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Review: Me Chame Pelo Seu Nome

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Review: Lady Bird: A Hora de Voar

Mais uma obra-prima da roteirista mais talentosa da nossa década.

Review: Liga da Justiça

É verdade: o novo filme da DC seria melhor se não tivesse uma Warner (e um Joss Whedon) no caminho.

30 de mar. de 2010

Chinese Democracy (2008)

álbuns (nunk excl)chinese democracy 1

**** (4/5)

“Parece a eternidade e mais um dia/ Se minhas intenções forem mal-entendidas/ Por favor, seja bondoso/ Eu fiz tudo o que podia/ E não vou perguntar a você o que não devo fazer”. Assim, em cinco versos simples de Prostitute, Axl Rose tenta pedir desculpas e ainda sair por cima de toda a confusão que Chinese Democracy suscitou desde o começo de sua concepção, dezessete anos atrás, até hoje. Passando por numerosos adiamentos e polêmicas trocas na banda que se mantinha intacta desde a estréia, o tempestuoso e genial Appetite for Destruction, acabou que apenas o vocalista/pianista, mais o tecladista Dizzy Reed, sobreviveram a limpa que o “conceito” do álbum motivou. Diante de tudo o que aconteceu, é mais do que compreensível pensar que Chinese Democracy é menos do que se esperava. Prova do talento de Axl e companhia é que, mesmo assim sendo, Chinese ainda pode ser o melhor disco do ano.

O Guns N’ Roses do século XXI ainda é a mesma banda rocker dos anos 1980, mas acrescenta toques mais épicos a seu som, com arranjos rocambolescos e letras amarguradas entre baladas e canções mais pesadas, para encontrar o equilíbrio em canções medidas e aperfeiçoadas quase a beira da obsessão durante esses dezessete anos. Há momentos quase pop, como If The World e I.R.S., há espaço para o protesto na faixa-título e na tocante Madagascar, e ainda sobram faixas onde o Guns volta a energia de sua estréia. Bons exemplos são Scraped e Riad N’ The Bedouins. De uma forma ou de outra, é fato que o Guns do novo século é tão talentoso, instrumentalmente, quanto o Guns de vinte anos atrás.Mas (ainda) não é uma banda.

Os hits:

Chinese Democracy Letra Rose. Música Rose, Finck, Tobias, Stinson, Reed, Constanzo, Cardieux.

Um soco dos mais acertados nos governos totalitários, a canção de título polêmico mostra que o novo Guns não veio só para brincar com texturas e guitarras pesadas: é também uma banda que usa o rock como forma de protesto e desafio, fazendo bom uso  da velha atitude “fuck you” de Axl. Ele mostra-se confortável e desenvolto nos vocais, enquanto Paul Tobias e Robin Finck tomam parte de guitarras pesadas e enérgicas que remetem ao melhor de Appetite.

Bettter Letra Rose. Música Rose, Finck.

Uma canção oscilante em clima e peso, mas que cria essas oscilações com cuidado e elegância, a terceira faixa de Chinese Democracy mostra que Axl e companhia ainda sabem criar hits natos. As guitarras completam-se perfeitamente, Axl parece mais desenvolto com a própria voz em uma letra amargurada, a canção tem peso na medida certa e batida marcante, mostrando que o velho rockstar não perdeu a mão e, mais uma vez, cercou-se de gente talentosa.

Os épicos:

There Was a Time Letra Rose. Música Rose, Tobias, Reed, Stinson.

Cantando a passagem do tempo e clamando que “assim estava predentinado a ser”, Axl expulsa seus demônios com um rock objetivo, e ainda assim grandioso e crescente. Dos sintetizadores de Dizzy Reed a parede de guitarras que Paul Tobias monta para emoldurar o instrumental, tudo funciona em conjunção para um resultado, acima de tudo, impressionante. Axl solta a voz de uma vez por todas, matando as saudades da estridência, e os solos são apoteóticos.

Sorry Letra Rose. Música Rose, Caroll, Mantia, Scaturro.

Pode até ser uma indireta a imprensa que colocou Axl e companhia sobre pressão no decorrer desses dezessete anos (ou não), mas é fato que o vocalista nunca esteve tão versátil, indo da estridência ao melodrama com facilidade. E a canção, para ajudar, ainda é climática, usando-se de guitarras inspiradas para enfeitar, eventualmente, a levada constante ditada pela percussão do talentoso Bryan Mantia. Sombria, épica e surpreendentemente grudenta.

As baladas:

Street of Dreams Letra Rose. Música Rose, Stinson, Reed, Finck, Tobias.

Em ritmo crescente de instrumental e abusando do melodrama natural de sua voz, Axl recebe a ajuda do piano de Dizzy Reed e das guitarras de Paul Tobias para criar uma balada-rock teatral e agridoce como sua letra de lamentação de desilusão. Se é para alguém da ex-banda ou uma simples composição romântica, a interpretação é toda sua. O fato é que a interação entre guitarra e piano é harmoniosa e o resultado é uma canção que deixa um sorriso no rosto.

This I Love Letra Rose. Música Rose.

O que há de tão errado em ser previsível? Com Axl ao piano e sem pressa em mostrar peso ou apoteose, essa penúltima faixa do disco é um prato cheio para os românticos com sua letra deslavadamente trágica e interpretação alguns níveis acima de simplesmente pessoal. Grandiosa sem precisar de muito para o ser e contando com o talento do trilheiro Marco Beltrami em um arranjo de orquestra inspirado, aqui a equação funciona muito bem, obrigado.

As derrapadas:

Shlacker’s Revenge Letra Rose. Música Rose, Caroll, Constanzo, Mantia, Scaturro, Finck.

Feita como se fosse a colagem de pelo menos três canções completamente diferentes, mas igualmente promissoras, acabamos mesmo ficando com uma que sofre graves distúrbios de personalidade. Com versos sombrios, instrumental de púria fúria rocker à la Appetite e um refrão contagiante que remete ao rock dos anos 1980, essa segunda faixa é rápida e rasteira, mas tem viradas de mais para substância de menos.

Catcher in the Rye Letra Rose. Música Rose, Tobias, Finck, Reed, Stinson.

