Review: Dirty Computer (álbum e filme)

Janelle Monáe cria a obra de arte do ano com um álbum visual espetacular - e que desafia descrições.

Os 15 melhores álbuns de 2017

Drake, Lorde e Goldfrapp são apenas três dos artistas que chegaram arrasando na nossa lista.

Review: Me Chame Pelo Seu Nome

Luca Guadagnino cria o filme mais sensual (e importante) do ano.

Review: Lady Bird: A Hora de Voar

Mais uma obra-prima da roteirista mais talentosa da nossa década.

Review: Liga da Justiça

É verdade: o novo filme da DC seria melhor se não tivesse uma Warner (e um Joss Whedon) no caminho.

31 de jan. de 2012

Moda: Divas indie/pop – Marina & The Diamonds

gabi semana de moda

Esse mês a proposta que eu recebi pra coluna foi MARAVILHOSA, pois mescla dois assuntos que eu amo e que, claro, se encontram e muito durante a história: MODA E MÚSICA!

A música sempre influenciou a moda e muito, afinal podemos reconhecer e conhecer muito do gênero musical que uma pessoa aprecia, de acordo com sua vestimenta, não é mesmo?

Mas esse mês temos um estilo músical e estilístico próprio para discutir: o Indie.

Indie pra quem não sabe é abreviação de independent (independente em português) e se aplica a músicos que ainda não tem contrato com gravadoras e etc.

Coincidentemente esses artistas são reconhecidos por um gênero musical muito similar, com batidas simples (uma bossa nova meio rock) e vozes doces (em geral femininas) no vocal. O indie passou então a ser um gênero musical.

Para personificar o indie e seu estilo fui sorteada com a diva Marina Diamandis mais conhecida como Marina and the Diamonds. A diva de voz doce e musicas capazes de trazer para os holofotes o universo quase ‘paralelo’ do indie, Marina personifica o estilo (de vestimenta) indie.

Blusas morcegas , e muuuuuita cintura alta (mas muita mesmo): Marina não deixa a desejar no estilo retrô. A diva usa e abusa do delineador, e dos olhos bem marcados , marca registradíssima de grandes nomes dos anos 70.

Aliás, as franjas e os colares brilhantes (marcas dos anos 70 também) não são dispensados do guarda–roupa da diva que promete ainda marcar muito seu nome na indústria da moda e da música.

Devo dizer que a voz doce e marcante, o batom vermelho e as franjas já me seduziram.

Quem não conhece o estilo da cantora é só correr no Google, que está RECHEADISSIMO de imagens desse estilo marcante.

Espero que tenham gostado. Até mês que vem, beijinhos.

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“I know exactly what I want and who I want to be/ I know exactly why I walk and talk like a machine/ I’m now becoming my own self-fulfilled prophecy/ Oh, oh no! Oh no! Oh no-oh!”

(Marina & The Diamonds em “Oh No!”)

28 de jan. de 2012

Do Silêncio (Partes III e IV de IV)

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por Caio Coletti

Parte III

Ela estava a sua frente, o rosto delicado em uma mistura de espanto e aborrecimento. Mas continuava linda. A pele branca, ao mesmo tempo frágil e radiante, reluzia aos raios de Sol que entravam delicadamente pela janela aberta logo atrás do robusto piano de cauda preto um pouco adiante da porta, no centro de uma sala quase vazia. Ainda em reforma, com toda a certeza. Ele simplesmente observou tudo por um tempo, as pernas bambeando um pouco pelo medo inevitável de quem há muito não vivia a experiência de confrontar-se com o mundo. Um mundo que estava a um abismo de distância daquele que ele construíra para si mesmo.

Seria hipocrisia dizer que o arrependimento não passou pela sua cabeça. Foi, de fato, seu primeiro pensamento: simplesmente dar alguma desculpa, virar as costas e se enfurnar no apartamento, onde era seguro. Estava quase virando o pé para a esquerda, para voltar pelo corredor sem nem mesmo se dar ao trabalho de dar qualquer satisfação quando a voz dela veio para desfazer sua intenção. O tom era meio debochado, quase displicente, e o sorriso frouxo no rosto mostrava que ela não estava nem mesmo se esforçando. E, ainda assim, o som lhe soava tão belo quanto a música do piano.

- Pois não, senhor?

Ele não sabia como se mantivera em pé, tamanho o choque que a voz lhe provocou nos ouvidos e na percepção. Precisou de tempo para juntar as palavras, lembrar-se de como produzir alguma coisa com as cordas vocais e responder com um tom meio rouco, inseguro, vacilante, quase como se incitasse novamente a fuga pelo corredor. Mas dessa vez ele não tinha intenção nenhuma de concretizar o impulso que piscava insistente em sua mente. Já havia se arriscado, descobrindo um novo mundo. Voltar atrás não era mais uma opção.

- Bom, sua... mãe, eu suponho... ela me convidou para o almoço alguns dias atrás. Resolvi aceitar o convite.

Ela observou-o por um instante, o cenho franzido e os olhos analisando-o de alto a baixo. Não sabia se estava com uma boa aparência, mas não se importava muito, tampouco. Bastava-se em observá-la. Os olhos azuis, claros e cristalinos, mexiam-se com a vivacidade da juventude e com o brilho de quem sabe demais para o tempo que está no mundo. O vestido branco, solto no corpo, revelava as pernas finas até as canelas, os ombros delicados meio escondidos pelos cabelos castanho-claros. A boca pequena, em forma de coração, de repente saiu da posição franzida em que estava para abrir um sorriso de cortesia. Um sorriso verdadeiramente encantador.

- Ah, o senhor é o vizinho aqui do lado! O senhor não sai muito, não é? – ele não respondeu, para não constatar o óbvio: achou que era uma pergunta retórica, mas aparentemente estava errado. Ela se mostrou um pouco constrangida. – Bom, entre! O senhor está meio adiantado, mas acho que logo minha mãe vai chegar, então posso trazer algo para o senhor beber. O que acha?

- Ah não, não é preciso – ele respondeu, apressado, abrindo também o seu sorriso. Estava começando a lembrar-se de como aquilo funcionava. Era quase instintivo, apesar de tudo. – Percebi que estava tocando piano antes de eu chegar. Se importa de continuar?

Ela pareceu assustada por um momento, de novo. Surpresa, talvez fosse essa a palavra certa. Não assustada. Não sentia medo dele, e talvez ele devesse agradecer por isso. Talvez ele devesse se contentar com isso. Mesmo que ele quisesse, e soubesse que queria, muito mais. Seus olhos não desgrudaram dela enquanto era conduzido para um assento do sofá marrom a um canto da sala quase sem mobília, e muito menos quando ela se dirigiu ao piano.

Sentou-se e olhou para ele, com um sorriso meio apagado. Pela concentração ou pela vergonha, ele quis saber. Não teve a coragem de perguntar. Talvez fosse mais um mal de viver naquele mundo barulhento, o constrangimento. Talvez o silêncio dele, na sala, a incomodasse. Não pensou em quebrá-lo, no entanto. Apenas esperou, o olhar eternamente paciente cravado no rosto dela, que fechou os olhos e respirou fundo, ajeitando a postura e as mãos sobre o instrumento.

E então começou. As notas doces que o fizeram acordar de um mundo de estagnação ecoaram novamente, as mesmas, mas diferentes. Agora, seus ouvidos não doíam. Eles agradeciam, massageados até pelas notas mais agudas, enquanto os olhos acompanhavam ávidos cada expressão da garota, cada movimento da sua mão, a forma como os pés prendiam-se firmes, quase tensos, ao chão. Não, não era medo. Não era incômodo, tampouco constrangimento. Era humanidade.

E era tudo o que ele precisava para dizer, ou melhor, pensar, porque quebrar aquele silêncio tão musical nunca fora uma possibilidade para ele, algo que nunca havia pensado antes: estava apaixonado.

