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Review: Me Chame Pelo Seu Nome

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Review: Lady Bird: A Hora de Voar

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Review: Liga da Justiça

É verdade: o novo filme da DC seria melhor se não tivesse uma Warner (e um Joss Whedon) no caminho.

28 de ago. de 2016

Diário de filmes do mês: Agosto/2016

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por Caio Coletti

Nem todos os filmes merecem (ou pedem) uma análise complexa como a que fazemos com alguns dos lançamentos mais “quentes” ou filmes que descobrimos e nos surpreendem positivamente. É levando em consideração a função da crítica e da resenha como uma orientação do público em relação ao que vai ser visto em determinado filme que eu resolvi criar essa coluna, que visa falar brevemente dos filmes que não ganharam review completo no site. Vamos lá:

resolution

Resolution (EUA, 2012)
Direção: Justin Benson, Aaron Moorhead
Roteiro: Justin Benson
Elenco: Peter Cilella, Vinny Curran, Emily Montague, Bill Oberst Jr.
93 minutos

Resolution é aquele raro filme que pretende funcionar em três níveis diferentes, e consegue. Primariamente observado, o filme de estreia de Justin Benson e Aaron Moorhead é um bom suspense independente com um mistério envolvente e alguns momentos genuinamente assustadores, ou no mínimo desconfortáveis. O espectador um pouco atento, no entanto, vai notar que a jornada dos personagens aqui é tão importante quanto o mistério, e as atuações naturalistas dos protagonistas Peter Cilella e Vinny Curran não deixam a peteca cair nesse aspecto – como história de um homem que tenta ajudar um amigo a sair de seu vício em drogas por algum senso deturpado de justiça ou senso de controle, Resolution é um poderoso drama de personagens com uma jornada emocional bem construída e considerações importantes sobre autonomia, amizade e os motivos egoístas dos quais nos escondemos quando sentimos o impulso de “ajudar” o outro. Na sua terceira e talvez mais fundamental camada, no entanto, Resolution é uma sátira esperta e uma consideração profunda, ao mesmo tempo, do próprio ato de contar histórias.

Benson e Moorhead deixam isso transparecer até na forma como filmam seu longa, utilizando truques de câmera como indicações de momentos fundamentais da trama, desenhando com seus protagonistas um arco fascinante que pondera o poder de nossas escolhas sob o nosso destino, e o papel do acaso, do vício e do senso de responsabilidade nessas escolhas. Cheio de recursos e ao mesmo tempo desprovido de pompa, Resolution é intensamente inteligente, atacando o espectador intelectualmente muito mais do que sensorialmente. Esse cinema cerebral de Benson e Moorhead deixa espaço para os sentimentos dos personagens vazarem pelos cantos, e anseia por uma conexão que seja ao mesmo tempo conceitual e emocional com seu público – como qualquer boa história, Resolution fica com quem o assiste por um bom tempo.

✰✰✰✰ (4/5)

the house of the devil

A Casa do Diabo (The House of the Devil, EUA, 2009)
Direção e roteiro: Ti West
Elenco: Jocelin Donahue, Tom Noonan, Mary Woronov, Greta Gerwig, AJ Bowen, Dee Wallace
95 minutos

De muitas formas, A Casa do Diabo é o completo oposto do nosso filme anterior nesse diário, Resolution. Isso porque, no espectro oposto ao filme de Benson e Moorhead, essa obra de Ti West tem muitos deleites visuais para serem absorvidos pelo espectador, mas lhe falta um pouco de riqueza narrativa. A Casa do Diabo se preocupa antes em ser um filme de terror, e uma homenagem meticulosa aos anos 80, do que em contar uma história que signifique qualquer coisa demais, e é claro que ao filme é reservado esse direito. Como exercício de estilo e demonstração da combinação certeira de direção, fotografia, trilha-sonora, atuações e design de produção, A Casa do Diabo é um filme que precisa ser visto. Seu visual saturado desde o começo, os movimentos de câmera (constantes zoom rápidos, como há muito já não é usado no cinema de terror), o clima de paranoia satanista, até a estrutura simples da trama – tudo aqui é um enorme tributo à época que ele representa, e de certa forma Ti West faz essa referência a outros tempos do cinema de terror para acordar no horror moderno um senso de antecipação, de excelência técnica e de paciência construtiva que não existe mais na grande Hollywood.

