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26 de mai. de 2018

Diário de filmes do mês: Maio/2018

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por Caio Coletti

Nem todos os filmes merecem (ou pedem) uma análise complexa como a que fazemos com alguns dos lançamentos mais “quentes” ou filmes que descobrimos e nos surpreendem positivamente. É levando em consideração a função da crítica e da resenha como uma orientação do público em relação ao que vai ser visto em determinado filme que eu resolvi criar essa coluna, que visa falar brevemente dos filmes que não ganharam review completo no site. Vamos lá:

Melhor do mês:

1 post

The Post: A Guerra Secreta (The Post, Inglaterra/EUA, 2017)
Direção: Steven Spielberg
Roteiro: Liz Hannah, Josh Singer
Elenco: Meryl Streep, Tom Hanks, Sarah Paulson, Bob Odenkirk, Tracy Letts, Bradley Whitford, Bruce Greenwood, Matthew Rhys, Alison Brie, Carrie Coon, Jesse Plemons, David Cross
116 minutos

Á última década de produção de Steven Spielberg, indubitavelmente um dos melhores diretores que o cinemão hollywoodiano já produziu, encontrou um gosto por missões complicadas como The Post: A Guerra Secreta, em que o cineasta absorve uma história importante, mas burocrática, e encontra formas de torná-la cinemática e envolvente. Os resultados são mais ou menos bem sucedidos dependendo do talento com o qual Spielberg se cerca no filme, e de quais recursos ele lança mão para realizá-lo. Em The Post, é claro, o Coringa do jogo de cartas complexo que Spielberg cria atende pelo nome de Meryl Streep – sua performance como Kay Graham agarra a atenção do espectador com firmeza e navega com ele pelas emoções conflitantes e pela jornada de autoafirmação e segurança desenhada pelo roteiro.

Liz Hannah e Josh Singer assinam um script enxuto – The Post ataca as delicadezas mais mundanas do jornalismo com um senso de história e conflito imensos, sem dúvida herdados da experiência de Singer com Spotlight: Segredos Revelados, mas ao mesmo tempo mostra precisão tremenda para contornar os seus personagens e trata suas angústias e atitudes com tanta integridade e dedicação quanto o escândalo político que eles estão investigando. Belos trabalhos de figurino (Ann Roth) e design de produção (o lendário Rick Carter) completam um filme tão indiscutivelmente bem feito que é difícil admitir que Spielberg não foi capaz de torná-lo perfeito.

Não se trata de um descrédito ao trabalho do cineasta. Como de costume, em The Post ele demonstra dominar a linguagem cinematográfica tanto em sua dimensão colaborativa quanto em sua necessidade de visão singular. Esse é um filme distintamente de Spielberg, e é possível ver sua assinatura na marcação das cenas, nos movimentos de câmera e nas formas como os grandes temas do roteiro são visualmente manifestados em tela. As sombras que constantemente cobrem metade do rosto dos atores, como acontecia nos filmes noir, comunicam como o trabalho jornalístico em sua melhor manifestação exige que o profissional entenda e ande na linha da ambiguidade moral; a cena em que Graham é vista saindo do tribunal, com dezenas de mulheres a fitando admiradas, é uma das imagens mais extraordinárias e marcantes do cinema do ano passado.

Mesmo assim, enquanto vemos esses jornalistas desvendar uma conspiração governamental que atravessou as gestões de quatro presidentes americanos e suportou uma das guerras mais impopulares e brutais da história (a do Vietnã), é impossível não notar que The Post: A Guerra Secreta não corre um risco sequer, não experimenta um floreio sequer que poderia produzir a melhor versão possível dessa história. O calcanhar de Aquiles dos filmes “sérios” de Spielberg nos anos 2010 é esse: a vontade de agradar, de “vencer o desafio”, como colocamos lá no começo dessa resenha, é muito maior do que a de fazer um pedaço de cinema plenamente realizado em suas possibilidades criativas.

✰✰✰✰ (4/5)

Pior do mês:

2 anon

Anon (Alemanha, 2018)
Direção e roteiro: Andrew Niccol
Elenco: Clive Owen, Amanda Seyfried, Jonathan Potts, Rachel Roberts, Colm Feore, Sonya Walger
100 minutos

Andrew Niccol é um dos grandes inovadores não reconhecidos de Hollywood. Esse roteirista e diretor neozelandês escreveu e/ou dirigiu filmes que exploraram cantos até então desconhecidos do drama e da ficção científica cinematográficos, como Gattaca – Experiência Genética (1997), O Show de Truman (1998), O Senhor das Armas (2005) e Good Kill – Máxima Precisão (2014). A sede de Niccol por invenção, sua vontade de experimentar linguagens contemporâneas e abordar temas novos,cuja mitologia ainda está em evolução, é admirável – e, nos melhores momentos do seu novo filme, Anon, é isso que pula aos olhos.