Parte IV

Ele não sabia exatamente o que havia acontecido. Seus olhos doíam, agora, com a luz que entrava sabe-se lá por onde, e ele não ouvia mais nenhum murmúrio. Seu divino silêncio, que agora era tão terreno e real, de repente não era mais o bastante. Ele continuava sendo ele mesmo, mas o mundo ao redor dele tomara um curso que ele jamais poderia esperar, devoto experiente e vivente ingênuo que era. De uma hora para outra, a música que ela, o anjo que lhe tirara de um retiro agora impensável, a mulher por quem ele estava estupidamente apaixonado, parara de tocar.

Agora, não via mais o rosto dela. Apenas uma vaga sombra, de bordas desfocadas, que se estendia cautelosa a frente de seus olhos, recortada contra a luz ofuscante. Sabia que não era ela porque a luz que brilhava de algum lugar perto do rosto não era azul, mas puramente castanha, e a moldura negra que viria dos cabelos dela dava lugar ao loiro platinado que refletia mais ainda a luz do Sol. A mulher que tinha em frente a si era bonita, sim, ele podia reconhecer. Desejável, até, ele supunha. Mas não era ela. E foi esse fato que o fez abrir a boca, enfim.

- Onde... onde estou? – ele conseguiu murmurar, a voz mais falha e áspera do que nunca por baixo dos anos em silêncio.

- Você pergunta como se alguém tivesse a resposta – a mulher respondeu-o com o tom debochado de quem dispensa uma pergunta muito aquém do esperado. – Sério, mesmo? Você acaba de morrer e me pergunta onde está? Você, mais do que qualquer um, deveria saber.

E silêncio, mais silêncio. E menos luz, gradativamente, para que ele pudesse enfim observar mais e melhor o ambiente ao seu redor e a pessoa que se inseria nele ao seu lado. Era loura, sim, e estava debruçada sobre ele. Os olhos de contas o observavam, com cuidado, analíticos, intensamente castanhos. A pele era da cor tingida de quem passara muito tempo sob o Sol, o rosto aparentava uma idade indefinida, menor que a dele, maior que a da garota de quem se lembrava.

Ao redor dos dois, nada. E por mais que fosse difícil para sua mente saber disso, por mais que ela pudesse explodir a qualquer momento, o nada era o nada. Nenhum detalhe para ser descrito, nenhuma particularidade observável. Nada. Como ele sempre sonhara e como, agora, ele simplesmente não podia suportar. Um estranho, estúpido sonho o dele. Como se o nada fosse páreo para tudo o que ele deixasse de aproveitar do mundo lá fora.

- Bem, meu querido, cada um tem o que merece. Não somos do tipo que aceitamos renegociações, sabe? – a loura respondeu aos seus pensamentos, literalmente, e ajudou-o a levantar-se, puxando-o pela mão sem aparentar fazer força nenhuma. – Vamos, tenho que cumprir meu horário e minha função, que é te mostrar seu maravilhoso... Nada!

- Mas,como assim, nada? – ele teve o impulso de perguntar. Foi o bastante, como parecia ser naquele mundo. Ele percebeu isso e aproveitou para bombardear a loura de perguntas mentais. – E como eu morri? Por quê? O que houve comigo? Com ela?

- Quieto! – ela berrou mentalmente, e assumiu o tom de voz automático de quem fazia seu trabalho há muito tempo. – O nada é o que teus sonhos mais profundos tem pedido nos últimos decênios, e tudo o que fazemos é te dar o que você quer, depois de ter sido um ser humano exemplar em vida. Bem-vindo ao seu paraíso particular! Quanto aos detalhes de sua morte e o destino de quem ficou, recebi ordens expressas para não revelar nada ao senhor. Agora, me dê licença...

De novo, sem dizer uma palavra, ele transpôs toda a profusão de questões para a cabeça dela, em um estalo. Ele viu que ela ficou meio tonta, mas não entendeu sua própria ação, por um momento. Sempre quisera ser deixado sozinho, no silêncio. O nada deveria ser seu sonho. Porque agora, que ele o vivia, não era mais? Algo lhe acordara e, assim que estivera vivo, talvez pela primeira vez, o que quer que seja o havia ceifado da vida? Não parecia justo!

A loura, ouvindo tudo, fez cara de “eu avisei”, como se realmente houvesse avisado. E então os dois ficaram frente a frente, encarando o silêncio tanto material, ensurdecedor, quanto mental, quase impossível, e ao mesmo tempo esperado naquele vácuo total. Ela quebrou ambos, comunicando-se com a voz mais compreensiva que poderia armar.

- Não, não é justo, meu caro. Ninguém nunca te disse que seria, ou disse? Você escolheu se retirar da vida por tanto tempo que, assim que percebeu o erro que tinha cometido, acabou que a vida te matou. Não existem coincidências, existe muito pouco destino, e ele é tão maleável que nem mesmo para quem eu sirvo ele é claro. Como vocês, aí embaixo, nós só esperamos o momento chegar. Mas nós temos o direito de esperar. Vocês não. Nossa missão é dar a vocês o que vocês querem, e a missão de vocês é construir, conquistar, deixar clara essa vontade. E isso, meu amigo, foi o que você conquistou na sua vida.

- Nada? – ele perguntou, mentalmente, porque temia que a voz saísse embargada.

- Um belíssimo pedaço de nada, se você me permite – ela sorriu de lado. – Acho que eu posso deixar você mesmo explorá-lo a contento. Boa sorte.

E, então, a loura sumiu num farfalhar de vento, e ele foi deixado sozinho no nada. Eventualmente, ele viria a entender. Não lhe importava mais o que acontecia no mundo em que (não) vivera. De uma forma ou de outra, todos lá eram fortes o bastante (só ele não tinha sido) para conquistar sua própria noção de felicidade. Inclusive ela, a garota que tão brevemente amara, embora fosse tão difícil admiti-lo. Não era tão injusto, afinal. Ele, o fraco, se contentar com o nada que conquistara. Nem sempre há uma próxima chance. E ele não aproveitara nenhuma das que tivera.

Certo dia, foi demais para o pobre devoto do silêncio. Num impulso, como o ar que sopra de um lado a outro no planeta, ele decidiu simplesmente parar de estar com o nada: e então, tornou-se parte dele. Mesmo sabendo que nunca seria completo novamente.

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“I swallow the sound and it swallows me whole/ Till there’s nothing left inside my soul/ As empty as that beating drum/ But the sound has just begun” (Florence + The Machine em “Drumming Song”)

25 de jan. de 2012

Do Silêncio (Partes I e II de IV)

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por Caio Coletti

Parte I

Ele quase não podia suportar aquele som. Ainda que trancado dentro de casa, mesmo depois de tanto tempo tentando conviver com toda aquela balbúrdia de longe de suas fronteiras, cada bater de martelos lá fora era capaz de provocar-lhe um daqueles incômodos e doídos estalos no ouvido. Há muito tempo decidira não mais sair de casa, apenas se acomodar no seu canto, fugindo para o mais longe possível de um mundo selvagem que não sentiria falta dele. Tudo para escutar o silêncio. Sentir a paz, o raciocínio pulando de um lado para o outro sem influências externas, a mente aos poucos se esvaziando, o doce e pacífico vácuo aos poucos tomando conta de um momento de descanso que ele pretendia eterno.

Como era bom, estar em um lugar onde ele podia ser ele mesmo, sem restrições, e ainda se ver livre de uma sociedade que o levava para lugares onde ele não queria ir, onde os sons eram altos demais, as cores eram impactantes demais, a pressão era grande demais. Às vezes ele achava que não nascera para viver naquele mundo. Nas noites mais silenciosas, ele abria a janela e espiava as estrelas, pensando se lá, onde não havia ar para os humanos respirarem, o silencio ainda pairava. Podia pensar em si mesmo flutuando, livre da gravidade, de todo o resto, simplesmente pensando em nada. A mera possibilidade era capaz de desenhar-lhe um sorriso.

