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Review: Me Chame Pelo Seu Nome

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Review: Liga da Justiça

É verdade: o novo filme da DC seria melhor se não tivesse uma Warner (e um Joss Whedon) no caminho.

29 de out. de 2014

Gotham 1x06: Spirit of the Goat

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ATENÇÃO: esse review contem spoilers!

por Caio Coletti

“Spirit of the Goat” é o episódio mais dramaticamente estourado de Gotham até o momento. A encenação comandada pelo diretor T.J. Scott (Orphan Black) conspira com o roteiro de Ben Edlund (Supernatural) para criar 45 minutos de televisão em que o jogo está constantemente virando, o cenário e a fotografia emprestam um clima teatral à encenação, e tudo parece legitimamente sair direto das páginas de uma revista em quadrinhos. Ao contrário do que acontecia nos primeiros episódios da série, no entanto, “Spirit of the Goat” faz dessa característica seu triunfo, e não sua derrocada: em curtas seis semanas, Gotham evoluiu para um dos thrillers mais saborosos na TV americana ao simplesmente abraçar suas origens e sua metrópole em que toda dramaticidade é elevada à enésima potência.

Assim como no excepcional “The Balloonman” (review), o grande ponto a se apreciar em “Spirit of the Goat” é o quanto a série entende o espírito e o núcleo emocional de uma história do Batman. Em meio a sua Gotham City em que trovoadas aparecem pela janela quando algum acontecimento chocante está para acontecer, a série da FOX consegue ser um tomo muito envolvente sobre justiça, corrupção e as linhas borradas entre o bem e o mal em que esses dois conceitos transitam. O developer Bruno Heller não deixa o roteirista Edlund perder isso de vista, e o resultado é uma trama que caminha em passo rápido, mas certeiro – no final do episódio, quando toda a pressão do assassinado de Oswald Cobblepot finalmente cai sobre a cabeça de Gordon, é notável a forma que o diálogo escrito por Edlund nos deixa à par, como nos deixou durante toda a preparação para esse momento climático, que a culpa vivida pelo nosso protagonista e a trajetória de ascensão do Pinguim são espelhos paralelos refletindo a natureza de Gotham.

A trama da semana, no entanto, não tem nada a ver com tudo isso: trata-se do retorno inesperado de um serial killer que o Detetive Bullock havia capturado dez anos atrás, às custas do funcionamento das pernas do seu parceiro na época, o Detetive Dix (Dan Hedaya, o Tully de A Família Addams). O mistério se aprofunda quando o “novo” assassino se utiliza de uma parte do modus operandi do antigo que não havia sido revelada pela polícia na época – ou seja, não se trata de um simples copycat. Os procedimentos todos para a resolução do caso são bem corriqueiros, mesmo que seja bacana saber um pouco da história do personagem de Donal Logue, em ótima forma quando lhe é exigida. Infelizmente, no entanto, a trama principal fica em segundo plano quando tanta coisa está acontecendo nas beiradas.

Seja em cenas retratando a relação cada vez mais envolvente de Jim e Barbara (Erin Richards), no precioso pequeno diálogo entre Bruce e Alfred, ou até no maior tempo de tela para o jovem Edward Nygma, Gotham deixa bem claro que sabe muito bem o que fazer com seus personagens. O desenvolvimento deles parece natural mesmo em um cenário tão melodramático, e é legal ver uma série que consegue conjugar um passo rápido (ainda estamos no episódio 6, e é impressionante quanta coisa já rolou!) com a paciência de esperar que seus personagens estejam prontos para lidar com as mudanças que estão guardadas para ele. “Spirit of the Goat” termina com um cliffhanger dos bons, absolutamente quadrinesco (essa palavra existe?) e, talvez por isso mesmo, icônico. Seis semanas de vida, e essa série já está produzindo momentos inesquecíveis.

Observações adicionais:

  • É preciso dar uma notinha para a presença de Susan Misner (a Sandra Beeman da nossa queridinha The Americans) no papel de uma psiquiatra  do mal. A moça é tão boa em ser deliciosamente diabólica quanto foi em retratar uma dona-de-casa insatisfeita e frustrada na série da FX. Estamos só um pouquinho apaixonados ♥
  • A nota mais baixa que a dos episódios anteriores, percebam, vai pela trama da semana mais fraca que o normal, o que é absolutamente natural em uma série de casos episódicos. O importante é que a engrenagem maior continuou se movendo de maneira muito coerente e interessante.
  • Golden rule of Gotham: no heroes”

✰✰✰✰ (4/5)

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Próximo Gotham: 1x07 – Penguin’s Umbrella (03/11)

27 de out. de 2014

Por que a Pixar não é mais a melhor produtora de animação do mercado?

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por Caio Coletti

Outro dia me vi enunciando em voz alta uma coisa que já estive pensando faz algum tempo: “a era de ouro da Pixar passou”. Por boa parte da década passada, a empresa representada pelo mascote Luxo Jr. (sim, esse é o nome do abajurzinho da vinheta da Pixar) representou a mais importante agente em um processo inevitável – o reconhecimento da animação como o espaço cinematográfico em que circulam as ideias mais originais de uma Hollywood viciada em continuações, adaptações e remakes. Depois de ser absorvida pela gigante-em-crise Disney, em 2006, a empresa comandada por John Lasseter fez um trabalho brilhante em retirar a reputação do estúdio do Mickey da lama e devolvê-lo ao posto de produtor dos mais largamente reconhecidos e amados desenhos animados do planeta. A força criativa da Pixar fez bem à Disney, mas será que as correntes corporativistas da Disney fizeram bem à Pixar?

Antes da absoluta apoteose criativa que foi Wall-e, em 2008,  a empresa produziu uma sequência verdadeiramente espetacular de filmes, e filmes muito diferentes entre si: a comédia-de-amigos-improváveis Monstros S.A., a fábula moral sobre a relação pai-e-filho Procurando Nemo, a aventura nostálgica Os Incríveis, o alucinante Carros, e o irresistível Ratatouille. Desde então, surgiram três continuações de filmes anteriores da empresa (Carros 2, Toy Story 3, Universidade Monstros), entre os quais o terceiro capítulo da saga dos brinquedos que tomam vida foi o que se deu melhor em termos de qualidade, ganhando pontos com o espectador que se enxergou na história de crescimento e abandono das fantasias de Andy. A única aventura original que foi produzida, Valente, saiu mais como um filme de princesa da Disney com um quê de modernidade do que como um produto genuíno da mente geniosa dos criadores desses filmes citados anteriormente.

Os próximos anos parecem guardar o renascimento desse espírito da Pixar. The Good Dinosaur e Inside Out, ambos marcados para 2015, chegam com premissas bem fora do convencional: o primeiro, a ser dirigido por Peter Sohn (do curta Parcialmente Nublado – assista aqui) após uma série de atrasos e demissões na equipe responsável pela finalização do projeto, conta a história de um dinossauro que faz amizade com um menino humano quando  parte em uma missão para restaurar a paz em seu vilarejo; o segundo, que está nas mãos de Pete Docter (Monstros S.A.), é contado pela perspectiva de versões personificadas das emoções dentro da cabeça de uma criança.

Inside Out, inclusive, ganhou um trailer que remonta todos os sucessos anteriores da Pixar. Será um retorno a tempos mais criativos e vibrantes para a empresa? Confere aí embaixo, e não deixe de ir ao cinema no próximo dia 02 de Julho, data marcada para a estreia. The Good Dinosaur, por sua vez, deve chegar por aqui em Novembro de 2015.

Banguela, Soluço e Grug

Com essa queda criativa mais do que perceptível dentro da Pixar, principalmente por conta da quantidade de trabalho dispensada a um outro projeto (a modernização e afinação da Disney Animation para o mercado do século XXI), é claro que alguém apareceria para preencher o vácuo deixado por ela. E é mais do que justo que apareça, é claro. Por mais nobre que seja a missão na qual os profissionais da Pixar se engajaram dentro da sua nova empresa-mãe, e por mais respeitosos que sejam os créditos conseguidos por John Lasseter e cia. durante os seus anos de absoluto domínio artístico na área, é preciso ter alguém trabalhando para que a animação deixe cada vez mais de ser considerada um gênero – classificação que o diretor Brad Bird (Os Incríveis, Ratatouille) sempre abominou –, e seja reconhecida como um recurso para contar uma história. Um recurso muito libertador, é verdade, e é preciso que alguém se aproveite dessa liberdade toda.

