Review: Dirty Computer (álbum e filme)

Janelle Monáe cria a obra de arte do ano com um álbum visual espetacular - e que desafia descrições.

Os 15 melhores álbuns de 2017

Drake, Lorde e Goldfrapp são apenas três dos artistas que chegaram arrasando na nossa lista.

Review: Me Chame Pelo Seu Nome

Luca Guadagnino cria o filme mais sensual (e importante) do ano.

Review: Lady Bird: A Hora de Voar

Mais uma obra-prima da roteirista mais talentosa da nossa década.

Review: Liga da Justiça

É verdade: o novo filme da DC seria melhor se não tivesse uma Warner (e um Joss Whedon) no caminho.

30 de mai. de 2016

Diário de filmes do mês: Maio/2016

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por Caio Coletti

Nem todos os filmes merecem (ou pedem) uma análise complexa como a que fazemos com alguns dos lançamentos mais “quentes” ou filmes que descobrimos e nos surpreendem positivamente. É levando em consideração a função da crítica e da resenha como uma orientação do público em relação ao que vai ser visto em determinado filme que eu resolvi criar essa coluna, que visa falar brevemente dos filmes que não ganharam review completo no site. Vamos lá:

deadpool poster

Deadpool (EUA/Canadá, 2016)
Direção: Tim Miller
Roteiro: Rhett Reese & Paul Wernick
Elenco: Ryan Reynolds, Karan Soni, Ed Skrein, T.J. Miller, Morena Baccarin, Gina Carano, Leslie Uggams
108 minutos

Há uma parte obscura do fandom dos filmes de heróis que adorou Deadpool, e o levou a um sucesso imenso de mais de US$700 milhões no mundo todo, por todas as razões erradas. Celebrado por ser “politicamente incorreto” e “metalinguístico”, Deadpool é um empreendimento bem mais complexo do que o que se diz dele faz parecer. A incorreção política de seu protagonista não existe aqui como uma virtude, e sim como uma parte de sua natureza cínica que coloca o “anti-“ em sua denominação de “anti-herói”. Deadpool é constantemente engraçado, e apenas em alguns momentos ofensivo – e esses momentos são menos tropeços de roteiro e mais caracterização intencional. Deadpool não quer que torçamos por seu herói da forma como torcemos pelos X-Men; o mundo que o filme apresenta é mais sujo, mais niilista e mais banal, que se leva muito menos a sério. Um adjetivo que os adoradores do mercenário parecem ter acertado é “inovador”, porque de fato Deapool quebra convenções e tons com muito mais abandono do que os filmes de super-heróis discretamente subversivos que foram feitos no último par de anos. A metalinguagem e a conversa com o público faz parte dessa inovação, assim como os pulos temporais que criam uma trama que parece muito mais complexa do que realmente é. Uma história de origem, vingança e paixão bem convencional com algumas brincadeiras estruturais ainda pode criar um belo pedaço de cinema e narrativa, ao que parece.

Dizer que Reynolds “nasceu” para o papel é subestimar o seu trabalho tanto aqui quanto em outros cantos da carreira. O ator já mostrou por A+B que encara personagens diferentes e interessantes com a cara e a coragem, e mesmo que Deadpool o coloque em território mais familiar com seu humor rápido e ácido, o ator canadense se faz também uma rocha de humanidade sobre a qual o filme pode apoiar sua narrativa e seus malabarismos cômicos. Deadpool é um filme que quer funcionar em dois níveis: primeiro, uma envolvente história de origem que coloca seu protagonista como um homem desesperado que, compreensivelmente, quer vingança pela forma como alguns se aproveitaram desse desespero; segundo, uma enorme zoação conceitual em cima do gênero de super-heróis, da sua retidão moral, da sua “seriedade”. Deadpool tem muito a dizer, mas não quer gritar a plenos pulmões – existe nas entrelinhas, enquanto faz o espectador rir na superfície.

✰✰✰✰ (4/5)

finest hours

Horas Decisivas (The Finest Hours, EUA, 2016)
Direção: Craig Gillespie
Roteiro: Scott Silver, Paul Tamasy & Eric Johnson
Elenco: Chris Pine, Casey Affleck, Ben Foster, Eric Bana, Holliday Grainger, Rachel Brosnahan
117 minutos

O modelo da celebrada “aventura à moda antiga” não envelheceu bem. Uma série de problemas aparece quando, sob uma perspectiva atual, olhamos para alguns filmes antigos e suas histórias maniqueístas, que pouco apreciavam as mulheres e minorias (quando as incluíam), com morais simplistas demais para o mundo complexo do século XXI. Horas Decisivas de fato carrega aquele sentimento de “aventura à moda antiga”, mas é inteligente o bastante para fugir das armadilhas desse modelo. Primeiro, não reforça nenhuma “moral da história”, a não ser talvez que não devamos julgar alguém por seus métodos pouco convencionais. Segundo, coloca a história das mulheres no particular tempo e espaço em que o filme se passa (uma pequena cidade americana, nos anos 50) como um testemunho de resiliência frente a um mundo que as colocava “para escanteio” enquanto os homens assumiam todas as responsabilidades. Holliday Grainger está conquistadora como a esposa do protagonista (feito por Chris Pine), que se arrisca em um pequeno barco da guarda costeira para resgatar um navio petroleiro que partiu ao meio e só não afundou ainda graças aos esforços de um engenheiro talentoso (Casey Affleck). Como resultado de uma trama que se divide bem entre esses três protagonistas, Horas Decisivas escapa de diversos obstáculos e conquista a simpatia do espectador para além do seu espetáculo visual.

Não levam a mal, no entanto, porque Horas Decisivas é absolutamente impressionante em termos visuais. As cenas em alto mar conseguem passar perfeitamente a escala do desafio que os personagens enfrentam, a absurda violência e hostilidade de uma natureza que o homem insiste em tentar conquistar, mas que continua absolutamente selvagem. O diretor Craig Gillespie trabalha ao lado da equipe de efeitos especiais para manter a humanidade em primeiro plano mesmo nesses momentos em que a contemplação dos perigos naturais enfrentados pelos personagens ataca o espectador. Fascinado pela ótima performance de Chris Pine na pele de um inseguro guarda costeiro que enfrenta ondas gigantescas para resgatar o navio, Gillespie e seu diretor de fotografia mostram o processo de cada decisão tomada por ele, e levam o espectador junto em uma jornada humana e simples que nunca derrapa na demagogia. Produto raro que, mesmo não sendo uma obra-prima, merece ser apreciado.