Mas não naquele dia. Trazido de volta a Terra pelo som da construção que se iniciara nas horas anteriores, ele agora via que, por mais que tentasse, estava preso e atarraxado àquele mundo barulhento. Nunca poderia fugir completamente, mesmo que desejasse voar para além das estrelas com toda a força do seu pensamento. A julgar pela altura em que os barulhos da construção chegavam aos seus ouvidos, algum vizinho de apartamento havia resolvido derrubar uma parede, ou algo do tipo. Nunca tivera queixas em relação a vizinhos, sempre discretos na medida que um ser humano comum é capaz de ser sem ofender a própria vaidade. Agora, porém, eles eram seu tormento.

Bem verdade, devia haver um motivo forte para criaturas tão pacíficas quanto aquelas que esporádica e gentilmente apareciam para lhe convidar a um almoço, ao que ele sempre respondia inventando algum compromisso, estarem de repente perturbando sua paz silenciosa para algum ato vil de construção. Qualquer que fosse a motivação por trás da barulheira, porém, ele começou a ficar realmente irritado depois de alguns dias de incessante movimento. Pensou em ligar para a portaria do prédio pedindo explicações, mas há tempos não tocava em um telefone. Não se atreveria, tampouco, a passar um passo além da soleira da porta. Se ali, dentro de sua zona de segurança, o som penetrava pelas paredes e fazia seus ouvidos doerem, o que seria dele quando estivesse de volta a selva lá fora? Não, o corredor não era seguro, para seu próprio bem.

Sua cabeça latejava a cada martelada no dia em que tudo pareceu acabado. Mais alguns sons estranhos, que ecoavam em seus ouvidos como um objeto grande sendo arrastado por um chão de madeira que rangia, e então silêncio. Sua paz voltara. Naquela noite, porém, ele não se sentiu seguro o suficiente para observar as estrelas. Talvez devesse esperar mais alguns dias para ter certeza de que era seguro se expor a qualquer elemento externo. Depois de tamanho tormento, então, ele preferia nem pensar em mover um dedo sequer para além da soleira da porta, dos limites daquela casa, seu santuário agora restaurado.

Naquela noite, ele dormiu bem. Mas não sonhou com suas estrelas. Algo estava vazio.

Parte II

Ele abriu os olhos, as pupilas vivamente castanhas, ainda não apagadas pelo tempo, se ajustando aos poucos a luz que entrava pelas frestas da janela mais uma vez fechada. Dois dias já haviam se passado desde que a movimentação no apartamento vizinho parara, e embora ele não tivesse ouvido mais nada que se fizesse notar de longe, prestara atenção o bastante para captar que a garota mais nova, provavelmente filha da boa senhora que sempre vinha a sua porta lhe convidar para o almoço, estava saindo com mais freqüência. Claro, seu instinto de curiosidade por qualquer coisa externa de seu pequeno mundo já estava irremediavelmente inativo há algum tempo.

Levantou-se, olhando cuidadoso pela fresta da janela e constatando, feliz, que o céu continuava limpo como no dia anterior. Não gostava do barulho que a chuva, por mais suave que fosse, fazia ao cair sobre o telhado do prédio. Observou por um instante a água que se acumulava entre suas mãos em forma de concha, saindo da torneira da pia do banheiro. Seus dedos pareciam tão fracos ali, diante do branco do mármore. Estava envelhecendo. Para a maioria dos seres humanos, isso seria motivo para repensar sua vida com, digamos, um prazo mais reduzido para acertar as coisas. Ele apenas levou a água ao rosto. Desperto, afastou as preocupações mundanas da cabeça e tentou apreciar o silêncio restaurado enquanto tomava seu café da manhã.

Porque deveria se preocupar, afinal? O que tinha para acertar? Quando deixara tudo para trás, seu objetivo era justamente que chegasse ao final da vida sem nenhum sonho irrealizado, nenhuma expectativa frustrada. Porque escolhera não sonhar, não planejar, a não ser quando o assunto era o seu divino silêncio. Poderia estar lá fora hoje, bem-sucedido (ou não), mas escolhera aquele rumo, consciente de que ele lhe levaria para um final de solidão. Ele só queria morrer em paz. Esse fora o seu propósito durante toda a vida. Sempre fizera sentido. Para ele, ao menos.

Por onde sua família andava, ele nem mesmo sabia. Lembrava-se da infância, da época em que era uma pessoa normal, não por escolha, mas por obrigação. Costumava ter nojo de si mesmo naquela época. Era apenas mais um. Em sua visão, não deveria ser assim, e quando se tornou (ou se julgou) experiente o bastante para fazer suas próprias escolhas, optou por fugir das amarguras, das emoções, das quedas e das feridas. Não fora tão mais sensato? Até hoje não entendia como tanta gente era capaz de ser feliz com tanta dor as afligindo. Aquele era o mundo delas, sombrio e escuro. Naquela casa, ele pedia paz, e construíra seu próprio mundo, iluminado... e vazio. Deliciosamente vazio.

Ele levava o pedaço de pão a boca quando aconteceu. Do nada, sem que ele nem mesmo percebesse ou pressentisse, seu silêncio sagrado foi quebrado pela segunda vez em tão pouco tempo. Dois toques, delicados e suaves, casualmente calculados, quase como se um fosse conseqüência do outro. Como a gota de orvalho caindo e a terra que se espalhava com seu impacto. Mais dois. E outros. Não havia um ritmo definido, apenas um passeio de toques rápidos, que ecoavam e não terminavam antes dos seguintes começarem. Era uma sinfonia.E, de repente, ele não estava mais incomodado que seu silêncio houvesse sido quebrado.

Aquele arranjo meio exato, meio caos, havia o tirado do estado de espírito que construíra para si mesmo. Toques mágicos de tons que se sobrepunham com elegância, enquanto ele, aturdido, parado em meio ao movimento de levar o pão a boca, escutava. E não importava se seus ouvidos davam pontadas. Era simplesmente lindo demais para ignorar. Ele se levantou e se aproximou. Pôde ouvir mais claramente, e percebeu que aquilo não era algo natural. Quase pôde ver os dedos cuidadosos e preocupados que deslizavam por aquelas teclas. Preto, branco, branco, preto. Alto, baixo, longo, curto. Pausa. E de volta outra vez. Ele não compreendia, mas admirava.

E aquilo, mais do que qualquer silêncio, fez-lo mexer-se. Pela primeira vez em tanto tempo que não conseguia se lembrar, sentia-se compulsivo para sair lá fora e descobrir como andavam as coisas. Porque sim, ele podia ver a pessoa por trás daquele som, e aos poucos o silêncio perdeu a graça. Ele ficava de cabeça baixa quando consigo mesmo, ouvidos alertas esperando pela próxima vez que aquela gentil criatura de quem ele nem mesmo conhecia o rosto se disporia a tocar novamente. Aos poucos, a memória do mundo lá fora que ele bloqueara retornou. Agora, o som tinha um nome: piano.

Certo dia, foi demais para o pobre devoto do silêncio. Levantou-se num impulso, e fez o que prometera a si mesmo nunca fazer: saiu. Talvez fosse melhor mesmo aceitar aquele velho e sempre renovado convite para o almoço.

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“Hold, hold your talk now/ And let them all listen to your silence/ No need to listen to yourself/ Or to anybody else” (The Ting Tings em “Silence”)

24 de jan. de 2012

Ab Aeterno

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texto por Caio Coletti
fotos por iJunior

(para quem não viu o texto ao qual este serve como continuação, Movimento, é só clicar aí)

Às vezes ela achava que acabava ali. Porque, o que mais haveria de vir? O respirar cinzento do trem, o peso frio do ar, a insustentável aspereza que, às vezes, era ser o que ela era. O tempo passou, e só o que ela sentia era o movimento, só o que ela via era o marrom do deserto pela janela, só o que ela TINHA era o vazio. Tudo o que ela conhecia além daquilo eram vislumbres do que não poderia ser real. É claro que ela sempre tivera a si mesma. Mas quem disse que ter a si mesma era o bastante?