Com a letra em uma estranha e rocambolesca narrativa reflexiva e um ritmo vacilante, Axl não pode fazer muito no vocal, dependendo do talento de Paul Tobias nas guitarras e do tecladista Dizzy Reed (o único remanescente da era Use Your Illusion da banda), que até solo ganha no meio do pretenso épico. Mas a canção carece de coerência e comedimento para fazer jus a própria mensagem. Enfim, tudo está no lugar, mas o todo simplesmente não funciona.

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You close your eyes/ As well and good/ I’ll kick your ass like I said that I would/ You tell them stories they rather believe/ Use and confuse them/ They’re dumb and naive/ The truth is the truth hurts, don’t you agree?

It’s harder to live with the truths about you/Than to live with the lies about me”

(Axl Rose em “Sorry”)

26 de mar. de 2010

Tim Burton – Doce monstruosidade

Perfil (nunk excl)Perfil Tim Burton 1

Tim Burton é um doce. Simpáticíssimo em entrevistas, um dos artistas mais despojados da terra do cinema atual, fala mansa, personalidade marcante, ele só arranja briga mesmo quando precisa defender sua visão do projeto que está tocando. Aí a vítima preferencial, é claro, são os executivos de terno que vivem querendo que o diretor “popularize” seu estilo. Claro, ele e os fãs sabem muito bem que tentar fazê-lo seria trair uma mitologia, um universo, que começou a ser criado vinte, trinta anos atrás, antes mesmo de Timothy William Burton encurtar o nome de batismo para se tornar um dos artistas mais celebrados, marcantes e completos do cinema moderno. Cineasta, ilustrador, poeta, pintor e fotógrafo, o californiano da cidade suburbana de Burbank foi um dos poucos no século XX que conseguiu conciliar estilo próprio e apelo universal. Não que tenha sido fácil, é claro, o que só faz de tal proeza (e do realizador dela) algo ainda mais notável.

Assumidamente um ousider na infância passada no ensolarado subúrbio californiano, o diretor cresceu absorvendo as estranhezas dos filmes de terror da celebrada produtora Hammer, e não demorou para desenvolver uma estranha identificação com monstros, tantas vezes mais humanos que nós mesmos, marcas registradas em sua filmografia. “Monstros são definitivamente minha paixão. Sempre gostei deles, mesmo quando criança. Me sentia próximo deles: nas margens da sociedade. Além do mais, sempre tive uma queda por outsiders, por aqueles que pensamos que são malignos e, no final, não o são de forma alguma”. Tudo bem, talvez Tim Burton seja mesmo um monstro, então. Por baixo de todo o revestimento de estranheza, referências sombrias e estilo dark, está um eterno romântico que se apaixonou perdidamente pelo menos duas vezes e que, quando resolveu colocar-se em um alter-ego cinematográfico, o fez com o doce, estranho e injustiçado protagonista título de Edward Mãos-de-Tesoura, até hoje seu filme mais pessoal (e também o melhor, se levar a opinião dos fãs em consideração). E, claro, o começo de uma lôngeva parceria com Johnny Depp, um ator tão talentoso, celebrado e estranho quanto o amigo diretor.

A verdade é que, pessoal ou não, Burton veio desenhando um crescente de maturidade em sua carreira. Dos encantadores devaneios em forma de stop-motion e poesia que formam Vincent, seu primeiro curta-metragem (uma homenagem deliciosa ao ídolo Vincent Price, que dubla o curta e ainda fez de Edward um de seus últimos filmes antes de morrer), até os delírios visuais e a mistura estranha entre morbidez e humor que o musical Sweeney Todd empreendeu dois anos atrás para encarntar público e crítica, consagrar a parceria Depp-Burton e conceder ao diretor sua primeira indicação ao Globo de Ouro de Melhor Direção, muitas águas rolaram. E Burton mostrou que sabe aprender tanto com mega-fracassos de ambição (e elenco) inflamados - Marte Ataca! – quanto com a aprovação simultânea de crítica e público, gosto que ele experimentou diversas vezes em sua carreira. Enfim, Burton se mostrou, acima de tudo um artista tão adaptável quanto inflexível em seu estilo de fazer filmes (e lidar com os problemas inerentes de tal atividade).

A expectativa agora é em torno do vindouro Alice no País das Maravilhas, visão do diretor sobre a obra de Lewis Caroll, imortalizada pela Disney em uma animação de 1951. O filme novo do diretor, mais uma vez estrelado pelo amigo Johnny Depp (aqui no excitante papel do Chapeleiro Maluco), chega ao Brasil em 16 de Abril já com uma gigantesca expectativa pesando sobre seus ombros. Resta saber se Burton vai ser capaz de sobrepujá-la. Passado para isso ele tem. E futuro também. Não casado, mas “agregado” com a atriz Helena Bonham-Carter (que desde Planeta dos Macacos, polêmico remake do clássico da década de 1970 que Burton rodou em 2001, bate ponto em todos os filmes do companheiro), morando longe de Hollywood e pai de dois filhos (os pimpolhos até inspiraram um filme todo, o maravilhoso Peixe Grande), Burton teve a honra de ser convidado a tomar a presidência do júri do próximo Festival de Cannes, que começa em 12 de Maio. Ao que parece, esse é mesmo o momento de triunfo definitivo  para o garoto deslocado do subúrbio que encontrou seu lugar, veja só, justo nas colinas ensolaradas de Los Angeles.

Perfil Tim Burton 2Perfil Tim Burton 3

É a primeira vez que um artista com origens na animação vai presidir o júri. Um cineasta com um coração de ouro e mãos de prata, Tim Burton é primeiramente e acima de tudo um poeta. Ele é um mágico de deleites visuais que transforma a tela em um maravilhoso celeiro de fadas. Nós esperamos que sua doce loucura e seu humor gótico impregne a Croisette (famosa avenida a beira-mar de Cannes, onde desfilam, via de regra, os maiores astros presentes no evento), trazendo o Natal para todos nós. O Natal e o Halloween, é claro” (Gilles Jacob, presidente do Festival)

Depois de passar minha infância toda indo a sessões de cinema triplas e assistindo a maratonas de 48 horas só de filmes de terror, acho que finalmente estou pronto para isso. É uma grande honra e eu anseio para, com meus colegas jurados, assistir alguns ótimos filmes de todos os cantos do mundo. Quando você pensa em Cannes, você pensa em cinema universal. E como filmes sempre foram como sonhos para mim, esse é um que se realiza” (Tim Burton, aceitando o honroso convite)