✰✰✰✰ (3,5/5)

zootopia

Zootopia (EUA, 2016)
Direção: Byron Howard & Rich Moore
Roteiro: Jared Bush & Phil Johnston
Elenco: Ginnifer Goodwin, Jason Bateman, Idris Elba, Jenny Slate, Nate Torrence, Bonnie Hunt, Don Lake, Tommy Chong, J.K. Simmons, Octavia Spencer, Alan Tudyk, Shakira
108 minutos

Há um nível de discurso visual e narrativo dentro dos filmes mais recentes da Disney que simplesmente não existia anteriormente, nas aventuras animadas com valores familiares e datados do estúdio. É claro que contos de fada como A Bela Adormecida, Mogli – O Menino Lobo e afins marcaram época e infâncias, mas nenhum deles carregava a complexidade de um Zootopia, mais recente animação em CGI da empresa sem a marca da Pixar. Enquanto Frozen trouxe uma história em que o amor fraternal entre duas mulheres tomava o protagonismo do amor romântico entre um casal heterossexual e Operação Big Hero conversou sobre luto, cultura de violência e amizade, Zootopia é um tratado muito interessante sobre a forma como pré-concepções, estereótipos e preconceitos sobrevivem em uma sociedade que se considera “superior” e “acima” de tais discriminações – como a nossa por vezes diz ser. De formas ao mesmo tempo divertidas e inteligentes, a animação da Disney mostra as formas como essas discriminações funcionam dentro de um ambiente que se coloca como inclusivo, mas mantem essa aparência “evoluída” apenas na superfície – assim como os animais da trama, que começam a voltar aos seus instintos de predadores e presas. Em uma cidade com uma multiplicidade de ecossistemas para acomodar modos de vida e necessidades diferentes, as posições de poder e o equilíbrio social ainda tem privilegiados e oprimidos.

E claro, é importante que a Disney use sua plataforma para passar o tipo de mensagem de superação desses preconceitos. Muitas vezes se subestima o público infantil (como aconteceu com muitos críticos de Divertida Mente), caindo em cima de desenhos animados supostamente dirigidos à crianças por trazerem histórias “complexas demais” ou com pontos “complicados demais”. Zootopia traduz em uma narrativa deliciosa a vontade de dizer que, independente do local, “espécie” ou histórico da família no qual você nasceu, você pode fazer ou ser o que quiser, se quiser o bastante. Não é difícil para uma criança tirar isso da trama, que acompanha uma pequena lebre (Ginnifer Goodwin) se tornando a primeira policial de sua espécie e se envolvendo, com a ajuda de uma raposa trapaceira (Jason Bateman), no caso de desaparecimentos de vários cidadãos de Zootopia, a enorme cidade que abriga uma população cosmopolita de animais no universo do filme.

Byron Howard (Enrolados) e Rich Moore (Detona Ralph) combinam seus talentos na direção para criar personagens e ambientes marcantes para essa história, enquanto Goodwin e Bateman mostram química que poderia facilmente ser traduzida para alguma parceria live-action se os atores quisessem. Exuberante e sutil ao mesmo tempo, Zootopia merece o sucesso esmagador com o qual foi recebido, e adiciona mais um capítulo promissor na nova era de animação da Disney. Falta alguns passos para chegar lá de verdade, mas o estúdio do Mickey esta no caminho certo.

✰✰✰✰ (4/5)

how to be single

Como Ser Solteira (How to be Single, EUA, 2016)
Direção: Christian Ditter
Roteiro: Abby Kohn, Marc Silverstein & Dana Fox
Elenco: Dakota Johnson, Rebel Wilson, Leslie Mann, Damon Wayans Jr, Anders Holm, Alison Brie, Nicholas Braun, Jake Lacy, Jason Mantzoukas
110 minutos

Como Ser Solteira não é, exatamente, um bom filme. A direção do alemão Christian Ditter é dada demais à modernidades falsas e irritantes, contando com a ajuda de seu diretor de fotografia de longa data, Christian Rein, para criar um visual pseudo-urbano que quer nos colocar “próximo” dos personagens mas aborda essa intenção  de forma superficial, criando uma câmera de tons calorosos e movimentos e enquadramentos “diferentões” que, no final das contas, nada diz ou acrescenta à história. O roteiro do trio Abby Kohn, Marc Silverstein e Dana Fox, baseados no livro de Liz Tuccilo, esbarra em alguns clichês e não consegue fugir de outros, mas o ponto é que, mesmo dentro dessas falhas, o script consegue reafirmar sua originalidade e importância ao contar a história de mulheres solteiras sem martiriza-as, julga-las por suas conquistas românticas ou estereotipa-las. A história da protagonista Alice (Dakota Johnson) após terminar um namoro para “se encontrar” no mundo solteiro com a ajuda de uma nova amiga, a festeira Robin (Rebel Wilson), é a linha condutora da trama no sentido que traz sua tese mais importante: mesmo que estejamos em busca de conexão romântica, ou abertos a uma, é preciso apreciar os momentos em que estamos sozinhos (e solteiros) pelo tanto de vida e autoconhecimento que eles trazem.

Ao mesmo tempo, Como Ser Solteira tira o fardo da relação amorosa como o objetivo final de suas personagens. Quebrando com a tradição centenária das comédias românticas, essas mulheres são muito mais que suas buscas por namorados, e de fato, se não estiverem nem um pouco em busca de namorados (como Robin), não tem problema nenhum. A trama de Meg (Leslie Mann, excelente) tem mais a ver com maternidade do que com romance, enquanto a de Lucy (Alison Brie) discursa mais sobre nossa dependência da tecnologia e as nossas auto-impostas limitações e “regas”. O humor nem sempre funciona às mil maravilhas quando Wilson não está em cena, e a interpretação de Johnson não é nenhuma revelação, mas Como Ser Solteira é um filme importante que empurra para o lado os clichês de jornadas de “auto-conhecimento” que, nas comédias românticas por aí, viram na verdade trajetórias de um relacionamento para o outro. Ao resolver contar a história dos momentos de solteirice de suas protagonistas, o filme encontra uma veia dramática, cômica e narrativa ainda não devidamente explorada.