Sem fechar os olhos, sem mover um músculo, sem ouvir os segundos, tantos já haviam batido, não foi de se surpreender que ela nem mesmo tivesse escutado quando a porta da sua cabine se abriu. O olhar vidrado ainda era o mesmo enquanto o homem de roupas muito vermelhas lhe chamava no tom mais fatigado do mundo: “Senhora, é a sua parada”. Contrariado, ele franziu as grossas sobrancelhas ruivas e entrou na cabine, chamando mais alto. Sem resposta. Milímetro por milímetro, como que por medo de quebrá-la, estender a mão e tocou-a, repetindo o chamado em tom mais urgente.

Entao, puf! Pó voando pelo ar, iluminado pelos raios de Sol. Tábuas rangendo na agourenta subida de um conto de terror. O cheio da cola que compôs um livro muito, muito antigo, raramente ou nunca aberto, redescoberto no fundo de todas as coisas que guardamos na gaveta. E, por toda essa odisséia, pela reclamação suja de um encanamento enferrujado, a água limpa e azul preencheu de novo aquelas íris apagadas. Um mero movimento. Um olhar. Ele a reconheceu, e ela passara a vida esperando por ele. Tanto tempo aguardando por aquele que também a esperava, numa daquelas paradas. Que tola fora. Era óbvio que aquele que deveria pertencê-la precisava estar junto a ela na viagem.

Sim, essa era a sua parada. Mas ela nunca pensara que não precisaria descer nela.

Enquanto isso, naquela estação empoeirada há tanto passada, em que aguardava a tanto tempo, ele, a pose cuidadosa e falsamente despreocupada, tomou a melhor e mais ousada decisão da sua vida: olhou ao redor.

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Ab Aeterno (‘da eternidade’): literalmente, ‘daquilo que dura para sempre’. De um tempo imemorial, desde o começo dos tempos ou de um tempo infinitamente remoto. Na teologia, frequentemente indica algo, como o universo, que foi criado fora do próprio tempo.

20 de jan. de 2012

Os cerimoniais de Florence Welch.

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por Caio Coletti

“Todas as gárgulas saíram para brincar”, canta a londrina Florence Welch no início de “Shake it Out”, segundo e até agora mais marcante single desse segundo álbum que ela e sua banda, o The Machine, contruíram juntos. Lungs e sua edição deluxe, Between Two Lungs, foram uma surpresa de vendas, e uma surpresa ainda maior na forma como caíram no gosto de uma geração que, indiscutivelmente, abraçou a música pop com todas as forças que tem. Estréia a parte, o verso que esse que vos fala escolheu para iniciar o parágrafo é o que parece melhor resumir o espírito de Ceremonials, lançado no final do ano passado e fortemente antecipado por fãs de música do mundo inteiro. Talvez tenha sido o peso da expectativa, mas a recepção dessa segunda aventura da banda em estúdio foi dividida entre críticas e elogios. Não que isso signifique alguma coisa. Ceremonials pode ser “grandioso demais”, “calculado demais”, ou até “cansativo”. Mas quem se importa, realmente, enquanto doze catarses consecutivas rolam por nossos ouvidos?

Welch nos inicia com “Only If For a Night”, a introdução ideal aos delírios musicais e líricos em que ela se empenha nesse Ceremonials, uma balada etérea que emerge de corais, órgãos e teclados para elevar ainda mais a performance vocal da inglesa. Aqui, Florence narra um encontro com um amante que ela compara a uma criatura dos seus sonhos. Um fantasma “tão prático”, tão concreto, quanto qualquer um que a cantora retrata nesse Ceremonials. Falando-se em fantasmas, a faixa mais assombrada do álbum é indiscutivelmente “Seven Devils”: melodia sóbria, interpretação surpreendentemente contida e corais que lembram uma invocação pagã. Não se trata de uma adoração, no entanto. A intenção aqui é reconhecer os “sete demônios”, acolhê-los, ser capaz de encará-los. É também uma das muitas provas da capacidade de interpretação de Florence atrás de um microfone nesse Ceremonials.

Só não é mais impressionante nesse sentido do que “Never Let Me Go”, talvez a melhor faixa do álbum. Difícil saber se isso acontece por causa da própria composição da faixa ou pela entrega da cantora, em uma performance que foge do alcance de adjetivos e é capaz de soar como um sussurro ao pé da orelha mesmo quando se eleva as alturas nas linhas finais. Seu “tão frio, mas tão doce” é declamado com essas mesmas qualidades: um suspiro potente, que soa como um vento gelado no rosto, mas um que carrega um perfume inebriante com ele. Outra forte candidata ao posto é “Heartlines”. A percussão claramente africana e a forma como o vocal de Florence combina sua habitual intensidade emocional com cantos que parecem saídos de tribos daquele continente fazem dela uma composição ao mesmo tempo extremamente criativa e recheada de potencial antêmico.

Para fechar a trinca de obras-primas há a própria “Shake it Out” e o que se ouve aqui é a percussão retumbante e o acompanhamento ininterrupto do órgão, mais alguns sutis toques de sons eletrônicos e os corais que fazem o cerne de Ceremonials. Ainda assim, com a voz gigantesca e a interpretação intensa sem se desculpar um segundo sequer por o ser, Florence faz da letra sobre “sacudir” os próprios demônios e “cortar fora” o próprio “coração desajeitado” uma libertação catártica e contagiante. A passagem para o último refrão, com os versos “What the hell/ I’m gonna let it happen to me” é de uma beleza harmônica de provocar arrepios.

Os outros dois singles não são tão libertadores, mas passam longe da incompetência. “What The Water Gave Me” passa da marca dos 5min30, mas isso para demontsrar que a banda furiosa que o The Machine mostrou ser no Lungs não está morta: apenas amadureceu. O refrão é melodicamente perfeito, realçado pela queda de ritmo no instrumental. Crescente e construida em cima de guitarra, bateria, baixo e harpa, “What The Water Gave Me” faz cantar sobre o anseio de se entregar ao silêncio e o peso da água sobre si. “No Light, No Light” é mais esquemática, e teve sorte de ganhar o ótimo videoclipe que ganhou. A letra retrata a liberação musical de tudo que o sujeito da mesma não é capaz de “dizer em voz alta”, mas parece achar tão fácil “cantar para uma multidão”. Premissa interessante que talvez merecesse tratamento musical mais cuidadoso.

De resto, Florence passeia por composições mais pop do que qualquer coisa no Lungs (“Breaking Down”) e emula com competência o som da gravadora Motown, a Meca da música negra nos anos 60 e 70 (“Lover to Lover”). Na última faixa, Florence “deixa seu corpo” (“Leave My Body”), e deixa também a impressão de um belíssimo álbum. Catarse e escapismo a um único tempo, Ceremonials é uma elevação de espírito bem século XXI, através da proclamação em voz alta e clara das próprias falhas e assombrações, e vem num pacote musical que, se não possui excelência uniforme, ainda nos trás momentos indiscutivelmente soberbos.

***** (5/5)

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Ceremonials (lançado em 28 de Outubro de 2011)

Gravado em Abbey Road Studios, Londres.   Duração 55min58. Selo Island.

Produtores Paul Epworth, James Ford, Charlie Hugall, Ben Roulston, Isabella Summers, Eg White.

17 de jan. de 2012

05 lançamentos para esperar nos 05 primeiros meses de 2012

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por Caio Coletti

Sim, o ano acabou de começar, e podem esperar listas e mais listas. Poucas vezes um ano esteve tão empolgante musicalmente como 2012 está. Esse ano já tem uma nova Adele (aquele nome que todo mundo vai ficar falando o nome inteiro), e ela está aqui nesse primeiro ranking do ano. Tem também segundos álbuns esperadíssimos, retornos inusitados e outras novidades pra manter o nível de cultura pop no mesmo refinamento de 2011. Esses cinco listados aqui são as apostas certas para esses primeiros meses do ano, mas é bom vocês se cuidarem, porque 2012 vai nos surpreender, e muito, musicalmente. Que assim seja.

(PS: Pela natureza da lista, só entraram aqui os álbuns com data de estreia confirmada.)

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5ª posição – Strange Clouds (B.o.B.)