A Universal se deu bem com Meu Malvado Favorito e a sua continuação, que consegue a proeza de ser um triunfo de sarcasmo, referências culturais e fofura, tudo ao mesmo tempo. A Sony ganhou uma franquia (e a esgotou rapidamente, de maneira desastrada) em Tá Chovendo Hambúrguer, e provavelmente vai fazer o mesmo com Hotel Transylvania, que está com continuação marcada para 2015. Quem se deu melhor nessa história toda seguiu uma receita que é muito conhecida da Pixar dos bons tempos: roteiro em primeiro, segundo e terceiro lugares na lista de prioridades. Reinventando-se de maneira espantosa mesmo com o lento e doloroso esgotamento de sucessos como as séries Shrek e Madagascar, a DreamWorks Animation construiu, mais ou menos de 2008 pra cá, a aura mais do que merecida de recanto criativo da animação digital.

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Foi-se o tempo em que a DreamWorks fazia os filmes que divertiam as crianças enquanto davam “piscadelas” para os adultos em insinuações maldosas e referências pop obscuras. Como provou-se nas desgastadas continuações de Shrek, essa receita cansou, e se tornou contra-produtiva em relação à história que o filme tinha (ou não tinha) para contar. Aos poucos, a DreamWorks subversiva deu lugar à DreamWorks que experimenta com gêneros diferentes e faz homenagem (ao invés de parodiar) aos gêneros mais improváveis. Em 2008, Kung Fu Panda apareceu com visuais respeitáveis e uma atitude veneradora diante da cultura do kung fu – tudo sem abrir mão de contar sua história de superação e descoberta do verdadeiro potencial. Em 2009, Monstros vs Alienígenas fez US$400 milhões de bilheteria celebrando de maneira saborosamente carismática a cultura dos weirdos e, principalmente, os filmes de monstro dos anos 50.

E, finalmente, em 2010 nós conhecemos Soluço e Banguela, os inesquecíveis protagonistas de Como Treinar o Seu Dragão, filme levemente inspirado em um livro de Cressida Cowell. Não só o roteiro bolado pelos também diretores Dan DeBlois e Chris Sanders (dupla responsável por Lilo & Stitch)  fugiu bastante de uma simples adaptação da trama urdida pela autora, como também nos apresentou a uma trama envolvente do começo ao fim. Como Treinar o Seu Dragão é uma experiência imersiva impressionante – engraçado, tocante e empolgante como nenhum dos filmes citados nos parágrafos acima conseguiram ser. A obra de DeBlois e Sanders consegue ser tudo isso porque não tem medo de explorar as liberdades da sua técnica (a animação), nem faz concessões a natureza de seu gênero (aventura épica, dessas de capa-e-espada). É uma obra de inventividade notável porque se permite ser, e porque se importa tanto com seus personagens quanto com o número de piadas que vai atirar na cara do público.

E tudo isso é elevado à enésima potência pela continuação, lançada esse ano. Emocionalmente cruel, cheio de novos personagens e visuais arrebatadores, Como Treinar o Seu Dragão 2 é a continuidade de uma história de amadurecimento tão inesquecível quanto aquela protagonizada por Andy e Woody nos três Toy Story. É uma aventura cheia de riscos, e na qual eles são realmente concretos. DeBlois, que assumiu a cadeira de direção sozinho no segundo filme, nos faz esquecer que estamos assistindo um desenho animado, e nos mergulha em uma aventura mais excitante do que qualquer coisa saída dos livros de Tolkien. Como Treinar o Seu Dragão 2 é a melhor coisa a ter acontecido na animação digital desde Wall-e, e isso diz algo sobre a posição em que a DreamWorks está nesse momento.

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Entre um filme e outro da maior franquia que o estúdio tem hoje em dia, a DreamWorks lançou os elogiados A Origem dos Guardiões, Megamente e As Aventuras de Peabody & Sherman. Foi Os Croods, no entanto, que deu ao estúdio mais uma indicação ao Oscar para o currículo, a segunda franquia iniciada em menos de cinco anos (o segundo filme está marcado para 2017, junto com o terceiro Como Treinar o Seu Dragão), e uma marca de storytelling para chamar de sua. Digam adeus aos sarcásticos heróis dos filmes anteriores do estúdio, porque a era de ouro da DreamWorks achou seus protagonistas em pessoas confrontadas com um mundo em transformação, que acham suas próprias formas muito particulares de viver.

O visualmente espetacular Os Croods é uma aventura de tirar o fôlego quando precisa ser, e um drama familiar que foge do previsível. É uma explosão de criatividade na construção de um mundo novo, habitado por criaturas novas e incessantemente fascinantes. É uma história sobre rebeldia e abraçar mudanças, e tem a melhor performance de Nicolas Cage em séculos (mesmo que seja só por voz). Se tem algo que Os Croods definitivamente não é, é “uma grande animação”. Não, é mais que isso. É um arrasa-quarteirão com sentimento, e é cinema de primeira categoria.

26 de out. de 2014

Person of Interest 4x05: Prophets

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ATENÇÃO: esse review contem spoilers!

por Caio Coletti

Quando uma narrativa transcende o seu tema aparente, aquele que já dá as caras na mais simples resposta para “do que essa série fala?”, é praticamente impossível fugir de algumas discussões morais. A partir do momento em que o roteirista resolve falar de algo que vá apelar ao público não só pelo poder de envolvimento da narrativa, mas também pela universalidade daquilo que ela discute, ele está entrando num jogo perigoso: como lidar com os códigos morais diferentes de cada espectador, e realizar um retrato fiel da realidade desses personagens, sem maniqueísmos e soluções fáceis? Person of Interest não só se recusa a fugir dessa prerrogativa, como escolhe encará-la de frente e fazer dela um aspecto central de sua própria constituição.

“Prophets” é o episódio da quarta temporada, até agora, que mais incisivamente toca nessa questão. O script assinado por Lucas O’Connor (3x12, “Aletheia”) traz de volta o recurso dos flashbacks para nos mostrar outro aspecto dos dias de nascimento da máquina que joga uma luz interessante sobre as ações dela e do seu criador no presente. Vemos Finch lutando contra várias versões diferentes da máquina e percebendo que, dando-lhe poder de observar e intervir num mundo digitalizado, ele estaria potencialmente subjugando a sociedade a uma arbitragem fria, que não se importa de eliminar seu próprio criador para alcançar seu objetivo. De certa forma, Person quer nos dizer que basta tirar o elemento consciência da nossa capacidade cognitiva que somos todos vilões – psicopatas talvez seja a palavra certa.

A discussão filosófica acontece em meio a trama da semana, envolvendo Simon Lee (Jason Ritter, Parenthood), o garoto de ouro das predições eleitorais, que trabalhou para a campanha do governador de Nova York, candidato a reeleição, com a aura de 10 previsões acertadas em disputas anteriores. Quando o político perde o cargo para a outra candidata, no entanto, Simon levanta suspeitas contra a legitimidade das eleições, o que pode enfurecer algumas pessoas – especialmente o pessoal do Samaritan, que pode estar por trás da falcatrua toda, a fim de colocar uma marionete sua na posição de poder.

A trama apresenta algumas novidades em relação ao funcionamento do episódio, como é de costume em Person, sempre trazendo abordagens novas à premissa básica. Grande parte da graça de “Prophets” é ver os integrantes do #TeamMachine (eu me rendo!) perseguindo Simon pela cidade sem poderem ser vistos, uma vez que Samaritan também está no rastro do moço. As coisas escalam em uma curva narrativa perfeita que culmina em uma das cenas de ação mais bem coreografadas e filmadas das quatro temporadas da série – o tiroteio entre uma estoica Root e a implacável Martine (Cara Buono, Mad Men), assassina contratada do Samaritan. O diretor Kenneth Fink (3x05, “Razgovor”) tira o melhor desse momento dramático e cria um dos momentos mais tocantes da temporada de Person até agora.

Ver que Root evoluiu de uma vilã com um passado sombrio nas primeiras temporadas para uma das figuras mais moralmente significativas da série – um yiang para o yin de Finch, por assim dizer –, é a melhor testemunha para a forma como Person é capaz de manipular os personagens e as situações que tem em mãos para montar a mais bem azeitada engrenagem narrativa da televisão aberta americana. “Prophets” é uma pérola de relativismo, colocando lado a lado uma sensação de pavor mais do que bem justificada em relação ao mundo governado por uma máquina (ou um Deus?) e a crença cega no fato de que tal inteligência artificial é capaz de tomar decisões com os mesmos princípios de um ser humano.

Person não aponta quem está certo, como de costume, mas é muito mais interessante acompanhá-la quando se percebe que seus protagonistas não estão lutando só uma guerra contra inimigos perversos – estão também travando uma batalha contra os próprios medos e inseguranças.

