuro.

A Grande Aposta, verborrágico, ágil e cheio de detalhes para contar, por vezes pode assustar o espectador mais casual, mas a mensagem final é tão forte, tão cínica e tão inegavelmente verdadeira que fica difícil ignorá-lo como um dos filmes mais importantes do ano. Em seu cerne, o filme é sobre um crime no qual os culpados nunca foram punidos, e que não está tão longe de se repetir – e é uma história em que não existem heróis, mocinhos e vilões. Existe apenas algoz (o sistema) e vítima (todo o resto do mundo).

✰✰✰✰ (4/5)

18 de fev. de 2016

Por que “Sleepy Hollow” ainda é um dos melhores procedurals no ar atualmente?

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por Caio Coletti

Quando Sleepy Hollow estreou, lá no final de 2013, ninguém esperava que a nova série de FOX fosse qualquer coisa além de um desastre. A premissa não ajudava: ressuscitado de seu túmulo na cidade-título dois séculos e meio depois de sua luta contra o cavaleiro sem-cabeça, Ichabod Crane se juntava à policial Abbie Mills para investigar e derrotar ameaças sobrenaturais ligadas ao próprio apocalipse. A surpresa foi perceber que Sleepy Hollow sabia que seu ponto de partida era ridículo, e sabia fazer proveito disso – logo no primeiro episódio, dirigido por Len Wiseman (Anjos da Noite, Duro de Matar 4.0), o cavaleiro sem-cabeça reaparecia e atacava os nossos heróis com uma espingarda (?!); mais tarde, John Noble (Fringe) encarnou o misterioso Henry Parrish, que começou como um guest star comum e logo se revelou parte integral da mitologia complicada que Sleepy Hollow teceu. Com uma primeira temporada espetacularmente divertida em mãos, não era difícil prever que a série teria problemas em cumprir as expectativas no segundo ano.

O problema com dita segunda temporada foi essencialmente que Sleepy Hollow começou a se levar a sério demais – embora a mitologia e a narrativa do apocalipse continuassem estupidamente absurdas, a série começou mergulhar de cabeça em reviravoltas e dramas familiares que distraiam o espectador do que realmente funcionava na produção, nomeadamente as ideias absurdas de monstro-da-semana e a relação entre Abbie e Crane, tecida com habilidade por Tom Mison e Nicole Beharie. Os melhores momentos de Sleepy Hollow são indiscutivelmente entre os dois, a química que os personagens opostos representam e a amizade que eles constroem, dividindo uma conexão que a série torna especial ao nos dizer que ambos são as profetizadas Testemunhas do Apocalipse, mas que é concretizada mesmo nas atuações e nos pequenos momentos de interação entre eles. A segunda temporada trocou tudo isso por um drama marital entre Crane e Katrina (Katia Winter), sua ex-esposa bruxa, encerrando a storyline do cavaleiro sem-cabeça e de Henry Parrish sem muita convicção antes de espertamente “limpar o tabuleiro” para o terceiro ano.

Trocando de showrunner e de vilão principal, introduzindo a intrigante Pandora de Shannyn Sossamon (Wayward Pines), Sleepy Hollow engatou em uma marcha mais procedural novamente no terceiro ano, contando uma história que tem consequências a longo prazo, mas essencialmente se abre e se fecha a cada semana. Não é a toa que a série fez crossover com Bones, maior sucesso da FOX há 11 anos, recentemente. A briga por recuperar a audiência não está exatamente funcionando, mas Sleepy Hollow mesmo assim parece ter se reencontrado – Sossamon traz mistério e uma consciência aguda do absurdo da trama no papel de Pandora, e os roteiristas cada vez mais se concentram na relação entre Crane e Abbie, abrindo espaço ainda para personagens coadjuvantes como Jenny (Lyndie Greenwood) e Joe (Zach Appelman) respirarem e ganharem vida própria.

Não acredite no que você lê por aí: a aposta do terceiro ano de Sleepy Hollow está funcionando, e os dois últimos episódios (3x09, “One Life”/3x10, “Incident at Stone Manor”) são a prova cabal disso. Com Abbie tendo se sacrificado para salvar Jenny, sua irmã, o grupo precisa lidar com a falta dela ao mesmo tempo em que novos monstros surgem, e Crane não desiste de procurá-la, acreditando que ela está presa em algum lugar do submundo. Sem querer dar muitos spoilers, resta dizer que logo encontramos a personagem de Nicole Beharie presa em um local estranhíssimo, realizado com efeitos especiais e senso de kitsch pela série, e sua jornada de volta para o nosso mundo é dramática. É verdade que Sleepy Hollow se adaptou a alguns caminhos narrativos que parecem familiares ou previsíveis, enquanto a surpresa era um dos principais elementos que davam combustível para a primeira temporada, mas uma história familiar bem contada e bem atuada ainda pode valer a pena.

Além do mais, essa nova Sleepy Hollow, mais do que a antiga, vive e morre pelas atuações de Beharie e Mison, e não há nada de errado nisso. Ambos, em seus próprios estilos, estão espetaculares na série – Mison traz uma sensibilidade teatral para Crane, seus maneirismos, seu sotaque e sua frustração com o mundo moderno; e Beharie ainda é o centro emocional da série, segurando com unhas e dentes sua personagem e ajustando seu estilo expressivo para as situações absurdas do roteiro. Eles parecem estar se divertido quando juntos em cena, e nada impede o expectador de se divertir com eles – pode ser que Sleepy Hollow não seja mais aquela série pela qual você se apaixonou em 2013, e pode ser que procedural de fantasia não seja exatamente sua praia, mas isso não significa que ela se tornou uma abominação. Se a FOX e os espectadores deixarem, Sleepy Hollow ainda pode ser uma consistente fonte de entretenimento e emoção por uns bons anos, e você não vai me ver reclamando.

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17 de fev. de 2016

Os 25 melhores álbuns do ano (passado)

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Como já é de costume: O Anagrama tarda, mas não falha! Prometemos uma lista completa dos melhores discos de 2015 pra vocês, e finalmente entregamos, com a nossa melhor tentativa de colocar em review esse ano maravilhoso, cheio de diversidade e propostas interessantes trazidas por novatos e veteranos no mundo da música. Recém-saídos do Grammy, agora é a nossa vez de celebrar o que encontramos de melhor nas rádios, no Spotify e, infelizmente, fora dele, nos últimos 12 meses. Já foi Carnaval, já foi Grammy e já foi a lista de melhores álbuns d’O Anagrama. Agora sim, 2016 pode começar de vez!
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Back to the Woods
Lançamento:
15 de setembro
Gravadora: Independente
Produção: Tk Kayembe
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por Caio Coletti
 
A penúltima faixa de Back to the Woods, segundo álbum completo de estúdio de Angel Haze, se chama "Exposed". Sobre as batidas e sintetizadores influenciados pelo dream pop do produtor TK Kayembe (único produtor do álbum todo), Angel rima com a fluidez e honestidade que se tornou sua marca, misturando relatos do seu relacionamento (recentemente terminado) com a modelo Ireland Baldwin com pedaços de memórias e confissões de sua infância e adolescência já largamente documentadas em todas suas letras. Parece covardia chamar só uma das faixas de Back to the Woods de “Exposed”, no entanto – em cada uma das 13 canções reunidas nesse lançamento independente, Haze escreve, entrega as rimas e canta (sim, e como canta) com os nervos à flor da pele, como um fio de alta tensão desencapado. Sobre o título do disco, elx declarou em sua conta no Twitter: “Eu estou voltando para casa, para mim mesmx. Para o lugar na minha mente em que eu me sinto melhor, onde eu realmente importo. Eu pertenço à floresta”. No final da faixa "The Woods", que fecha o álbum, Haze aparece em uma gravação falada, lembrando das vezes em que fugia da vida doméstica, da mãe pouco atenciosa, dos abusos de um parente próximo, do pai ausente, para o meio da floresta – e lá sentia como se finalmente se encaixasse em alguma coisa, em um mundo que é “grande demais até para si mesmo”.
 
Ao contrário do disco anterior dx rapper, intitulado Dirty Gold e lançado por uma grande gravadora, Back to the Woods não tenta entregar soluções fáceis para as perturbações na cabeça de Haze. Sua intensidade e sua natural introspecção são traduzidas pela produção do Kayembe com maestria, lançando batidas e sintetizadores graves a cada vez que Haze explode em rimas rápidas, e dando espaço para a voz dx artista respirar por cima de pianos suaves quando elx resolve cantar. Por falar nisso, não só a voz dx americanx surpreende, como o seu faro para melodias também – tendo escrito o álbum todo sem ajuda, Haze reverbera o relacionamento recém-terminado em faixas melancólicas e meditativas, por vezes até doces, como "Moonrise Kingdom", inspirada no filme de mesmo nome dirigido por Wes Anderson. Belas composições r&b ecoam em "Gods" e "The Eulogy", que não estariam deslocadas em um álbum mais experimental de Rihanna. O verniz pop que Haze adquiriu com a experiência em gravadora não foi embora, e isso só x torna mais acessível e envolvente.
 
O absoluto destaque do disco, no entanto, precisa ser "Babe Ruthless" (aí embaixo), alucinante faixa que quebra a suavidade de uma sequência de canções de relacionamento para reafirmar a primazia de Haze entre seus contemporâneos no rap. Cheia de versos geniais e uma energia quase maníaca, “Ruthless” cai como uma luva para Haze, que se reconecta com as raízes mais expostas e as dores mais agudas de sua história pessoal em Back to the Woods. O novo álbum dx rapper é uma declaração corajosa de independência musical tanto quanto é um argumento enfático sobre abraçar as próprias falhas, cicatrizes e sombras a fim de fazer as pazes com a pessoa que elas moldaram. Não é fácil, e Haze não quer fazer parecer que é – no fim das contas, é aí que mora o seu triunfo, e o seu indiscutível apelo.
 
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Communion
Lançamento:
10 de julho
Gravadora: Polydor/Interscope
Produção: Years & Years, Andy Smith, Mark Ralph, Two Inch Punch, TMS, Mike Spencer
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por Henrique Fernandes

Se em 2014, com apenas EP's e singles soltos, a banda britânica Years & Years já tinha feito seu nome na cena alternativa da música, 2015 foi o ano que invadiu também o mainstream com o lançamento do primeiro CD, Communion, em julho. O principal single do CD e talvez a música mais famosa do grupo, "King" (aí embaixo), já estourava nas rádios e nas pistas de dança desde o começo do ano, e com o lançamento do CD, o destaque que a banda recebeu foi imenso. E não é por pouco, visto que o grupo tem coisas muito interessantes que o fazem se destacar na cena musical atual: uma mistura muito bem orquestrada de sintetizadores, indie rock, pop, dance, house e r&b, juntamente com a voz ora angelical ora bruta do vocalista Olly Alexander, resultando num álbum que sabe caminhar muito bem entre o alternativo e o mainstream. Não é um CD complexo: Communion conquista a maioria dos que o ouvem, e suas produções não são as mais elaboradas ou difíceis. Seu trunfo aparece quando, num cenário onde a música eletrônica se resumia basicamente ao EDM, o alternativo não fugia das mesmices das bandas de indie rock e o pop não apresentava surpresas há tempos, o Years & Years apareceu com um som novo que, ironicamente, soa muito nostálgico, e, talvez por isso,  difícil de comparar com outras bandas que fizeram sucesso recentemente.