É um esforço válido, que passa pela performance tour de force de Jocelin Donahue como Samantha, uma universitária que aceita o trabalho de cuidar por uma noite de uma velha senhora na casa de uma estranha família. A trama vem pronta com uma melhor amiga que tenta avisar a protagonista dos perigos de aceitar o trabalho (feita por Greta Gerwig!); um excêntrico e suspeitíssimo, mas ainda desconcertantemente educado, patriarca da família (Tom Noonan, excelente como sempre); e uma gélida matriarca, interpretada por Mary Woronov. Com um clímax aterrorizante e envolvente que chega sem muito aviso e um final chocante para combinar, West faz a festa com uma fotografia magistral de Eliot Rockett e uma capacidade de criar tensão que certamente o coloca como um dos melhores artesãos do gênero a surgir nos últimos anos.

✰✰✰✰ (3,5/5)

warcraft

Warcraft: O Primeiro Encontro de Dois Mundos (Warcraft, EUA/China/Canadá/Japão, 2016)
Direção: Duncan Jones
Roteiro: Charles Leavitt, Duncan Jones
Elenco: Travis Fimmel, Paula Patton, Ben Foster, Dominic Cooper, Toby Kebbell, Clancy Brown, Daniel Wu, Ruth Negga
123 minutos

Warcraft: O Primeiro Encontro Entre Dois Mundos é moderadamente passável como entretenimento porque em nenhum momento o diretor Duncan Jones permite que o filme se leve a sério demais. Também co-escritor do roteiro, Jones explora um mundo de magos, magias coloridas, orcs, “orquisas” e reis com o senso de humor certo e uma concepção visual bacana que remete aos tempos dos anos 80 e 90 em que os filmes de fantasia não tinham a pretensão de ser O Senhor dos Anéis. O problema é que, em algum lugar ali no meio do caminho, a Universal decidiu que queria um O Senhor dos Anéis. Seja em seu final forçado ou na atuação de seu protagonista, o terrível Travis Fimmel, Warcraft em algum momento perde a mão de seu próprio senso de ridículo e se torna uma produção estupidamente cara que nunca se deu ao trabalho de justificar todos os dólares investidos nela. Jones tinha um plano sólido para o visual e o clima de seu primeiro blockbuster, mas plano nenhum para sua narrativa – e há uma diferença enorme entre não se levar a sério e insultar a inteligência do espectador.

É fácil engolir uma performance exagerada como a de Ben Foster como o feiticeiro Medivh; difícil é passar por cima da trama apressada espremida em 123 minutos, das três terríveis atuações principais (Fimmel, Paula Patton e Toby Kebbell), que não parecem se divertir nem metade do que deveriam, de uma narrativa que não decide se quer satirizar ou fielmente seguir os clichês de filme de fantasia mais baratos que você encontrar por aí, e do desperdício monumental de um esperto trabalho de efeitos especiais nessa bagunça de filme. Por duas horas, é possível que Warcraft te deixe entretido, mesmo com alguns pedaços sonolentos e a vontade zero que o filme mostra de subverter as manias mais problemáticas de sua origem no mundo dos RPGs – o que ele não vai te deixar é satisfeito. Muito como Jurassic World, do ano passado, Warcraft quer tirar sarro do livro de regras de Hollywood sem quebrar umazinha sequer.