22 de mar. de 2010

Vingança entre Assassinos (The Tournament, 2009)

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Há mais coisas entre o céu e a terra do que supõe nossa vã filosofia, diria Shakespeare. Não que estejamos aqui analisando um material retirado das obras do bardo inglês, tampouco uma narrativa digna de sua eloqüência e criatividade, mas é fato que a afirmação de Hamlet na peça homônima do autor mais célebre do século passado produziu e ainda produz muito efeito sobre o subconsciente humano. Afinal, qual não é o charme de James Bond a não ser o segredo, a suposta discrição necessária para se manter incógnito sobre uma chuva de inimigos e balas em um submundo que nossa mente rotineira acharia dificílimo de aceitar como real? O que não é a arte a não ser os sonhos mais loucos dessa tal vã filosofia que não cobre nem um pingo do enorme mar de segredos, conhecimentos e mistérios que guarda o nosso mundo? Talvez seja muita imprudência minha comparar Vingança Entre Assassinos com qualquer coisa que leve a marca de Shakespeare, mas não dá para negar que uma breve incursão em um mundo tão imaginário quanto real, constituinte da própria rotina do cinema como forma de ficção e expressão humana, é também uma imersão em tudo aquilo que não sonha nosso pensamento mais delirante. O mundo é assim, queridos. Cruel, seco... e delicioso.

Vingança Entre Assassinos não é uma obra-prima, e talvez nem mesmo mereça ser chamado de um bom filme de ação. Mas de uma forma estranha, com seus exageros, personagens caricatos e pretensão dramática que só funciona em uma parte do tempo, o filme consegue a proeza de divertir e chegar ao final sem decepcionar em nada do que promete. Temos cenas de ação impressionantes, um mosaico de personagens que vão da coloração primária para os sub-tons de interpretação com facilidade, um elenco que dá conta do recado e até mesmo um rouba-cenas que, a princípio, é um outsider na trama. Tudo com o toque de refinação inglês. Chega a ser impressionante como a própria atmosfera do filme relembra produções européias, achando sofisticação até nos momentos sangrentos e velozes que não faltam em Vingança Entre Assassinos. É divertido, tenso, intenso e ainda acerta, eventualmente, em um tom um pouco mais “sério” do que aparenta. Mesmo que a narrativa seja tão falha em sua dinâmica com o espectador e suas percepções quanto os piores momentos da Hollywood que prefere dar prioridade a estilo do que a narrativa. Aqui, a inversão não acontece. Uma pena que o lado privilegiado vem a ser também o mais fraco da contenda.

Escrito a seis mãos pelo trio Gary Young, Jonathan Frank e Nick Rowntree, o roteiro trabalha com idéias originais e personagens interessantes, mas não consegue dinamizar suas relações e tramas paralelas a contento. O resultado é uma narrativa atravancada, que perde tempo demais em algumas situações que causariam mais impacto como imediatas e nervosas. Aqui, como o “produto” esperado da equação é um filme de ação que passa por olhos e pensamento ao mesmo tempo, faria bem a Vingança Entre Assassinos uma levada mais objetiva de trama, que deixasse os personagens mostrarem a si mesmos em situações-limites, mais através de atos do que diálogos. Enfim, o trio confunde mesmo a famosa progressão “cada-coisa-a-seu-tempo” do cinema europeu com o tipo de andamento que é esperado de um filme de ação. As duas coisas postas juntas não funcionam muito bem, uma quase neutralizando a outra, ainda mais quando a exploração de personagens se deixa ocorrer em situações no limite entre o bizarro e o elegante, uma estranha oposição que está no cerne de Vingança Entre Assassinos. É um mundo sangrento, cruel e violento, mas é também o universo de apostadores, matadores de classe e seres humanos complexos. O trio, formado por um desconhecido e dois antigos parceiros do diretor, não tem a habilidade necessária para equilibrar as duas coisas.

Por falar no diretor, Scott Mann, é fácil observar sua falta de experiência com filmes dessa escala na câmera hesitante que permeia Vingança Entre Assassinos. Estreando em longas-metragens, ele realiza uma direção seca e exagerada que chega funcionar nas cenas de ação, especialmente pelo impacto visual e por seus cortes rápidos, que acham facilmente o limiar entre agilidade e histeria, mas não encontra seu ponto de equilíbrio para levar os outros momentos do filme. Especialmente na conclusão, escrita de maneira um tanto relaxada pelos roteiristas, Mann parece tão perdido entre personagens, personalidades e situações que o filme encontra sua imagem derradeira sem o impacto que era esperado. Uma pena quando ela pertence a um personagem como o Padre Jospeh MacAvoy (Robert Carlyle), um sacerdote em decadência, alcoólico, que é jogado em meio a um torneio de assassinos profissionais que acontece, em segredo, a cada sete anos. Vigiados pelo chefão Powers (Liam Cunningham) e por milionários que colocam seu dinheiro no competidor preferido, figuras como a chinesa Lai Lai Zhen (Kelly Hu), o desvairado Miles Slade (Ian Somerhalder) e o experiente Joshua Harlow (Ving Rhames) competem em uma mortal corrida por US$10 milhões de dólares. Quem sair vivo da batalha, é claro, leva o prêmio. Apesar dos dramas e particularidades de cada matador serem interessantes, é o Padre que ganha status de protagonista, provendo ao espectador a visão inocente e surpresa que é justamente a de quem conhece um mundo (ou um submundo?) novo, assustador e excitante.