"I broke my bones playing games with you", entoa Alexander em "Real", o primeiro single lançado e talvez a melhor música do CD. Com um baixo bem marcado misturado com os sintetizadores, a música mid-tempo resume a alma do disco: composições sobre o amor, relacionamentos (gays, vale ressaltar – o vocalista é aberto sobre sua sexualidade e explora isso muito bem em suas letras), abandono e, mais importante, sobre vulnerabilidades, que tornam tudo muito verdadeiro para quem ouve. Communion caminha entre composições agitadas e mais calmas. "Shine" é o destaque mais alegre e romântico do CD, que cresce no ouvido e narra uma pessoa que está experimentando os primeiros sabores de um novo amor. "King" e "Desire" se consagram como os hinos pop-dance e são canções feitas para estourar nas pistas de dança e fazer até os mais tímidos agitarem seus corpos. Mais faixas mid-tempo aparecem, como as deliciosas "Take Shelter" e "Ties", onde novamente o baixo e os sintetizadores conseguem criar ótimas combinações. Do outro lado nos deliciamos com músicas mais calmas como "Eyes Shut" e "Memo", composições onde voz e piano (com bons elementos eletrônicos misturados) que mostram um letrista que se encontrou e se perdeu no amor várias vezes.

O resultado de tudo isso é coeso e completo. Mostra várias facetas de uma só banda, porém consegue manter uma identidade única. Acompanhado de um visual que mistura o dark e o colorido presente nas artes e nos ótimos clipes do disco, Communion é um ótimo debut. Funciona em casa e funciona na balada. Funciona pro alternativo e funciona pro mainstream. E é por isso que ele, e o Years & Years, deixaram sua marca no cenário musical de 2015.

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A Head Full of Dreams
Lançamento:
04 de dezembro
Gravadora: Parlophone/Atlantic
Produção: Daniel Green, Digital Divide, Rik Simpson, Stargate
Duração: 45m45s

por Caio Coletti

De certa forma, A Head Full of Dreams é mais break-up album do que o seu predecessor na cronologia do Coldplay, Ghost Stories. Mais catártico, mais honesto, mais grandioso e mais desavergonhadamente brega, em alguns momentos. Ao mesmo tempo em que traz as letras mais diretas (embora continuem belíssimas) da banda, A Head Full of Dreams é também um empreendimento musical tremendamente sutil. Qualquer um que ouviu "Birds" com atenção sabe do que eu estou falando – a balada suplicante que emerge aos poucos do instrumental piscodélico, baseado na guitarra e no balanço do baixo, é uma bem-vinda surpresa, engolfando o ouvinte em uma alquimia que é inequivocamente pop, mas que mantem o cuidadoso lirismo que é a marca do Coldplay. A partir dessa faixa, o disco começa a soltar as asas e mostrar exatamente em que tom ele completa o Ghost Stories, lembrado como o disco sombrio que faz a crônica da separação entre Chris Martin e Gwyneth Paltrow, e qual é a história que Martin e companhia pretendem contar aqui. A belíssima "Everglow", com seu arpejo de piano que destoa de outras baladas do Coldplay, dá a dica: A Head Full of Dreams toma distância dos sentimentos imediatos e calorosos do fim de um relacionamento e analisa a forma como ele deixa marcas e revoluções dentro de cada um.

Mais até do que isso, o Coldplay ousa encontrar a beleza nessas marcas, a melancólica realização de que a passagem de alguém pela nossa vida deixa alguma coisa em nós que nunca vai embora, não importa quão longe tal pessoa vá estar. É lindo que o A Head Full of Dreams diga isso, porque isso não é dito o bastante nesse oceano de break-up albums feitos com a raiva, o ressentimento, os ciúmes e a devastadora tristeza que vem das separações. No dueto com Tove Lo em “Fun” (para a qual não achamos link para colocar aqui), as vozes conjuntas de Martin e da cantora sueca proclamam: “So before it’s over, before you go/ Didn’t we have fun?”. Diversão é parte importante do álbum, sem dúvida o disco do Coldplay que veio empacotado em mais alquimia pop – em “Hymn for the Weekend” (aí ambaixo) a influência é óbvia, mas a verdade é que A Head Full of Dreams é todo moldado em um padrão pop do qual a banda britânica nunca foi adepta, nem mesmo no Mylo Xyloto.

A boa notícia é que a escolha de ser pop funciona muito bem com o clima e o tema do álbum, não importa o que os fãs mais radicais e antigos possam falar. Nesse espírito que faixas como "Amazing Day" acontecem – com sua estrutura simples, sua guitarra marcante e a batida que acompanha quase todo o álbum, o Coldplay se concentra na melodia e na evocação meio-dolorosa, meio-satisfatória, do dia perfeito do qual a música fala. Em "Up & Up", Martin se dirige diretamente ao ouvinte e nos chama a não desistir quando estamos passando por momentos de tristeza. A Head Full of Dreams é, de sua forma muito peculiar, uma obra-prima falha do que muitos chamam de poptimism, a valorização do discurso comum e agregador do pop para criar mensagens positivas e sentimento de verdade. Como foi o Coldplay que o produziu, nem todo mundo quis dá-lo o benefício da dúvida – quem quis deve ter se surpreendido.

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Light Up the Dark
Lançamento:
18 de setembro
Gravadora: Parlophone
Produção: Luke Potashnick
Duração: 49s58s

por Caio Coletti

Durante as 12 faixas de Light Up the Dark, o segundo álbum da inglesinha de 23 anos Gabrielle Aplin, por vezes parece que estamos ouvindo um pout-pourri do trabalho de algumas das melhores representantes desse estranho gênero indie/folk/neosoul que deu vida a tantos artistas do atual cenário musical. As primeira faixas do disco, por exemplo, cheiram forte à Fiona Apple, com sua pegada rock transportando melodias sensíveis com letras desafiadoras, quase raivosas. Na excelente "Slip Away", Aplin canta sobre as guitarras e sobre a batida lenta e marcante um aviso a um amante controlador: “Can’t hold me down, can’t drown me out/ Cause I’ll slip away slowly/ The closer you hold me”. Tematicamente, o álbum dá voltas em torno de si mesmo com o tema dos relacionamentos falhos, seja por culpa da personalidade explosiva que Aplin incorpora aqui ou pelas faltas do companheiro a quem ela se dirige – nos melhores momentos, é uma mistura dos dois, como no single “Sweet Nothing” (aí embaixo), co-escrita pela cantora Charlotte OC e transformada na mais distintivamente autoral canção do disco pela voz de Aplin e pelo trabalho cuidadoso do produtor Luke Potaschnick, largamente responsável pela mistura de referências que ouvimos aqui.

A inglesa empresta dicas da canadense Feist nas duas baladas mais melancólicas do álbum, as ótimas "Heavy Heart" e "Shallow Love", que pegam a fórmula de folk contemporâneo registrada pela cantora e adicionam uma boa dose de soul nos vocais. Especialmente em “Heavy Heart”, Aplin impressiona quem quer que não tenha se agradado muito com suas performances no disco anterior, English Rain – saindo da zona de conforto do seu belo soprano, que leva “Shallow Love” e algumas outras faixas de Light Up the Dark nas costas, Aplin desce o tom para um agudo gritado e sentido, especialmente na última repetição do refrão. A cantora vai ainda mais fundo no soul (e encontra ecos de Florence + The Machine, é claro) na assombrada "Anybody Out There?", uma balada que emerge dos teclados da mesma forma que tantas faixas da banda de Florence Welch (embora sem exatamente o mesmo clima místico – Light Up the Dark é um álbum decididamente terreno).

As faixas mais doces, como "Hurt" e "What Did You Do?" (“I never felt so lonely alone/ I never cared til you came along/ What did you do?/ What did you do to me?”), buscam referências em artistas como Christina Perri, Mumford & Sons e Of Monsters and Men, que exploram as partes mais delicadas do folk e do trovadorismo romântico. Com tantos nomes espalhados como pontos de localização no álbum, é fácil achar que o Light Up the Dark é uma emulação de tendências sem uma artista com identidade própria, mas a mágica que acontece com o disco de Aplin é que não só ele vai atrás das referências certas, como pelo caminho consegue torcer e refazer os estilos de todas essas referências em algo novo e interessante. Com esse segundo álbum, Gabrielle Aplin se anuncia como uma jovem artista com algo a dizer, e uma forma única, sutilmente diferente, de dizê-lo – nossa resposta não poderia ser outra: seja bem-vinda.

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Blurryface
Lançamento:
17de maio
Gravadora: Fueled by Ramen
Produção: Ricky Reed, Mike Eliozondo, Mike Crossey, Tim Anderson, Tyler Joseph
Duração: 52m23s
 
por Nathalia Nasser

Personificar um sentimento abstrato que é só descrito pela música de forma melancólica e introspectiva é sinônimo de inovação de cenário. O duo de pop esquizofrênico Twenty One Pilots produziu em 2015, além de álbum, personagem com nome e características específicas. Tyler Joseph preenche uma tela em branco com todos os atributos humanos negativos que enxerga em si, lida de frente com cada um deles e nomeia esses elementos: Blurryface. Afinal, só mesmo assim se pode entender e lidar com imperfeições; e ir além, aceitando-as como parte de si.

Essa não é a primeira tentativa – e concretização – do Twenty One Pilots de trabalhar fora do que o cenário atual oferece aos músicos: o álbum anterior da dupla também sai do que se vê atualmente. Vessel possui duas das grandes características que um artista de sucesso deve ter: músicas inteligentíssimas e fáceis de digerir, e um contrato com a gravadora Fueled By Ramen, que possui fãs assíduos e fiéis. A partir da confiança conquistada com Vessel e o amadurecimento adquirido, criou-se uma segurança artística o suficiente para escrever sobre tudo o que não se diz: “I was told when I get older all my fears would shrink, but now I’m insecure and I care what people think” (trecho de “Stressed Out”, logo aí embaixo).

O Blurryface não é de todo preto no branco. Além desses elementos negativos com os quais o artista se depara, existe a raiva, a tristeza, e um segundo personagem: o evil, que, dentro do álbum, é o estado de espírito que mistura decepção com ódio. A tendência de te fazer afogar dentro de si mesmo e colocar isso para fora. É daí que vem a utilização da cor vermelha dentro do encarte do álbum – a história é preta e branca, mas também vermelha, cor da raiva, da forte emoção, da paixão, da violência. De tudo o que não é pouco. Na digressão do álbum, Joseph menciona uma imagem de seu próprio rosto mutilado por conta da luta com seu adversário. E diante dessa parte visual, concretiza a perda dessa luta na nona faixa do álbum ("Polarize") quando diz: “I wanted to be a better adversary to the evil I have done.

Ao longo de todas as músicas que contam com detalhados rifs, um piano presente e marcante, um ukelele minucioso e screamos muito bem localizados, o Blurryface se apresenta aos poucos. O álbum dá liberdade ao ouvinte para criar visualmente seu próprio personagem; e independentemente da imagem que se dê ao Blurryface, ele é uma parte de nós que não desejamos mostrar ao mundo. A contradição que existe em expor os elementos negativos em letras, melodias, imagens e um design totalmente pensado em conceitos é parte do processo criativo da dupla. O Blurryface expressa sua dualidade de personagem e álbum quando deixa claro ao ouvinte a capacidade que um ser inseguro tem: demonstrar à primeira vista a calma, segurança e confiança. Mas é preciso se afundar pouco no álbum para saber que as músicas com batidas dançantes, eletrônicas e os raps são mesmo apenas fachadas.