✰✰✰ (2,5/5)

spring

Primavera (Spring, EUA, 2014)
Direção: Justin Benson, Aaron Moorhead
Roteiro: Justin Benson
Elenco: Lou Taylor Pucci, Nadia HIlker, Francesco Carnelutti, Jeremy Gardner, Holly Hawkins
109 minutos

Como Resolution, o filme da dupla Benson e Moorhead do qual falamos lá no começo do diário, Primavera é uma peculiar abordagem do cinema de horror, um filme cheio de camadas e misturas (“um híbrido de Richard Linklater e H.P. Lovecraft”, como definiu o crítico do RogerEbert.com)… e uma história surpreendentemente tocante. Assim como Resolution, Primavera esconde uma história muito humana por baixo de seus efeitos de maquiagem impressionantes, sua fotografia refinada e certeira (mas nunca pedantemente bela), e especialmente dos elementos absurdos de sua trama, que pendem para a ficção científica tanto quanto para o horror. Na superfície, vemos o jovem Evan (Lou Taylor Pucci, excelente), que acaba de perder a mãe e viaja para a Itália a procura de algo que nem ele sabe definir – lá, ele encontra trabalho em uma fazenda e uma namorada, Louise (Nadia Hilker, que também tem algo de especial), uma insinuante mulher que esconde um segredo antigo e selvagem. Sem entregar mais nada, Primavera aos poucos introduz seus elementos sobrenaturais, mas nunca deixa o filme descender em um pesadelo de revelações apressadas ou em um clímax de sustos e violência.

Ao contrário do que poderia se esperar do gênero, Primavera é como um lento e idílico, mas levemente desajustado, sonho de troca de estações. O momento que Evan passa em sua vida é tão importante quanto a natureza daquele segredo guardado por Louise, e no final o filme se revela a história de dois personagens tentando se reconciliar com a beleza trágica da vida, e especialmente com sua inerente finitude. Primavera poderia ser deprimente, mas escolhe conscientemente não ser – ao contrário, é uma celebração daqueles que não tem a eternidade para viver, uma viagem iluminada por possibilidades incríveis, contos fantasiosos e personagens lidando com dilemas muito reais. Essencialmente, é uma ficção científica e tanto, e ao mesmo tempo não se deixa limitar pelo rótulo. É um filme que precisa ser visto.

✰✰✰✰✰(4,5/5)

26 de ago. de 2016

Review: American Crime Story constrói uma narrativa poderosa das variáveis da justiça

acs

por Caio Coletti

Ryan Murphy não escreveu uma palavra de American Crime Story: The People v. O.J. Simpson. O criador de Glee, Scream Queens e American Horror Story atua como produtor, diretor de alguns episódios e como idealizador da “marca” American ____ Story, mas seu envolvimento na criação, planejamento e eventual redação dos 10 episódios dessa minissérie indicada a nada menos que 22 Emmys não é só mínimo, é nulo. Isso é importante não porque tenho qualquer coisa contra Ryan Murphy, mas porque é flagrante que o produtor não encostou nos roteiros comandados pelos showrunners Larry Karaszewski e Scott Alexander, e também é flagrante o motivo pelo qual ele fez isso: American Crime Story é muito mais sobre densidade e profundidade do que é sobre iconoclastia, referência pop, ou arcos de personagem desenhados com pinceladas grossas e exuberantes. É um animal mais sutil, mais sufocante, mais psicológico e, talvez por isso, mais envolvente e, eventualmente, desesperador.

A história real em que a temporada se concentra é um marco da Justiça americana: o julgamento do jogador de futebol americano O.J. Simpson (Cuba Gooding Jr) pelo assassinato da ex-eposa Nicole Brown Simpson e seu amigo Ron Goldman. Não só a história é cheia de reviravoltas espetaculares e traz momentos que definiram precedentes para casos que estariam por vir, como todo o processo de mais de uma dezena de meses define espetacularmente o momento de tensão racial que vivemos hoje em dia, provendo uma reflexão absolutamente essencial sobre a forma como racismo, machismo, a atenção da mídia e mais uma infinidade de fatores influenciam o funcionamento da Justiça. Em um julgamento conduzido largamente pela opinião popular, encapsulando uma época (e ao mesmo tempo um padrão que se repete até hoje) de brutalidade policial, injustiças sociais contra negros e mulheres, e um jornalismo irresponsável em busca de audiência acima de informação, American Crime Story encontra uma oportunidade espetacular de refletir sobre como a história moldou o que somos hoje.