Observações adicionais:

  • Queremos muito que a terapeuta de Mr. Reese continue por perto durante a temporada: além de dar ao personagem de Jim Caviezel a chance de acrescentar algo à temática da série, a doutora ainda é interpretada por Wrenn Schmidt, que arrasou na última temporada de The Americans.
  • “If the worst comes to pass, if you could give Shaw a message?” “I think she already knows” JÁ ESTOU SHIPPANDO! ♥ ♥

✰✰✰✰✰ (5/5)

PERSON OF INTEREST

Próximo Person of Interest: 4x06 – Pretenders (28/10)

23 de out. de 2014

Gotham 1x05: Viper

GOTHAM: Maroni (guest star David Zayas, L) meets with Detective Gordon (Ben McKenzie, R) in the "Viper" episode of GOTHAM airing Monday, Oct. 20 (8:00-9:00 PM ET/PT) on FOX. ©2014 Fox Broadcasting Co. Cr: Jessica Miglio/FOX

ATENÇÃO: esse review contem spoilers!

por Caio Coletti

Em certo ponto de “Viper”, um velho professor de filosofia da Gotham University respira a super-droga que batiza o episódio e adquire força descomunal, como todos os usuários da substância – ele torce em pedaços o andador de metal que o auxiliava na locomoção e quase estrangula o Detetive Bullock. A quinta entrada da temporada de Gotham, dá pra notar só por essa pequena descrição, é a mais ridiculamente impossível (e obscenamente divertida) até o momento. “Viper” nos lembra que estamos vendo uma série baseada em quadrinhos de super-heróis, e esse não é o mundo ultra-realista de Christopher Nolan. Claro, as decisões narrativas do episódio vão enlouquecer os críticos que insistem que Gotham tem um problema de definição de tom. É preciso embarcar no mundo da série para absorver o conteúdo absolutamente pulp da trama da semana sem perder de vista a engrenagem cuidadosamente azeitada que se move por trás disso – não é uma missão fácil, mas se apreciado da maneira certa, “Viper” é uma experiência e tanto.

Quando a referida nova droga chega às ruas de Gotham, nossos (nem-tão-)estoicos heróis policiais acabam esbarrando com a possibilidade da criação ser fruto dos laboratórios WellZyn, uma subsidiária da própria Wayne Enterprises. O ex-empregado do laboratório interpretado por um ensandecido Daniel London (Nurse Jackie) tem um plano maquiavélico para matar todos os junkies de Gotham ou está empreendendo vingança contra a corporação, que o obrigou a produzir uma arma farmacêutica letal? Ao mesmo tempo, o jovem Bruce Wayne começa a cavar a sujeira dos membros da diretora da empresa dos seus pais, que pode se mostrar tão corrupta quanto todas as instituições da metrópole. “Viper” trata de fechar o círculo em torno dos poucos “homens de bem” de Gotham City, e o clima de opressão que vai levar ao surgimento de uma “solução” tão drástica quanto o Batman já pode ser sentido.

A trama escolhida pelo grupo de roteiristas da série não poderia vir em momento mais oportuno: quebra um pouco com o paradigma que guiou os quatro episódios anteriores; dá um bom motivo para colocar David Mazouz, que interpreta Bruce, em cena – e nada em “Viper” é mais valioso do que as cenas que ele divide com Sean Pertwee, discretamente construindo um Alfred inesquecível; e abre espaço para a roteirista principal, Rebecca Perry Cutter (The Mentalist), produzir um episódio bem-amarrado e divertido que não deixa de mover a trama maior da série adiante.

A cena final do episódio é de tirar o fôlego. Enquanto o chefão do crime Carmine Falcone e a lindíssima Liza, garota contratada por Fish Mooney para seduzir o mafioso, trocam uns poucos diálogos e se sentam em uma escadaria para ouvir uma aria de ópera, a câmera se levanta para focar o horizonte sujo e esfumaçado de Gotham. De forma dramática, mas de um jeito que é mais bom do que ruim, a série da FOX contrapõe amor e corrupção, e mostra que quer ser um saga épica sobre crime e justiça, cinismo e idealismo. Esse tema vive dentro do Jim Gordon de Ben McKenzie, da Fish Mooney de Jada Pinkett Smith, e do Bruce Wayne de David Mazouz – esses são personagens sendo confrontados com o mundo a sua volta, e representando um dilema que, apesar das super-drogas e assassinos do balão, é muito real para quem os assiste.

Observações adicionais:

  • “Viper” também trouxe a melhor cena estrelada por Edward Nygma até agora, como se os escritores tivessem ouvido minha reclamação no review anterior. Caminhando pelo precinto de polícia em absoluto caos e observando os efeitos de uma droga desconhecida, Cory Michael Smith coloca no personagem um sorriso de fascínio que diz muito sobre ele. Essa é a gênese de um vilão cuja fonte de prazer não é alcançar seu objetivo, mas assistir a forma com que as pessoas reagem a isso – é aí que está a resolução da charada (me perdoem o trocadilho).
  • Quem também provou seu valor para a série no episódio foi David Zayas (Dexter), encarnando a face perigosa do afável e esperto Sal Maroni da série. É mais do que possível ver como esse homem pode ser um adversário formidável para o tradicional (e amolecido) Falcone. Sem contar que, só por dividir quase todas as suas cenas com Robin Lord Taylor (o Pinguim), o moço já sai em vantagem.

✰✰✰✰✰ (4,5/5)

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Próximo Gotham: 1x06 – Spirit of the Goat (27/10)

18 de out. de 2014

Person of Interest 4x04: Brotherhood

Person of Interest - Episode 4.04 - Brotherhood - Promotional Photo

ATENÇÃO: esse review contem spoilers!

por Caio Coletti

Uma das grandes virtudes de Person of Interest como thriller policial é que a série sabe como “play the long game”, para usar uma expressão tipicamente americana. A aposta em tramas maiores do que aquelas que se desenvolvem em um único episódio é a linha nem-tão-tênue que divide os bons procedurals daqueles que são simplesmente seguidores de uma fórmula pré-estabelecida. Uma gigantesca parte do apelo da narrativa televisiva nos moldes como a conhecemos no século XXI é a oportunidade de assistir às storylines se desenvolverem com um tempo e uma segmentação diferente de (quase) todas as outras formas de entretenimento. Limitar o arco narrativo a longo prazo ao desenvolvimento e aprofundamento dos personagens é desperdiçar a oportunidade de contar uma história de maneira única, e extremamente envolvente. Person sabe como não cometer esse deslize, e sabe como fazer esses long games trabalharem em favor da premissa e temática da série.

Dar seguimento à história da Brotherhood, uma nova e temida gangue que tem tomado conta das ruas de Nova York, é mais um exemplo de como os roteiristas de Person conseguem puxar cada fio do novelo de lã do universo da série e amarrá-lo em uma continuidade interessante. Apresentados na estreia da temporada, “Panopticon” (review aqui), os criminosos dão pinta de vilões do momento em “Brotherhood”, quarta entrada do novo ano de Person. Eles são os responsáveis pela ameaça a Malcolm (o estreante Amir Mitchell-Townes) e Tracy Booker (Kaci Walfall, Army Wives) dois jovens hospedados em famílias adotivas diferentes quando a mãe é presa por posse ilegal de armas. Tentando contratar um bom advogado para a progenitora, eles acabam roubando o dinheiro de uma transação de drogas planejada pela Brotherhood, e se metendo em previsível encrenca por isso.

Com a ajuda de uma suspeitíssima agente do DEA, Reese tenta proteger as crianças enquanto Shaw procura arrancar de um dos capangas da Brotherhood a localização do chefe da gangue, o misterioso Dominic, para que os irmãos Booker tenham algum objeto de barganha. O roteiro assinado por Denise Thé (3x09, “The Crossing”) é ardiloso ao conduzir essa trama aparentemente previsível até a reviravolta no final, operando por baixo dos panos um verdadeiro retorno à forma de Person na sua habilidade de moldar e preparar histórias que, a série parece garantir ao espectador, chegarão a uma conclusão satisfatória. É essa garantia, esse jogo de expectativa com o espectador, que os outros procedurals se abstém de jogar, e que Person manipula tão bem.

Ajuda também que a filosofia da Brotherhood e do seu insuspeito líder (“We all die in the end”) seja tão determinista e niilista quanto é apropriado para o admirável mundo novo que Person montou para a sua quarta temporada. Enquanto rápidas cenas mostram Finch tentando informar o escorregadio Elias do que mudou na situação dele e de Mr. Reese, somos apresentados a esses temíveis novos vilões, que entendem o destino fatal daqueles que o Samaritan, a máquina egoísta, considera “irrelevantes”, e encaram esse destino de frente, com assustador abandono. Como o último take de “Brotherhood” deixa claro, Person não está disposto a suavizar os contornos dessa atitude para o espectador.