✰✰✰✰ (3,5/5)

chappie

Chappie (EUA/México, 2015)
Direção: Neill Blomkamp
Roteiro: Neill Blomkamp, Terri Tatchell
Elenco: Shalto Copley, Dev Patel, Ninja, Yo-Landi Visser, Jose Pablo Cantillo, Hugh Jackman, Sigourney Weaver
120 minutos

Aqui está o meu motivo para gostar de Neill Blomkamp: o diretor sul-africano, revelado em Distrito 9, nos dá uma razão para sermos realmente engajados em ficção científica. Como um fã do gênero desde que me conheço por gente, é importante para mim ver artistas e espectadores apaixonados pelas possibilidades e pelas mensagens que essas histórias fantasiosas podem representar. Mais do que qualquer outro gênero, é importante fazer da ficção científica um meio para contar histórias relevantes socialmente – olhando para os possíveis futuros e conjecturas humanas, refletir sobre o nosso presente é ainda mais urgente. Criticado por trazer essas discussões e temas em um nível mais elevado do que é capaz de lidar como cineasta, Blomkamp continua sendo, para este que vos fala, alguém que ao menos tenta incutir no gênero alguma profundidade. Em Chappie, seu terceiro filme, o diretor retorna à África do Sul e realiza um épico profundamente conectado ao espírito de crítica social de seu cinema, retratando diferenças de classe e personagens com preconceitos superficiais quanto a modos de vida diferentes dos seus, obsessões egocêntricas e militaristas de grandes empresas e “cientistas” bélicos, e a importância da educação moral para a formação de uma identidade, seja ela artificial ou não. Em certos momentos, Chappie é uma fábula sobre os danos da cultura da violência e da masculinidade venenosa e agressiva que tradicionalmente prezamos – nesses momentos, o filme de Blomkamp encontra um discurso contundente e importante de ser ouvido.

Aqui, o ator-fetiche de Blomkamp, Sharlto Copley, empresta voz e captura de movimentos em performance para lá de carismática para Chappie, o robô do título, um de muitos “sentinelas” robóticos que uma grande empresa bélica comandada por Sigourney Weaver instalou no futuro da África do Sul. O cientista que os criou, Deon Wilson (Dev Patel), tem ambições mais metafísicas: aspira criar uma inteligência artificial completa que tenha o livre arbítrio de se tornar ou não um policial. Quando ele consegue, acaba instalando o novo programa em Chappie, e o androide cai nas mãos dos criminosos em dívida feitos por Ninja e Yo-Landi Visser, da dupla musical Die Antwoord, que pretendem usá-lo para realizar um assalto. Chappie foge do maniqueísmo com determinação, usando de Ninja e Visser, que se mostram intérpretes talentosos, para representar uma oposição yin-yiang entre a cultura da violência e da padronização masculina e a cultura que celebra a diferença e a singularidade de cada inteligência.

Quando tenta argumentar outros pontos, Chappie derrapa um pouco mais, embora tenha sempre o coração no lugar certo. O mesmo vale para a fantasia tramada pelo roteiro de Blomkamp em torno das possibilidades tecnológicas desenvolvidas em seu mundo futurista – em muitos sentidos, o final feliz parece um pouco forçado, e a argumentação sobre os limites da consciência e da vida prática humana um pouco fora de lugar. Mesmo assim, embora tenha seus defeitos, Chappie é obra de um cineasta que realmente se importa com a mídia e o gênero no qual está trabalhando, e isso é mais do que motivo para amá-lo.

✰✰✰✰ (4/5)

22 de mai. de 2016

Review: “Baskets” tira graça, drama e elegância dos lugares mais improváveis

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por Caio Coletti

“Nem todo mundo pode ser florista ou lavador de pratos. Alguns de nós precisam ser artistas”. A frase é do segundo episódio do primeiro ano de Baskets, nova série de Zach Galifianakis (Se Beber, Não Case) para a FX exibida em 10 episódios entre janeiro e março de 2016. A inversão na frase é quase poética – aspirantes a atores, cantores, músicos, cineastas e pintores por aí já devem tê-la ouvido ao contrário: nem todo mundo pode ser um artista; o mundo precisa de carpinteiros, garis, mecânicos, secretários, recepcionistas. O dito quer fazer graça da noção de que todo trabalhador comum parece ter o sonho de se disfarçar de artista.  De sua forma ao mesmo tempo ingênua e deliciosamente cínica, Galifianakis e Baskets parecem nos perguntar se, nesse mundo capitalista esmagador, não é o artista às vezes que é compulsoriamente levado a se disfarçar de trabalhador comum.

E que trabalho magistral que Galifianakis, com a ajuda de uns poucos outros roteiristas (incluindo o comediante Louis C.K., de Louie) e do diretor Jonathan Krisel, faz em nos apresentar um personagem comovente pelos sonhos tanto quanto é por seus instintos mais patéticos. Às vezes anti-herói, o Chip Baskets de Galifianakis não é só um fracassado pelo qual é fácil torcer, como tantos outros na TV americana hoje em dia – é uma alma cujos próprios defeitos, limitações e frustrações emprestam verdade para sua arte. Nos raros momentos em que somos capazes de ver Baskets realizando suas rotinas de palhaço, o absoluto respeito que Galifianakis exibe pela forma de expressão desses artistas relegados à categoria de atrações de circo é palpável. Em uns poucos movimentos, em representações tão simples e simbólicas, Galifianakis faz cuidadosamente explodir em tela as entranhas de um personagem que ele passa o restante da série compondo.