Karaszewski e Alexander sabem como lidar com essa narrativa da forma correta, equilibrando caricaturas de personagens reais (como a feita por John Travolta, excepcional em seu próprio “canto” da história) com expressões muito coesas e interessantes de personas e situações que valem tanto como documento histórico quanto com material de identificação para o espectador. Vide, por exemplo, o trabalho magnífico de Sarah Paulson, já há algum tempo o coração e a alma de American Horror Story, como Marcia Clark, a principal advogada da acusação. Seu retrato é muito marcante, expressivo e representativo dos dilemas que mulheres precisam lidar no ambiente profissional e pessoal, especialmente sob o escrutínio de um público que se importa mais com sua aparência ou seu tom de voz do que com sua competência – é uma composição humana de uma mulher falha, formidável e corajosa, que talvez esperasse mais do mundo do que o mundo lhe deu. É de quebrar o coração, mas é um testemunho de resiliência e vitória moral também.

Nesse terreno moral complicado, American Crime Story, anda nas pontas dos pés pelas ruínas de uma tragédia americana que esteve por todos os jornais da época e até hoje – e encontra atores comprometidos com a jornada emocional dos personagens, acima de sua representação social, para dar alma e força a essa história. Cuba Gooding Jr está brilhante como O.J, assim como Courtney B. Vance e Sterling K. Brown na pele de advogados de lados opostos do julgamento, mas companheiros na luta pelos direitos civis dos negros. Em participações menores, David Schwimmer e Connie Britton também se destacam pelo retrato da ignorância que guia um determinada classe social a proteger seus amigos celebridades (ou seus próprios interesses) antes de discriminar verdades de mentiras.

Tensa e focada como precisava ser, American Crime Story não suportaria o peso das extravagâncias narrativas de Ryan Murphy, mas o criador faz um trabalho espetacular na direção dos dois episódios que assume, criando uma série de imagens marcantes que elevam o discurso de The People v O.J. Simpson quando estão em tela. Deve-se dá-lo crédito, portanto, porque American Crime Story é melhor quando ele está por trás das câmeras, casando perfeitamente a narrativa séria e importante de Karaszewski e Alexander com o estilo visualista de sua direção. 22 indicações ao Emmy definitivamente merecidas.

Caso não vença na categoria principal de Melhor Minissérie, no entanto, vale lembrar que American Crime Story: The People v O.J. Simpson ainda é o pedaço de televisão mais essencial de 2016, a narrativa que você precisa consumir para entender a forma como a arte e a história refletem a sociedade no estado em que ela se encontra nesse exato momento. É urgente que se veja, se entenda e se pense em O.J. Simpson mais de 20 anos depois, porque os mecanismos que famosamente (não conta como spoiler se é história real) o inocentaram de um assassinato que ele, segundo todos os especialistas, certamente cometeu, ainda estão em pleno funcionamento. Quem sai como culpado nessa história toda não é o réu interpretado por Cuba Gooding – no sentimento de opressão e o gosto amargo que ACS nos deixa, somos nós.

✰✰✰✰✰ (5/5)

THE PEOPLE v. O.J. SIMPSON: AMERICAN CRIME STORY "Conspiracy Theories" Episode 107 (Airs Tuesday, March 15, 10:00 pm/ep) -- Pictured: (l-r) Sterling K. Brown as Christopher Darden, Cuba Gooding, Jr. as O.J. Simpson. CR: Ray Mickshaw/FX

American Crime Story: The People v O.J. Simpson (EUA, 2016)
Direção: Ryan Murphy, Anthony Heminghway, John Singleton
Roteiro: Scott Alexander, Larry Karaszewski, D.V. DeVicentis, Maya Forbes, Joe Robert Cole, etc
Elenco: Cuba Gooding Jr, Sarah Paulson, Sterling K. Brown, Courtney B. Vance, Kenneth Choi, David Schwimmer, John Travolta, Bruce Greenwood, Jordana Brewster, Connie Britton, Selma Blair, Nathan Lane
10 episódios