✰✰✰✰✰ (4,5/5)

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Próximo Person of Interest: 4x05 – Prophets (21/10)

17 de out. de 2014

Review: “O Doador de Memórias” aposta na emoção para ser a aventura distópica essencial do ano

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por Caio Coletti

A atual onda de futuros distópicos que invadiu a literatura young adult é um dos exemplos mais claros de como a cultura pop evoluiu para a retroalimentação. O gênero futurista que apresenta governos totalitários e sociedades disfuncionais não é novo pelo menos desde o final da década de quarenta, quando 1984, o clássico de George Orwell, chegou às livrarias. O fenômeno cultural da obra do escritor inglês não é o marco inicial do gênero, mas foi talvez a grande referência para outros autores, como Ray Bradbury (Fahrenheit 451, publicado em 1953) e Phillip K. Dick (Minority Report, de 1956), darem a sua visão do futuro da humanidade. É educado por estes escritos, por sua vez, que o americano Lois Lowry montou The Giver, um enorme sucesso nos anos 90, que inspirou um crítico a se dizer disposto a relevar as falhas acadêmicas da prosa do autor pelo fato de que aquela era a primeira vez que esse tipo de história estava sendo contada para um público infanto-juvenil.

O resto, como se diz, é história. Lowry pode ser a grande inspiração não-creditada de gente como Suzanne Collins (Jogos Vorazes), Veronica Roth (Divergente) e Kiera Cass (A Seleção), destaques em um mar de escritores que recentemente abraçaram o gênero, com resultados de qualidade variada. O sucesso das adaptações cinematográficas dessas obras inspiradas na larga história do gênero trouxeram O Doador de Memórias à vida em Hollywood, pelo menos 15 anos depois de Jeff Bridges comprar os direitos do escrito de Lowry e tentar viabilizar a produção. Com um orçamento modesto para os padrões de seus concorrentes (só US$ 25 milhões), o filme que Bridges tirou do papel sublinha com cuidado os pontos fortes da obra original, dando vida à uma história que se agarra muito às emoções e sensações de seu protagonista, e acerta em cheio ao fazê-lo.

O Doador de Memórias quer ser uma experiência transformadora (ou, ao menos, reflexiva) muito mais do que quer acertar a lógica em cada passo da sua trama. Uma das críticas mais duras ao livro original dizia, lá nos anos 90, que tudo na trama de Lois Lowry “era do jeito que era porque o autor quer afirmar seu ponto; e as coisas acontecem do jeito que acontecem porque o ponto do autor exige isso” – e talvez seja verdade. O script assinado por Robert B. Weide (Vítima do Passado) e pelo estreante Michael Mitnick não se distancia dessa indulgência, mesmo que a credulidade do espectador tenha que ser gigantesca para que a resolução final da trama convença. A dupla de roteiristas prefere usar a atenção do seu público para afirmar com convicção que não subestima sua inteligência, e quer os mostrar porque essa história (ainda que falha) precisa ser ouvida.

O herói Jonas (Brenton Thwaites, saído direto de Malévola) é membro de uma sociedade em que as funções de cada jovem de 18 anos são definidas pela observação que o governo fez de toda a sua trajetória de vida. Confinados em um espaço limitado, os habitantes dessa sociedade não se lembram do que veio antes dela, e são regidos por regras como a clareza na fala (“amor” é uma palavra muito vaga). Jonas é escolhido, no dia de sua “formatura” para ser o novo Recebedor de Memórias da comunidade – o único ao qual é permitido ter conhecimento de qualquer coisa antes do estabelecimento do modelo atual de sociedade em que eles vivem. O produtor Jeff Bridges vive o detentor anterior dessa função, que transmite a Jonas o conhecimento e, a despeito da tirana interpretada por Meryl Streep, planta nele também a semente da rebeldia.

A fotografia de O Doador de Memórias é um trunfo e um obstáculo no caminho da história. O trabalho de Ross Emery (Anjos da Noite 3) não é sutil, com sua passagem do preto-e-branco para o colorido quando o protagonista toma conhecimento das cores e das emoções, ambas reprimidas por uma “injeção diária” que todos os habitantes do futuro distópico devem tomar. Isso não significa, no entanto, que o truque não funcione – e o fotógrafo Emery, impossível negar, faz um trabalho lindo em todas as cenas em que o personagem de Bridges passa visualizações rápidas do mundo antigo para o protagonista. Com a mão pesada de Phillip Noyce (Salt) na direção, no entanto, os diálogos e momentos reflexivos passam pelo filme quase incólumes. Quando triunfa na emoção, O Doador de Memórias o faz a despeito das falhas de seu comandante que é ótimo nas cenas de ação (isso fica claro nas poucas que o filme tem), mas não leva jeito para criar uma experiência sinestésica como a que essa história deveria ser.

O elenco também ajuda um pouco, especialmente o protagonista Thwaites. Ao contrário de pelo menos uma outra grande franquia do gênero (Divergente, que escalou o bonitão – mas inexpressivo – Theo James), O Doador aposta suas fichas em um jovem talentoso o bastante para segurar o centro da trama. O australiano Thwaites não se despe totalmente da ingenuidade que emprestou ao Príncipe Phillip de Malévola, encenando as descobertas de Jonas como uma história de amadurecimento, e cativando o espectador com o carisma delicado e discreto de um futuro astro. Entre os mais experientes, o destaque fica (surpresa!) por conta de Meryl Streep, que alivia todo o peso da direção de Noyce com uma performance cheia de nuances que espera pacientemente por sua chance de brilhar. A personagem da atriz não é exatamente uma vilã, porque é muito mais uma alma amargurada e desenganada – como muitas das que vivem na comunidade que Jonas é incumbido de “libertar”.

O Doador de Memórias chegou aos cinemas causando impacto limitado, como era de se esperar para um público que está acostumado a lotar os multiplexes em busca de explosões e correria num mundo futurista desesperado por revolução. A comunidade retratada por Lois Lowry não é assim: o governo não reprime, não maltrata e não dissimula o seu verdadeiro funcionamento para a população. É uma mensagem muito mais sutil, muito mais emocional, do que política a que essa história quer passar, e talvez por isso ela incomode tanto (The Giver, o livro, bate recorde de solicitações para que seja retirado das bibliotecas escolares todos os anos). Como disse aquele crítico de literatura lá nos anos 90, pode ser que O Doador de Memórias seja mesmo muito falho em sua execução, mas é preciso parar para ouvir (e sentir) o que ele tem a dizer – que talvez não estejamos sendo duramente reprimidos, mas estamos nos afastando das nossas emoções. E não sabemos o que estamos perdendo.

✰✰✰✰ (4/5)

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O Doador de Memórias (The Giver, EUA, 2014)
Direção: Phillip Noyce
Roteiro: Michael Mitnick, Robert B. Weide, baseados no livro de Lois Lowry
Elenco: Jeff Bridges, Meryl Streep, Brenton Thwaites, Alexander Skarsgard, Katie Holmes, Odeya Rush, Cameron Monaghan, Taylor Swift
97 minutos

16 de out. de 2014

Gotham 1x04: Arkham

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ATENÇÃO: estre review contem spoilers!

por Caio Coletti

Na semana passada, Gotham provou que entendia o espírito moral e emocional de uma história do Batman, mergulhando fundo na corrupção de metrópole fictícia e mostrando o dilema da lei vs a justiça pelas próprias mãos (para uma análise mais detalhada, vem ler nosso review). Em “Arkham”, a série chega ao quarto episódio indicando que entende também os caminhos pelos quais precisa passar para se tornar o retrato compreensivo e adequado da construção da Gotham City que conhecemos. Um próximo passo lógico depois da rápida “espiada” que tivemos no capítulo passado, grande parte de “Arkham” é sobre política, e é bacana assistir uma série de TV aberta que conhece as limitações do seu formato, mas não abre mão de apresentar um olhar interessante sobre o assunto.

A trama se aprofunda na disputa entre as famílias criminosas Maroni e Falcone pela soberania do crime em Gotham, passando por uma votação de lei que definirá o destino do distrito de Arkham, onde se localiza o famoso hospício da cidade. Cada um dos lados dessa guerra fria de gangues está por trás de uma proposta diferente para a administração do local, e quando alguns políticos da cidade começam a aparecer mortos, a presunção lógica é que Sal Maroni e Carmine Falcone estão eliminando os apoiadores de seus adversários no conselho da cidade. O roteiro assinado por Ken Woodruff (The Mentalist) é esperto no sentido que sabe mastigar as informações para o seu público – mesmo que você saiba bastante de política, você quer mesmo empregar seu intelecto capaz de entender House of Cards em um episódio de Gotham? –, mas não perde a complexidade e o viés moral pelo caminho. “Arkham” é indulgente com o seu espectador, mas não o subestima.