Não é a escolha mais ortodoxa, mas existe muito mais na música de B.o.B. (nascido Bobby Ray Simmons Jr.) do que se tem creditado a ele desde que The Adventures of Bobby Ray foi lançado em 2010. Conhecido pelas parcerias com Bruno Mars (“Nothin’ on You”) e Hayley Williams (“Airplanes”), há faixas no seu álbum de estreia que mostram, além de um ótimo rapper, um cantor decente e um compositor, guitarrista e produtor de dar gosto. Logo, seu segundo álbum pode surpreender. Não que “Strange Clouds” seja um bom cartão de visitas, eu admito, mas a parceria com Lil’ Wayne não ajuda. Ao lado de Andre 3000, por outro lado, ele faz um trabalho interessante, inspirado no reggae sem perder a vista para as paradas atuais, em “Play The Guitar”.

O que ouvir antes: Strange Clouds - Play The Guitar

Lançamento marcado para: 13 de Março.

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4ª posição – Lollipops & Politics (V V Brown)

Ela está por aí desde 2009, quando seu disco de estreia, Travelling Like The Light, impactou a crítica e todo mundo antenado no mundo pop com uma mistura inusitada de rock n’ roll clássico (aquele dos anos 50), pop e hip hop. Mas, pelo jeito, o brilhante álbum que deveria tê-la apresentado ao mundo (ao menos na França o sucesso foi incontestável) foi apenas um aperitivo da voz e da criatividade dessa inglesa de 28 anos. “Children”, o primeiro single de sua segunda coleção de inéditas, prevista para Fevereiro, nos dá uma palhinha de uma vocalista mais segura, com menos medo de ousar nas escolhas musicais e fazendo uma arte muito atual. Pode ser que ela continue sendo uma preciosidade escondida, mas isso não fará dela uma artista menos brilhante.

O que ouvir antes: Children

Lançamento marcado para: 07 de Fevereiro.

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3ª posição – Trespassing (Adam Lambert)

Adam Lambert é o primeiro artista pop masculino realmente empolgante na cena musical em muito tempo. Saído do American Idol, discretamente crescendo em popularidade com os singles de seu álbum de estreia desde 2009, Adam vem sendo um camaleão. Já embarcou na onda do sexy e da eletrônica com “For Your Entertainment” e “If I Had You”. Já mostrou ser uma das grandes, senão a grande voz masculina da atualidade com “Whatya Want From Me” e um EP acústico. E já ensaiou susbstituir Freddie Mercury (arrancando elogios) na reunião do Queen. O primeiro single do segundo álbum é uma balada pop-rock na qual Lambert parece muito mais engajado, e isso percebe-se nos vocais, do que em boa parte do que se viu no disco de estréia. É de se animar.

O que ouvir antes: Better Than I Know Myself - Outlaws of Love

Lançamento marcado para: 20 de Março.

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2ª posição – Our Version of Events (Emeli Sandé)

Estão lembrados do furacão que foi a apresentação de Janelle Monàe no Rock in Rio em 2011? A primeira vista, Emeli Sandé é a herdeira desse feeling da americana para o novo ano. Nascida Adele Emeli Sandé (ela resolveu usar o nome do meio na carreira, por motivos óbvios), ex-estudante de Medicina, despontou ano passado no álbum da última novidade do hip-hop, Tinie Tempah, com créditos de composição e vocais na faixa “Let Go”. Sem toda a ambição conceitual de Janelle, o primeiro single de seu álbum, a ser lançado em Fevereiro, conquistou o pessoal mais antenado pelo visual inspirado do clipe e pela mistura inteligente de R&B, vanguarda e corais que levam a canção, “Heaven”, a um clímax e tanto. Uma voz (e uma compositora) a se observar.

O que ouvir antes: HeavenDaddy

Lançamento marcado para: 06 de Fevereiro.

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1ª posição – Born to Die (Lana Del Rey)

Agora a conversa ficou séria: Lana Del Rey é o nome para ficar de olho em 2012, e isso por si só já é uma indicação do quão incríveis esses 12 meses vão ser musicalmente. Nascida Lizzy Grant, ela lançou um álbum sob o nome de batismo anos atrás, sem sucesso. Uma reformulada na imagem depois, ela voltou com esse pseudônimo que nasceu da junção da diva da Era de Ouro do cinema Lana Turner (conhecida pelo papel de femme fatale em filmes noir) com o modelo clássico da Ford, o Del Rey. A obsessão pelos flashes, a imagem cuidadosa e friamente trabalhada, o clipe do single homônimo do álbum, a voz aveludada e vulnerável, o estilo mezzo-blues, mezzo-vanguarda, tudo denota a fórmula de uma artista capaz de dominar a cabeça do mundo inteiro em 2012.

O que ouvir antes: Video Games - Born To Die - Yayo (Lizzy Grant)

Lançamento marcado para: 30 de Janeiro.

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“Know that you’re never alone/ In me you can find a home/ When you’re in unfamiliar places/Count on me through life’s changes”

(Leona Lewis em “Collide” – Glassheart, o álbum, sai dia 26 de Março)

“We gotta let it go, be on our way/ Look for another day/ Cuz it ain’t the same, my baby/ Watch it all fall to the gound/ No happily ever after, just disaster”

(JoJo em “Disaster” – Jumping Trains, o álbum, sai dia 03 de Abril)

13 de jan. de 2012

Rubens Rodrigues #3 - TV | Fim de Temporada

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Já é 2012, o que significa que tem séries novas estreando lá na gringa, enquanto por aqui ficamos com a nova temporada do BBB e as minisséries na Rede Globo. Mas calma, que o assunto aqui é outro.

O ano passado terminou e junto com ele algumas séries estreantes encerraram suas temporadas. Pensando nisso, resolvi fazer um balanço das séries e seus season finales, que foram exibidos em dezembro. Ou seja, espere por SPOILERS!

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American Horror Story

Junto com Terra Nova, AHS foi a série que eu mais esperei na fall season de 2011. O problema é que nem sempre essa expectativa é cumprida. A série de Ryan Murphy (Glee, Nip/Tuck) teve seus momentos, mas também deixou a peteca cair em alguns episódios.

A série apresentou um piloto confuso e ao mesmo tempo promissor, e ao decorrer dos episódios foi esclarecendo as duvidas que surgiram. Apesar dos protagonistas canastrões e mal construídos, os coadjuvantes roubaram a cena – com destaque para Evan Peters e Jessica Lange.

Já algo que esteve presente na série inteira são referências. Por diversas vezes podemos identificar algo de O Iluminado e até mesmo Os Outros em vários episódios, além da antológica cena de Taxi Driver que foi copiada na cara dura.

Depois de tantos altos e baixos, Birth, o penúltimo episódio, foi o melhor da temporada. Nele acompanhamos o perturbador nascimento dos gêmeos de Vivien: um deles fruto do casamento com Ben Harmon, o outro, fruto de um estupro. Já o episódio que fechou a temporada não agradou. Em Afterbirth, a série parou de se levar a sério e jogou fora o drama vivido pelo casal mostrando-os brincando de Os Fantasmas se Divertem, como bem lembrou o Box de Séries.

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Homeland

24 Horas acabou, mas os fãs do gênero não ficaram órfãos, pois os produtores Alex Gansa e Howard Gordon trataram logo de desenvolver o drama Homeland – a melhor estreia de 2011.

A série começa como um thriller de conspiração e paranóia, já que a agente da CIA Carrie Mathison, brilhantemente interpretada por Claire Danes (Me and Orson Welles), desconfia que fuzileiro Nicholas Brody (Damian Lewis de Band of Brothers), resgatado após oito anos dado como morto no Iraque, se converteu e pode estar planejando um grande ataque aos EUA ao lado da Al Qaeda.

O mais interessante dos primeiros episódios é justamente não saber até o que é paranóia da protagonista e o que realmente passa na cabeça do fuzileiro. Aqui não temos o ritmo frenético de 24 Horas ou personagens como Jack Bauer, que faz o impossível para salvar o país e a família ao mesmo tempo, mas a história dos personagens é envolvente e conta com uma pitada de realismo, consequência da câmera na mão.