Ainda bem, então, que o personagem mais cativante da trama ficou com o ator mais talentoso envolvido. Robert Carlyle, conhecido pelos ótimos trabalhos em Extermínio 2 e Eragon, entre outros, ganha aqui status de astro britânico e confere ao Padre o ar de decadência adorável que é o ponto certo do personagem. Com seu rosto fino e gestos desajeitados, ele é a figura perfeita para representar o outsider que vem para abalar as estruturas do torneio e torná-lo, assim digamos, mais imprevisível. Não é a toa que ele é também o personagem cujo dilema moral acompanhamos com mais avidez e atenção. Afinal, não é sempre que vemos um Padre precisando lidar com três dezenas de assasinos profissionais o perseguindo. Alguns honrados, é claro, outros nem tanto. Sua companheira de cena mais freqüente, Kelly Hu empresta a beleza que Lai Lai Zhen exige, mas não consegue encontrar a interpretação certa para a angústi

a que domina a personagem por boa parte do tempo. Pouco favorecida pelo roteiro, a personagem soa ainda mais apagada em cena quando ao lado de Carlyle e representada por Hu. Mais visceral, diventindo-se (e ao espectador), Ian Somerhalder arquiva mais um crédito memorável ao seu insuspeito talento. Lembrado pelo Boone de Lost e pelo papel na série The Vampire Diaries, o ator mostra excepcional habilidade em encarnar o típico lunático divertido dos filmes de ação. Personagem pouco usual para ele, que cai como uma luva em seu estilo de atuação. Por fim, Ving Rhames mostra que sabe ser sutil e não deixar a peteca cair nas cenas de ação mesmo aos 50 anos, mas não vai muito além disso e acaba fazendo de Harlow, no papel o personagem mais explorado do texto, em um coadjuvante pouco cativante.

No final de seus 95 minutos, a verdade é que Vingança Entre Assassinos cumpre a missão de mostrar que os “intelectualóides” ingleses também saber um filme de ação dos mais empolgantes. Uma pena, de fato, que eles insistam em se levar tão a sério. Guy Ritchie, sem dúvida, desaprovaria. Eu só digo para todos conferirem por si mesmos. Afinal, há mais coisas entre o escrito e o leitor do que supõem os mais vãos escritores.

Nota: 6,5

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Vingança entre Assassinos (The Tournament, Inglaterra, 2009)

Uma produção da Buzzfilms…

Dirigido por Scott Mann… 

Escrito por Gary Young, Jonathan Frank, Nick Rowntree…

Estrelando Robert Carlyle, Kelly Hu, Ian Somerhalder, Liam Cunnigham, Ving Rhames, Craig Conway…

95 minutos

19 de mar. de 2010

Simone, por Vinícius “V” Cortez

Conto (nunk excl) simone 1

Ela pisou a grama fresca da noite na serra. A caminhada fora dura e longa, para chegar tão alto; como se não lhe tivessem pesado nada as duas horas de trilha sem descanso, Simone soltou a minha mão e, sorrindo em espirais de perfume, começou a dançar. O hálito fresco da areia que dormia desmaiada após um dia de calor, como são os do interior do Nordeste, lavava aos poucos embora o meu cansaço, enquanto agitava para mim os cabelos negros e esvoaçantes da mulher que tinha comigo. Sentei numa pedra para ver os espetáculos sobrepostos entre si, postos sob o céu, o do pôr-do-sol e o da dança.

O que não tinha ali, minha imaginação criava: ampliava o sussurro fraco com que Simone acompanhava seus movimentos, ampliava-o numa voz forte, nítida, entoando uma canção do oriente, e, como essas terras chamadas Arábicas, quente e tristemente desolada.

À mão direita eu tinha ainda o vestígio luminoso do sol que se punha, acanhado no horizonte, e à minha mão esquerda estava a noite, a noite, e mais além a noite. As nuvens haviam sido espalhadas, estáticas, aqui e ali, de um lado negras sobre o fundo alaranjado, e do outro invisíveis na sua substância inconsistente. Simone veio mais perto e, no gracejo ritmado de um gesto de mão, longo de um segundo ou ainda menos, puxou a minha vida para o chão, com o que, levantando os meus olhos mais uma vez, era a noite, e só ela, que tinha diante de mim. Acima de nós os faróis das estrelas acenderam o seu brilho calmo, impassível, e abaixo, lá no povoado ao pé da serra, a cor era o amarelo dos postes, o branco das janelas e o vermelho das fogueiras rodeadas pela festa junina – os homens não param, quando o dia pára de brilhar.

E, olhando aquilo, o céu e a terra como que se comunicando, não pude evitar a sensação de que estávamos sendo observados por cada novo olho que se abria para nós -- discretamente, sobre nossas cabeças, como removido um véu nebuloso a um olhar distante, e sob o chão pisado, mais próximo, ligavam-se as luzes num momento de jogo: vejo-não-te-vejo. E não dissemos mais nada.

Foi a primeira vez que escutei uma canção composta inteiramente por silêncio.

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Eram cinco horas da manhã e o cortiço acordava, abrindo, não os olhos, mas a sua infinidade de portas e janelas. Um acordar alegre e farto de quem dormiu de uma assentada sete horas de chumbo. Como que se sentiam ainda na indolência de neblina as derradeiras notas da última guitarrada noite antecedente, dissolvendo-se à luz loura e tenra da aurora, que nem um suspiro de saudade perdido em terra alheia.”

(Aluísio Azevedo, em “O Cortiço”)

15 de mar. de 2010

Dominante, por Caio Coletti

Conto (nunk excl) dominante 1

Uma nova estrada se estendia a sua frente. Ele estava atrás do volante do novo carro reluzente de anos, décadas, séculos atrás. Em suas narinas ardia o cheiro do couro, o mesmo que ele aprendera a amar naquele tempo distante em que chamava algum lugar de “lar”. Mas diferente. Mais livre.

A verdade é que ele havia mudado. Seus olhos cor-de-mel brilhavam mais, sua pele era mais lisa sem as marcas de preocupação inútil que um dia ali moraram. Essas, idas já há muito, não teriam problemas em encontrar outro alguém atarefado para enfeiar. A rua estava cheia de devotos sofridos do tempo, reféns de sua própria e implacável passagem. Não mais ele, não agora.

E o mundo mudara com ele. Ou talvez fossem apenas seus olhos. Porque, antes, estava envolto em escuridão, voltado para si mesmo, e não enxergaria nem mesmo com um holofote a sua frente, se alguém sequer se dispusesse a colocá-lo lá. Porque, por muito tempo, ele estivera ocupado demais para fazê-lo.

Agora, no entanto, via. O escondido, o oculto e o além dos limites, nada disso existia mais para ele. O mundo não mais lhe inspirava medo, e sim fascinação. Era agora como um novato em uma enorme arena, que enfrentava o adversário com coragem, inteligência e um novo frescor a cada golpe. A cada queda. Cada derrota só o fazia querer mais e mais a vitória. Ele sabia, agora sabia, que um dia a alcançaria. E nesse dia seria com uma mão estendida ao inimigo caído que ele responderia aos golpes de outrora.