A resolução do conflito passa, é claro, pela perseguição ao caçador de recompensas que trabalha para ambos os chefões do crime (o “vilão da semana” interpretado por Hakeem Kae-Kazim, conhecido dos fãs de Black Sails), e isso rende pelo menos uma cena de ação bem coreografada, em que o assassino e o nosso Detetive Gordon se enfrentam na residência do prefeito. “Arkham” é um episódio de imersão na storyline maior que Gotham pretende contar, e isso significa que o protagonista Ben McKenzie tem menos momentos para brilhar. A sub-trama romântica envolvendo Gordon e a esposa funciona porque ambos os atores estão investidos na relação entre seus personagens, e porque o dilema vem de um elemento trabalhado nos episódios anteriores: a culpa que assombra o detetive pelo envolvimento no suposto assassinato de Oswald.

O episódio faz um bom trabalho de “manter todas as bolas no ar”, como dizem os americanos. Temos momentos rápidos de Bruce e Alfred que assinalam o quanto Gotham tem domínio dos pequenos avanços que faz nas tramas de origem individuais; Fish Mooney volta a ser marginalmente relevante para a trama (e provavelmente vai evoluir para ser a whole huge deal até o final da temporada), e isso faz muito bem à atuação de Jada Pinkett Smith; e o jovem Robin Lord Taylor continua brilhando com uma interpretação que é o espírito e a força motriz da série, se esgueirando pelos cantos para colocar as engrenagens em movimento. Gotham tem um elenco extenso e fascinante de personagens, e são raras as vezes em que não sabe lidar com eles à contento.

Violenta, com o espírito ultra-dramático sob controle, e uma visão bem clara sobre a história que está contando, Gotham continua sendo, com muitos méritos, a melhor estreia da temporada americana até agora.

Observações adicionais:

- Para não dizer que tudo são flores em Gotham, o uso de Ed Nygma, o futuro Charada, como um perito trabalhando para a polícia está colocando o personagem em uma situação complicada, em que as constantes “pontas” nos episódios o transformam em uma caricatura, da qual será difícil sair no futuro, se a série resolver apostar nele.

✰✰✰✰✰ (4,5/5)

GOTHAM: James Gordon (Ben McKenzie, L) and Barbara Kean (Erin Richards, R) have a fight in the "Arkham" episode of GOTHAM airing Monday, Oct. 13 (8:00-9:00 PM ET/PT) on FOX. ©2014 Fox Broadcasting Co. Cr: Jessica Miglio/FOX

Próximo Gotham: 1x05 – Viper (20/10)

13 de out. de 2014

Estreia: “Selfie” quer fazer graça de todo mundo sem julgar ninguém – e consegue

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ATENÇÃO: esse review contem spoilers!

por Caio Coletti

Emily Kapnek vive em um mundo onde os aspectos ridículos do comportamento humano não são desculpa para pensar que as pessoas que o perpetuam são menores que aquelas que não o fazem. Por três gloriosos anos, Suburgatory esteve na ABC conjugando uma sátira ácida da forma de vida suburbana, toda a sua ostentação e suas futilidades, com o conto de dois outsiders que aos poucos percebiam que aquelas pessoas com as quais eles inicialmente não queriam se misturar tinham muito a oferecer (ainda que, também, muito a se consertar). Selfie, a nova série de Kapnek, é um conto moral parecido, com um alvo muito mais contemporâneo e o coração em temáticas diferentes, mas nem por isso deixa de ser preciosa.

A britânica Karen Gillian (a Amy Pond de Doctor Who)  faz um retrato bastante engraçado, ainda que consideravelmente caricaturesco, da protagonista Eliza Dooley, uma perfeita queen bee obcecada pela sua fama virtual, que trabalha em uma empresa farmacêutica. No roteiro de Kapnek para o piloto, a personagem se desenha como uma mulher cheia de problemas para aqueles a sua volta – das saias muito curtas à atitude desinteressada –, mas que aprendeu a agir dessa forma, paradoxalmente, para escalar a escada social de um mundo que se parece muito com uma versão gigantesca da high school. Essa sutileza perde um pouco da força no segundo episódio, “Un-Tag My Heart”, assinado por Amelie Gillette (Grouwing Up Fisher), mas os fundamentos estão postos para que Selfie não se torne uma série maniqueísta.

Vendido como uma repaginação de My Fair Lady para a geração obcecada pela mídia social, a série na verdade empresta elementos bem soltos da história estrelada por Audrey Hepburn em um musical para o cinema de 1954. Enquanto a Eliza de Audrey era uma pobretona que se junta a um professor esnobe para aprender a maneiras da alta sociedade, a Eliza de Karen Gillian é uma mulher que pensa estar no topo (porque o mundo a sua volta a ensinou assim), e depois de um evento traumático se reúne com um dos seus colegas de trabalho (John Cho, dos novos Star Trek e de Sleepy Hollow) para aprender como se livrar da imagem de garota fútil que conseguiu tudo o que queria graças a sua aparência.

O espírito de My Fair Lady, no entanto, vive de forma muito contemporânea em Selfie. Ainda que precise ajeitar alguns exageros na caracterização (e apesar do fato de que, devido à baixa audiência, a série provavelmente nem vai ter essa chance), a nova série de Mrs. Kapnek acerta em cheio no retrato ácido, mas bastante humano, que faz do ambiente que moldou seus personagens. Há piadas com a cultura hipster, mas isso não faz da vizinha da protagonista, Bryn (Allyn Rachel), uma personagem desprezível; há o retrato do executivo interpretado por Cho como um homem antiquado, e principalmente um que não sabe aproveitar a vida; e há, é claro, essa protagonista extraordinariamente engraçada que age como se fosse inócua, mas Selfie escolhe mostrar os caminhos pelos quais esses seres humanos lidam com quem eles são e caminham em direção a quem eles podem ser. Desde que o mundo é mundo, é exatamente isso que faz uma boa narrativa.

Mais importante ainda é notar que em um cenário televisivo cínico como esse em que estamos vivendo, a fé inabalável de Emily Kapnek na nossa vontade de mudar deveria ser muito mais apreciada do que é.

✰✰✰✰ (4/5)

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Próximo Selfie: 1x03 – A Little Yelp from My Friends (14/10)

12 de out. de 2014

Person of Interest 4x03: Wingman

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ATENÇÃO: esse review contem spoilers!

por Caio Coletti

Person of Interest é essencialmente uma história sobre o quanto a humanidade é melhor quando se une do que quando se separa, isso todos nós já sabemos. Não é pouca a genialidade que se encontra nessa premissa, especialmente como observação e crítica de um mundo em que muitas vezes individualidade é confundida com individualismo. Parece pretensioso dizer que Person é uma das séries que melhor entende os anos 2010, mas é impossível não destacar esse lado da série quando um episódio como “Wingman” dá as caras logo no início da temporada. Apesar de também ser sobre comunidade, essa terceira entrada da temporada introduz também um conceito diferente: o de que num mundo em que o simbólico é mais importante que a essência, ainda precisamos dar um jeito de nos sentirmos confortáveis em nossa própria pele, e na nossa própria condição de vida.

É essencial colocar Fusco no centro dos holofotes quando o tema é esse, e a roteirista Amanda Segel (3x10, “The Devil’s Share”) entende que o personagem de Kevin Chapman tem muito a acrescentar à discussão. Quando primeiro entramos em “Wingman”, somos confrontados com condições espinhosas para os nossos protagonistas: não é nenhuma ameaça física dessa vez, mas apenas o fato que eles precisam, agora, lidar com uma situação financeira que não é mais abastecida pelas antigas contas de Finch ou pela máquina, que tem poder limitado. Reese, Finch e Shaw, portanto, devem viver dentro dos limites que suas novas identidades lhes dita –e é uma jogada genial do roteiro contrapor isso a situação de Fusco, uma vez que o policial sempre viveu em situação semelhante.

Chapman faz um trabalho incrível em delinear isso e nos referenciar o tempo inteiro ao passado do personagem, nas raras ocasiões em que ele foi explorado pelos roteiristas de Person. Fusco sempre foi um às na manga quando a série precisou, e é gratificante ver que os momentos de brilho dele nas temporadas anteriores contribuíram para a formação de um personagem bem desenhado e interessante, com algo muito valioso a dizer. Ele é quem mais tem contato com o número da semana, o “conselheiro amoroso” Andre Cooper (Ryan O’Nan, Ray Donovan), cujo passado como operador de um sistema portuário pode esconder mais ilegalidades do que o esperado. A ironia temática aqui é que mesmo o homem contratado para fazer outros homens se sentirem mais confiantes na hora de flertar precisa fazer às pazes com quem ele é e quem ele foi. Ajuda que o guest star O’Nan consiga passar tudo isso mesmo com pouco tempo em tela.