Homeland conta ainda com Morenna Baccarin (Firefly) e Mandy Patinkin (Criminal Minds), que ajudam a construir uma trama que merece todos os prêmios possíveis. Série fantástica do piloto ao final da temporada.

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Terra Nova

Como falei no começo do post, Terra Nova foi uma das séries mais promissoras de 2011, mas que ficou na promessa.

A grande decepção da temporada teve como chamariz o nome de Steven Spielberg como produtor. Acontece que, como falei aqui, parece que o diretor parou no tempo, apresentando roteiros previsíveis e efeitos especiais datados.

A série até conta com bons personagens, como Nathaniel Taylor, interpretado por Stephen Lang (AVATAR), mas o texto não se desenvolve como poderia, deixando o conceito e os atores mal aproveitados.

O season finale foi morno. O enredo do episódio duplo se mostrou mais desenvolvido que os anteriores, mas o roteiro com clímax desnecessário (a briga entre Taylor e seu filho Lucas, especificamente) ainda deixou a desejar. Lucas Taylor (Ashley Zukerman de The Pacific), que finalmente se mostrou como o único vilão da série, foi o grande diferencial do episódio, somado com a cena final ao melhor estilo Lost.

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“Eu costumava achar que você era como eu. Que você era ligado a escuridão. Mas, Tate, você é a escuridão” (Taissa Farmiga em American Horror Story)

12 de jan. de 2012

JOGO RÁPIDO: “Tudo Pelo Poder” + “50%”

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Tudo Pelo Poder (The Ides of March, EUA, 2011)

Dirigido por George Clooney…

Escrito por George Clooney, Grent Heslov & Beau Willimon, baseados na peça de Beau Willimon…

Estrelando Ryan Gosling, George Clooney, Philip Seymour Hoffman, Paul Giamatti, Evan Rachel Wood, Marisa Tomei…

101 minutos

O bom filme precisa, essencialmente, contar uma boa história. O ótimo filme precisa ter gente talentosa envolvida na missão de contá-la. Mas o grande filme é aquele que envolve em si tantas facetas e nos permite tantas visões que é impossível descrevê-lo, assim em palavras e com justiça. É preciso vê-lo. Tudo Pelo Poder, a última obra de George Clooney na direção, é um grande filme. E talvez seja um dos candidatos mais dignos desse ano a ser coroado como “o filme do ano” pelos prêmios críticos e pela própria Academia, e ao menos o motivo disso não é tão dificil de explicar: no decorrer de seus 101 minutos, Clooney nos faz traçar paralelos, na história que conta e sem nunca perdê-la de vista, com a campanha do atual presidente americano Barack Obama. E não é uma crítica ferina ou destrutiva: é uma forma de engenhosamente cutucar a noção idealista de política que o comandante-em-chefe da nação ianque pregou em sua corrida presidencial.

Nem só de paralelos e teorias políticas vive Tudo Pelo Poder, no entanto. Clooney, aliado a Grant Heslov (seu parceiro também no aplaudido Boa Noite e Boa Sorte) e ao autor da peça original Beau Willimon, injeta vida em seus personagens e na jornada psicológica pela qual eles passam. Ou melhor, ele. Stephen Meyers (Ryan Gosling) é o assistente de campanha quase idealista do pré-candidato democrata a presidência Mike Morris (o próprio Clooney). A câmera de Tudo Pelo Poder o segue sem pudor de nos mostrar como a visão distorcida desse personagem (sim, idealismo aqui é uma distorção de realidade) vai se ajustando a verdadeira conjuntura das coisas. É algo como a transformação de Michael Corleone em O Poderoso Chefão – Parte I, e Gosling libera seu Al Pacino com frieza surpreendente. Ele se mostra um ator de método, capaz de se comunicar com o espectador, na cena final, apenas com o olhar e a postura corporal. Tudo vigiado pela câmera inteligente, multifacetada e brilhante de Clooney, é claro.

Nota:  9,5

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50% (50/50, EUA, 2011)

Dirigido por Jonathan Levine…

Escrito por Will Reiser…

Estrelando Joseph Gordon-Levitt, Seth Rogen, Anna Kendrick, Bryce Dallas Howard, Anjelica Huston…

100 minutos

Ok, vamos direto ao ponto aqui: você vai ouvir bastante que 50% não é um filme comparável aos outros indicados as principais categorias das premiações cinematográficas em 2012. Mas, sendo realmente sincero, quem se importa? Baseado em uma história real, ligeiramente adocicado, com aquele charme meio indie misturado a visibilidade de ter um dos grandes nomes da comédia atual (Seth Rogen) como coadjuvante e produtor, esse é um filme que quer, pode e vai te atingir de alguma forma. A história de Adam (Joseph Gordon-Levitt), um cara de 27 anos que descobre ter câncer e precisa lidar com uma namorada que só acha ser capaz de ajudar (Bryce Dallas Howard), uma mãe super-protetora (Anjelica Huston), uma terapeuta iniciante (Anna Kendrick) e um melhor amigo que as vezes pode não aparentar ser tão solidário (Rogen), é tão inevitavelmente tocante quanto absurdamente realista em seu contexto, digamos assim, filtrado.

Adam e as pessoas ao seu redor são reais (não só no sentido da inspiração da história, mas no de mérito da encenação), e é possivel sentir isso no estilo tragicômico que os estreantes Will Reiser (roteiro) e Jonathan Levine (direção) imprimem aos 100 minutos de filme. Claro, o elenco é peça fundamental nisso. Inegável que, tão odiável aqui quanto em Histórias Cruzadas, Bryce Dallas teve um ano e tanto para se (re)afirmar como a ótima atriz que é, e nos faz perguntar porque seu trabalho, seja nesse filme ou no outro de cunho mais social, não foi reconhecido pelo Globo de Ouro. Quem foi reconhecido, e com muito mérito, foi Joseph Gordon-Levitt. Sua atuação aqui é de um detalhismo realmente discreto, na maneira como constrói seu personagem, sem perder de vista a honestidade que um papel como esse exige. Em suma: é tão fácil se identificar com Levitt quanto é notar a inteligência de sua interpretação.

Nota: 7,5

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“Eu não sou um cristão. Eu não sou um ateu. Eu não sou um judeu. Eu não sou um muçulmano. Minha religião, aquilo no que eu acredito, é chamado Constituição dos Estados Unidos da América”

(Ryan Gosling em “Tudo Pelo Poder”)

11 de jan. de 2012

JOGO RÁPIDO: “Carnage” + “Nós Precisamos Falar Sobre o Kevin”

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Carnage (Carnage, França/Alemanha/Polônia/Espanha, 2011)

Dirigido por Roman Polanski…

Escrito por Yasmina Reza & Roman Polanski, baseados na peça de Yasmina Reza…

Estrelando Jodie Foster, Kate Winslet, Christoph Waltz, John C. Reilly…

79 minutos

Acreditem ou não, em menos de 80 minutos é possível fazer um filme que diz mais do que muito drama de cunho social por aí. E o feito só poderia vir de Roman Polanski. Depois de mostrar que seu talento supera qualquer parte da sua vida pessoal (as pendências com a justiça americana, para ser mais exato) em O Escritor Fantasma, o diretor reúne um elenco pequeno para um filme sem grandes ambições aparentes, adaptado de uma peça de teatro e mantido fiel a ela, com apenas um cenário e quatro personagens. É assim que Carnage realiza um comentário muito ferino sobre o quanto e até onde mantemos nossas aparências. O filme compreende uma reunião entre o casal Longstreet (Jodie Foser e John C. Reilly) e o casal Cowan (Kate Winslet e Christoph Waltz) com o objetivo de discutir uma solução amigável para um problema corriqueiro (ou nem tanto): o filho de 11 anos dos Longstreet foi agredido pelo dos Cowan, da mesma idade.