Mas sim, antes que a gente se esqueça, Baskets é também uma comédia, e não é pouco engraçada. Por mais agridoces que sejam seus momentos mais marcantes (“Easter in Bakesfrield”, 1x04, é um episódio de TV que não vai sair da minha memória por muito tempo), Baskets também é ótima em selecionar os alvos certos e os tons certos para suas piadas. Galifianakis está especialmente engraçado como o irmão gêmeo de Chip, Dale Baskets, dono, aluno e garoto-propaganda de uma universidade à distância cuja fachada cuidadosamente construída esconde mal uma pilha de ansiedades, e cujo mero sotaque já é motivo para risadas nervosas. Martha Kelly é uma peça importante com sua entrega minimalista de algumas das melhores falas da temporada, e Louie Anderson faz um trabalho enormemente sensível (e tremendamente engraçado) com o retrato da mãe super-protetora do interior americano.

E talvez as nossas palavras façam crer que é um tipo complicado de comédia, mas Baskets é na verdade muito simples, e fundamentalmente modesto sobre si mesmo. Seus temas, as frustrações de seus personagens, os destinos de suas histórias, tudo surge com a naturalidade de uma comédia que deixou o seu universo crescer e o seus personagens crescerem junto. Se há ambição aqui, é a ambição de contar uma história, e se dessa história nascem reflexões, momentos com os quais o espectador pode se identificar emocionalmente e personagens compreensíveis, tridimensionais e humanos, é um testamento do talento do grupo que a escreveu. Em dez episódios de menos de meia hora, passeando por desertos, rodeios, motéis de beira-de-estrada, escritórios apertados e quartos de hospital, Baskets consegue encontrar poesia, elegância e graça de uma história nada provável. E esse é um tipo de storytelling que precisamos cultivar e guardar como uma pedra preciosa – como a vida, Baskets não tem intenção nenhuma de acontecer; simplesmente acontece.

✰✰✰✰✰ (4,5/5)

BASKETS -- "Renoir" Episode 101 (Airs Thursday, January 21, 10:00 pm/ep) Pictured: (l-r) Martha Kelly as Martha, Zach Galifianakis as Baskets. CR: Ben Cohen/FX

Baskets – 1ª temporada (EUA, 2016)
Direção: Jonathan Krisel
Roteiro: Louis C.K., Zach Galifianakis, Jonathan Krisel, Samuel D. Hunter, Rebecca Drysdale, Graham Wagner
Elenco: Zach Galifianakis, Martha Kelly, Louie Anderson, Sabina Sciubba, Ernest Adams, Malia Pyles
10 episódios

16 de mai. de 2016

Review: “O Caçador e a Rainha do Gelo” só economiza onde não poderia – no roteiro

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por Caio Coletti

Há um momento em O Caçador e a Rainha de Gelo, um glorioso momento, em que Charlize Theron, no papel da rainha má Ravenna, “deixa escapar” uma gargalhada que qualquer espectador sentado em uma sala de cinema só pode receber de um jeito: abrindo um largo sorriso de reconhecimento. A risada maligna de Theron é tão estereotípica, e ainda assim tão deliciosamente executada, que é impossível não acordar do coma em que o restante de O Caçador e a Rainha do Gelo coloca o espectador e deitar e rolar na interpretação da moça. Não é novidade que Ravenna, ou Charlize, é a melhor parte dessa continuação de Branca de Neve e o Caçador – afinal, ela era também a melhor parte do primeiro filme –, mas é novidade vê-la como um holofote brilhante iluminando os momentos que ela entra em cena em meio à total escuridão e bagunça de tudo que a cerca.

Esqueça a campanha publicitária, porque essa não é exatamente a história que precede Branca de Neve e o Caçador – ao invés disso, ficamos conhecendo um pouco do passado do Caçador (Chris Hemsworth), seu treinamento nas mãos da rainha gelada Freya (Emily Blunt), irmã de Ravenna, que se tornou a poderosa feiticeira do gelo após ter seu coração partido pelo amado. Uma das regras de Freya é que seus assassinos não podem se apaixonar, daí a punição do Caçador e Sara (Jessica Chastain), a esposa morta que ele cita no primeiro filme. Anos mais tarde, depois dos acontecimentos de Branca de Neve, o Caçador deve voltar ao reino de Freya para realizar alguma missão para a rainha. No interesse de sinceridade, este que vos fala não se lembra detalhes da trama que leva o Caçador para as garras da rainha gelada, quão patético e esquecível é o roteiro de Evan Piliotopoulos (Hércules) e Craig Mazin (Todo Mundo em Pânico 4).

Chris Hemsworth entrega o que mal é uma performance no papel principal, enquanto Jessica Chastain é criminalmente mal-aproveitada. A ideia de alívio cômico do filme é tirar sarro dos anões, especialmente Nion (Nick Frost), e montar uma trama romântica sinceramente ofensiva entre eles, o que desperdiça as aparições de Sheridan Smith e Alexandra Roach, outras duas talentosas mulheres do elenco. As cenas de ação tampouco são capazes de empolgar. No fim, é tudo desculpa para nos mostrar mais alguns momentos de glória de Theron, vestida espetacularmente nos figurinos ousados de Colleen Atwood e filmada com reverência quase religiosa pelo diretor de fotografia Phedon Papamichael – nos minutos em que ela está em tela, funciona, porque Charlize prende o espectador em uma rede quase hipnótica, mas, como diria aquela música dos anos 2000: too little, too late.

Crédito seja dado onde ele merece, no entanto, pelo menos o filme tenta criar uma espécie de “substituta” para a ausência de Ravenna na primeira metade do filme, através de Freya de Emily Blunt. A atriz britânica está excepcional como sempre foi, criando uma figura trágica e gélida, em constante agonia, que impõe medo tanto pelo que representa quanto pelos poderes que tem. Dentro dos arquétipos terrivelmente ultrapassados em que estão presas, e esse é um filme em que toda mulher em posição de poder é retratada como fraca ou maligna, Blunt e Theron brilham pela própria obstinação que tem em brilhar. Observar o dueto entre duas de nossas melhores atrizes em atividade é empolgante, e quase vale o valor do ingresso – mas só quase.