Com poucos deslizes, mas uma trama bem segmentada – um formato que, comprovadamente, costuma não funcionar tão bem para Person –, “Wingman” é uma hora interessante de televisão com um insight muito bem-vindo em relação a todos os personagens, como tem sido de costume dessa temporada, e também em relação a um contexto muito maior do que eles. Esqueça as comediazinhas românticas, porque a série que tem a resposta para as relações humanas na nossa época se chama Person of Interest, e é um thriller de ação no formato de procedural, exibido pela CBS. Que época estranha que estamos vivendo, não?

Observações adicionais:

- A subtrama de Reese se adaptando ao trabalho de policial também rende bons frutos, mais pela exploração do personagem em uma situação completamente diversa da que o vimos por três temporadas inteiras, e menos pela introdução da Capitã Moreno (Monique Gabriela Curnen, O Cavaleiro das Trevas) e da promessa de um envolvimento romântico (ou fui só eu que senti essa intenção?) entre ela e nosso protagonista.

- E as partes estreladas por Finch e Root foram mais bacanas pela atuação de Michael Emerson, fingindo ser um cara durão, do que pela continuação do tema de reconquista de confiança na relação máquina-Finch. É bem claro desde o começo da temporada que essa “disputa” ia ser um dos grandes temas desse ano, mas há jeitos mais legais de explora-la, roteiristas!

✰✰✰✰ (4/5)

PERSON OF INTEREST

Próximo Person of Interest: 4x04 – Brotherhood (14/10)

11 de out. de 2014

Review: La Roux resume o pop de uma década (de novo) no “Trouble in Paradise”

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por Caio Coletti

Quando veio ao mundo em 2009, La Roux tinha tudo para ser apenas o primeiro de muitos artistas a embarcar no revival dos anos 80 capitaneado por Lady Gaga, que lançou seu seminal The Fame no ano anterior. Nada como uma boa surpresa, não é mesmo? Com uma vocalista da escola folk de Carole King e Nick Drake (seus ídolos de infância) e um produtor que espertamente resumiu todas as tendências do momento em uma coleção impecável de canções prontas para entrar no imaginário popular, La Roux acabou se tornando influência obrigatória tanto para as divas do mainstream (Katy Perry, Rihanna, etc) quanto para os atos que embarcaram na onda oitentista (e isso nós vemos até hoje, vide Betty Who e Tove Lo).

Cinco anos se passaram desde então, e meia década é tempo mais do que o suficiente para o mundo pop mudar. Aos poucos o público desapegou do revival da década de 80, seguindo o próximo passo lógico e abraçando todas as particularidades noventistas. Junto a esse processo, que criou fenômenos inesperados de vendas como Charli XCX e Iggy Azalea (entre inúmeros outros), ficou bem claro nos últimos anos que os jovens estavam prontos para abraçar cantores e bandas alternativos, que fugiam da onda eletrônica e se concentravam em referências diferentes. As ascensões de Lorde, fun. e Lana Del Rey são bons exemplos dessa tendência.

Por cima de tudo isso, ainda é preciso considerar que os últimos cinco anos foram também um pesadelo pessoal para a própria Elly Jackson, vocalista do La Roux. Primeiro foi o rompimento com o produtor Ben Langmaid, que teve o dedo em todas as faixas do álbum de estreia. Quando perguntada sobre a separação, Jackson é discreta, mas bastante clara: o produtor se recusou a considerar várias canções que ela havia composto, não concordou com a direção musical que a moça queria tomar, e a relação de amizade entre os dois esfriou. Já no meio da turnê que fez para promover o primeiro disco, a cantora passou por um momento ainda mais difícil quando a ansiedade pelo sucesso repentino e os ataques de pânico lhe roubaram a voz. Essa é uma das razões pela qual o famoso falsete da cantora está menos presente no novo álbum (mesmo curada, Jackson diz ter aprendido a usar a voz com mais cuidado – e garante que também se tornou uma pessoa menos errática e mais centrada).

Essas tribulações pessoais se refletem em Trouble in Paradise, que chegou às prateleiras em meados de Julho desse ano. Com letras complexas que transformam a inquietação de Jackson como artista em uma forma de advogar uma liberdade muito mais profunda do que a do impulsivo primeiro disco, a nova obra de La Roux mostra também que os últimos cinco anos não destreinaram o olho da artista para a cultura pop da sua geração. O que mais sobressai é o quase obsessivo cuidado com as texturas e timbres dos sintetizadores, os complexos arranjos se estendendo por várias faixas que ultrapassam os habituais 3:30/4 minutos da música pop. Trouble in Paradise é capaz de articular num mesmo instrumental as influências dos anos 90, a melodia própria da identidade de La Roux como artista, e elementos de outros gêneros em voga no momento, do dream-pop ao r&b.

“Uptight Downtown” abre os trabalhos lançando um olhar espantado e admirado sobre os protestos de Londres de 2011 (“How can all these people have so much to prove?”, se pergunta a incansável Elly Jakcson), e conta com um baixo funkeado que diz tudo sobre o disco: sexy, groovy e cheio de garra. Muitas das primeiras resenhas do álbum destacaram que a “descoberta do baixo” é talvez a grande conquista do álbum para a carreira da artista, e não é a toa – além da faixa de abertura, o instrumento é essencial para a épica “Silent Partner”, no qual é o principal ingrediente de uma instrumentação Hi-NRG (trata-se de um subgênero surgido no final dos anos 70, cujo paradigma é "Obsession", do Animotion). A canção lida com as principais questões de ansiedade vividas pela cantora, e parece ser engolida de um fôlego só pela linha de baixo rápida e pelas sobreposições de sintetizadores onipresentes nos 7 (!) minutos de duração.

A sensualidade fica para os momentos em que La Roux nos entrega sua visão sobre o revival dos anos 90. “Sexotheque”,de título inspirado por um clube de sexo visto pela cantora na Suíça, é uma envolvente combinação de sintetizadores com guitarras disco e batida caribenha, uma constante no disco em vários pequenos momentos pelas faixas, e uma tendência que aflora completamente em “Tropical Chancer”. Com um sample da diva jamaicana Grace Jones e guitarras que você provavelmente nunca esperaria encontrar em um disco do La Roux, a canção é a musicalização da vontade, expressa pela cantora em entrevista, de ser “sexy da forma que o sexy era antes de ser sujo”.  Explorar o lado multicultural do pop dos anos 90, as baladinhas mid-tempo e o gosto meio desinibido pelo trash (pense em Paula Abdul com o esírito do Vengaboys, só de que um jeito sobrenatural em que essa mistura pareça sofisticada) foi uma jogada genial para sair do mais do mesmo dos teclados sequenciais e baladinhas soul. Sem contar que resume muito melhor o espírito da época – e d\ nostalgia que propulsiona seu revival.

A complexa “Cruel Sexuality”, talvez a faixa que melhor conjugue todas as influências do Troube in Paradise, nos introduz a outra grande influência do álbum, o dream-pop. Depois de bons três minutos de synthpop para acompanhar a divagação de Elly Jackson sobre as pressões da sociedade na nossa forma de amar (especialmente a maneira fugaz e líquida da geração que ela tão bem conhece), a canção entra em um interlúdio de sintetizadores nas alturas e melodias inspiradas na música orquestral. É a mesma elaboração de artistas como The Golden Filter e M83, na verdade um rótulo fácil para essa mistura de música ambiente e new wave que fez a cabeça de muitos neo-hipsters (se é que a cultura hipster merece um “neo-“ pra chamar de seu) por aí. A melhor encarnação dessa influência é a belíssima “Paradise is You”, que La Roux chama de “um mantra contra o pânico e a ansiedade disfarçado de canção de amor”, mas que faz hora extra como parte de um tema muito maior do álbum.

Trouble in Paradise é um instantâneo (como é da natureza do pop ser) de sua época, um sinal que Elly Jackson não ficou desligada do mundo de 2009 para cá, e um poderoso veículo de expressão para uma das artistas mais importantes da nossa geração. Importante porque consegue observar o comportamento daqueles cujo imaginário ela captura e transformá-lo em canções inquietas que expressam exatamente aquilo que esse público mais deseja: a liberação das pressões, rótulos, expectativas e “caixinhas” que a sociedade lhes impõe. Ouça de perto, e o pulsante single “Let me Down Gently” é um chamado para esse tipo de liberdade, que La Roux entende ainda melhor agora que experimentou alguns obstáculos a mais pelo caminho. “And I hope it’s sinking in/ Left behind in your perfect skin/ There’s a part of you that’s free/ And I know that there’s a place for me”.