Ao representar o álbum nos shows, Joseph se caracteriza. Torna-se a própria personificação do Blurryface. Ao contrário de artistas como David Bowie e Lady Gaga, que criam um alter-ego e se apresentam como outro ser humano, Joseph apenas destaca o personagem em sua própria imagem: abre a todos suas fraquezas com as mãos pintadas de preto, representando a parte negativa e escura dentro de si, e o pescoço, também no mesmo tom, expondo o quanto isso é capaz de sufocar sua personalidade. A última faixa do álbum ("Goner") ilustra o sufocamento, o desespero, a necessidade por ajuda quando Joseph grita “Don’t let me be gone.”

Ouvir o Blurryface é concretizar a certeza de que a luta contra demônios e inimigos internos não é em vão. O Twenty One Pilots foi capaz de aceitar todos os atributos negativos de si pintando uma tela de preto, branco e vermelho. Cada pessoa que ouviu o Blurryface criou, sem dúvidas, suas próprias cores. Uma criação que vale a pena, o álbum e a carga conceitual.

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Grand Romantic
Lançamento:
16 de junho
Gravadora: Fueled By Ramen
Produção: Jeff Bhasker
Duração: 46m17s

por Caio Coletti

Como a voz do fun., o americano Nate Ruess trouxe a vida canções que arquivavam aquele raro equilíbrio entre bombásticas e delicadas, criando uma assinatura melódica tão reconhecível que ficou clara até em "Just Give me a Reason", seu dueto com P!nk. Na sua primeira aventura solo, Ruess curiosamente abandona muito dessa tal melodia reconhecível, preferindo explorar cantos e excentricidades às quais sua voz não está acostumada – o resultado é um belo álbum que ainda preserva o casamento de pompa com sensibilidade que marcou o fun., mas que pronuncia seu vocalista como um artista solo muito distintivo, que merece ser acompanhado. A maioria do disco é co-composta por Ruess com Emile Haynie (cujo próprio álbum de estreia está aqui na nossa lista, na posição #11) e o produtor Jeff Bhasker. Ambos já trabalharam com o fun., mas emprestam à Grand Romantic uma leveza que não pertence ao repertório da banda da qual Ruess é o mais famoso integrante – até quando colocam o vocalista para trabalhar com instrumentais mais inflados, vide a ótima "Great Big Storm", as composições aqui carregam melodias de tons mais simples, abertos, que permitem à Ruess explorar expressividades diferentes, mais otimistas ou menos pretensiosas, que na sua banda principal.

Tematicamente, o disco é um longo pronunciamento de romantismo, como o título anuncia. Mesmo quando se distancia um pouco do tema para falar acidamente de fama e cultura da celebridade em "What This World is Coming To", dueto com Beck que faz parte da seção de instrumentais mais suaves, levada todo pelo violão, Ruess acaba voltando à declarações de amor grandiosas e teatrais, auxiliadas por pianos poéticos, o eventual uso de uma seção de sopros e batidas rarefeitas. A delicada e dolorida "Take it Back" também faz parte desse pacote, assim como a orquestrada "It Only Gets Much Worse", duas baladas de expressividade oposta, mas que se casam bem no começo e no final de Grand Romantic, um álbum que passeia com habilidade por variações de um mesmo tom e nunca se torna repetitivo. Basta comparar essas duas baladas com a animada "You Light My Fire", que não estaria deslocada no álbum de nenhuma diva pop do momento, e com a guitarra inspirada de "Harsh Light", única composição em parceria com o companheiro de fun. Jack Antonoff.

Conforme Grand Romantic acaba com um recorde de dramaticidade na belíssima "Brightside", que repete um pedaço da melodia da faixa que abre o disco, "AhHa", é fácil perceber que o que amarra esse álbum díspar e espetacular em um todo coerente é a voz elástica e eclética de Ruess, sempre atingindo agudos impressionantes não pelo prazer de poder atingí-los, mas para realçar um ou outro aspecto da melodia. Grand Romantic é o álbum de um grande vocalista que trabalha, pensa e se comporta como um grande compositor – focado, com um tema forte que une todas as faixas, uma visão musical clara, e a sutileza para integrá-la em cada aspecto do fazer musical.

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Confident
Lançamento:
16 de outubro
Gravadora: Hollywood/Island/Safehouse
Produção: Mitch Allan, Babydaddy, Carolina Liar, Jason Evigan, Carl Falk, Ilya, Steve Mac, Max Martin, Ali Payami, Laleh, Rami, Stargate, Gustaf Thörn
Duração: 38m59s

por Caio Coletti

Acompanhar a trajetória de Demi Lovato de 2008, quando saiu o Don’t Forget, para cá, tem sido uma jornada reveladora do amadurecimento de uma artista que sabe onde quer chegar e como chegar lá, mas também tem noção de que a estrada é longa e que o tempo é um fator decisivo nela. Claro, nós vimos isso acontecer com outras artistas também: notavelmente, com suas companheiras de Disney Channel Miley Cyrus e Selena Gomez, cada uma a sua maneira – mas o que diferencia Demi dessas e de outras cantoras atualmente é a forma como sua jornada de amadurecimento aparece claramente, sonoramente, na música. Isso vai além dos notados problemas pessoais pelos quais a artista passou, dos distúrbios alimentares ao vício em álcool e drogas, e à relação conturbada com o pai, representada aqui na bela "Father", uma faixa apropriadamente gospel, com seus corais e cordas elevando Demi para cantar diretamente ao falecido pai, entoando um dolorido “I hope that heaven’s giving you a second chance”. O amadurecimento de Demi está também na forma como ela, a cada álbum, se aproxima de gêneros e elaborações musicais novas na tentativa de se encontrar. Acompanhar os resultados é sempre no mínimo curioso, e, nos melhores momentos, espetacular.

Confident, o quinto álbum de estúdio da cantora, começa com a arrebatadora faixa-título, "Confident", e seus trompetes e batidas militares por cima da declaração corajosa de confiança da cantora, e segue ligado no 220 com o hit “Cool for the Summer” (logo aí embaixo), que troca os trompetes por sintetizadores rasgados e a mensagem desafiadora por uma lânguida insinuação de experimentação sexual. Aos 23 anos, Demi abre o álbum com duas faixas tremendamente adultas, e que conservam seu poder mesmo quando o restante do Confident segue por outra direção musical – uma parte do novo disco chega influenciada pelo r&b, que não é exatamente um gênero estranho para Demi, mas que é explorado com gosto aqui, seja em "Old Ways" ou na imponente "Waitin' for You", não por coincidência duas faixas que examinam o passado da cantora e entregam sentenças de superação.

Os refrãos grandiosos, levados pela garra dos vocais da cantora, se repetem em faixas como "Kingdom Come" (com participação desnecessária de Iggy Azalea) e "For You", que exploram caminhos mais eletrônicos sem saírem da cadência muito particular do disco. As baladas da vez ficam por conta das colaborações de Demi com a cantora/compositora Laleh – juntas, elas armam a maior extravagância vocal da carreira da cantora em "Stone Cold", uma das faixas que Demi mais explora ao vivo, mas que ganha toques de cordas e outras delicadezas de produção muito bem-vindas no estúdio. É fácil se esquecer de que Demi Lovato ainda é uma garota de 23 anos em Confident, que a vê chegar como uma poderosa entidade pop ao quinto álbum. Com um som cada vez mais distintivo e uma habilidade vocal e expressiva cada vez mais impressionante, Demi continua sua jornada em direção a construção de uma identidade que ainda vai marcar muito o nosso imaginário pop. E nós continuamos com ela, ganhando belas canções pelo caminho.

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The Desired Effect
Lançamento:
15 de maio
Gravadora: Island/Virgin EMI
Produção: Ariel Rechtshaid, Brandon Flowers
Duração: 39m05s

por Nathalia Nasser

Quase ao final do primeiro semestre de 2015, o mundo pop foi presenteado com um álbum forte e sofisticado. Brandon Flowers tinha uma proposta simples com The Desired Effect: relembrar o que o pop da década de 80 teve de melhor. Para um talento nato como ele, ter um só álbum em pauta é o suficiente para um trabalho impecável. Flowers viaja na carreira solo com muita maestria e sem deixar para trás nada do que lhe foi atribuído como um impecável frontman de uma das maiores bandas de rock dos anos 2000. Depois de Flamingo, lançado em 2010, Flowers ainda pôde gravar mais um disco com sua banda, e Battle Born trouxe ainda mais bagagem para sua performance e criação.

A escolha do jovem produtor vencedor do Grammy Ariel Rechtshaid, de apenas 36 anos, – que recentemente trabalhou com artistas como Vampire Weekend, Sky Ferreira, Charli XCX e HAIM – foi o toque final para um álbum pop que trouxesse ao mundo batidas fortes e dançantes dos anos 80. Essa parceria foi vitoriosa para a coleção dos artistas: o álbum foi considerado o álbum do ano pelo saudoso inglês The Sun, e pelo jornal californiano The San Francisco Examiner. A capa do álbum traz as chaves da figura de Brandon Flowers desde o The Killers: simplicidade e beleza. A tipologia, que lembra álbuns como Thriller, de Michael Jackson, remete a quem compra apenas a imagem do que de fato existe no álbum: uma homenagem saudosa e perfeccionista do que de melhor aconteceu na música pop oitentista.

Inteligentíssimo na escolha dos poucos detalhes na capa, Flowers foi ainda mais feliz na escolha da primeira faixa. “Dreams Come True” apresenta ao ouvinte a tonalidade forte de sua voz, e não deixa que ninguém esqueça sua brilhante carreira: é possível vê-lo no palco performando com qualquer um dos figurinos icônicos de sua trajetória. A abertura sinaliza perfeitamente o que vem pela frente: percussões fortes, muitos backing-vocals femininos, trompetes e baixos muitíssimo bem pontuados. A estética continua linear com “Can’t Deny My Love” (logo aí embaixo), primeira divulgação do álbum, que conta com o que 2015 viu com muita sofisticação de Flowers, Kendrick Lamar, e outros bons artistas: o funk. É bastante viável imaginar essa faixa em especial em algum disco de Greatest Hits da primeira metade dos anos 80. Foi novidade para o público que Flowers fosse tão inspirado pelo groove e funk – hoje, não restam dúvidas. Há tempos Flowers não se sentia tão em casa com uma canção: essa foi feita sob medida para sua voz e ritmo.

Faixas como “I Can Change” – que, além do sample do clássico “Small Town Boy”, tem participação marcante de Neil Tennant –, “Lonely Town”, “Still Want You” e “Never Get You Right” são claros tributos às referências e inspirações de Flowers. As canções são ilustrações claras de um romance oitentista. A última quase alcançou “Can’t Deny My Love”: a voz de Flowers é quem faz quase que o trabalho todo na desenvoltura da música. “Untangled Love” é, provavelmente, a faixa que mais é possível lembrar e sentir traços de álbuns como Sam’s Town e Day & Age. Flowers foi feliz em revolucionar sua linha musical na carreira solo, e ainda assim é capaz de trazer sutilmente sua bagagem de artista rock dos anos 2000 sem perder a linearidade e uniformidade de um álbum sofisticado e easy-listening ao mesmo tempo.

O trabalho de The Desire Effect recrutou também o que Flowers julgou de melhor em suas referências – contou com Bruce Hornby, grande pianista da década de 80, e Tony Levin, baixista de Peter Gabriel – e o que vê de melhor no seu cenário – Angel Deradoorian, baterista bem criticada dos últimos anos, que trabalhou com ninguém menos que Beck, vencedor do último Grammy de melhor álbum.