✰✰ (2/5)

Huntsman

O Caçador e a Rainha do Gelo (The Huntsman: Winter’s War, EUA, 2016)
Direção: Cedric Nicolas-Troyan
Roteiro: Evan Spiliotopoulus, Craig Mazin
Elenco: Chris Hemsworth, Charlize Theron, Jessica Chastain, Emily Blunt, Nick Frost, Sheridan Smith, Alexandra Roach, Sam Claflin
114 minutos

11 de mai. de 2016

Review: “Capitão América: Guerra Civil” capitaliza no barulho, mas triunfa na modéstia

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por Caio Coletti

Os irmãos Joe e Anthony Russo não são nem um pouco como os outros diretores que passaram pelo universo cinematográfico Marvel (ou MCU) desde 2008. Vencedores do Emmy pelo trabalho no episódio piloto da inovadora série de comédia Arrested Development, em 2003, os irmãos não são iconoclastas pomposos (Kenneth Branagh, Thor), artistas com ramificações pessoais profundas (Joss Whedon, Os Vingadores), diretores/roteiristas com vozes satíricas únicas (Shane Black, Homem de Ferro 3), ou puros paus mandados de estúdio (Joe Johnston, do primeiro Capitão América). Em cada uma das entrevistas e listas de influências que os Russo passam conforme vão divulgando seus filmes da Marvel, fica claro que os irmãos são cinéfilos dedicados antes mesmo de serem amantes dos personagens e materiais dos quadrinhos. Se Capitão América: O Soldado Invernal era um thriller político traiçoeiro disfarçado de filme de super-heróis, Capitão América: Guerra Civil é um suspense psicológico profundo que quer discursar sobre guerra, vingança, efeitos colaterais e controle governamental – sem esquecer de entreter.

Dessa vez, é preciso considerar, os irmãos estão lidando com uma quantidade muito maior de personagens fantasiados (e fantasiosos) do que em Soldado Invernal, então Guerra Civil não tenta se apegar àquela sensação de gravidade e realismo que permeava seu predecessor, quase um filme de espião em meio às aventuras extravagantes da Marvel – pelo contrário, os Russo procuram abraçar a exuberância desses personagens e seus poderes com gosto, produzindo cenas desenhadas especialmente para que o espectador se deleite com os feitos apresentados em tela, e dirigindo as sequências de ação com um senso de escala, um olho aguçado e uma edição rápida que nunca se torna confusa. Valem palmas os trabalhos do diretor de fotografia Trent Opaloch (Distrito 9) e dos editores Jeffrey Ford & Matthew Schmidt, medalhões do MCU desde Capitão América: O Primeiro Vingador. No entanto, por mais que se venda com o espetáculo de cenas como a imensa batalha do aeroporto, sobre a qual virtualmente ninguém parou de falar desde a estreia do filme, Guerra Civil ganha o jogo mesmo é com seus elementos mais modestos. Em muitos sentidos, o filme se parece com um grande exercício de contenção.

A sensação é que os roteiristas Stephen McFreely e Christopher Markus são predadores cercando os fios de trama e personagens puxados de outros filmes da franquia, os juntando em um ponto concentrado, e usando-os para contar uma história que passa por temas e sub-tramas complexas e numerosas para construir uma narrativa cuja estrutura, em si, é bastante simples. Quando os Vingadores divergem de opinião sobre uma “proposta” (que mais parece uma ordem) do governo de registro e controle das ações dos super-heróis, aos poucos os heróis vão tomando lados distintos, com o Capitão América (Chris Evans) e o Homem de Ferro (Robert Downey Jr) agindo como líderes desses “times”. As motivações dos personagens são construídas com cuidado e consideração por quem eles são e como agiram em suas aparições anteriores – no caso dos dois personagens que o filme introduz (o Homem-Aranha e o Pantera Negra), as motivações, espertamente, são muito mais pessoais e emocionais do que ideológicas.

Guerra Civil desenha uma trajetória cristalina em direção ao seu clímax, que tira potência emocional, assim como alguns outros pequenos momentos espalhados pelo filme, da história dos personagens nesses oito anos de MCU. Se você pensar bem, é o primeiro filme da Marvel a realmente fazer isso, o que significa que a editora, a essa altura de seu projeto cinematográfico, não só se viu no direito de discutir questões políticas e fazer um “thriller psicológico”, como ousou começar a ser auto-referente. Construído com cuidado e nunca superestimando seus próprios momentos de culminação ou junção narrativa, Guerra Civil é um exercício de storytelling que vai contra o instinto da maioria dos roteiristas, mas funciona dentro de uma franquia que existe nesses moldes. O filme não precisa nos mostrar, nos lembrar, da bagagem que traz – o peso que ela carrega fala por si mesmo –, e essa “modéstia” dos roteiristas ao abordá-la faz bem ao efeito duradouro que Guerra Civil causa no espectador.

Faz bem também o fato de que McFreely e Markus, ao lado dos irmãos Russo, buscam acomodar seus impulsos mais grandiosos e iconoclastas às exigências de uma franquia que tem obrigações de continuidade e de introdução de personagens para cumprir. Há momentos de beleza plástica e temática espetaculares em Capitão América: Guerra Civil, e eles são distintamente idiossincráticos do estilo dos Russo, especialmente no embate final entre três dos heróis principais, e na realização do plano do vilão interpretado (com gosto, complexidade e comprometimento subestimados) por Daniel Bruhl. A discussão sobre o controle do governo sobre os super-heróis passa por todas as marcas que deveria, costurando questões de reponsabilidade, corrupção, preconceito, o caráter fundamentalmente falho da lei e a importância dela para ordenar nossa vida em sociedade. Sem advogar por nenhum dos lados de forma explícita, Guerra Civil olha para o mito do super-herói de um ponto de vista frio, político e ponderado, que só funciona por conta do equilíbrio fornecido pela paixão envolvida nas jornadas íntimas dos personagens.