23 de ago. de 2016

Review: “Esquadrão Suicida” é uma apressada, mas aceitável, adição à fascinante mitologia da DC

esquadrão

por Caio Coletti

Assistir Esquadrão Suicida no cinema é como experimentar de novo uma daquelas ondas de empolgação da infância, aquela embriaguez que não é de álcool. É como um passeio de montanha-russa depois de comer açúcar em excesso. A descrição pode parecer coisa de fã, mas não tem nada a ver com a sensação de ver personagens amados tomarem vida em tela pela primeira vez – é proposital da edição, do roteiro e do aspecto visual do filme de David Ayer essa estética quadrinesca, essa narrativa o tempo todo a 100 km/h, a edição esquizofrênica e o visual que mistura de forma escalafobética sombras e cores, em uma estilização bem à la Hot Topic, a célebre loja de roupas e acessórios americana que famosamente deve muito do seu sucesso ao apelo da Arlequina em sua fase pós-Batman: A Série Animada.

Talvez justamente por optar por essa estética, o Esquadrão Suicida de David Ayer como chegou nos cinemas (não importa, de fato, se foi a Warner que retalhou e modificou o filme ou não) parece um exercício primário de narrativa, sem a nuance e as entrelinhas que vimos em instalações anteriores da franquia da DC Comics no cinema. Chegando só cinco meses depois de Batman vs Superman, o filme do Esquadrão faz jus ao seu nome – pula do abismo da narrativa pop e às vezes exagera um pouco na sua celebração dela, não entendendo as armadilhas que uma exploração rasa do mito do herói ou da mitologia das HQs pode trazer. Por sorte, Esquadrão Suicida tem algumas peças no jogo que podem mudar um pouco isso: os atores.

Maior entre eles, nada surpreendentemente para quem acompanhou a expectativa e a campanha ao redor do filme: Margot Robbie como a Arlequina, uma das personagens mais lucrativas da DC desde sua criação no desenho animado do Batman dos anos 90 – no papel da ex-psicóloga transformada em maníaca pelo Coringa (Jared Leto), Robbie não só ofusca o celebrado colega de elenco como provém uma profundidade à personagem que absolutamente não está no roteiro. Nas mãos da jovem atriz australiana, as piadas mais infames funcionam, e o sombrio sadismo e languidez sexual da Arlequina são equilibrados por uma dimensão de tragédia que nunca deixa a personagem ser fetichizada ou glorificada pelo que se tornou graças a um relacionamento abusivo. No final do filme, fica a impressão de que Margot entende melhor a Arlequina que o próprio roteiro.

Nem só de Harley, no entanto, vive Esquadrão Suicida (infelizmente, muitos diriam). A trama envolve uma agente do governo, Amanda Waller (Viola Davis), desenvolvendo ao lado do seu mais fiel soldado, Rick Flag (Joel Kinnaman), um projeto arriscado: reunir vilões dos mais diversos cantos do universo pós-Superman em que o filme se passa e mandá-los em missões que nenhum outro herói ousaria cumprir. A famosa “síndrome do mau vilão” assola até mesmo esse filme, que é essencialmente composto de caras maus, porque a ameaça contra a qual o Esquadrão precisa luta é a Magia (Cara Delevingne), uma feiticeira antiga que se alojou no corpo de uma jovem arqueóloga e planeja… espera, o que é mesmo que ela planeja? Construir uma máquina de algum tipo e criar soldados meio-répteis, meio-humanos para ajudá-la na missão de fazer a humanidade adorá-la como uma deusa, ou algo assim.

Delevingne está lamentável no papel da vilã, especialmente porque o filme não a permite ser nada melhor do que uma presença risível, com um visual que nem mesmo pode ser descrito como “estourado”, porque não parece consciente o bastante de si para isso. Adicione a isso o problema de que David Ayer simplesmente não faz ideia de como filmar uma cena de ação (diretor de fotografia Roman Vasyanov e editor John Gilroy não ajudam), e você tem a lista de defeitos de Esquadrão Suicida, que mesmo assim parece superar esses obstáculos pela pura força de seus personagens, ícones fascinantes da narrativa popular que tem muito a dizer sobre nossa relação com figuras heroicas e mitos de “salvadores”.