É possível dizer que na escolha na ordem das faixas, Flowers o divide em dois, fazendo uma grande pausa no meio do álbum. A quinta faixa, “Between Me And You”, quase obriga o ouvinte a se desconectar da dança saudosa que lhe foi oferecida nas quatro faixas anteriores e se concentrar quase que completamente no ritmo sutil e nas batidas profundas da música. O álbum anda em linha reta, conecta suas músicas quase que como tomadas, e visa o ritmo diretamente aos que gostam do lado mais calmo de Duran Duran e Pet Shop Boys. The Desired Effect foi uma equação perfeita para as hipérboles da voz de Flowers, juntamente com sua necessidade e inspiração. Por parte da produção, um masterclass de truques de produção da década de oitenta. Um álbum que foi prolixo e óbvio em algumas letras, mas completamente capaz de induzir de forma sofisticada uma ideia simples com uma execução magistral.

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Another Eternity
Lançamento:
27 de fevereiro
Gravadora: 4AD
Produção: Purity Ring
Duração: 35m23s

por Caio Coletti

Another Eternity, o segundo álbum de estúdio do duo de eletrônica canadense Purity Ring, começa e termina com notas líricas igualmente delicadas: em “Heartsigh” (aí embaixo) a vocalista Megan James canta em tom suave e terno que vai “roubar um suspiro do seu coração, e colocá-lo no meu”; em "Stillness in Woe", a narradora apaixonada se desculpa se sua proximidade assusta o parceiro, mas diz ter construído “um reino com os seus sofrimentos”. A jornada que existe entre essas duas canções é tão intensa musicalmente quanto é sutil e cuidadosa em seu conteúdo lírico, buscando referências interessantes para criar o que só podem ser descritos como “poemas musicados”, com raras intervenções de ganchos e refrãos mais pop. É um disco obstinadamente disposto a explorar as profundezas dos sentimentos mais ternos (mas também dos mais destrutivos) de uma relação amorosa, e é um feito de produção e composição que deveria elevar o status do duo canadense para artistas indispensáveis dentro da música eletrônica/indie.

Musicalmente, é fácil acompanhar a jornada do disco. Another Eternity começa com baladas eletrônicas que emergem de melodias delicadas e dos teclados e sintetizadores bem calculados, que flertam com o dream pop (vide "Push Pull"), acha tempo para trazer influências do r&b minimalista de gente como a FKA Twigs na discretamente sensual "Repetition" (“Watching me is like watching the fire take your eyes from you”). O meio é marcado pela complexa e quebradiça "Stranger Than Earth", que pesa um pouco mais nos sintetizadores graves e dá a dica do clima do final do álbum, dominado por uma força eletrônica que se aproxima do witch house, especialmente no ultra-marcante refrão de "Flood on the Floor", e na dançante e grudenta "Begin Again" (“You’ll be the Moon, I’ll be the Earth/ And when we burst/ Start over, oh darling”).

É impossível não notar que a cabeça do grupo é o compositor e produtor Corin Roddick. Apesar do auxílio da também vocalista Morgan James na produção, e do crédito que eles dividem em tudo o que o Purity Ring já fez, é Roddick quem cria as roupas que o duo usa nas apresentações ao vivo e os conceitos visuais dos clipes e dos discos, além das letras das canções serem, em sua maioria, adaptadas de suas poesias. Ao mesmo tempo, a vocalista James toma um papel importante ao emprestar sutil modulação ao material do companheiro, passando por cima de barreiras melódicas e se ajustando a repetições e filtros de voz diferentes com desenvoltura ímpar no cenário em que o duo se localiza. Com espírito de equipe impecável e uma preocupação refrescante em contar uma história, o Purity Ring criou um dos álbuns indie de eletrônica mais bacanas do ano.

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I Am
Lançamento:
11 de setembro
Gravadora: Island/Def Jam
Produção: Leona Lewis, Toby Gad, Kevin Anyaeji, James Elliot, Naughty Boy, TMS, Eg White, Wayne Wilkins
Duração: 35m35s

por Caio Coletti

Não dá para dizer que a carreira de Leona Lewis saiu dos trilhos em algum momento dos últimos 10 anos desde que foi revelada pela terceira edição do X Factor britânico. O problema aqui era justamente o contrário: Leona estava sempre, infalivelmente, na mesma rota. Os quatro álbuns de estúdio lançados antes de I Am seguem o mesmo estilo: baladas engrandecidas pela voz elástica e impressionante da inglesa de 31 anos, levadas por órgãos, pianos, e pelo talento dos compositores que ela recrutava a cada disco. Antes de I Am, em que Lewis co-escreve todas as faixas, ela só deu pitacos em algumas das composições da carreira – aqui, ela trabalha quase exclusivamente com Toby Gad, conhecido por produzir Adele, Jessie J e Demi Lovato, para construir um álbum coeso em sua vontade de encaixar a artista em um nicho neo-soul que não só é confortável para ela, como coloca fogo nas baladas do seu repertório e lhe parece muito mais autêntico e carismático do que a melancolia forçada de certos momentos dos discos anteriores.

I Am não é um álbum triste. Embora alguns críticos tenham o apontado como um break-up album, por suas referências líricas a relacionamentos passados e sua reafirmação de força e auto-estima frente à adversidade, em muitos sentidos o que Leona canta aqui é a essência da sua assertividade como mulher, como cantora e como artista. Os pianos animados pelas batidas dos singles “Thunder" e “Fire Under My Feet” (aí embaixo) dão o tom da interpretação e clima incendiários do álbum, se chocando com a belíssima e empoderadora "You Knew Me When", uma balada escrita por Diane Warren (indicada ao Oscar esse ano pela colaboração com Lady Gaga em “Til It Happens to You”) que Leona interpreta com energia e entendimento da mensagem.

O restante do álbum segue com leveza que é talvez a característica mais surpreendente do trabalho novo da cantora. As batidas sem peso aparecem em "I Am", acompanhada por cordas que só tornam a faixa mais deliciosa; na excelente (e grudenta) "Ladders"; e em "I Got You", que termina com um agudo de arrepiar. É uma Leona mais eletrônica, menos preocupada com a gravidade de seus instrumentais, mais livre para se expressar da forma que lhe convém – a francamente dance "Another Love Song" segue por um caminho que a cantora já havia ensaiado no single promocional "Collide", que acabou sendo excluído da versão normal do disco anterior, Glassheart (2012). Leona está muito melhor buscando explorar suas vontades musicais, sua inspiração lírica e sua voz – e quem ganha com isso somos nós, ouvintes.

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How Big, How Blue, How Beautiful
Lançamento:
29 de maio
Gravadora: Island
Produção: Markus Dravs, Paul Epworth, James Ford, John Hill, Charlie Hugall, Kid Harpoon, Brett Shaw, Isabella Summers, Dan Wilson
Duração: 48m46s

por Caio Coletti

Os trompetes de “What Kind of Man” (aí embaixo), talvez a faixa mais distintiva do How Big How Blue How Beautiful, terceiro álbum de estúdio do Florence + The Machine, anunciam a chegada de uma artista diferente daquela com a qual nos familiarizamos no transcedental Ceremonials e no feral Lungs, as duas obras anteriores da banda. Sob a tutela do produtor Markus Dravs, conhecido por trabalhar com Björk no clássico Homogenic (1997), Welch e companhia engendram um som que brinca com as maiores referências da banda, desde o gospel americano até a Motown dos anos 70, entremeando baladas delicadas com canções mais pesadas, que trazem de volta a fúria das guitarras e da percussão da The Machine. É um som mais orgânico do que o do Ceremonials, e mais maduro do que o do Lungs, mas isso nem sempre é um mar de flores: em certos momentos, How Big How Blue How Beautiful parece um álbum estagnado, obcecado por um tema e uma abordagem, que joga em terreno seguro.

Mesmo com esses poréns, o Florence + The Machine ainda cria uma das músicas pop mais únicas e interessantes do cenário. O início do álbum pega fogo, com o violão rítmico e os corais evocativos de um blue-eyed soul à la Stevie Nicks colorindo a excelente "Ship to Wreck", e a apoteose dos órgãos e sopros formando o cerne da canção título, a longa e belíssima "How Big, How Blue, How Beautiful" (a versão usada no clipe é reduzida). Quando chegamos na pancada Motown dos teclados e batidas de "Queen of Peace", já estamos novamente encantados pela voz e pela capacidade estética do Florence + The Machine, que na curta carreira já deu vida a algumas da melodias mais espetaculares da música pop contemporânea, com seu faro particular para soul e suas intrincadas composições.

O caráter mais “terreno” do novo álbum (Welch deu entrevista dizendo que, como um exercício, o produtor Dravs a proibiu de escrever novas músicas que tem como tema a água), no entanto, mostra-se uma restrição para os exercícios estéticos da banda. Embora, liricamente, seja uma ideia interessante ver Florence percorrendo metáforas e temáticas mais imediatas, encontrando formas de conciliar-se com as realidades da sua personalidade e do efeito dela nos seus relacionamentos, ao invés de trabalhar e retrabalhar o tema do escape e da morte, musicalmente o álbum sofre das limitações que a produção e o conceito lhe impõe. Aqui e ali, brilham lampejos de genialidade como “Various Storms & Saints”, uma balada crescente e sublime, e "St. Jude", cujo tom resignado combina com o instrumental quase todo composto por um órgão opressivo.

No campo da composição, o Florence + The Machine ainda é imbatível, com suas melodias escapando das convenções que a produção lhe tenta impor, e da monotonia da construção do álbum. Na explosão final de "Mother", no entanto, única faixa não produzida por Markus Dravs, fica claro que o conjunto britânico é muito melhor quando deixado livre para explorar suas possibilidades mais elevadas e suas vontades mais extremas. Em suma, o Florence + The Machine funciona melhor no calor da batalha do que no conforto da sala de casa.

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Cry Baby
Lançamento:
14 de agosto
Gravadora: Atlantic
Produção: Kinetics & One Love, Christopher J. Baran, KaraDioGuardi, Kyle Shearer, Daniel Weber, SmarterChild, Michael Leary, Michael Keenan, Babydaddy, Michael Miller, Frequency, Aalias
Duração: 46m38s

por Caio Coletti

As cinco primeiras faixas de Cry Baby, álbum de estreia da Melanie Martinez, são para serem devoradas em um fôlego só. Todas co-escritas por Martinez com o duo Kinetics & One Love (responsáveis por “Airplanes”, do B.o.B.) e produzidas pelos próprios, as faixas mantem a mesma vibe de tons suaves de teclado, remanescentes de caixinhas de música, com batidas de hip-hop que remeteriam (um pouco demais) ao primeiro disco de Lana Del Rey, se a performance vocal de Mertinez não fosse tão particular e seu veneno lírico tão pungente. Várias dessas músicas acabam se tornando destaques dentro do álbum – evocando um cenário familiar de perfeição à la anos 50, exatamente como Del Rey e Marina and the Diamonds (no Electra Heart), Martinez destila versos cínicos que sobem as cortinas desse ideal com a empolgação pueril de uma filha adolescente revoltada. A minimalista e chocante "Sippy Cup" é a que vai mais longe: “He’s still dead when you’re done with the bottle”, canta Martinez com maldade ímpar.