Com ou sem seu parceiro de composição, essa visão absurdamente ampla e original de La Roux dá a ela um status mais do que honorário: o de historiadora da música pop do século XXI.

✰✰✰✰✰ (5/5)

LR

Trouble in Paradise
Lançamento:
18 de Julho de 2014
Gravadora: Polydor
Produção: Elly Jackson, Ian Sherwin, Al Shux
41m27s

9 de out. de 2014

Gotham 1x03: The Balloonman

GOTHAM: Detectives Harvey Bullock (Donal Logue, L) and James Gordon (Ben McKenzie, R) leave the GCPD princint in the "The Balloonman" episode of GOTHAM airing Monday, Oct. 6 (8:00-9:00 PM ET/PT) on FOX. ©2014 Fox Broadcasting Co. Cr: Jessica Miglio/FOX

ATENÇÃO: esse review contem spoilers!

por Caio Coletti

Uma das coisas que a trilogia de Christopher Nolan entendeu tão bem sobre o Batman é que a história do Homem-Morcego de Gotham City é essencialmente uma história de esperança em meio ao desespero. Como boa parte das grandes narrativas, aliás, a do (anti-)herói criado pela DC Comics nos apresenta um cenário devastado e sujo, dominado por trevas e desolamento, e logo em seguida nos mostra um homem que sabe exatamente do quê esse cenário precisa para, mesmo que muito lentamente, fazer seu caminho de superação. Com seu terceiro episódio, “The Balloonman”, Gotham mostra que também entende esse cerne do universo que retrata, e faz um trabalho excepcional em transplantar a força motriz dessa narrativa de Bruce Wayne para Jim Gordon.

Antes de qualquer coisa, a série da FOX é uma gema de sutileza na forma como introduz conceitos sombrios em pleno horário nobre da televisão aberta americana. Não há ato sem consequência no mundo de Gotham, e isso se percebe na forma como o falso assassinato de Oswald Cobblepot, o futuro Pinguim, reflete em Gordon. A investigação da dupla de policiais do Major Crimes parece um mero dispositivo de narrativa, mas o developer Bruno Heller orienta o roteirista John Stephens (Gossip Girl) no sentido de fazer tal dispositivo funcionar também como uma forma de desenvolver e refletir o protagonista da série. Durante os 43 minutos de “The Balloonman”, Gordon passa pelo dilema fundamental que sempre foi o do seu personagem: em Gotham não basta ter fé na lei, mas será um vigilante mascarado, a justiça pelas próprias mãos, a saída para isso? A sombra de Oswald sobre o personagem só delineia essa colocação moral, fazendo Gordon duvidar de si mesmo enquanto precisa encarar a estrutura corrupta a sua volta, que tenta lhe absorver.

A trama da semana também é cuidadosamente escolhida. O episódio começa quando Gotham City se depara com o primeiro vingador mascarado de sua história, o The Balloonman do título, que elimina figuras notavelmente corruptas da cidade de uma forma bem particular. O roteiro faz um trabalho impecável em destacar o quanto essa corrupção se alastra por todos os níveis da metrópole, se tornando até, de maneira assustadora, parte de sua identidade. “This is Gotham” é uma frase que se ouve muito nessa terceira entrada da temporada, e é impressionante perceber o quanto esses personagens tem consciência da corrupção a sua volta e, tendo convivido com ela por tanto tempo, a aceitam como um dado imutável do local em que vivem. É como se o problema estivesse na cidade, e não nas pessoas, e é com essa noção que o Gordon do sempre superlativo Ben McKenzie se confronta diretamente.

Com a ajuda do diretor Dermott Downs (The Tomorrow People), um ex-diretor de fotografia que mostra perícia absurda com a câmera, Gotham City se torna uma personagem muito mais viva (nem que seja só porque é muito mais observada) nesse “The Balloonman”, e é muito oportuno que seja assim, porque a história que o episódio tem para contar se conecta muito à noção que cada um desses personagens tem desse ambiente. Enquanto as brigas internas da máfia continuam, com o confronto entre Fish Mooney e Carmino Falcone parecendo cada vez mais eminente (mas é bem claro que a série quer cozinhar essa trama bem devagar, esperando recompensas no futuro), o retorno de Oswald para Gotham é marcado por um grande suspiro e uma exclamação: “Home!”. Poucas vezes um vilão do Batman foi representado de maneira tão sucinta e simbólica – para o astuto, escorregadio e oportunista Pinguim que Gotham nos apresentou, a metrópole mais insalubre e imoral do mundo da ficção é mesmo um ótimo lar.

E é assim, em 43 minutos de puro brilhantismo, que a produção da FOX se estabelece não apenas como uma ótima série de TV, mas como parte legítima e integrada de um legado muito maior. Gotham se tornou, com rapidez impressionante, um Batman de primeira.

Observações adicionais:

- O episódio trouxe também as melhores cenas estreladas pelo jovem Bruce e pelo mordomo Alfred até agora. A atuação cativante de Sean Pertwee (Equilibrium) brilha, e o garoto David Mazouz (Touch) finalmente tem a chance de explorar a profundidade de sua atuação como um Bruce que começa a juntar referências para sua futura formação. Como tudo em Gotham, essa parte fundamental da mitologia está sendo desenvolvida com excelência surpreendente.

✰✰✰✰✰ (5/5)

GOTHAM: Oswald Cobblepot (Robin Lord Taylor) finds a new job in the "The Balloonman" episode of GOTHAM airing Monday, Oct. 6 (8:00-9:00 PM ET/PT) on FOX. ©2014 Fox Broadcasting Co. Cr: Jessica Miglio/FOX

Próximo Gotham: 1x04 – Arkham (13/10)

6 de out. de 2014

Person of Interest 4x02: Nautilus

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ATENÇÃO: esse review contem spoilers!

por Caio Coletti

Se há uma coisa na qual Person of Interest está acertando em cheio no começo do seu quarto ano, é nos títulos de episódios. O nome da premiere, “Panopticon”, serviu bem para nos apresentar o novo mundo em que Reese, Finch, Shaw e Root precisam lutar pela própria sobrevivência e lidar com problemas que não existiam antes (para mais detalhes, vem ver nosso review). A segunda semana nos trouxe “Nautilus”, que faz referência não ao navio comandado por Capitão Nemo em 20.000 Léguas Submarinas, mas a uma espécie de molusco que muitos pesquisadores gostam de chamar de “fóssil vivo”, visto que o animal perseverou praticamente sem modificações biológicas desde um período pré-histórico. O formato da concha do nautilus é um dos mais conhecidos exemplos de “perfeição matemática” do mundo natural, se desenrolando em proporções impressionantemente exatas. Em “Nautilus”, o episódio, cada um dos lados da disputa épica entre as forças do Samaritan e nossos protagonistas é visto sob a luz de uma dessas características do animal.

A trama da semana compreende um jogo de pistas espalhadas por Nova York, todas conectadas pelo desenho da concha, e que é objeto da obsessão de Claire Mahoney (Quinn Shephard, Hostages). Quando nossos heróis recebem o número da moça, um ainda relutante Finch é designado para descobrir a ameaça que ela pode estar sofrendo ou perpetrando. O jogo de gato e rato pela metrópole é tão empolgante em termos de movimento de trama quanto qualquer outra coisa que Person já fez, e a revelação no final se conecta com a tendência que dominou a gloriosa terceira temporada: ligar cada um dos casos semanais a uma história maior, lhes imbuir função e significado nesse plano mais amplo – o que inclusive ajuda a lhes emprestar profundidade.

Com pinta de quem pode se tornar personagem recorrente, a jovem Quinn Shephard faz um trabalho bem previsível, mas o roteiro de Dan Dietz (3x21, “Beta”) e Melissa Scrivner-Love (3x19, “Most Likely To…”) trata de tranformá-la em uma personagem interessante, que tem potenciais novos lados para serem explorados no futuro e um dilema moral e emocional muito parecido com o dos nossos protagonistas. A força deles, aliás, continua sendo o essencial desse quarto ano de Person – mais do que nunca, a série parece disposta a passar sua mensagem utilizando esses personagens e as decisões que eles tomam. “Nautilus” não é um episódio perfeito, com seus diálogos mão-pesada (um grande problema no passado de Person que não pode voltar a assombrar a série) e seu funcionamento meio pragmático, mas é possível perdoar quase todas as suas falhas pela forma como Michael Emerson, Jim Caviezel e até Sarah Shahi fazem funcionar os processos emocionais que juntam, mais uma vez, seus três personagens.