E com um sorriso.

Aquele mesmo, que lhe iluminava o rosto jovem enquanto ele encarava a imensa e tortuosa estrada a sua frente. Assim, no volante do carro que era sua máquina do tempo apontada diretamente para o futuro, ele encarou o desconhecido olho a olho... E sorriu. Com a boca, com os olhos, com o coração. Com a alma.

Tomou sua decisão.

Deu a partida.

Pisou no acelerador.

E a estrada voou embaixo dele, deixando-se vencer por sua força.

dominante 2 dominante 3

E à viva crepitação da música baiana calaram-se as melancólicas toadas de além-mar. Assim à refulgete loz dos trópicos amortece a fresca e doce claridade da Europa, como se o próprio sol americano, vermelho e embraseado, viesse, na sua luxúria de sultão, beber a lágrima medrosa da decaída rainha dos mares velhos”

(Aluísio Azevedo, em O Cortiço)

P.S.: A partir de hoje, nas semanas de ficção, essa finalização será feita com um trecho do livro que ocupa minhas horas livres no momento.

13 de mar. de 2010

Galeria: Os diretores e suas musas

variedades (nunc excl) Diretores e musas 1

Tim Burton & Helena Bonham-Carter

A foto: Ele a drige nos sets de Peixe Grande, a fábula que realizou para os dois filhos tidos com ela, aqui caracterizada como a versão mais velha de seu personagem, Jenny, uma antiga paixão do protagonista Ed Bloom, vivido por Ewan McGregor. Peixe Grande foi o segundo título da dupla.

A química: O ano era 2001, a pressão sobre Tim era imensa enquanto ele finalizava Planeta dos Macacos, seu projeto mais ousado e polêmico até então. Recém-separado de sua mulher de nove anos Lisa Marie, o diretor caiu de amores por essa atriz coadjuvante que havia se destacado em Clube da Luta e agora entregava a melhor performance debaixo-de-maquiagem do cinema moderno. O nome dela: Helena Bonham-Carter. Foi o começo de uma relação dentro e fora das telas que dura até hoje, muito embora Tim não tenha aceitado se casar novamente, preferindo construir uma relação aberta, vivida em casas separadas, ligadas por um corredor. Não foi impedimento para que o casal tivesse dois filhos (Billy-Ray e Nell) e tomasse o posto de dupla romântica mais adoravelmente estranha da terra do cinema.

Os filmes: O Planeta dos Macacos (2001), Peixe Grande e suas Histórias Maravilhosas(2003), A Fantástica Fábrica de Chocolate (2005), Sweeney Todd: O Barbeiro Demoníaco da Rua Fleet (2007) e Alice no País das Maravilhas (2010).

Diretores e musas 2

Baz Luhrmann & Nicole Kidman

A foto: No começo do ano passado a Vanity Fair reuniu uma série de cineastas, astros e estrelas de filmes com indicações ao Oscar 2009. Embora tenha sido lembrado em apenas uma categoria (Melhor Figurino), Autrália e a pose teatral de Nicole e Luhrmann mereceram seu lugar de honra.

A química: Coincidência ou não, o ano também era 2001 quando o mundo se dividiu por causa de Moulin Rouge!, a primeira investida da dupla. Mas parece que a filmagem do musical não foi menos atribulada que sua recepção: no primeiro dia de filmagem o diretor Luhrmann perdeu o pai, enquanto Kidman viu seu casamento com Tom Cruise desmoronar. Corta para 2008, com a dupla se reunindo para o igualmente divisor de opiniões Autrália, pretenso grande épico da terra dos cangurus que naufragou comercial e criticamente (se foi merecido é outra história). Último dia de filmagem, a personagem de Nicole em cena de desabafo, dizendo que não era capaz de ter filhos. A grande ironia: na noite passada, a estrela havia se descoberto grávida. Ou ao menos é essa a história que Baz e Nicole contam, dizendo que fizeram um “voto para nunca mais trabalhar juntos”, já que “não podem passar por tantas experiências transformadoras na vida”. Vamos ver quanto tempo a promessa vai durar.

Os filmes: Moulin Rouge! – Amor em Vermelho (2001) e Austrália (2008).

Diretores e musas 3

Quentin Tarantino & Uma Thurman

A foto: A edição de 2005 do Cannes Film Festival reuniu diretor e musa para uma sessão de fotos a propósito da promoção de Kill Bill Volume 2, lançado no ano anterior. O 58º ano do festival, não por acaso, teve a apresentação de Sin City, filme de Robert Rodriguez, amigo pessoal do diretor.

A química: Ela já se disse uma “espécie de catálogo” para as idéias metralhadas pela mente do diretor, os dois já dividiram um crédito de roteiro (a criação da personagem A Noiva, protagonista de Kill Bill, é também obra de Uma), e ele já declarou que ela era “sua musa”. Apesar dos boatos sempre maldosos da imprensa sensacionalista, os dois são mesmo muito amigos, e só. Mesmo porque, em boa parte dos dez anos entre 1994, data de Pulp Fiction, e 2004, de Kill Bill Volume 2, a atriz esteve casada com o astro Ethan Kawke, pai de seus dois filhos, um deles responsável pelo adiamento das filmagens da primeira parte da saga de vingança de Tarantino. Separada em 2004, quando a obra mais ambiciosa da dupla ainda repercutia pelo mundo, Thurman descreve a relação com o diretor como “complicada”. Segundo ela, os dois são pólos opostos que, veja só, se entendem muito bem na hora de preencher uma folha em branco. Coisas da vida.

Os filmes: Pulp Fiction (1994), Kill Bill Volume 1 (2003) e Kill Bill Volume 2 (2004).

LANZAROTE

A foto: Momento emocional no set de Abraços Partidos, a mais recente obra da dupla. No filme, um melodrama de ritmo lento e verniz autoral, Penélope aparece apenas em flashbacks, trazendo cor e luz para um esperto “filme dentro do filme”, curiosamente melhor que a trama principal.