Na trama dessa produção distribuída pela Netflix, acompanhamos um policial (Clive Owen), divorciado e deprimido, que vive em um mundo no qual chips implantados em cada pessoa tornam a privacidade algo impraticável. O governo está sempre observando pelos olhos de todo mundo, e crimes são imediatamente detectados, o culpado rapidamente identificado – até a aparição da misteriosa mulher interpretada por Amanda Seyfried, que de alguma forma é capaz de esconder suas informações pessoais e ser um “fantasma” nessa rede de vigilância “tunada”.

Com a ajuda de uma fotografia extraordinária de Christophe Beck, Niccol explora de forma insistente as possibilidades desse mundo em que o ponto de vista de cada pessoa está imediatamente acessível para todas as outras, assim como seu “arquivo”, suas memórias. O visual hermético, quase árido, do design de produção de Philip Ivey ajuda o espectador a entrar no clima deprimente e frio desse futuro imaginado, enquanto Niccol brinca, deleitado, com as possibilidades dele.

O problema é que, por mais que seu anseio por inovação seja admirável e até envolvente por certo tempo, Anon não conjura personagens, histórias ou conclusões que façam jus a sua existência como filme. O mistério que envolve o passado da personagem de Seyfried permite que a atriz dance ao redor dos companheiros de elenco na melhor performance do filme, efetivamente a melhor coisa nele – mas essa missão se torna mais fácil quando as criações que a cercam são tão previsíveis, e o caminho para o qual o filme se direciona também. Para um homem que respira criatividade, Niccol não se esforçou muito para criar algo aqui.

✰✰✰ (3/5)

Surpresa do mês:

3 crooked

Crooked House (Inglaterra, 2017)
Direção: Gilles Paquet-Brenner
Roteiro: Julian Fellowes, Tim Rose Price, Gilles Paquet-Brenner, baseados no livro de Agatha Christie
Elenco: Max Irons, Stefanie Martini, Glenn Close, Honor Kneafsey, Christina Hendricks, Terence Stamp, Julian Sands, Gillian Anderson, Christian McKay, Amanda Abbington, Preston Nyman, Roger Ashton-Griffiths
115 minutos

A adaptação hollywoodiana de Assassinato no Expresso do Oriente mudou tanto, e tão inabilmente, a obra original de Agatha Christie, que um leitor ou espectador usual poderia ser perdoado por pensar que as obras da grande escritora inglesa são “inadaptáveis” ou “difíceis”, aqueles clichês insuportáveis da crítica. Crooked House prova que não é bem por aí – de forma fidedigna ao espírito e às excentricidades de Christie, o diretor Gilles Paquet-Brenner dá vida a uma produção luxuosa, envolvente, com um senso de kitsch essencial, e um entendimento intrínseco da humanidade que sempre foi a chave do sucesso da escritora.

Na trama, um detetive (Max Irons) é chamado por uma ex-namorada (Stefanie Martini) para investigar o assassinato de seu avô, que mantinha todos na larga família sob seu punho de ferro em uma bizarra mansão no interior da Inglaterra. Nessa premissa clássica de Christie, conhecemos aos poucos os personagens excêntricos e coloridos que formam a família, interpretados com gosto por gente do naipe de Glenn Close, Gillian Anderson (especialmente brilhante aqui), Julian Sands e Christina Hendricks.

Enquanto a história adaptada por Paquet-Brenner, Julian Fellowes e Tim Rose Price caminha para o seu inevitavelmente trágico final, o filme se mostra um suspense investigativo cheio de reentrâncias e sofisticações. O cineasta francês, que já fez o subestimado Lugares Escuros (com Charlize Theron), se insinua por essas reentrâncias com floreios fascinantes aqui e ali, mas geralmente presta deferência aos valores de produção e ao elenco, que parece se divertir proporcionalmente ao conteúdo cortante e venenoso dos diálogos.

Realizado com olhar arguto e competência incontestável, Crooked House é uma boa (ainda que não espetacular) surpresa para os fãs de Christie desencorajados pelo outro grande filme baseado em sua obra do ano passado.

✰✰✰✰ (3,5/5)

Decepção do mês:

4 monstro

Um Monstro no Caminho (The Monster, EUA, 2016)
Direção e roteiro: Bryan Bertino
Elenco: Zoe Kazan, Ella Bellentine, Aaron Douglas, Scott Speedman
91 minutos

Quando os créditos começaram a subir no fim de Um Monstro no Caminho, só uma pergunta passou pela minha mente: “Como é possível um filme ser simultaneamente tão profundo e tão… bobo?”. Antes que me acusem de esnobismo crítico, este site é testemunha que não se trata disso – filmes que encaram uma premissa absurda ou normalmente reservada para histórias para o reino do trash e as transformam em obras bem elaboradas, complexas e/ou inovadoras são exatamente o que eu amo mais no cinema. O terror tem passado por um momento particularmente bom nesse sentido: títulos como Corrente do Mal, O Babadook, A Bruxa e tantos, tantos outros, fazem exatamente o que eu disse acima. Um Monstro no Caminho é como uma tentativa improvisada e não totalmente bem-sucedida de aplicar essa magia cinematográfica.