Para quem não sacou a metáfora com o título, vale a explicação: na visão de Person, o Samaritan representa a exatidão determinista, quase cruel, da concha do nautilus – talvez até haja alguma razão em dizer que a série dê à máquina antagonista um espírito niilista, que destrói a noção de que a vida pode ter algum “sentido transcendente” e oferece uma solução simples e ilusória; já a pequena turma de desajustados formada por Reese, Finch, Shaw e Root (e Fusco, ninguém se esqueça dele e do seu conhecimento awesome sobre música demonstrado nesse episódio!) é a própria encarnação do “fóssil vivo”. Com métodos, equipamentos e ideais antiquados para o mundo ditado pelo Samaritan, eles não tem nenhuma escolha a não ser se juntar na busca por um sentido de verdade – um número (e um ser humano) de cada vez.

Observações adicionais:

- “We are being watched” foi de arrepiar.

✰✰✰✰ (4/5)

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Próximo Person of Interest: 4x03 – Wingman (07/10)

2 de out. de 2014

Gotham 1x02: Selina Kyle

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ATENÇÃO: esse review contem spoilers!

por Caio Coletti

Com a exceção do Coringa, no qual Gotham ainda não ousou tocar, a Mulher-Gato é provavelmente a vilã cujo tom é mais difícil de acertar para uma série que quer re-imaginar as origens do Batman. A relação complicada entre ela e Bruce Wayne, com seus subtons francamente sexuais e seu mútuo entendimento, precisa começar a ser construída com cuidado quando o retrato pintado pelos roteiristas inclui esses dois personagens ainda jovens, se transformando nas pessoas que viriam a ser. Em “Selina Kyle”, o segundo episódio de Gotham, o criador Bruno Heller assina mais um script que acerta em cheio nesse desenvolvimento, caminhando a passos vagarosos para uma direção bem planejada. Fazer as trajetórias de Bruce e Selina se cruzarem de maneira tão breve e colateral é a abordagem, perfeita para o início de uma relação que vai incluir tantas coisas em comum no futuro, ao menos de Gotham seguir com fidelidade aos quadrinhos.

Ajuda que a estreante Camren Bicondova traga uma leveza tão grande à personagem, ao mesmo tempo expressando toda a esperteza que é a marca registrada da (nem-tão-)vilã que nos é apresentada originalmente como uma ladra de jóias. A Selina de Gotham é uma criança de rua com habilidades de sobrevivência acima da média para a sua idade, um olhar vívido e perceptivo para o mundo, e uma noção aguda do seu lugar na estrutura social injusta da metrópole. Ter uma atriz que consegue expressar tudo isso em alguns olhares (lá se vai mais da metade do episódio até Selina ter uma linha de diálogo!) é essencial para que o episódio funcione – e como funciona.

“Selina Kyle” é mais afinado do que o piloto em quase todos o sentidos, embora alguns problemas persistam. Os diálogos melodramáticos que foram um incômodo na semana passada ocorrem com muito menos frequência aqui, embora o roteirista Heller não escape de alguns momentos em que a trama parece ser travada pela vontade insaciável de ser impactante no âmbito da encenação. A ambientação também tem seus altos e baixos: a abordagem fria (na fotografia, na direção) da violência nas cenas do Pinguim funciona às mil maravilhas, com Robin Lord Taylor criando um retrato inesquecível do personagem; já a fabulosa Fish Mooney de Jada Pinkett Smith ganha algumas cenas que não só parecem desnecessárias na condução da trama, como fazem um desserviço a atuação estourada (na medida certa) da moça.

A trama da semana envolve dois sequestradores de crianças de rua, interpretados por Lili Taylor (Hemlock Grove) e Frank Whaley (Pulp Fiction) em caracterizações bem típicas dos vilões de Gotham. Aparentemente trabalhando para um criminoso chamado The Dollmaker, os dois tropeçam no ímpeto do Detetive Gordon quando deixam para trás o corpo de um mendigo mais velho, veterano de guerra, que é encontrado pela polícia de Gotham. A partir daí o roteiro mais uma vez se incumbe de analisar os processos de corrupção que infestam a metrópole, entrelaçando essa trama com a apresentação aprofundada de Selina, a continuação das desventuras de Bruce em seu caminho para o amadurecimento (tudo tratado com muito mais sobriedade do que esse resumo faz parecer), e o rastro de sangue que o Pinguim deixa pelo caminho.

Com os talentos que tem a disposição, Gotham tem tudo para acertar suas últimas pontas e se tornar um dos procedurals (ou quase isso) mais empolgantes da televisão atualmente. Ben McKenzie continua sendo um centro sólido para que a série construa seu universo, e sempre que seu Detetive Gordon está em cena o espírito ultra-dramático parece mais justificado. Talvez ele esteja em uma frequência que alguns atores ao seu redor ainda precisam localizar, mas Gotham, ao menos, tem uma característica muito bem-vinda: é o produto e a elaboração inegável do seu protagonista.

✰✰✰✰✰ (4,5/5)

GOTHAM: Detective Gordon (Ben McKenzie) visits Wayne Manor in the "Selina Kyle" episode of GOTHAM airing Monday, Sept. 29 (8:00-9:00 PM ET/PT) on FOX. ©2014 Fox Broadcasting Co. Cr: Jessica Miglio/FOX

Próxima Gotham: 1x03 – The Balloonman (06/10)

1 de out. de 2014

Você precisa conhecer: As batidas urbanas e o surpreendente lirismo de Beatrice Eli

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por Caio Coletti

Beatrice Eli é uma daquelas raras combinações de estilos e referências realmente surpreendentes no âmbito da música pop independente. Sueca de nascimento, a nacionalidade dividida com artistas como Robyn e iamamiwhoami leva a jovem Beatrice a manipular os sintetizadores com naturalidade de quem cresceu com referências do synthpop ao seu redor. Ele são a base de uma boa parte das poucas músicas que a moça lançou até agora, mas passam longe de ser a totalidade de sua experiência musical: some a eles o timbre profundo e sentido que não estaria fora do lugar em um clube de jazz esfumaçado; e feche tudo com as batidas urbanas que ecoam os melhores momentos de Ladyhawke e Lykke Li.

Se você for tomar a palavra da própria como referência, o som de Beatrice Eli é bastante influenciado por esse leque bem diferente de artistas: o medalhão do country/rock/folk Neil Young; a saudosa Amy Winehouse; a artista pop (e mentora do The Voice) Gwen Stefani; a celebradíssima lenda do soul Nina Simone; e Prince, que dispensa apresentações. Todos eles, segundo a artista sueca em sua entrevista para a Glamour, tem um estilo de composição “realista”, e ela ainda adiciona: “Eu também gosto de vozes interessante, e esses que eu mencionei tem uma identidade vocal muito marcante”. Ou seja, por mais que a produção impressione, letras e vozes são essenciais para Beatrice.

O primeiro boom da moça na comunidade musical foi o single “The Conqueror” (abaixo), que nos introduziu com gentileza ao mundo muito peculiar de Beatrice, explorando um visual noturno e urbano para emoldurar uma canção confessional sobre amor e rejeição. Logo em seguida, “It’s Over” (abaixo) chegou pegando mais pesado nas batidas e nos deixando cair de cabeça no visual escuro e cool da artista, que remete à cultura hip hop (porque a mistura ainda não estava interessante o bastante, é claro). O EP It’s Over, lançado em 2012, ainda tinha "Definite Mistake" e "Violent Silence".

Com a aproximação do lançamento do seu primeiro álbum completo de estúdio, Beatrice voltou a lançar música em 2014. O contrato com a gravadora Razzia vai render Die Another Day, disco de estreia que está marcado para 22 de Novembro próximo. Nós mal podemos esperar, especialmente ao ouvir as duas músicas já liberadas pela moça, com seus devidos vídeos.

“Girls” (abaixo) veio primeiro, mostrando que Beatrice estava disposta a fazer sua voz soar mais pop pelo bem de um som mais pulsante, que se conecta com as produções de artistas como Sky Ferreira e Charli XCX. O clima mais pesado do single seguinte, “Moment of Clarity” (abaixo), traz de volta a assinatura melódica que aprendemos a esperar de Beatrice. Ambos os clipes escancaram a homossexualidade da moça, o que a deixa mais confortável para criar visuais provocativos e interessantes.

Pra quem gosta de: Ladyhawke, Lykke Li, Robyn, Charli XCX