Robert Downey Jr brilha como há muito tempo não lhe era permitido, explorando as complexidades, hipocrisias, razões, imaturidades, egoísmos e fundamentais boas intenções de Tony Stark com a disposição de um ator que ainda não cansou de submergir em seu personagem. Chadwick Boseman cria um Pantera Negra que não esconde seu status de realeza, mas também não se esconde por trás dele – um herói feroz e duro, cuja humanidade se esconde por trás dos olhos decisivos de um governante. E Tom Holland encarna o espírito de Peter Parker/Homem-Aranha através de um carisma nada calculado que se expressa de forma charmosa e comunicativa com o público. Como um casamento impossível entre o íntimo e o épico, o estupidamente divertido e o angustiantemente questionador, a ambição artística e a comercial, Capitão América: Guerra Civil conversa com a cultura criada pelos personagens da Marvel no cinema e, de sua forma singularmente improvável, dá o golpe definitivo na ofensiva da Marvel para se tornar uma das forças definidoras do cinema pop feito no século XXI.

✰✰✰✰✰ (5/5)

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Capitão América: Guerra Civil (Captain America: Civil War, EUA/Alemanha, 2016)
Direção: Joe e Anthony Russo
Roteiro: Christopher Markus, Stephen McFreely
Elenco: Chris Evans, Robert Downey Jr, Scarlett Johansson, Sebastian Stan, Anthony Mackie, Don Cheadle, Jeremy Renner, Chadwick Boseman, Paul Bettany, Elizabeth Olsen, Paul Rudd, Emily VanCamp, Tom Holland, Daniel Bruhl, Frank Grillo, William Hurt, Martin Freeman, Marisa Tomei, John Slattery, Hope Davis, Alfre Woodard
147 minutos

3 de mai. de 2016

Diário de filmes do mês: Abril/2016

Downloads14

por Caio Coletti

Nem todos os filmes merecem (ou pedem) uma análise complexa como a que fazemos com alguns dos lançamentos mais “quentes” ou filmes que descobrimos e nos surpreendem positivamente. É levando em consideração a função da crítica e da resenha como uma orientação do público em relação ao que vai ser visto em determinado filme que eu resolvi criar essa coluna, que visa falar brevemente dos filmes que não ganharam review completo no site. Vamos lá:

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American Ultra: Armados e Alucinados (American Ultra, EUA/Suiça, 2015)
Direção: Nima Nourizadeh
Roteiro: Max Landis
Elenco: Jesse Eisenberg, Kristen Stewart, Topher Grace, Connie Britton, Walton Goggins, John Leguizamo, Bill Pullman, Tony Hale
96 minutos

O grande pecado de American Ultra é prometer muito mais diversão do que entrega. A história acompanha Mike Howell (Jesse Eisenberg), o caixa de um mercadinho em uma cidade pequena, que tem ataques de pânico todas as vezes que tenta sair dos limites do município com a namorada, Phoebe (Kristen Stewart). Um belo dia, uma mulher misteriosa (Connie Britton) aparece e diz um monte de palavras sem sentido para Mike, e de repente uma programação escondida no fundo de sua mente é acionada, e ele se revela um agente treinado e perigoso. A trama por trás de tudo isso é um pouco mais do mesmo, com um jovem executivo (Topher Grace) tomando a posição na CIA que anteriormente pertencia a Britton e deixando o poder subir a sua cabeça, realizando operações sem a autorização de seus superiores. O mais interessante é o efeito cômico de ver Eisenberg e Stewart, tradicionalmente acostumados a papeis mais no perfil indie, se divertindo como uma dupla de maconheiros que esconde um lado badass. O roteiro de Max Landis (Poder Sem Limites) tenta explorar isso em algumas cenas de ação, e trabalhando no desenvolvimento da relação dos dois, mas falta faro cômico e conhecimento de gênero para American Ultra emplacar como a comédia de ação que poderia ser.

Ao mesmo tempo, falta ao diretor Nima Nourizadeh (Projeto X) a habilidade para comandar as cenas de adrenalina – uma luta em especial, dentro de uma sala iluminada com luzes negras, poderia render muito mais nas mãos de um diretor (e um fotógrafo) mais habilidoso e com mais senso de estética e ritmo. Dito tudo isso, American Ultra não é uma ofensa em forma de filme. São rápidos 96 minutos que podem desaparecer rapidamente da cabeça do espectador assim que os créditos sobem, mas funcionam como entretenimento e como oportunidade de ver a química entre esses dois ótimos atores da nova geração. Stewart (26) e Eisenberg (32) estarão juntos de novo esse ano, sob a direção de Woody Allen, em Café Society, e se os admiráveis esforços dos dois em American Ultra são alguma medida, o par vai funcionar as mil maravilhas.

✰✰✰ (3/5)

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Tumbledown (EUA/Canadá, 2015)
Direção: Sean Mewshaw
Roteiro: Desiree Van Til
Elenco: Rebecca Hall, Jason Sudeikis, Joe Manganiello, Dianna Agron, Brythe Danner
105 minutos

Pequenos dramas indie como Tumbledown frequentemente tem muito mais a oferecer do que alguns espectadores reconhecem. Embora a fórmula e o estilo de muitos desses filmes sejam repetitivos, seus roteiros muitas vezes guardam pequenas pérolas de insight. Em Tumbledown, além de um par de atuações para lá de convincentes dos dois protagonistas, que desenham um romance adorável e satisfatório, o script da estreante Desiree Van Til carrega realizações inteligentes sobre arte, nossa idealização da vida e da mentalidade dos artistas que amamos, a forma como nos apropriamos da expressão deles para refletir obsessões e identificações nossas, sem levar em conta que não conhecemos de fato quem são esses seres humanos. A história de Hannah (Rebecca Hall), a viúva de um cantor de folk que adquiriu status de cult após sua morte, se entrelaça com a do professor e escritor Andrew (Jason Sudeikis), que pretende usar a história do marido da moça como a pedra fundadora em um livro sobre artistas que morreram cedo. A resistência de Hannah, que passa por um longo período de luto, cede quando ela percebe que Andrew pode ajudá-la a terminar a biografia do marido, na qual ela trabalha como uma forma de tentar conseguir um senso de “conclusão”. Os mecanismos sinceros e compreensivos do roteiro de Van Til não deixam que essa seja a história de uma mulher que precisa de outro homem para ajudá-la a esquecer o marido morto – ao contrário, é a história do encontro de duas pessoas que se ajudam mutuamente, conforme a convivência com Hannah faz Andrew realizar sua atitude condescendente à vida e à humanidade do artista que admira.