Uma das jogadas mais espertas do Cry Baby, no entanto, é quebrar com essa exclusividade e uniformidade. A sexta faixa, “Soap”, troca de produtor e de instrumental, pesando a mão nos sintetizadores e mantendo a mesma verve venenosa e o ponto de vista juvenil para lidar com temas muito maduros. O melhor efeito dessa combinação curiosa que Martinez desenvolveu para o álbum ocorre na bizarramente romântica "Training Wheels", estruturada como uma lovesong dócil, mas temperada com referências creepy a elementos da infância (vide o título) e fantasmas de abuso sexual. Não dá para dizer que o Cry Baby é um disco sombrio, propriamente falando, mas é impossível negar que as composições de Martinez e companhia carregam consigo uma identidade muito peculiar, de celebração da excentricidade na superfície, e exploração das profundezas do que significa ser um outsider no mundo compulsivamente “padrão” em que vivemos.

A ciranda de produtores faz bem ao disco. Nas mãos de Kara DioGuardi, Martinez ganha seu hit mais inescapável, “Pity Party” (aí embaixo), distintivamente mais pop do que a maioria das outras faixas do álbum. Com o grupo de produtores SmarterChild, cria a melodia divertida e marcante de "Tag, You're It"; e em parceria com o pessoal do Frequency, fecha o disco com chave de ouro na indelével "Mad Hatter", que usa e abusa de citações do clássico Alice no País das Maravilhas, de Lewis Carroll, para reafirmar o ponto de excentricidade e expressividade de Martinez. Se aproximando de referências muito atuais, como a já citada Lana Del Rey e as batidas e ritmos de Lorde, a ex-concorrente do The Voice consegue cavar um espaço bem próprio dentro do cenário pop, jamais caindo na imitação de suas colegas de gênero, e se reinventando dentro de um único conceito com o jeito genioso de uma artista pop legítima e única.

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Rub
Lançamento:
25 de setembro
Gravadora: I U She Music
Produção: Peaches, Vice Cooler
Duração: 41m23s

por Caio Coletti

Faz 15 anos que a professora canadense de teatro e música Merrill Nisker adotou o codinome Peaches e lançou o disco The Teaches of Peaches, que garantiu, com seu improvável hit "Fuck the Pain Away", a imortalização dessa personalidade transgressora da música pop contemporânea, que atinge seu sexto álbum de estúdio não só em plena forma, mas provocadora e relevante como sempre. O segredo de Peaches é brincar com o trash é com a crueza das produções enquanto destila, em plena atitude punk, sua raiva e vontade de desafiar o mundo. 15 anos depois de The Teaches of Peaches, as letras sexualmente explícitas podem não chocar tanto, mas seguem um elemento libertador da sexualidade feminina, e revelador da opressão que ela sofre. Ao mesmo tempo, Peaches abusa do pastiche e do electroclash cru que compõem seu repertório musical (embora o som hoje seja muito mais eletrônico do que o de 15 anos atrás) para criar uma transgressão que, acima de tudo, é tremendamente divertida e debochada, quebrando regras e barreiras explícitas e não-explícitas no caminho da expressão completa e (naturalmente, sem forçar a barra) bem-humorada.

O álbum começa para valer depois da primeira faixa, a parceria com Kim Gordon em "Close Up", que ganhou clipe imperdível logo antes do lançamento do disco. É na faixa-título "Rub” (aí embaixo), no entanto, que Peaches mostra a que veio e porque ainda é dona da própria mensagem e da própria musicalidade – levando as batidas orquestradas pelo co-produtor Vice Cooler com facilidade, a performer canadense canta com gosto uma celebração da sexualidade feminina e da promiscuidade em geral. Explícita como o clipe, com um refrão destruidor que aumenta o volume dos sintetizadores cortantes com efeito espetacular e desagua numa hipnotizante repetição do título da música, “Rub” toca sem pudor, na melhor das tradições de Peaches, em assuntos que ainda são tabu na música mainstream, e engata em um refrão de mensagem positiva: “Feel free/ Come with me/ Peachy!”. As letras de Peaches podem não ser profundas (sem trocadilhos), mas seu poder não pode ser ignorado.

Ainda mais hilária é "Dick in the Air", em que Peaches solta versos que desmistificam e banalizam o órgão sexual masculino – que, cá entre nós, já é endeusado o bastante por aí. Mais sombria, a maldosa "Free Drink Ticket" conta com a voz modulada e distorcida da cantora sobre um sintetizador impressionantemente grave emoldurando a cínica descrição que Peaches faz de algum ex-namorado azarado. "Vaginoplasty" toca novamente na sexualidade feminina, criando uma ode aos “grandes lábios” da cantora e, ao mesmo tempo, citando de maneira bem-humorada e intencionada a questão dos transgêneros. O grito final dessa transgressora de 48 anos vem ao lado da participação improvável de Feist em "I Mean Something", em que canta, meio resignada, meio desafiadora: “No matter how old, how young, how sick/ I mean something!”. E dizem que a Madonna que se manteve relevante.

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Working Girl
Lançamento:
10 de julho
Gravadora: On Repeat/Dim Mak
Produção: Brassica, Com Truise, Joe Cross, GRADES, Bram Inscore, Chris Kemsley, Lockhardt, Pat Lukens, Dan Nigro, Ariel Rechtshaid, David Sharma, Jas Shaw, Peter Wade
Duração: 46m17s

por Caio Coletti

Na inesperadamente bem-humorada faixa intro do seu terceiro álbum de estúdio, Working Girl, a britânica Victoria Hesketh, mais conhecida como Little Boots, tem um recado para a gente: “If you can think of anything better to do with your time than sit here listening to this recorded message, please replace the handset and go, make something happen”. A sempre inteligente artista de eletrônica encarna assim, em uma frase falada na faixa de introdução de menos de um minuto do seu disco, uma mensagem e um sentimento muito urgentes: Working Girl é sobre pessoas que fazem acontecer, e sobre as irritações, questionamentos e observações mais profundas que essas pessoas conseguem fazer no dia-a-dia. É um álbum inclementemente urbano, e embora não seja apressado, tem a urgência e o caráter cosmopolita que deve remeter a qualquer metrópole contemporânea, mesmo que os visuais para a artwork do álbum sejam inspirados em roupas de escritório de décadas atrás.

Oito anos desde a sua estréia no ultra-energizado Hands, e só dois anos depois da exploração do dream pop e das paisagens solitárias da noite em Nocturnals, Boots aparece novamente com um álbum que existe, antes de qualquer coisa, em horário comercial. Working Girl é teimosamente diurno, movido aos goles de café que ela referencia em “No Pressure” (aí embaixo), segundo single e provavelmente a faixa-destaque do disco, funcionando a todo o vapor com a produção de Lockhardt e abordando uma linha melódica que é classicamente Boots sem ser referencial demais, se encaixando como uma luva no álbum, e funcionando também, de certa forma, como um respiro. Depois dessa faixa, Boots nos ataca sem dó com "Get Things Done", que pega pesado nos sintetizadores graves e no ataque sonoro, introduzindo o baixo distorcido e o groove que serão carregados para “Taste It” e "Real Girl", que ganha uma melodia etérea e uma letra suplicante para destoar.

Depois da primeira leva de músicas, cheias de mensagem motivadoras (“If you treat me like a real girl/ Won’t you tell me that I’m worth more?”) e angústias que borbulham na superfície (“I was your heroine/ Wasted forever/ Now I’m coming around/ What have we become?” em "Heroine"), Boots salva o tributo aos anos 90 para a segunda metade do disco, acentuando as batidas exóticas e os teclados na excelente "The Game", que ecoa (na melhor forma possível) a clássica banda noventista Ace of Base, de quem Boots já interpretou "All That She Wants". As influências persistem no single "Better in the Morning", e encontram variações em faixas inspiradas como "Help Too". Ao não repetir produtores em nenhuma das faixas mas co-compor todas elas, Boots construiu no Working Girl um disco pop essencialmente eclético, mas também coerente – é uma arte que está em declínio, a de alcançar esse equilíbrio, e é bom saber que temos alguém como Boots para mantê-la viva.

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We Fall
Lançamento:
24 de fevereiro
Gravadora: Interscope
Produção: Emile Haynie
Duração: 46m06s

por Caio Coletti

PS: Várias das músicas do disco nós não encontramos em links para ouvir, infelizmente

Com créditos que incluem trabalhos premiados com Lana Del Rey, Bruno Mars e Eminem, o produtor nova-iorquino Emile Haynie fez seu nome e seu estilo presentes nos últimos cinco ou dez anos de música pop, mas daí para o pulo que é dar corpo a um álbum autoral, mesmo que com a colaboração vocal de seus muitos colegas e amigos, há uma grande diferença. We Fall tem a seu favor o motivo pelo qual foi escrito, no entanto: a dissolução de um relacionamento de longa data do produtor – ao construir uma elegia meio cínica, meio saudosa a esse amor perdido, Emile deu à luz ao break-up album que 2015 precisava desesperadamente para completar seu cenário musical. E no estilo inconfundível do produtor, We Fall ganha pungência, universalidade e, ao mesmo tempo, tremendo ecletismo, uma vez que as colaborações de Haynie com seus vocalistas convidados não se limitam ao trabalho de estúdio – cada um deles, com raras exceções, levam créditos de co-compositores no álbum. É uma jogada esperta, que faz de We Fall um disco rico em melodias e particularidades, nunca previsível ou chato.

A faixa de abertura, "Falling Apart" (aí embaixo), vem com uma harmonia simples que remete aos Beach Boys e com a melancolia controlada que é a marca de Haynie (e veja só, a faixa tem o próprio Brian Wilson contribuindo com alguns versos no vocal!). A boa fama do produtor ainda rende algumas outras participações de lendas música, como o compositor de trilhas e pianista Randy Newman, que dá um toque de pop tradicional com pitadas de jazz ao final do disco, na faixa “Who To Blame”. A veia satírica e ácida  da versão de Haynie de um break-up album fica clara na apoteótica “Nobody Believes You”, cantada por Andrew Wyatt e Colin Blumstone em tom condescendente (“open up your eyes and see the truth/ nobody believes you!”), que confia na percussão e nos sopros para levantar a bola da melodia, sempre arrastada quando se trata do produtor americano. Co-escrita com Nate Ruess e cantada pelo sempre bem-vindo Rufus Wainswright, a excelente “Little Ballerina” demonstra a vontade de deixar as canções respirarem mais, depositando na interpretação do cantor e nos pianos teatrais do instrumental a responsabilidade de carregá-la.

O amadurecimento de Haynie como produtor também fica claro em "Wait for Life", parceria com Lana Del Rey que, ao contrário da maioria do trabalho de Haynie no Born to Die, dá espaço para a cantora soltar a voz sem enterrá-la por baixo de batidas e cordas fabricadas em estúdio. É, de fato, um lamento muito orgânico o que Del Rey canta, talvez a música mais corajosamente direta sobre a melancolia do fim de um relacionamento – e ela é seguida do destaque do disco, "Dirty World", gravada na voz do próprio Haynie, que dá dicas de que pode engatar uma carreira de cantor se quiser, um dia. Sua interpretação rasgada e os corais e cordas que o acompanham trazem para a Terra uma letra que esconde nuances por trás de sua declaração pessimista (“we’re living in a drity world/ might as well get dirty, girl”). We Fall está inteiro contido naquela faixa, as demonstrações de força, raiva e cinismo transbordando por cima de uma mágoa e uma tristeza muito reais, que seguem borbulhando e escorrendo nas entrelinhas. É um álbum maduro, impulsivo e urgente – e funciona da forma como só poderia funcionar nas mãos de um produtor como Haynie.