A força de Carnage está na lenta desconstrução que faz dessas figuras, que se mostram os focos para os quais as câmeras de Polanski espertamente se dirigem. E, claro, em seu elenco. Jodie Foster está uma pilha notável de nervos que desmorona com o andar do filme, e é impossível negá-la a indicação ao Globo de Ouro que recebeu pelo papel. Kate Winslet, a epítome da mulher elegante no início, realiza um trabalho notável ao desafiar a própria persona que construiu para si nessa atuação. John C. Reilly entrega a atuação mais básica entre os quatro, mas ainda consegue convencer na pele do rei das reconciliações que se revela um homem com pouquíssimos modos. E, por fim, Christoph Waltz é a escolha perfeita para um papel que exige tanto nervo e tanta ironia. Ele é quase a voz da razão no grupo, e isso é algo notável na confusão inteligente, ácida, bem-humorada e direto ao ponto de Carnage.

Nota: 8,0

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Precisamos Falar Sobre o Kevin (We Need to Talk About Kevin, Inglaterra/EUA, 2011)

Dirigido por Lynne Ramsay…

Escrito por Lynne Ramsay & Rory Kinnear, baseados na novela de Lionel Shriver…

Estrelando Tilda Swinton, John C. Reilly, Ezra Miller, Jasper Newell…

112 minutos

Se existe algum jargão crítico usado com freqüência demais e critério de menos nesse universo cheio de manias, esse jargão é dizer que um drama que lida com qualquer assunto delicado é “maniqueísta”. O que isso quer dizer, afinal? Quando um filme tenta provar um ponto, influenciar o espectador e direcioná-lo a um certo tipo de julgamento, este filme deixa de sê-lo para se tornar uma tese. E não há nada de tão errado no cinema-tese. Mas há muito mais de certo em um filme como Precisamos Falar Sobre o Kevin. Lidando com a história de Eva (Tilda Swinton), mãe de um garoto que, problemático desde a infância, foi responsável pelo assasinato de dezenas de pessoas no colégio em que estudava, seria fácil para a diretora e roteirista Lynne Ramsay apontar o dedo para os culpados usuais (exposição a mídia violenta, relação complicada com os pais, querer ser notado, negligência familiar, etc etc.), mas não é isso que ela faz.

Precisamos Falar sobre o Kevin passa por todos esses fatores, sim, mas não é com as causas que Lynne está preocupada, e isso fica mais do que claro nas cenas finais. A história aqui não é sobre um assassinato: é sobre resignação, seguir adiante, lavar o sangue das próprias mãos e fazer paz com o próprio passado. Mérito ou da novela  de Lionel Shriver ou do roteiro de Ramsay ao lado de Rory Kinnear, mas de qualquer forma é a maneira como Tilda Swinton compreende e absorve isso que eleva Precisamos Falar Sobre o Kevin, de apenas excelente, para especial. Sua Eva é tão complexa, e ao mesmo tempo parece sempre tão anestesiada, que permite que a grande atriz que Tilda sempre foi explore cada olhar sob uma nova perpectiva, e encontre o que realmente importa sobre a mulher que interpreta apenas no final. Não é a toa, e não é nem um pouco indevido, que ela seja a favorita disparada nessa temporada de premiações nas categorias femininas. Uma pena mesmo que Ezra Miller não esteja sob os mesmos holofotes, pois sua atuação decerto merecia algum reconhecimento.

Nota: 8,5

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“É assim: você acorda e assiste TV, entra no carro e ouve o rádio, você vai para o seu empreguinho ou sua escola, mas você não ouve sobre isso no noticiário das seis, e por quê? Porque nada está realmente acontecendo, e você pode ir para casa e assistir mais TV ou talvez seja uma noite divertida, e você saia de casa… e veja um filme. Eu quero dizer, a situação está tão ruim que metade das pessoas na TV, dentro dela, estão assistindo TV também. O que essas pessoas estão assistindo, pessoas como eu?”

(Ezra Miller e seu monólogo em “Precisamos Falar Sobre o Kevin”)

10 de jan. de 2012

Histórias Cruzadas (The Help, EUA/Índia, 2011)

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por GuiAndroid

Passado em uma época onde o preconceito racial dominava o sul dos Estados Unidos e empregadas domésticas eram tratadas não muito diferente de seus descendentes escravos, Histórias Cruzadas explora de maneira ampla e muito bem estruturada a iniciativa de uma jovem escritora, Skeeter Phelan (Emma Stone), de escrever um livro que narre as histórias inusitadas e de muito sofrimento vividas pelas empregadas domésticas negras da cidade de Jackson, no Mississipi. O longa se desenvolve em cima do contexto social de uma cidade do interior americano em plenos anos 60: a desigualdade social é um abismo entre as raças branca e negra, a constituição incita o ódio e força ainda mais as barreiras já existentes contra os negros. Nesse ritmo entra o livro de Skeeter, chamado obviamente de The Help (A Ajuda – no sentido de “A Criadagem”, como era usado na época), uma análise bem intimista do cotidiano dessas mulheres contando histórias, expondo a opressão vivida pelos negros e os frequentes maus tratos e desrespeitos morais às não só empregadas, mas também mulheres.

Numa sociedade feminina onde a prepotente patroa Hilly Holbrook (Bryce Dallas Howard) destrata sua empregada e comanda suas súditas do clube de bridge, Skeeter se demonstra contrária às ideias de sua "rainha", e com alfinetadas, várias indiretas e respostas afiadas, causa a fúria de Hilly.

Mas o lado cômico e moral do filme não se restringe à respostas mal criadas e atitudes fúteis e preconceituosas das mulheres do clube de bridge: as empregadas Aibileen Clark (Viola Davis) e Minny Jackson (Octavia Spencer) também fazem de suas cenas uma mistura saudável onde se demonstram mulheres de força e determinação que não se deixam abater nem por suas patroas que recebem a resposta que merecem quando fazem a objeção que não devem. Há um caso em que essa resposta não vem em uma frase, mas sim em uma torta com um ingrediente surpresa.

Em um cenário triste e sem esperança, a coragem une os corações das empregadas domésticas que lutam pelo seu direito de voz no livro de Skeeter, inicialmente com muito receio.

O filme explora todas as faces possíveis do cotidiano dessas mulheres, mostrando até que nem todas as patroas são racistas e que os dramas vividos por cada uma delas podem ser diferentes, mas que todas possuem algo para fazer suas lágrimas correrem, seja ver alguém de sua raça morrer apenas por ter nascido negro ou ter seu carro queimado pela mesma razão, seja por não poder gerar filhos e se sentir incapaz de fazer seu casamento valer a pena.

Histórias Cruzadas não é mais um filme com uma história complexa que te faz se perder a cada dez minutos, não são cenas de ação, não é uma comédia fútil e desbocada, não é um drama frio e repleto de lágrimas. É a combinação de todos os gêneros, é a perfeita junção de várias áreas do cinema e atuações competentes que o tornam uma obra simples, compreensível, respeitável e honrosa seja pelo seu tema ou por sua estruturação impecáveis. Pois o respeito cabe não apenas às empregadas domésticas, mas aos negros, às mulheres, a todo tipo de pessoa independente de seu gênero, raça, cor, profissão ou opção sexual. Histórias Cruzadas nos mostra o valor do respeito, numa atmosfera insensível e segregada pelo preconceito, regada a discursos de Martin Luther King.

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Histórias Cruzadas  (The Help, EUA/Índia, 2011)

Dirigido por Tate Taylor…

Escrito por Tate Taylor, baseado na novela de Kathryn Stockett…

Estrelando Emma Stone, Viola Davis, Bryce Dallas Howard, Octavia Spencer, Jessica Chastain, Allison Janney…

146 minutos

7 de jan. de 2012

Fabio Christofoli #5 – Muito pra pouco

Fabio opinião

Bem que eu tentei começar 2012 sem uma polêmica aqui no meu espaço no Anagrama. Bem que eu tentei... Cheguei a fazer dois parágrafos, exaltando o novo ano, opinando sobre as mudanças que gostaria de aplicar no meu cotidiano (cumpri todas as que me propus ano passado) e as que desejo ver nas pessoas. Mas aí percebi que as pessoas começaram o ano com os MESMOS erros.