A química: “Ele mudou minha forma de ver o mundo ao meu redor antes mesmo que eu o conhecesse”. Assim a belíssima Penélope Cruz define seu relacionamento com o diretor Pedro Almodóvar, que a comandou por quatro vezes desde 1997, em Carne Trêmula. Ela era fã de filmes como Ata-me!, da fase de ouro do diretor, quando viu seu mundo virar de cabeça para baixo após a participação no polêmico Jamón Jamón, de Bigas Luna. O dia em que a mãe a chamou dizendo que “Pedro Almodóvar estava no telefone” marcou o ponto de partida na relação de aluna-mestre que os dois tem até hoje, vinte anos depois. Só que agora, claro, a presença de Pedro na carreira de Penélope é tão importante quanto o inverso. Ele dá a ela os papéis a sua altura, tirando o  melhor de sua presença lânguida e seus olhos reflexivos, e ela dá a ele mais cobertura de imprensa, mais atenção do público… enfim, mais buzz. Até nua ela já topou filmar sob a batuta de Almodóvar, no recente Abraços Partidos, que concorreu a Palma de Ouro de Cannes 2009.

Os filmes: Carne Trêmula (1997), Tudo Sobre Minha Mãe (1999), Volver (2006) e Abraços Partidos (2009).

Diretores e musas 6Diretores e musas 5

Fico grato quando chamam Scarlett de minha musa, mas não é verdade. Com Diane era diferente. Fizermos oito ou nove filmes juntos e tivemos uma ligação especial. Mas eu gosto de trabalhar com Scarlett” (Woody Allen esclarece as coisas)

Os maneirismos de Woody e sua esperteza são clássicos. Mas quando se conhece alguém, sua conversa ganha uma intimidade que você não podia prever ao vê-lo em uma tela. Woody my surpreende o tempo todo. No filme, você vê o seu lado neurótico, mas não o sensível” (Scarlett Johansson sauda Allen, o “homem sensível”)

Claro que eu reconheço a mim mesmo nos papéis que ele escreveu. Quer dizer, ‘Annie Hall’ principalmente. Eu era essa espécie de noviça que tinha muitos sentimentos mas não sabia como se expressar, e eu vejo isso em Annie. Eu penso que Woody usou um tipo de qualidade essencial que ele via em mim naquela época, e eu fico feliz porque funcionou perfeitamente naquele filme” (Diane Keaton analisa “Annie Hall”)

8 de mar. de 2010

E o vencedor é…

variedades (nunc excl)Post do Oscar (1)

Foi de goleada. Com seis estatuetas contra três, Guerra ao Terror se tornou o grande vencedor da noite e selou o Oscar 2010 como um momento de inovação e definição para os rumos do cinema do futuro. Ou não. Tudo vai depender do quanto o gostinho do ouro da Academia ainda consegue falar alto com os executivos da terra do cinema. A bem da verdade, era como Davi contra Golias. Custando modestos 11 milhões de dólares, sem grandes astros no elenco principal e comandado por uma diretora que andava com pouca moral nos últimos tempos, Guerra ao Terror era o mais humilde guerreiro, colocado frente a frente ao gigantesco (em todos os sentidos) Avatar. O filme dos recordes: o mais caro, o mais visto, o mais lucrativo e o mais revolucionário da história do cinema. Mas nem sempre o filme mais importante é o melhor, e ouso dizer que foi uma jogada de mestre da Academia ceder a Guerra ao Terror, uma obra pequena mas de grandes mensagens e fundamental importância moral, o título, que era seu, de Melhor Filme do ano. E não foi só isso.

Em pleno dia internacional das mulheres, Kathryn Bigelow parecia prestes a desmaiar no palco ao receber a estatueta de Melhor Direção, batendo o ex-marido James Cameron, mais seus asseclas Quentin Tarantino, Jason Reitman e Lee Daniels, e se tornando a primeira mulher a levar o prêmio da categoria. Ainda bonita do alto de seus 58 anos, a diretora de filmes díspares como Caçadores de Emoção e K-19: The Widowmaker, mostrou que mulher também tem pulso para comandar adrenalina, e quebrou preconceitos no Oscar não apenas com sua vitória, mas também ao colocar um filme fundamentalmente de ação no topo da lista dos mais premiados. Tinha que ser a sutileza feminina. E não foi a toa que ela parecia eufórica demais para sequer articular uma palavra quando teve de voltar direto dos bastidores para receber outro troféu, esse de Melhor Filme ao lado dos produtores, do escritor Mark Boal, e do elenco do filme. Apesar do discurso vacilante da diretora (a gente entende, é a emoção), não houve momento mais arrepiante na cerimônia do que o “está na hora” de Barbra Streisand ao apresentar Melhor Direção. Estava, mesmo, na hora.

Por falar em Jim Cameron, ele não pareceu ter perdido a esportiva no decorrer da premiação, mesmo que seu filme tenha sido deixado muito mais de lado do que era esperado. Ainda bem. Era noite de festa, afinal, e Avatar levou os prêmios que merecia: Melhor Fotografia ficou com Mauro Fiore e seu trabalho luminoso, a equipe de Efeitos Especiais recebeu sua recompensa pelo trabalho mais do que suado, e o criativo desempenho de Rick Carter, Robert Stromberg e Kim Sinclair foi reconhecido com o prêmio de Direção de Arte & Cenários. Pouco, é verdade, para o que apontava a expectativa em torno do primeiro filme do “rei do mundo” em treze anos, e também um tanto injusto com a qualidade do filme, mas serve como prêmio de consolação ofuscado pelos holofotes todos nos soldados de Guerra ao Terror. Do que o próprio Cameron chamou de melhor roteiro da história, então, nem sombra.

Mesmo porque as categorias de escritas foram bem distribuídas. Mark Boal levou Roteiro Original por seu trabalho vital em Guerra ao Terror, para somar uma das seis vitórias do filme e deixar Quentin Tarantino se contendo em sua cadeira, enquanto a categoria Roteiro Adaptado ficou com Geoffrey Fletcher e sua adequação da novela Push, da estreante Sapphire, no filme Preciosa. Indie até a medula, aliás, o filme de Lee Daniels rendeu ainda mais uma das unanimidades da noite: Mo’nique, que venceu seu 27º prêmio de Atriz Coadjuvante no ano pelo papel da mãe egoísta e violenta de Precious, a personagem-título. Em um discurso emocionado e forte, a atriz cômica que encarou seu primeiro papel mais denso no filme de Daniels prabenizou a Academia por prezar “a performance acima da política” e agradeceu ao marido, “por mostrar-me que as vezes é preciso deixar de fazer o que é popular para fazer o que é certo”. Mais uma mulher forte e talentosa que mostrou suas garras no palco do Oscar 2010.