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What’s Inside: Songs from Waitress
Lançamento:
06 de novembro
Gravadora: Epic
Produção: Neal Avron, Sara Bareilles
Duração: 36m45s

por Caio Coletti

Lançado em 2007, Garçonete é uma adorável comédia romântica/dramática que foca suas lentes em Jenna (Keri Russell), que trabalha de cozinheira e garçonete no pequeno restaurante da cidade em que mora no Sul dos EUA – ela surta ao descobrir que está grávida do marido dominador e abusivo (Jeremy Sisto), ao mesmo tempo em que se envolve meio sem querer com o recém-chegado médico da cidade, feito por um charmosíssimo Nathan Fillion. O filme ganhou alguma notoriedade com a trágica morte de sua diretora e roteirista, Adrienne Shelley, que lançaria seu segundo filme, mas não chegou a ver Garçonete chegar aos cinemas – foi assassinada antes, aos 40 anos de idade. A fatalidade não diminuiu o encanto do filme, uma delicada fábula feminista sobre uma mulher tomando controle da própria vida, dos próprios desejos e das próprias (e conflituosas) emoções. Garçonete tinha uma alma pulsando por debaixo da sua ambientação interiorana, e é essa alma que aparece nas composições de What’s Inside: Songs from Waitress, de Sara Bareilles.

A cantora se envolveu na produção de Waitress, versão musical do filme de 2007 produzida com ambições de ir para a Broadway, ainda em 2013, durante o lançamento do (excelente) disco The Blessed Unrest. Dirigida e estrelada por duas veteranas do teatro musical laureadas com o Tony, a versão finalmente estreou em 2015, ganhando reviews ótimos e recepção ainda mais calorosa do público, uma boa parte dele atraído pelo envolvimento da cantora de “Gravity” na composição. A chegada na Broadway está finalmente marcada para 2016, e o lançamento de What’s Inside: Songs from Waitress só reforça o impacto que esse trabalho causou no público e na própria artista, que reuniu as canções que escreveu e as rearranjou para o disco, a fim de não estragar as surpresas, mantendo intacta, no entanto, uma bela narrativa e uma inclinação muito mais acentuada para as linhas melódicas dos musicais tradicionais. What’s Inside é um belo álbum de Sara Bareilles, mas é também uma interessante experiência de trazer a Broadway para a música pop.

A agridoce abertura com a breve "What's Inside" dá o tom do disco, repleto de letras de quebrar o coração e humor de fazer subir arrepios na espinha e surgir sorrisos discretos de canto de boca. What’s Inside, muito como o Garçonete de 2007, faz quem lhe ouve se sentir muito bem – envolvido na história complicada e tremendamente humana de uma mulher clamando independência com toda a delicadeza e elegância que são de seu trato. O lamento em "Door Number Three" vem acompanhado de pianos “travessos” e uma batida contagiante, que descasa lindamente com a interpretação cheia de nuances e soul de Sara. Ouvir o What’s Inside é quase desejar que a cantora interpretasse ela mesma, nos palcos, a personagem pela qual canta aqui, tamanha a sua expressividade e conexão com a história – a bela "Soft Place to Land", levada pelo violão, proclama com sinceridade de quebrar o coração: “When your breaking point is all that you have/ A dream is a soft place to land”.

As breves participações de Jason Mraz em "Bad Idea" e "You Matter to Me" adicionam tempero a duetos românticos escritos com simplicidade e gosto por Sara, que nunca foi adepta a escrever grandes elegias a amores realizados – ainda que complicado, o romance que ela retrata aqui é um de libertação emocional e pessoal para ambos os envolvidos, e Sara mostra sua versatilidade e capacidade teatral ao expressar isso com tanta doçura e maturidade. A preciosidade do disco, no entanto, é indiscutivelmente “She Used to Be Mine” (aí embaixo), uma balada de destruir corações que encapsula lindamente todos os temas e nuances da história que Sara contou. Com versos certeiros, destemidos e poéticos (“If I’m honest I know I would give it all back/ For a chance to start over/ And rewrite an ending or two” é um dos mais identificáveis), Sara tomou para si uma história bonita e simples, importante e envolvente, e a expressou em todas as sutilezas e melancolias escondidas que pôde pensar.

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Time
Lançamento:
16 de janeiro
Gravadora: RCA
Produção: A.C., Blood Diamonds, Jeff Bhasker, Benny Blanco, Clams Casino, Mikky Ekko, Tyler Johnson, Elof Loelv, Eric Masse, Justin Parker, Nick Ruth, Alex Salibian, Dave Stiek, Fraser T Smith, Stargate, Ryan Tedder, Noel Zancanella
Duração: 47m50s

por Caio Coletti

Ouvir o álbum de estreia do americano Mikky Ekko, revelado como o parceiro de dueto de Rihanna no hit "Stay", era mais uma curiosidade do que qualquer coisa. A voz distintiva do cantor, junto com a aura de artista alternativo trazido para o mainstream quase por acaso, davam ao lançamento do seu debut um clima no mínimo excitante. A surpresa ao passar pelas faixas de Time é perceber que o que Ekko realizou é um álbum pop no sentido mais usual da palavra, com batidas grandiosas e instrumentações barulhentas e eletrônicas, namorando seriamente com o r&b mas flertando o tempo todo com estruturas melódicas e instrumentais de outros gêneros. Legal também é perceber que as músicas, todas co-compostas por Ekko, mantem mesmo assim uma identidade interessante, se alongando em curvas e detalhes como era de se esperar do autor de uma balada tão delicada quanto “Stay”.

O destaque óbvio, nem que seja só pelo contraste com as outras faixas, é "Riot", carregada de guitarras e de uma energia que pulsa por todo o Time, mas explode mesmo é nela, localizada habilmente no ponto central do disco. Antes dela, vem todas as experiências de Ekko na colaboração com hitmakers, como “Watch Me Rise” (aí embaixo), uma edificante balada feita em parceria com Benny Blanco e o duo Stargate, esses últimos responsáveis por muitos dos hits de Rihanna. A parceria também dá certo com Ryan Tedder, que coloca sua assinatura inconfundível na viciante "Love You Crazy", a canção mais rápida (e uma das mais eficientes) do álbum. Com Fraser T Smith, que trabalhou com Adele e Leona Lewis, ele conjura a faixa-título, "Time", levada pelo violão e por notas familiares do r&b. A voz de Ekko permeia todas essas canções mais convencionais, elevando as emoções das letras em pequenas sutilezas vocais.

Na segunda metade do disco aparecem trabalhos mais complicados, como "Mourning Doves", que guarda sombras da origem mais alternativa de Ekko com suas intervenções digitais inesperadas e estrutura enigmática. Com o produtor Justin Parker (Lana Del Rey) ele cria a canção mais parecida com “Stay” - "Comatose" é também igualmente bela, quase um par perfeito para a balada suplicante que Mikky gravou ao lado de Rihanna, com um refrão de melodia geniosa e perfeita para a voz do americano. “We worked so hard to stay above/ All temptations we created/ Now we go under and call it love/ I can feel it, I can feel it, but the feeling’s fading”, canta ele, como dando o ponto final em uma história de quebrar o coração. Time ainda não é o melhor que Mikky Ekko, como artista, pode oferecer – mas é um gostinho maravilhoso do que pode estar por vir.

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25
Lançamento:
20 de novembro
Gravadora: XL
Produção: Danger Mouse, Samuel Dixon, Paul Epworth, Greg Kurstin, Max Martin, Linda Perry, Ariel Rechtshaid, Mark Ronson, Shellback, The Smeezingtons, Ryan Tedder
Duração: 48m25s

por Caio Coletti

PS: 25 é o único da nossa lista em que não pudemos colocar os links para as músicas. Vocês já sabem por que.

Na maravilhosa “Remedy”, um dos destaques do 25 de Adele, ela canta, com o fraseado perfeito e tocante de sempre: “I remember all of the things that I thought I wanted to be/ So desperate to find a way out of the world and finally breathe”. São os primeiros versos da canção que marca (mais ou menos) a metade do disco, aguardadíssimo desde o fenômeno que foi o 21, lá em 2011, e a parte importante sobre eles é que eles estão escritos no passado. Co-escrita por Ryan Tedder, cuja única colaboração anterior com Adele havia sido a marcante "Rumour Has It", a canção é uma balada ao piano-e-voz (bastante à moda de “Someone Like You”, na verdade), mas cantora e produtor trabalham juntos para, mesmo com essas reduzidas ferramentas, operar na imagem e na mensagem de Adele uma mudança importante. “Remedy” não é uma canção de amor perdido, é uma canção de amor encontrado – mais que isso, no entanto, é uma canção belíssima sobre deixar ambições e angústias tolas da juventude para trás. É a evidência de que o título alguns números mais alto do que o predecessor não significa só o tempo entre um disco e outro. Significa que Adele amadureceu.

“Remedy” não é a única canção que reflete isso no álbum, no entanto. Os anos passados pesam no 25, e o envelhecimento e as amarguras dele são um tema rico e complexo para Adele explorar, com a sua mistura registrada de pura melancolia e clareza lírica e emocional inigualável. Em "When We Were Young", a primeira elegia à perda da juventude do disco, ela conta com a ajuda do produtor Ariel Rechstshad, que trabalhou em outro dos discos da nossa lista (o The Desired Effect do Brandon Flowers, na posição #18), para trazer ar fresco para a sua instrumentação, inserindo um backing vocal discreto e trazendo para o disco a possibilidade de melodias mais interessantes, como no memorável gancho em que Adele canta “you look like a movie, you sound like a song”, abrindo caminho para um refrão matador em que a cantora viaja pelas alturas do Olimpo das intérpretes. Já na mais discreta “A Million Years Ago”, que aparece perto do final do disco, o violão carrega uma Adele espertamente contida, que deixa a canção, simples e profunda, falar por si própria.

Arrependimentos e ruminações do passado também não faltam, é claro, no smash-hit mastodôntico “Hello” (aí embaixo), que segue sendo a canção mais sonoramente impressionante do álbum, e na faixa seguinte, “Send My Love (To Your New Lover)”, que brinca com ritmo e guitarra, aproveitando a produção dos magos pop Max Martin e Shellback para entregar uma pérola e impressionar, de novo, com a potência da voz da britânica. Como vocalista, Adele continua sendo imbatível em sua geração, conjugando num pacote “o melhor de dois mundos” o puro poder e volume de Christina Aguilera e as sutilezas de fraseado e de expressão emocional de cantoras como KT Tunstall e Norah Jones, para citar dois exemplos óbvios. E não é que Adele se pareça com nenhuma delas – ela é absolutamente uma artista única ao microfone, indelével como a marca que ela sem dúvida já deixou na música pop.

Se o 21 carregava a influência do country de maneira sutil, conjugado com as preferências musicais da artista britânica, 25 é mais claramente mediterrâneo, com suas produções sofisticadas em busca da expressão de um sentimento menos visceral, mais complexo e cheio de matizes de cinza, do que aquele que o predecessor procurava passar. Adele ainda está no comando, mas é ao colaborar com gente como Danger Mouse (na excelente “River Lea”), Samuel Dixon (“Love in the Dark”) e o sempre versátil e criativo Greg Kurstin (“Water Under the Bridge”) que ela encontra sua potência como artista realçada e reafirmada. 25 é o álbum perfeito para mantê-la no trono, mas é também uma história completa e vital, como foi o 21 – e é por isso, e não por qualquer outra coisa, que 15 milhões de fãs foram as lojas comprá-lo.