Assim como O Homem de Aço e Batman vs Superman, Esquadrão Suicida é um filme de super-herói incansável em sua contestação do próprio mito do super-herói, e há algo de definitivamente subversivo e flagrantemente fundamental nisso. Ao mostrar a visão dos vilões sobre os atos de gente como o Batman e o The Flash, Ayer criou uma fantasia em que o relativismo moral não parece algo forçado à narrativa, mas natural de sua própria concepção – com Esquadrão Suicida, a DC segue em seu caminho de não só desfazer as noções rígidas e conservadoras de bem e mal dentro da narrativa popular, mas de questionar porque diabos sequer as colocamos ali. É um empreendimento poderoso esse que a editora/estúdio está propondo, e a esperança é que as mudanças de comando nos bastidores e as críticas dos jornalistas especializados não a façam mudar de direção. Coragem sob fogo definitivamente é algo que a DC pode aprender com seus heróis (e vilões).

✰✰✰✰ (3,5/5)

suicide

Esquadrão Suicida (Suicide Squad, EUA, 2016)
Direção e roteiro: David Ayer
Elenco: Will Smith, Margot Robbie, Viola Davis, Jai Courtney, Joel Kinnaman, Jared Leto, Cara Delevingne, Jay Hernandez, Adam Beach, Scott Eastwood, Common, Karen Fukuhara, Kenneth Choi, Adewale Akinnuoye-Agbaje, Ezra Miller
123 minutos

2 de ago. de 2016

Diário de filmes do mês: Julho/2016

diário julho

por Caio Coletti

Nem todos os filmes merecem (ou pedem) uma análise complexa como a que fazemos com alguns dos lançamentos mais “quentes” ou filmes que descobrimos e nos surpreendem positivamente. É levando em consideração a função da crítica e da resenha como uma orientação do público em relação ao que vai ser visto em determinado filme que eu resolvi criar essa coluna, que visa falar brevemente dos filmes que não ganharam review completo no site. Vamos lá:

the guest

The Guest (EUA/Inglaterra, 2014)
Direção: Adam Wingard
Roteiro: Simon Barrett
Elenco: Dan Stevens, Maika Monroe, Brendan Meyer, Sheila Kelley, Leland Orser, Lance Reddick, Joel David Moore, Ethan Embry
100 minutos

Recentemente, o diretor Adam Wingard anunciou que seu projeto ultra-secreto anteriormente anunciado com o título The Woods é na verdade uma continuação de A Bruxa de Blair, neo-clássico de 1999, feita em segredo. Em uma edição anterior do boletim cinéfilo, já falamos do filme que mais qualifica Wingard como um mestre em formação da mistura de gêneros e especialmente do terror, o ótimo Você é o Próximo (veja o que dissemos aqui). Para continuar no pique, esse mês vimos The Guest, sua obra mais recente, e o filme nos fascinou, prendeu e divertiu de uma forma bem diferente do anterior.The Guest é um suspense oitentista em seu cerne, algo que fica claro na composição visual de seus materiais promocionais, na escolha do clímax, bizarramente passado em um labirinto decorado por uma escola para o Dia das Bruxas, e no desenrolar de sua trama. O estranho David (Dan Stevens) invade a vida da família Peterson dizendo que costumava conhecer o filho deles, que morreu na guerra – David foi antes à casa dos Peterson do que a qualquer outro lugar, e aos poucos vai se insinuando na rotina doméstica da família, conquistando de uma forma ou de outra as simpatias da mãe, a sofrida Laura (Sheila Kelley); do pai, o trabalhador Spencer (Leland Orser) e do filho mais novo, o jovem e inseguro Luke (Brendan Meyer).

Stevens está em estado de graça como o protagonista. O astro lançado por Downton Abbey, que em breve fará o príncipe Adam em A Bela e a Fera, mostra que tem faro para papeis diferentes, que exijam uma ameaça velada e um controle sutil – seu David não é nunca impositivo ou aterrorizante de forma explícita, é apenas uma presença penetrante cujas graças sociais, o espectador sabe, brotam de motivos desconhecidos e nada inocentes. Com um temperamento explosivo que não foge de ser sangrento quando precisa, The Guest é menos caloroso e mordaz do que Você é o Próximo, um filme de invasão domiciliar travestido de comédia de humor negro, mas é igualmente bem construído para seus propósitos. Absurdo, com um gosto apurado para o trash e o charme do cinema dos anos 80, o filme de Wingard reverte expectativas de familiaridade e brinca com aspectos sombrios da jornada de amadurecimento padrão de Hollywood. É a obra de um cineasta em crescimento, mas funciona.