Apesar de toda a contundência de Mo’nique, porém, o posto de discurso mais simpático fica com Sandra Bullock, que venceu em Melhor Atriz apenas um dia depois de subir ao palco do Framboesa de Ouro. Como A Proposta foi parar na lista dos piores do ano, só os organizadores do Razzie vão explicar, mas é fato que a atriz merecia algum reconhecimento há algum tempo. Lentamente saindo de seu verniz de “estrela de comédia romântica” e aceitando papéis mais diversos, Sandra fez da Leigh Ann Tuohy durona e severa uma das personagens mais cativantes e brilhantemente interpretadas de nossa década. Modesta como sempre, ela começou perguntando: “realmente mereço isso ou eu enganei todos vocês?”. Acho que não, Sandra. Mesmo porque seria impossível realizar isso com ela no palco, agradecendo a sua “amante Meryl Streep” (em referência ao beijo que as duas compartilharam no palco do Critics Choice Awards) e dizendo que Carey Mulligan é tão “bonita, jovem, elegante e talentosa que me dá enjôo”.

Nem de longe tão longa e tediosa quanto a fala de Jeff Bridges, que venceu como Melhor Ator, subiu ao palco, agradeceu a Deus e o mundo, exigiu que cada membro da equipe de Coração Louco se levantasse da platéia e citou “mamãe e papai”, em referência ao ator Lloyd Bridges e sua influente esposa socialite Dorothy Dean. Tudo sem arriscar ser cortado pelo maestro do show, que deve ter recebido recomendações de “não interromper o chefe”. Dorothy, aliás, que morreu em 16 de Fevereiro último, foi uma de duas ausências sentidas no emocionante (como sempre) clipe de homenagem aos falecidos ligados ao ramo do cinema. Mas ainda é de se entender que ela, que atuou em meia dezena de filmes, tenha ficado de fora. Muito mais grave foi o esquecimento de Farrah Fawcett, que ficou famosa como uma das agentes da série As Panteras mas fez longa filmografia no cinema, incluindo o polêmico O Apóstolo e o mais recente Dr. T e As Mulheres, sob o comando de Robert Altman. Erros à parte, a homenagem contou com James Taylor entoando “My Life”, de John Lennon, para o desfile de fotos, cenas e diálogos que incluiu Patrick Swayze, David Carradine, Brittany Murphy, Michael Jackson e o cineasta Eric Rohmer.

Em clima mais leve, a cerimônia começou com Christoph Waltz subindo ao palco para receber sua esperada e merecidíssima estatueta de Melhor Ator Coadjuvante pelo desempenho inesquecível como o Coronel Hans Landa em Bastardos Inglórios. Sempre extremamente agradecido a seu diretor na empreitada, Quentin Tarantino, o ator finalizou o discurso com um simpático “eu sei que nunca poderei te agradecer o bastante, mas posso começar agora: obrigado”. Clichê, mas nunca deixa de ser eficiente. Ainda mais quando Waltz saiu direto do semi-anonimato para a pose de astro tardio, embarcando em projetos cool como o vindouro Besouro Verde. Resta esperar para saber se ele consegue superar o estigma de um personagem como Landa. Talento para isso ele já mostrou ter.

Assim definido em um clima muito mais descontraído, o Oscar 2010 pode não ter sido a entrega mais bem-produzida, luxuosa ou suntuosa da história da Academia, mas funcionou a perfeição no palco, especialmente na dinâmica entre a genial dupla de apresentadores. Steve Martin e Alec Baldwin soltaram piadas o tempo todo, brincaram com o tempo estourado do show e ainda foram os responsáveis pelo melhor momento da noite: uma paródia de Atividade Paranormal, onde os dois aparecem dividindo um quarto de hotel por uma noite, contorcendo-se e estapeando-se no contexto de suspense do filme. Tudo para introduzir uma bem-vinda homenagem aos filmes de terror, que começou com cenas de Tubarão, passou por Psicose, O Bebê de Rosemary, Pânico, O Iluminado… e Crepúsculo? Só se for por causa dos apresentadores do clip: os lindos e jovens Taylor Lautner e Kristen Stewart, protagonistas da série.

Momentos memoráveis, de fato, não faltaram com Steve e Alec. O primeiro, mais acostumado a sediar a cerimônia, “exterminou” os animais virtuais de Avatar com um frasco de veneno que não existia, logo no começo da festa. O segundo, estreante de peso com gabarito em comédia (quem vê 30 Rock sabe do que eu estou falando), encerrou tudo com chave de ouro dizendo que “a festa foi tão além do horário que Avatar é nesse momento um filme de época”. Meia hora de atraso, o que fez Barbra Streisand e Tom Hanks apresentarem na correria os prêmios principais da noite. Mas nem pareceu. Noite boa é assim: quando a gente percebe, tudo acabou. Sobram os parabéns, os beijos, as bajulações e o pós-festa. Isso, é claro, para eles. Para nós, bem… nós sempre teremos os filmes.

Post do Oscar (3)Post do Oscar (2)

Eu não sei o que dizer. Esse é para todo mundo que trabalha em um sonho todos os dias – garotos e garotas preciosas ao redor do mundo. Todo o elenco e a equipe, todos que continuaram acreditando em mim. Meus dois irmãos, que me apoiaram de todas as formas – meus modelos, heróis, Buddy e Todd. Minha mãe Betty, anjo do meu mundo. Meu pai Alfants, você passou tanto tempo conosco e nos ensinou tudo. Me desculpem se estou em um branco agora. Eu agradeço a todo mundo” (Geoffrey Fletcher abre caminho como o primeiro roteirista negro premiado)

Esse é mesmo… não tem outro jeito de descrever: é o grande momento da minha vida. Primeiramente, é tão extraordinário estar em companhia de meus colegas nominados, cineastas tão poderosos que me inspiraram e que eu tenho admirado, alguns, por décadas. E obrigado a cada membro da Academia. Esse é, de novo, o grande momento da minha vida. (…) E eu só queria agradecer a cada homem e mulher na exército que arriscam suas vidas em uma base diária no Iraque e no Afeganistão, e ao redor do mundo. E que eles voltem sãos e salvos. Obrigado” (Kathryn Bigelow quebra outro tabu, a primeira mulher premiada em Direção)

P.S.: A cobertura do Parada Obrigatória foi um sucesso, e uma delícia de se fazer! Por mim, estamos lá em todas as premiações!