Sempre excelente, Rebecca Hall entrega uma atuação que traduz conceitos discrepantes de luto, amor, arrependimento, culpa e estagnação na expressão coesa de uma mulher que podemos facilmente acreditar ser real. Os que passaram pela perda de alguém próximo de si vão reconhecer-se em vários momentos da performance da britânica, uma das melhores (e mais subestimadas) atrizes em atividade no momento. Equilibrando-se frente a essa companheira de cena formidável, Sudeikis aparece meio apagado, mas seu charme natural e sua composição firme de um personagem que foge um pouco dos que ele geralmente interpreta ganham o espectador sem muito esforço. No fim de seus 105 minutos, Tumbledown não é um romance surpreendente ou subversivo, mas não precisa ser – seu humor muito naturalista funciona à perfeição, sua história envolve, emociona e faz pensar. É um filme que vale a pena ser visto pelo que é, não pelo que aspira a ser, e essa pode ser uma mudança bem-vinda na rotina de espetáculos ambiciosos de Hollywood.

✰✰✰✰ (3,5/5)

yn

Você é o Próximo (You’re Next, EUA/Inglaterra, 2011)
Direção: Adam Wingard
Roteiro: Simon Barrett
Elenco: Sharni Vinson, Nicholas Tucci, Wendy Glenn, AJ Bowen, Joe Swanberg, Amy Seimetz, Ti West, Rob Moran, Barbara Crampton
95 minutos

Outro da nova geração de filmes de terror amados pela crítica e pelo público, Você é o Próximo é único pela mistura e brincadeira de gêneros que propõe. Uma história paranoica de invasão à domicílio com um acompanhamento de slasher film (aqueles terrores baseados em assassinos em série, sobrenaturais ou não), mas a alma de uma comédia de humor negro indie sobre uma família disfuncional, o filme do diretor Adam Wingard é exageradamente divertido (e eventualmente engraçado) ao mesmo tempo em que mantem a tensão nas alturas durante a metragem de 95 minutos. O equilíbrio do tom é arquivado largamente através de um exercício de contenção – Wingard e o roteirista Simon Barrett mantem o subtexto satírico e as referências aos filmes clássicos por baixo da narrativa, telegrafada para o espectador de forma prática enquanto a câmera do diretor de fotografia Andrew Droz Palermo adiciona truques e rebuscamentos visuais, especialmente em cenas chaves da metade para o final do filme. A história acompanha uma família que se junta pela primeira vez em muito tempo assim que os pais (Rob Moran e Barbara Crampton) se mudam para uma casa afastada – logo todos os membros da reunião, incluindo os agregados, começam a ser aterrorizados por um grupo de assassinos mascarados cujo propósito é a principal revelação do filme (é genuinamente surpreendente, porque o filme nos despista com suas referências e colocações tonais).

Parte da diversão de Você é o Próximo é o quanto o elenco parece estar comprometido com a brincadeira. Sharni Vinson, que merecia ter se tornado uma estrela depois do trabalho aqui, se concentra em vender sua personagem com tanta força que é impossível não torcer por ela – Erin, a namorada de um dos filhos da família e protagonista da trama, aos poucos de mostra uma heroína badass em meio a um monte de personagens cheios de falhas e hipocrisias. Joe Swanberg, conhecido como o diretor de dramédias indie como Um Novo Começo e Um Brinde à Amizade, está particularmente bem como o irmão mais velho que insiste em se mostrar superior aos outros membros da família. Não é que Você é o Próximo subverta a moralidade a ponto de que a possibilidade de vê-lo morrer em algum momento da trama seja prazerosa, mas há um cerne cruel e sarcástico na violência do filme, nas suas elaborações emocionais, e no seu final.  E o mais interessante é que, mesmo se tudo isso falhar com você, Você é o Próximo ainda é uma hora e meia muito bem gasta com um pedaço de entretenimento bem realizado.

✰✰✰✰ (4/5)

mn

Sr. Ninguém (Mr. Nobody, Bélgica/Alemanha/Canadá/França, 2009)
Direção e roteiro: Jacon Van Dormael
Elenco: Jared Leto, Sarah Polley, Diane Kruger, Lin Dan Pham, Rhys Ifans, Natasha Little, Toby Regbo, Juno Temple
141 minutos

Há alguns filmes que espelham um pouco do que Sr. Ninguém é e significa, mas não há nenhum que seja exatamente igual a ele. Há algo de Charlie Kaufman, famoso por Quero Ser John Malkovich e Brilho Eterno de uma Mente Sem Lembranças, no surrealismo contido da trama, na sua estrutura pouco convencional, em seus acenos para a realidade (e as realidades) que representa. Há algo de Wes Anderson e Jean Pierre Jeunet, os diretores de O Grande Hotel Budapeste e O Fabulo Destino de Amélie Poulain, na composição visual e na forma como o filme integra o onírico e o sobrenatural em um mundo que é fundamentalmente realista. E há algo de Boyhood, de Richard Linklater, na reflexão que Sr. Ninguém nos faz fazer, de sua própria forma típica da ficção científica. A mistura de todas essas coisas é adicionada a visão única do diretor e roteirista belga Jaco Van Dormael, que conta a história de Nemo Nobody (Thomas Byrne, Toby Regbo e Jared Leto, em diferentes fases do personagem), um garoto de 9 anos cuja separação dos pais e decisões que surgem dessa separação criam uma infinidade de universos alternativos em que o garoto tem diferentes amores, destinos e mortes. De certa forma, Sr. Ninguém é uma carta de amor a essas possibilidades, um filme que prende a respiração e segura firme em todas as opções de narrativa que vê diante de si, e portanto em todas as escolhas que o seu protagonista tem que fazer. Um poema à beleza do momento em que o trapezista está suspenso no ar, entre dois pontos de apoio, o filme de Dormael nunca se cansa de surpreender o espectador, e cede a cada capricho de seu diretor/autor sem medo algum do abandono.