✰✰✰✰ (3,5/5)

musaranas

Musarañas (Espanha/França, 2014)
Direção: Juanfer Andrés, Estevan Roel
Roteiro: Juanfer Andrés, Sofía Cuenca
Elenco: Macarena Gómez, Nadia de Santiago, Hugo Silva
91 minutos

Um thriller hitchcockiano de relações familiares femininas distorcidas, com aquelas mesmas pontas afiadas de psicossexualidade do velho mestre do suspense, adicionado a uma dose saudável de voyeurismo violento à la Quentin Tarantino – essa é a receita para Musarañas, o terror espanhol que serve como estreia da dupla Janfer Andrés & Estevan Roel na direção. Diminuir o filme às suas referências, no entanto, não é fazê-lo justiça: ele é também uma visceral análise do medo e de seus efeitos sobre o ser humano, da exasperante e sufocante sensação de mudança que se abate em uma geração que sacrificou sua própria independência em virtude das dificuldades da vida entre Guerras e ditaduras, e que agora, assim como a protagonista Montse, não se vê estimulado a sair de casa para encarar um ambiente que não deve lhe acolher. A agorafobia da personagem é uma manifestação desse medo geracional, e Musarañas reflete, em seu cenário único, ambiente claustrofóbico e clímax cheio de revelações devastadoras, uma situação muito maior que si. O blefe dos diretores e da co-roteirista Sofía Cuenca funciona, seja pela intensa dramaticidade dos acontecimentos ou pela riqueza de significados imbuídos neles.

Na trama, Montse (Macarena Gómez) é a irmã mais velha que, após a morte tanto do pai quanto da mãe da família, criou praticamente sozinha a irmã caçula, que permanece sem nome durante o filme (Nadia de Santiago). Quando a mais nova começa a ter desejos que muito ultrapassam a capacidade de controle de Montse, as coisas começam a desmoronar na família – especialmente após o vizinho de prédio Carlos (Hugo Silva) despencar da escada direto na porta da casa, e passar a depender de Montse para sobreviver. Musarañas toma seu tempo para desenvolver a trama, mas a tensão é palpável, em grande parte por conta da vigia estrita da protagonista sobre os passos da irmã, especialmente quando dentro da casa, visto que Montse é tomada por fobia paralisante quando tenta passar da porta da frente. Em atuação intensa, Gómez vai retirando as camadas protetoras de Montse com habilidade, e o filme se revela, em seu ritmo, uma bem-estudada história de horror com o potencial de marcar a memória do espectador.

✰✰✰✰ (3,5/5)

Hello-My-Name-Is-Doris

Hello, My Name is Doris (EUA, 2015)
Direção: Michael Showalter
Roteiro: Laura Terruso, Michael Showalter
Elenco: Sally Field, Max Greenfield, Stephen Root, Tyne Daly, Wendi McLendon-Covey, Kumail Nanijani, Elizabeth Reaser, Natasha Lyonne, Jack Antonoff, Beth Behrs
95 minutos

Sally Field é uma lenda viva, e uma das melhores atrizes americanas na ativa atualmente. Vencedora de dois Oscar, Field merece lugar entre as Meryl Streep’s, Jane Fonda’s, Jessica Lange’s e Glenn Close’s, mas por algum motivo, nos últimos anos, raramente vemos Sally em tela. Nos últimos seis anos, ela esteve só em quatro projetos – os dois O Espetacular Homem-Aranha, o drama Lincoln, e esse excêntrico Hello, My Name is Doris. Não é surpresa, portanto, que Field abrace com vontade a oportunidade de retratar uma personagem tão rica, envolvida em uma história tão raramente contada no cinema, e que lhe permite passear entre comédia física e escrachada (na qual Field é surpreendentemente excelente), construção de personagem cheia de minúcias e detalhes visuais, e drama pungente. Ela “muda de marcha” com a rapidez e a habilidade de uma profissional veterana, mas é na sua vivaz encarnação da trama e da personagem que mora o charme de Hello, My Name is Doris, que sem ela seria uma boa ideia desperdiçada por um roteiro que comete alguns tropeços aqui e ali.