P.S. 2: Uma dedicação especial as leitoras mulheres, e ainda mais especial as amigas blogueiras: Bones, Babi Leão, Nat Valarini, Cíntia Carvalho. Continuem com o trabalho brilhante, moças!

3 de mar. de 2010

Appetite for Destruction (1987)

álbuns (nunk excl)Appetite Guns (1)

***** (5/5)

21 de Julho de 1987. O maior hit do ano é “Livin’ on a Prayer” do Bon Jovi, o U2 acaba de dar seu primeiro passo rumo ao estrelado definitivo com o lançamento de The Joshua Tree, o lendário Bob Seger recebe sua estrela no Hollywood Walk of Fame, e Aretha Franklin se torna a primeira a primeira mulher a entrar para o Rock and Roll Hall of Fame. Nesse contexto meio mistro de estilos novos e antigos, surge nas lojas um disco que se pretende como um resgate das tradições do rock clássico, mas oscila entre estilos com elegância e personalidade própria. O público em geral, meio que desacostumado a receber uma grande novidade, naturalmente se perguntou: quem são esses caras que se colocam como caveiras na capa do disco? Esse era Appetite for Destruction e o nome dos caras meio malucos, como você deve saber, era Guns N Roses.

Histórico para metaleitos e críticos, fãs e entendidos, o disco de estréia da banda de Axl, Slash e companhia traz a energia e as influências que fazem da personalidade do Guns algo tão diferente de tudo a sua volta. É absorvendo tendências sem nunca sair de seu habitát que o grupo faz a receita do sucesso, sempre procurando surpreender na levada das músicas e na variedade instrumental que compõe suas melhores canções. É uma banda enérgica, selvagem, instintiva, e ainda assim exala premeditação e cuidado com os detalhes. Uma oposição punjante que se materializa a mais pura perfeição em Rocket Queen, a faixa final do álbum, sintetizadora de todas as influências e particularidades da banda. Para um álbum tão brilhante, um encerramento a altura. Não é sempre que se vê um trabalho tão perfeitamente casual e tão milimetricamente planejado.

Os hits:

Welcome to The Jungle Letra Rose. Música Slash, Rose, Stardlin, McKagan.

Ser a faixa de abertura de um disco de estréia histórico é uma responsabilidade e tanto, mas a canção composta por Axl na ocasião de sua chegada a Seattle ao lado de Slash tira o título de letra. Selvagem, rápida, pesada, criativa e explosiva, a música abre com energia e excelência um disco tão brilhantemente casual quanto cuidadosamente premedidato. Uma selva, sim (a canção é puro rock n’ roll com a estréia da guitarra sempre inesperada de Slash), mas uma bem ordenada.

Nightrain Letra McKagan, Rose. Música Stradlin, McKagan, Rose, Slash.

Pode não parecer, mais o Guns é cria dos 1980 e deixa o contexto em que cresceu a mostra nessa excelente quarta faixa do álbum, que empresa muito da sonoridade típica do rock oitentista para as guitarras que permeiam o contagiante refrão. A letra, nascida de uma noite de farra da banda, regada a “Night Train”, não é nenhum primor, mas a música ganha pontos por destacar o trabalho de Slash, do baterista Steven Adler, e de dar nova dimensão a voz de alto alcance de Axl.

Paradise City Letra Rose, McKagan. Música McKagan, Slash, Rose, Stardlin.

O hino de metal perfeito. Apesar de toda a fama de “Welcome to The Jungle”, a verdade é que tal título pertence mesmo a essa sexta faixa do álbum de estréia da banda, muito mais equilibrada e “temperada” que a que abre a setlist de Appetite. Usando de sintetizadores para criar um refrão contagiante e destilando veneno crítico na letra cheia de controvérsias sobre a corrupção da San Francisco oitentista, a banda brilha como o grupo de músicos completos e talentosos que são.

Sweet Child O’ Mine Letra Rose. Música Rose, Slash, Stradlin.

Gostar de música é uma coisa, ser músico é outra completamente diferente. Composta em cinco minutos e marcada por um riff que Slash usava como “brincadeira” nas sessões de aquecimento, a nona faixa do disco mostra sinceridade e sofisticação, com Axl cantando sobre uma ex-namorada e a banda se divertindo com o instrumental mais inteligente do disco. Cinco minutos. Foi o bastante para criar uma canção que continua no inconsciente coletivo, mesmo vinte anos depois.

A outsider:

Think About You Letra Stradlin. Música Stradlin.

Fundador da banda ao lado de Axl, o guitarrista-base Izzy Stradlin compõe e assume o solo dessa pequena pérola descompromissada. Construída como uma balada-rock e ajeitada ao estilo particular da banda, a canção é uma delícia de se ouvir, com o ritmo alucinante mantido quase do início ao fim e a letra bem-contruída soando bem na voz de Axl. Não deixa de ser peculiar ouvir o Guns em suas primeiras investidas românticas. Sem deixar o rock n’ roll para trás, é claro.

A derrapada:

Mr. Brownstone Letra Stradlin. Música Stradlin, Slash.

Fazendo referência a dependência de drogas da banda (especialmente de Stradlin e Slash, os dois guitarristas), a letra esperta ganhou uma leitura mixada de rock e rap que viria a inspirar bandas como Red Hot Chilli Peppers e Rage Against the Machine. A virtuosidade instrumental da banda está aqui, mas o vocal de de Axl não consegue brilhar na estranha mistura e o clima meio descompromissado da melodia compromete a mensagem irônica da letra. Enfim, um descaminho.

Appetite Guns (2)

Your daddy works in porno/ Now that mommy’s not around/ She used to love her heroin/ But now she’s underground/ So you stay out late at night/ And do your coke for free/ Driving your friends crazy/ With your life’s insanity.

Well, well, well, you just can’t tell/ Well, well, well, my Michelle”

(Axl Rose em “My Michelle”)