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Beauty Behind the Madness
Lançamento:
28 de agosto
Gravadora: XO/Republic
Produção: Max Martin, Danny Boy Styles, Stephan Moccio, Ben “Billions” Diehl, Million $ Mano, Ali Payami, Mike Dean, Kanye West, Labirinth, Che Pope, Peter Svensson, Omar Riad
Duração: 65m06s

por Lucas Arraz

Para efeitos de impacto no texto a seguir, vamos ignorar que Adele voltou e lançou seu 25 em 2015. Ok? Ok! O ano foi dele: The Weeknd! Em 2015, o cantor canadense lançou seu aguardado Beauty Behind the Madness, álbum de estreia em uma grande gravadora e que deve configurar lugar certo na listinha de melhores álbuns de 2015 no coração de cada um de vocês, leitores. E, como bom Anagrama que se preze, aqui nessa lista não seria diferente: o Beauty Behind the Madness é um dos melhores álbuns de 2015.

2015 ficará conhecido como o ano de retorno da música negra ao centro do gosto do grande público norte-americano. Diferente de outros anos, faltam exemplos de mulheres brancas que chegaram ao topo das paradas em 2015 (foram somente duas) e sobram exemplos de novos rappers e cantores de r&b negros que ascenderam. Nessa onda de retorno surfaram hits como “See You Again” (Wiz Khalifa), “Watch Me” (Silento), “Trap Queen”/”679” (Fetty Wap), “Hotline Bling” (Drake) e “Nasty Freestyle” (T-Wayne). O Beauty Behind the Madness é mais um exemplo, e um exemplo que veio para preencher uma importante lacuna na indústria musical que há temos estava aberta: a necessidade de uma música pop adulta que falasse sem frescuras sobre sexo, drogas & r&b, mas não perdesse o apelo com o grande público que voltou seus ouvidos para os guetos negros.

Justin Timberlake tentou fazer esse tipo de música pop com seu 20/20, mas foi chato, muito conceitual. Bruno Mars também tentou, e chegou perto, mas morreu na praia – muito meloso! Agora, Abel Makkonen Tesfaye , ou The Weeknd, como passou a ser chamado após um final de semana de puro pt com seus amigos em Toronto, bateu no lugar certo! Não vemos no disco do canadense músicas pop de amores perfeitos, melosas, coloridas, ou de superações que preguem a autoajuda. Desses tipos de música água com açúcar o mercado está cheio, e nossos ouvidos estão cansados de ouvir. O que vemos no Beauty Behind the Madness são situações reais de emoções a flor da pele. Sexo, drogas e amores subversivos são colocados em cenas de fácil identificação. É mais fácil encontrar pessoas gritando, durante uma separação, “me responda quem vai te foder como eu” como em “Shameless”, do que “rugindo feito um leão” como em “Roar”, da Katy Perry. E nesse sentido o Beauty lava a sua alma. No meio de tanta Madness, vemos um pop maduro e adulto que conversa e mexe com as emoções do ouvinte. Tem música para transar, chorar, brigar e dar o pé na bunda. Tudo franco, sem cores. No preto, branco e vermelho como as coisas são.

As parcerias são talvez outro ponto alto no disco, além das letras. Com casamentos de vozes perfeitos, não temos aquele featuring que soa desnecessário ou “para encher linguiça”. As participações de Labrinth em “Losers”, Ed Sheeran em “Dark Times” e a – ainda – desconhecida Maty Noyes em “Angel” são cerejas no bolo que ainda tem instrumentais marcantes que grudam na cabeça da massa. Isso tudo para não falar do feat. com Lana Del Rey em “Prisioner”, que nos faz perguntar: por que demônios esses dois nunca fizeram uma música juntos antes?

Parcerias com grandes nomes da música como Drake, Wiz Khalifa, Sia e Ariana Grande certamente colocaram o nome do The Weeknd nos radares, mas foi lançar um álbum corajoso, fora dos padrões e com boa execução de sua proposta de pop adulto mainstream que fizeram o Beauty Behind the Madness um sucesso instantâneo e um dos melhores álbuns de 2015. Me desculpa Adele, mas mesmo considerando seu 25, terei que dizer. O ano foi dele: The Weeknd.

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Honeymoon

Lançamento: 18 de setembro
Gravadora: Interscope/Polydor
Produção: Lana Del Rey, Kieron Menzies, Rick Nowels
Duração: 65m06s

por Caio Coletti

Talvez seja um pouco redutivo dizer isso, mas na curta carreira que ela acumulou até agora, é também muito oportuno: para Lana Del Rey, menos é definitivamente mais. A estreia da americana sob o pseudônimo emprestado de uma estrela da Hollywood antiga (Lana Turner) e um modelo de carro da mesma época (o Ford Del Rey), intitulada Born to Die, contou com um time completo de produtores e, inclusive, não tinha o dedo da cantora na produção de nenhuma das faixas. Over-produzido e com um enquadramento limitado da personalidade e do som da moça, o primeiro disco é uma obra incompleta com momentos memoráveis, que passam como mero ensaio para o que ela realizou em Ultraviolence, segundo álbum completo (o Paradise é um EP, lembrem-se) da carreira. Trabalhando com um time menor e com a liderança clara de Dan Auerbach, do Black Keys, ela criou um som muito mais fiel às múltiplas faces e frontes da sua personalidade como artista, da performance em que sua carreira fundamentalmente se baseia, e da metáfora que ela quer representar.

Honeymoon, lançado pouco mais de um ano depois, não deixa a desejar como sequência da carreira da enigmática rainha do alternativo que Lana se tornou no pouco tempo em que esteve nos holofotes – mas, como disco, é um bicho completamente diferente dos dois outros elaborados por Del Rey até hoje. A chave para entendê-lo musicalmente estão no começo, com a arrastada faixa-título, "Honeymoon"; e no final, com o cover da emblemática canção de Nina Simone "Don't Let me Be Misunderstood". Ambas se esparramam no ouvido com a lentidão e o minimalismo que parecia ser o principal chamariz de Lana nas épocas que só tínhamos "Video Games" para ouvir. E ambas demonstram que o lado jazzy das suas influências musicais pedem muito mais espaço em Honeymoon do que em qualquer outro dos seus discos - "Terrence Loves You" e "God Knows I Tried" carregam-se como baladas tocadas em um bar esfumaçado, com o piano e o violão (respectivamente) como companhias quase exclusivas. Os requintes de estúdio ficam por conta das cordas delicadas que aparecem de vez em quando, porque é a voz de Lana que está no comando aqui.

Só em “High By the Beach” (aí embaixo) aparecem as influências do hip-hop que fizeram a cantora ser chamada de “Nancy Sinatra do gueto” no começo da carreira. Uma vez introduzidas no simplista e eficiente single, com seus sintetizadores, essas influências ficam para brincar nas batidas discretas de "Freak" e "Art Déco", que se parecem com outtakes mais cruas (e melhores) do Born to Die. A segunda parte do disco, por sua vez, traz um violão espanhol para acompanhar a performance de Lana em "Religion", e o clima meio arábico/mediterrâneo para combinar com a letra da excelente "Salvatore", talvez a melhor faixa do álbum. Durante todas essas improváveis (e sutis, e acertadas!) misturas pop, Lana mantem sob os holofotes o tempo sedutor e arrastado do Honeymoon, o mais perto que uma artista como ela provavelmente vai chegar de um álbum de jazz tradicional.

Tematicamente, as letras ganham cores um pouco diferentes do normal – Honeymoon não é um álbum de depressão mascarado por batidas hip-hop como o Born to Die, ou uma análise esperta e ácida da geração em que Lana se encaixa e para a qual canta, como foi (genialmente) o Ultraviolence. Ao invés disso, é a história de um amor perdido, da confusão de memórias passadas, expectativas futuras e emoções presentes. Em seu interlúdio colado de um poema do autor T.S. Elliott, ela proclama: “If all time is eternally present/ All time is unredeemable”. É a escolha perfeita (como de costume) para alegorizar um aspecto muito palpável do zeitgeist contemporâneo – e é mais um acerto em cheio de uma das artistas pop mais perfeitas da atualidade.

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Ten Love Songs
Lançamento:
16 de fevereiro
Gravadora: Warner Music Norway
Produção: Suanne Sundfor, Lars Horntveth, M83, Jon Bates, Royksopp
Duração: 46m39s

por Caio Coletti

Ten Love Songs é o sexto álbum de estúdio da prolífica e jovem artista norueguesa Susanne Sundfor. A essa altura, mesmo tendo menos de 30 anos, a cantora, compositora e pianista já firmou um estilo muito pessoal, muito particular e muito inimitável. Compreensível, então, que houvesse apreensão quando ela se juntou a gente como M83 (Anthony Gonzalez) e Royksopp para o novo disco – ambos também artistas com vozes bem definidas. Como as críticas universalmente positivas do Ten Love Songs atestam, no entanto, a preocupação foi em vão, e as parcerias dão gosto, tempero e floreio ao disco belíssimo composto e co-produzido, inteiro, pela própria cantora. Mixado para seguir em um fluxo quase ininterrupto, uma faixa se sobrepondo à outra (como no Confessions da Madonna), Ten Love Songs consegue ser aquilo que a própria rainha do pop não alcançou quando fez essa opção: um álbum colorido musicalmente, heterogêneo e cheio de sutilezas narrativas e estéticas.

A primeira metade começa amarrando o disco ao synthpop convencional, com uma introdução curtinha que deságua em “Accelerate” (aí embaixo), cheia de sintetizadores graves e acordes evocativos de teclado, acompanhados pelo vocal contido da moça. Apesar das orquestras e de um violão aparecerem na bela "Silencer", o clima continua de dream-pop idílico, com Sundfor trazendo sombras de vocalistas marcantes do gênero, como Jonna Lee (do iamamiwhoami) e Allison Godfrapp, para a mesa. Mesmo nesses momentos, Sundfor executa seu estilo e suas melodias com latente excelência e criatividade, encontrando momentos para intervenções orquestrais e digressões musicais inspiradas. A coisa começa a mudar mesmo é com "Kamikaze", com seu riff tremendamente oitentista (um "The Final Countdown" mais sutil), seu baixo, sua estrutura crescente e o filtro cristalino na voz de Susanne.

O riff é carregado direto para a centerpiece do disco, a épica "Memorial", que se estende por mais de 10 minutos e contem o interlúdio instrumental mais melódico, idílico e inspirado de 2015. Levada pelo piano e pela delicadeza da produção do M83, a faixa abre espaço para as melodias mais arrastadas da segunda metade do Ten Love Songs, extrapolando a melancolia contida timidamente nos arranjos anteriores, e extraindo com perícia extrema os sentimentos mais profundos e escondidos nas baladas épicas oitentistas em que se inspira. É uma das faixas mais espetaculares do ano, nunca hermética ou difícil demais para não merecer sua hercúlea duração, e sempre apoiada na excelência da composição. Depois dela, o Ten Love Songs se encaminha para sua reta final mais leve, com sensação de dever cumprido e de clímax bem realizado.