Não nos leve a mal: o roteiro de Michael Showalter (Wet Hot American Summer) ao lado de Laura Terruso, de quem Showalter emprestou a premissa de um curta-metragem, é bem-intencionado e tem momentos de brilhantismo em sua delicadeza e óbvia afeição pelos personagens; a direção de Showalter também não deixa a desejar, encontrando pequenos momentos em que o visual auxilia a comédia tanto quanto o diálogo; Tyne Daly está tão incrível como a melhor amiga da protagonista quanto era de se esperar para uma vencedora de 6 prêmios Emmys; mas na trama sobre uma solteirona que acaba de perder a mãe a quem dedicou toda sua vida, e que decide investir em um crush que cultiva pelo colega de trabalho mais novo (Max Greenfield, fugindo habilidosamente do seu tipo normalmente mais antipático), é Field quem dá as cartas. É por ela que nos apaixonamos, e é através dela que entendemos essa história sobre uma nada comum, mas tremendamente viva, história de luto, superação e descobrimento.

Por conta de Sally Field, Hello My Name is Doris é belíssimo. Não são muitas atrizes por aí que tem esse tipo de poder sobre o filme em que atuam.

✰✰✰✰ (4/5)

let me in

Deixe-me Entrar (Let Me In, Inglaterra/EUA, 2010)
Direção: Matt Reeves
Roteiro: Matt Reeves, John Ajvide Lindqvist
Elenco: Kodi Smit-McPhee, Chlë Grace Moretz, Richard Jenkins, Cara Buono, Elias Koteas, Richie Coster, Dylan Minnette
116 minutos

Em tempos de Stranger Things, Deixe-me Entrar, o remake americano do neo-clássico sueco de mesmo nome, está prontinho para ser redescoberto por uma audiência faminta por mais histórias de suspense focadas em protagonistas mais novos, que lidam com um ambiente oitentista e fazem referência à forma de contar histórias da época. O filme de Matt Reeves se passa na época de Reagan, quando o medo e o patriotismo andavam de mãos dadas, e os americanos só confiavam no que era familiar – ironicamente, o filme é também uma triste documentação de infâncias e juventudes negligenciadas justamente por aqueles que deveriam chamar de família. No enquadramento de Reeves e do diretor de fotografia Greig Fraser, o rosto da mãe de Owen (Kodi Smit-McPhee), sempre envolvida em brigas com o ex-marido e com um copo de vinho em mãos, praticamente não é visto, e não é por acaso. Os relacionamentos mais significativos e abertos de Owen são com a jovem Abby (Chloe Grace Moretz), uma estranha nova vizinha de prédio, e com os colegas de classe, especialmente o insistente bully feito por Dylan Minnette (Goosebumps). No filme de Reeves, essas crianças são o que são pelo que deixaram de receber, e não pelo que receberam, de seus pais – é um retrato deprimente e gelado, como os arredores do filme.

O filme pulsa também, no entanto, com uma ambiguidade de quebrar o coração, uma mistura do maligno com o fundamentalmente puro que não é nem um pouco estranha a quem passou pela infância e adolescência. “Eu lembro-me de minha infância vividamente. Eu sabia de coisas terríveis”, como disse o autor Maurice Sendak (Onde Vivem os Monstros) uma vez – essa aguda percepção infantil, esse olhar para o que há de mais amargo e mais assustador do mundo, transpira de Deixe-me Entrar, um filme espetacularmente bem escrito que nem sempre encontra o tom certo para funcionar por completo, mas que sem dúvida merece ser assistido. Mesmo que seja só pelas performances complementares e profundas de Smit-McPhee e Moretz, em sintonia perfeita entre si e com o filme ao seu redor, criando uma identificação e comunicação com o espectador que às vezes o próprio diretor Reeves esquece de estabelecer.

✰✰✰✰ (3,5/5)