Jared Leto está brilhante como as várias encarnações adultas do personagem, e ainda melhor como a versão envelhecida de Nemo – cheia de maneirismos, seu retrato do protagonista frente a um futuro espantoso se encaixa perfeitamente às ambições e ao clima do filme, enquanto seu Nemo adulto representa uma pletora de decepções e sensibilidades que refletem no quão complicada a vida pode se tornar, independente de qual caminho escolhermos. Como o personagem diz em certo momento do filme: “Todo caminho é o caminho certo. Tudo que há poderia ter sido qualquer outra coisa, e teria tanto significado quanto tem agora”. Com uma filosofia que consegue ser niilista e mágica ao mesmo tempo, Sr. Ninguém quer nos pintar como peões do destino e das escolhas que fazemos simplesmente por sermos quem somos, e acha extraordinária tristeza, determinismo e beleza dentro desse conceito. É uma história fantástica para as nossas consciências, e não quer que nos desprendamos dela, mas que deixemos ela se expandir para aceitar um conceito de incerteza que é tão real quanto a carne e os ossos do nosso corpo.

✰✰✰✰✰ (4,5/5)

jc

Jogo de Cena (Brasil, 2007)
Direção: Eduardo Coutinho
Elenco: Marília Pêra, Andrea Beltrão, Fernanda Torres
100 minutos

Em certo ponto de Jogo de Cena, o simples, extraordinariamente comovente e magistral documentário do mestre Eduardo Coutinho, uma das entrevistadas que compõem os 100 minutos de filme termina sua história, olha diretamente para a câmera, e diz: “e foi isso que ela disse”. Embora o jogo tenha começado algum tempo atrás, é nesse momento que Jogo de Cena pega o espectador pela boca do estômago, aplicando um choque que nos faz ver e rever o que estamos assistindo. E essa não é nem a metade do que Coutinho arquivou com um único cenário, um anúncio no jornal e a ajuda de algumas maravilhosas atrizes. A honestidade crua de Jogo de Cena se contrapõe ao seu jogo de enganação do tempo todo – é como se Coutinho, através dessas histórias contadas (em verdade ou em mentira), queira nos dizer que a narrativa e como a recebemos é sempre mais importante do que a autenticidade dela. Enquanto nos mostra histórias intensamente humanas de perda, amor e auto-conhecimento, todas elas contadas nas vozes de mulheres que viveram o que dizem ou que buscam em si a forma de expressar aquilo que outras disseram, Coutinho questiona a nossa concepção de verdade, a nossa construção de ficção e realidade, o próprio conceito de personagem e performance. Em Jogo de Cena, tudo é performance – numa teia de fingimentos e honestidades, o que fica é a identificação que o espectador sente com cada uma das mulheres em frente à câmera.

Um documentário que não foge da complexidade e do caráter esquivo do seu tema de suas reflexões, Jogo de Cena ainda mostra algumas das melhores performances de um trio de atrizes tão extraordinário que lida com o borrar da linhas entre realidade e ficção de forma espetacular: Andréa Beltrão, Fernanda Torres e Marília Pêra arquivam seus momentos em diferentes pontos do filme, e o permeiam como se fossem guias da nossa atenção ao redor dele. Torres faz trabalho especialmente superlativo com a ambiguidade das palavras e das histórias do filme, escondendo no fundo dos olhos, por trás de um sorriso fácil que tem o cuidado de parecer ensaiado e genuíno ao mesmo tempo, uma dúvida e uma semente de performance calculada. A impressão é que ninguém entende o filme exatamente como ela, nem mesmo o espectador – e é nesse mistério que mora o grande trunfo de Jogo de Cena, um documentário que, bem ao gosto do diretor, levanta mais perguntas do que trás respostas. Acima de tudo, porém, uma experiência cinematográfica (e de vida) essencial.

✰✰✰✰✰ (5/5)

sc

Special Correspondents (Inglaterra/Canadá/EUA, 2016)
Direção e roteiro: Ricky Gervais
Elenco: Ricky Gervais, Eric Bana, Vera Farmiga, America Ferrera, Raúl Castillo, Kelly Macdonald, Benjamin Bratt, Kevin Pollak
100 minutos

Excessos a parte, Ricky Gervais pode ser genial com o seu estilo sem papas na língua quando quer. Mais do que frequentemente, o que sai da boca do comediante britânico são críticas mordazes e ácidas a costumes e determinados comportamentos sociais – e na maioria dos temas, Ricky nos faz rir de quem merece ser motivo de chacota. Em Special Correspondents, os melhores momentos vem quando esse lado do comediante, aqui trabalhando em dose tripla como diretor, roteirista e astro, é libertado pelo sarcasmo que Gervais dirige à cobertura sensacionalista da mídia, ao caráter vazio de muitas reportagens “de interesse humano” que saem de coberturas de guerras e grandes acontecimentos, da busca superficial por fama e reconhecimento suplantando a nossa conexão e empatia pelo outro. Alguns momentos-chave mostram essa inteligência por trás do humor de Special Correspondents, e nesses momentos o filme se torna um divertido passeio pela mente de um comediante genial, com performances espertas de Gervais, Vera Farmiga (espetacular como a esposa falsária do protagonista) e da dupla America Ferrera e Raúl Castillo.

Em outros momentos, no entanto, o que vemos é uma comédia sem os espinhos que Gervais geralmente traz para os seus roteiros, se contentando em padrões fáceis de reproduzir, especialmente na oposição yin-yang, nerd-e-galã, dos protagonistas. O britânico interpreta um técnico de rádio cujo parceiro repórter (Eric Bana) é mais um picareta do que um profissional sério – quando os dois são mandados para o Equador cobrir uma guerra civil, Gervais acidentalmente perde as passagens e passaportes, e ele e Bana resolvem tapear a sua estação de rádio, se abrigando com um casal de latinos amigos e fazendo suas reportagens com base em efeitos sonoros e histórias inventadas. Para uma história com tanto potencial de sátira, e em uma plataforma aparentemente tão permissiva, Special Correspondents é notavelmente preguiçoso, assim como a performance de Bana no papel do segundo protagonista, e a direção sem novidades de Gervais por trás das câmeras. Uma pena.

✰✰✰ (2,5/5)