Apropriadamente, a última parte do álbum é a mais sóbria, com "Trust Me"se arrastando em sintetizadores e órgãos, carregada pela voz expressiva de Susanne; enquanto "Slowly", mesmo mais leve graças à produção do Royksopp, se localiza firmemente dentro da melancolia do disco, um tomo de amor completo em sua realização musical, no sabor agridoce das suas letras, e na cuidadosa organização de suas faixas. Ouvindo Ten Love Songs, se sai com a impressão de que Susanne Sundfor é uma trovadora folk que entende muito de música eletrônica, e a usa para realçar e moldar melhor suas composições e as imagens que quer pintar. É melhor ficarmos de olho nela daqui para frente.

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Froot
Lançamento:
13 de março
Gravadora: Neon Gold/Atlantic
Produção: Marina and the Diamonds, David Kosten
Duração: 53m09s

por Ilson Junior

Beirando o inicio de 2015, Marina and the Diamonds iniciava a divulgação do seu terceiro album de estúdio, intitulado Froot, quando lançou o video da musica que dava título ao álbum numa pegada disco recheada de glamour, que deixou claro pra todos que a partir daquele momento a galesa não seria mais a mesma. Froot é um álbum diferente, que dividiu alguns fãs que estavam esperançosos pelas musicas mais alternativas derivadas do estilo do primeiro álbum e os fãs que esperavam o pop com forte apelo comercial do Electra Heart, segundo álbum da cantora e um dos maiores influenciadores no crescimento de sua popularidade. Seguindo na contramão, o terceiro álbum chegou beirando um e outro, ou nenhum dos dois. Marina, que se enche de orgulho ao dizer que compôs o álbum inteirinho sozinha (isso mesmo, um álbum pop inteirinho feito só por ela), deixa claro que dos três até então lançados Froot é o mais pessoal, e demonstra um progresso intenso de uma artista com anos de carreira que enfim pode mostrar seu potencial não só compondo como também co-produzindo as faixas.

Froot, como todo trabalho de Marina, veio rico também no visual, mesmo que ainda diferenciando um pouco entre a arte do álbum toda trabalhada em desenhos minimalistas e uma forte pegada disco e os vídeos super característicos de musica pop, sem muito roteiro. A estratégia de divulgação talvez tenha sido o grande diferencial do disco: “frutas do mês” eram relacionadas a faixas do álbum, que seriam lançadas até o lançamento oficial do disco completo.

Além da produção tão autoral, Marina conseguiu criar um album bem heterogêneo, mas destaco duas faixas que são as mais ímpares: “Happy” e “Froot”. “Happy” é uma das poucas canções tristes do disco, com uma produção bem simples e maior peso nos vocais. “Froot” (aí embaixo) é ímpar na sonoridade, embora chiclete como muitas outras, mas por mais heterogêneo que seja o disco a faixa realmente  tem um destaque enorme. Além destas, destaco “Solitaire”, com um ótimo trabalho com os vocais, e "Savages", que na minha opinião é uma das melhores composições entre todas da cantora, com fortes criticas sociais. A produção do álbum não foi muito eletrônica nem alternativa, Froot é um álbum com sua beleza ímpar que não provoca nenhuma dificuldade para quem quer ouvir, e merece um lugar entre os melhores álbuns de 2015, sem sombra de dúvidas.

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Art Angels
Lançamento:
06 de novembro
Gravadora: 4AD
Produção: Grimes
Duração: 49m37s

por Ilson Junior

Grimes, cantora, produtora, figurinista e mais um monte de coisas que a artista sabe fazer muito bem, chocou os fãs no final de 2015 com o lançamento do album Art Angels – e não foi um choque simples não, Grimes ousou mais do que na experimentação de todas as musicas até então lançadas. Art Angels chega anos depois do lançamento do álbum Visions, que por mais rico e popular entre os amantes de musica alternativa, considero dono de um material que não é pra qualquer um ouvir. E aí que veio o grande choque: após a primeira desistência da artista por conta das criticas ao seu single “Go”, Grimes resolveu cancelar seu álbum e começar de novo. Não desmereço “Go”, é um faixa incrível, mas esse tempo foi suficiente pra canadense criar uma das melhores obras pop que já foram lançadas.

Sim, o Art Angels é pop, pop da melhor qualidade, mesmo que comercial como toda musica pop é. A cantora desapontou alguns fãs, que nunca esperavam ouvir algo do tipo e estavam acostumados com o estilo único dela, mas também deixou muitos outros contentes e orgulhosos com o que foi lançado. Grimes surpreendeu sem assustar: ela já havia deixando claras as suas mudanças desde “Go”, mas quando lançou o vídeo da faixa “Flesh Witout Blood” (aí embaixo) deixou tudo mais claro ainda, cabia aos fãs agora esperar o resultado. “Realiti” veio até mais simplista na versão anterior ao álbum, para chegar com uma produção bem mais complexa e rica.

Grimes continua a mesma: em seus visuais, carrega muita individualidade e estilo “estranho”, em sua musica a mesma ousadia estupidamente cheia de talento, que não erra em seus desejos de fazer o que entende e saber que fará bem, tudo de um jeitinho que só ela sabe fazer. Mas Art Angels traz outra sonoridade, desde a fofura de faixas como “Californa”, num clima mais relaxante (enquanto ainda eufórico em seus vocais contagiantes) até a ferveção de “Venus Fly”, com a única parceria do álbum (Janelle Monáe) e um instrumental psicodélico de bater cabelo até não aguentar mais. O Art Angels é um álbum para todos os momentos, mais ainda para os de felicidade, pra dançar freneticamente e cantar aos gritos mais altos possíveis, e pra se admirar, faixa por faixa, um dos melhores álbuns de 2015.

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Blood
Lançamento: 31 de julho
Gravadora: Warner Bros.
Produção: Lianne La Havas, Di Genius, Paul Epworth, Mark Batson, Jamie Lidell, Aqualung
Duração: 40m37s

por Caio Coletti
 
A voz distintiva e versátil de Lianne La Havas já se fez ouvir bem alto na sua estreia em 2012, com o álbum Is Your Love Big Enough?. As canções predominantemente acústicas e suaves daquele disco, no entanto, que flertava principalmente com o jazz, parecem mero ensaio para a maestria de Blood, seu segundo disco da carreira. Não só as influências do jazz se fazem ouvir (principalmente no estilo vocal da cantora, diga-se de passagem), mas Lianne se prova mais do que apta para a missão de conjugar novos e inteligentes estilos como o neo-soul, o doo-wop e o reggae, formando um mosaico rico da música negra que ela representa sem sacrificar seu estilo pessoal e a personalidade artística que ela planejou para o disco em si. Não é a toa que Blood tem o título que tem: poucos álbuns foram tão passionais e pulsantes quanto ele em 2015.
 
O começo do disco abriga os hits natos “Unstoppable” (logo aí embaixo) e "What You Don't Do", essa última uma das nossas canções preferidas do ano todo, com seu ritmo surpreendente, seus floreios vocais bem-medidos e sua letra sobre a futilidade das demonstrações exageradas de amor (“no sweet nothing/ could ever be turned into something good/ no grand gesture/ could ever be made to measure you”). Lianne, como letrista, ainda é uma observadora das sutilezas e delicadezas do mundo ao seu redor, dos materiais invisíveis que formam nossas conexões uns com os outros e da nossa insistência em querer torná-los sólidos e mais vulgares do que são. Tal e qual o fluído corporal que o batiza, Blood é sobre coisas raramente vistas, mas fundamentais para a nossa existência como seres humanos.
 
A veia acústica reaparece na fatia final do álbum, onde "Ghost" é o provável destaque, com sua textura simples e envolvente de violão-e-voz, reaproximando os vocais de Lianne de suas origens no jazz. Em "Wonderful" e "Midnight", a voz da britânica atinge potência e reverberação inéditas, enquanto "Never Get Enough" é uma geniosa faixa acústica interrompida na metade por uma guitarra distorcida que surpreende e é muito bem-vinda. Blood é imensamente criativo e nem um pouco repetitivo, com a audácia de explorar novos caminhos e abordagens ao seu tema e feeling música após música, e o resultado é um álbum encantador, viciante e envolvente para qualquer um com um gosto mínimo por música negra, soul e jazz. É assim que as versões contemporâneas desse tipo de música deveriam soar, e Lianne La Havas é uma das poucas artistas que compreende isso de forma verdadeiramente certeira.
 
 
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#1
Lançamento:
01 de dezembro
Gravadora: Skol Music
Produção: Jaloo
Duração: 46m46s
 
por Caio Coletti
 
Essa é a primeira vez que um álbum brasileiro fica no topo da lista de melhores do ano d’O Anagrama. Só por essa informação, já dá para medir um pouco do poder de sedução que o disco de estreia do artista paraense Jaloo exerce sobre quem ouve com o coração aberto – como ele mesmo canta na deliciosa "Pa Parará": “Quando você me ouvir cantar/ É pra você se apaixonar/ Quando você ‘xonar’ então/ Eu já vendi seu coração”. Os versos insinuantes desaguam num pré-refrão quase falado, que por sua vez leva brilhantemente ao gancho mais grudento de 2015, encarnado nas palavras gloriosamente trash de um verdadeiro discípulo do tecnobrega: “Três por dez reais!”. A faixa é a que mais deixa transparecer a influência do ritmo paraense que revelou artistas como Gaby Amarantos, mas pitadas de tecnobrega estão espalhadas por todo o #1, do jeitinho sutil de um produtor que sabe misturar tendências para criar uma identidade própria.
 
E que identidade moderna e pulsante tem o Jaloo! Os visuais extravagantes, com o toquezinho de experimentação fashion à la Lady Gaga brasileira, vem acompanhados de uma posição forte e atual sobre questões de gênero e de representatividade. O paraense já se declarou não binário, ou seja, uma pessoa que não se identifica pessoalmente nem com o gênero masculino nem com o gênero feminino – a questão, uma das mais discutidas e vitais da atualidade, não interfere diretamente na música, é claro, mas ajuda a construir a importância do Jaloo como artista no cenário atual, uma vez que ele representa essa mistura de gêneros e referências (tanto gêneros musicais, quanto gêneros no sentido humano – nada mais coerente). No clipe de “Insight”, balançada e romântica faixa do #1, dá para absorver bem tudo isso.
 
Tanto na citada “Insight”  quanto em outras canções como "A Cidade", o sotaque regional de Jaloo expressa muito mais do que o tecnobrega. Passam pela voz bem modulada do paraense ritmos e sabores do axé, do samba e da MPB, misturadas com letras espertas que representam a geração à qual o próprio cantor pertence (“eu te amo online/ e te ignoro na rua”), e sempre acompanhadas por sintetizadores e outras distorções digitais que são de tremendo bom-gosto sem nunca serem entediantes ou burocráticas. Dentre todas as muitas coisas que o #1 é, uma delas definitivamente não é previsível – a festa rola solta na maravilhosa e psicodélica "Tanto Faz", enquanto a angústia sentimental transborda com os ecos do brega na maravilhosa “Ah! Dor!” (aí embaixo), que podia ao mesmo tempo ser do repertório da Banda Déjavu e do Goldfrapp.

#1 é o melhor álbum do ano simplesmente porque nenhum outro foi mais vital, interessante, importante ou simplesmente mágico do que ele. Através da voz e da mistura de referências e gêneros, Jaloo transforma (sozinho, o que é ainda mais impressionante!) o #1 em uma experiência transportadora, uma viagem pela brasilidade e pela estranheza de um artista que ainda tem muito o que dizer – mas que começou falando notavelmente, gloriosamente alto.
 

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