O longa escrito e dirigido por Bryan Bertino ataca questões sérias sobre alcoolismo, responsabilidade e sacrifício parental, e tem uma performance tão envolvente quanto era de se esperar da talentosíssima Zoe Kazan. Bertino, que virou queridinho do gênero com Os Estranhos (2008), aborda a direção de forma dedicada, largamente evitando que seu filme, quase todo passado no meio de uma estrada com iluminação precária, seja escuro, confuso ou entediante demais para o espectador.

É em seu roteiro que mora a parte mais problemática de Um Monstro no Caminho. Na trama, vemos mãe e filha que, dirigindo para a casa do pai da menina (os dois são separados), atropelam acidentalmente um lobo – o carro se quebra, e elas logo percebem que aquele pedaço de estrada tem algo bem mais aterrorizante se escondendo nas sombras. Como é de praxe para filmes modernos do gênero, Um Monstro no Caminho não se preocupa em explicar ou “mitologizar” sua criatura, mas o problema é que Bertino tampouco a usa como gancho para explorações e metáforas contundentes às personagens centrais do filme.

Um Monstro no Caminho é profundo e até tocante, em certos momentos, apesar de sua trama “boba”, como eu coloquei lá em cima – em um mundo em que o cinema de terror já provou que pode ser melhor, vendo uma integração das duas coisas que torna o filme uma experiência completa, é difícil negar a decepção.

✰✰✰ (3/5)

… E mais um:

5 it

It: A Coisa (It, EUA/Canadá, 2017)
Direção: Andy Muschietti
Roteiro: Chase Palmer, Cary Joji Fukunaga, Gary Dauberman, baseados no livro de Stephen King
Elenco: Jaeden Lieberher, Jeremy Ray Taylor, Sophia Lillis, Finn Wolfhard, Chosen Jacobs, Jack Dylan Glazer, Wyatt Oleff, Bill Skarsgard, Nicholas Hamilton, Owen Teague
135 minutos

Não dá para negar que It: A Coisa, o filme, se esforça para filtrar uma das obras primas de Stephen King pela ótica nostálgica (pré-)adolescente de Stranger Things. Não dá para negar tampouco, no entanto, que o filme largamente é bem-sucedido nessa empreitada, e que os ajustes à obra original funcionam para tornar a trama mais coesa e mais apropriada ao formato cinematográfico. It: A Coisa é um livro extraordinário, e como tal só caberia na tela do cinema da forma destilada em que nos foi apresentado aqui – ainda por cima, dividido em duas partes, com a segunda marcada para 2019.

A trama segue a mesma: um grupo de crianças que sofre bullying na escola, autointitulados Clube dos Perdedores, se junta para desvendar o mistério do desaparecimento do irmão mais novo de um deles, além de várias outras crianças da cidade. Essa ainda uma fábula sobre novas gerações que sacodem a complacência como status quo; o roteiro de Chase Palmer, Cary fukunaga e Gary Dauberman adiciona toques de comédia observacional adolescente justamente para apelar para o filão que mencionamos mais acima, e são sutis o bastante nisso para convencerem o espectador mais incrédulo.

It: A Coisa tampouco foge das partes mais espinhosas do livro (com uma exceção famosa), discutindo abuso, violência doméstica e mais nos limites de uma história adolescente e sem apelar para as explicitações grosseiras de uma 13 Reasons Why. Na melhor tradição de Maurice Sendak (Onde Vivem os Monstros), as crianças de It: A Coisa “sabem de coisas terríveis”, e elas moldam e fraturam seu amadurecimento como moldaram e fraturaram os nossos. É imediatamente relacionável e envolvente a jornada desses protagonistas – o que deve ser um problema na sequência, já que ela abordará o retorno deles à cidade, já adultos, para mais uma vez confrontar Pennywise.

Por falar no palhaço que cimentou de vez o apelo macabro dessas figuras circenses na literatura de terror, Bill Skarsagard está excelente no papel. Ao invés do teatro de Tim Curry, que marcou o personagem para sempre na minissérie de 1990, o ator sueco aposta no poder dos detalhes para fazer seu Pennywise assustador – são pequenos vícios e hábitos dessa criatura curiosa (a vesguice, o sorriso distorcido) que o tornam tão temível em tela. Como um todo, It: A Coisa é um ponto positivo para o terror mainstream de Hollywood.

✰✰✰✰ (3,5/5)