Hoje, dia que estou criando esse texto, as Redes Sociais foram tomadas por uma indignação, por um senso de justiça sem freio, por discursos inflamados e montagens irônicas. Isso seria legal se o debate fosse sobre algo relevante, mas não, era sobre a capa da Época: o Michel Teló. As pessoas estavam inconformadas pela manchete que dizia que o cantor traduzia os valores da cultura popular brasileira. Elas pararam o que estavam fazendo, usaram minutos, cada vez mais preciosos nesses dias corridos, para debater a capa de uma revista. Mentes que poderiam estar pensando coisas produtivas se debatiam para queixar-se do “erro da Época”.

É aqui que começo minha primeira polêmica do ano. Quero dar um conselho a esse grupo de pessoas. Meu conselho pra 2012, que pode ser assimilado ou não (mais provável).

Parem com isso, sério. Uma coisa é não concordar, o que é até saudável, outra é criar uma revolução em cima disso. Claro que não sou guru para dar conselho, nem quero ser. Na verdade, é mais que um conselho: é uma tese, defendia em 3 importantes tópicos, que deflagram o quanto esse mimimi é absurdo.

1) Cultura é tudo – Erra quem pensa que cultura significa algo sofisticado, algo que necessariamente deve ser bom. Não! Cultura é praticamente tudo. Colocar o lixo em um recipiente (conhecido como lixeira) é uma cultura. A palavra ganhou um sentido extra, pelo menos aqui no Brasil, e muita gente fica ofendida quando ela é usada para se referir a algo popular. Sabe o funk dos morros cariocas? É cultura. É o modo de algumas pessoas se expressarem. Se é bom ou ruim, não interessa. Pelo menos para classificarmos como cultura. Espartanos matavam bebês com problemas de saúde. É algo horrível de se pensar hoje, mas era uma cultura dos caras na época. Quando a Época diz que o Michel Teló traduz a cultura popular (reparem nessa palavra), ela não esta cometendo nenhum erro. Muito pelo contrário. Ele traduz mesmo. “Aí se eu te pego” acontece por aí, está na cabeça das pessoas. Faz parte da cultura de uma população grande, é popular. Onde está o erro? Talvez em exaltar isso. Mas, ignorar isso também não seria um erro? O cara atualmente está na frente da Adele nas paradas européias. Posso não achar isso certo, mas devo admitir que é impressionante.

2) O popular SEMPRE foi contestado – João Gilberto já foi considerado lixo (pelo amor de Deus, não estou comparando ninguém, só estou lembrando um fato). Sim, a Bossa Nova ia contra o que se tocava na época, era uma novidade. E novidades quase sempre despertam interesse da massa. O “estilo” de cantores como Michel Teló no momento é uma novidade. É o que mais toca na noite. Um dia esse espaço foi do rock, depois foi da dance musica, várias vezes foi do pop, agora é do sertanejo universitário (ok, não entendo essa nomeclatura). É um ciclo. Um ciclo pouco consistente se a música não tem qualidade pra se manter. Alguns se tornam clássicos, outros caem no esquecimento. O fato é que o que o povo ama sempre, de alguma forma, foi contestado. Todos esses estilos encararam narizes torcidos dos que amavam o que “era bom”. Só o futuro vai dizer se a novidade fica ou vira hit em festas bizarras. Não se esqueça, você ou alguém que você conhece já dançou Macarena feliz da vida e nem se importou com a letra.

3) Odiar é pior que amar – Restart, Justin Bieber, Fiuk, Luan Santana e Michel Teló não fazem parte do meu playlist. Nunca farão, pois não gosto, acho ruim, não faz meu estilo. Porém, acho um absurdo fazer guerra contra quem gosta. Por favor! Isso é quase uma ditadura musical. As pessoas são livres pra gostar do que quiserem. Ok, a qualidade (pra alguns) é ruim, mas problema é de quem ouve. Não de quem não ouve. Tudo bem dizer “Restart é uma bosta”, mas uma ou duas vezes. É uma opinião. Mas é patético se estressar com isso. Vou dizer que é pior do que gostar disso, pois você deixa de curtir as suas coisas para ficar azucrinando que está curtindo algo que você não gosta. E mais, quem faz isso cria uma cultura chata, repetitiva e inútil. Quer um exemplo? Quase sempre que um vídeo de uma música “boa” leva um “não curti” no Youtube, alguém solta a pérola “tantas pessoas são alienados e gostam de Restart”. Pô! Que saco isso. Invés de o cara fazer um comentário bacana sobre a música, ele “queima” sua participação preocupado com suposições. 

Enfim, desculpem eu me estender tanto. Estou me odiando por ter que parar pra escrever sobre isso. Mas não pensem que estou aqui defendendo bandas coloridas ou cantores sertanejos, NÃO MESMO. Estou aqui indignado contra essa nova onda social de protestos, que muitas vezes mais parecem inveja. A esse ciclo viciante de briguinhas inúteis, que não levam a lugar algum. Aliás, enquanto as pessoas estão discutindo o cabelo do Neymar, os políticos desse país estão definindo o aumento do próprio salário e como vão arrecadar esses recursos, ou seja, como vão descontar de você.

Fica aqui meu apelo pra 2012: mundo, comece a se preocupar com os seus problemas de verdade, que não são poucos...

Obs.: Sobre a capa da Época. Acho importante a revista destacar um brasileiro que faz sucesso fora do país.

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“Agora chegou a vez da letra maliciosa e do rebolado discreto de Michel Teló. O mundo inteiro está dançando ao som do batidão, essa mistura de vanerão gaúcho e forró nordestino que o Teló inventou.”

(Luiz Carlos Maluly, produtor)

5 de jan. de 2012

iJunior #4 – Aos futuros heróis

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Em uma tarde quente, um pouco antes do anoitecer, eu ainda criança brincava como qualquer outra, até que uma mulher de apenas 29 anos- porém já com uma família, um marido e dois filhos - foi ao meu encontro e me fez uma das perguntas mais importantes da minha vida seguida de um comentário que me marcaria mais ainda.

A sua pergunta foi:” Se seus pais um dia se separassem, e você tivesse que escolher entre ficar com sua mãe e seu pai, com quem ficaria?” Eu, sem nem pensar duas vezes respondi de boca cheia: “com a minha mãe, claro!” E então ela me olhou fixa por um tempo, aparentou demonstrar um certo orgulho feminista por isso, porém, não deixou que isso permitisse que perdesse o foco e logo me veio com a segunda parte, trazendo com ela um curto discurso porém forte, que dizia: “Então seja diferente, cresça como um homem diferente e seja um pai que ao menos faça o filho pensar a respeito de com quem quer ficar. Você é homem, um dia será pai, e ainda pode ser diferente.” Após terminar o que tinha que me dizer, foi embora e me deixou ali, pasmo e pensativo, e eu sabia que iria carregar aquilo comigo pelo resto da vida.

Uma das maiores questões que envolvem esse tipo de pensamento pra mim é a influência, a figura que seremos para nossos filhos, porque querendo ou não os pais são a maior influência deles, não apenas para educar, mas eles se vêem em nós, se projetam à nossa imagem, mesmo que um misto de pais, irmãos e amigos, algo sempre fica com os filhos, e então o que ser pra eles?

Em minha cabeça uma das obrigações das novas gerações é saber corrigir tudo aquilo que está sendo dado de errado em sua criação, adolescentes que sabem notar esse tipo de coisa conseguem ser melhores pais para seus futuros filhos e tentarem manter isso proporcionalmente a fim de conseguirem a continuação de uma família gerada cada vez com mais melhorias.

Uma frase que deve ser excluída do pensamento de qualquer pai ou mãe é a “faça o que eu mando, não faça o que eu faço” e sim saber envergonhar-se pelos seus erros e até aceitar aqueles “puxõezinhos” de orelha dos filhos, pois eles também são capazes de corrigir (o que está errado claro) e sugerir melhorias na convivência de uma família.

Então deixo aqui, minha sincera esperança, aos futuros heróis, àqueles que ouvirão de seus filhos um “eu te amo” sincero, àqueles que ouvirão dos mesmo que querem ser como eles, seguir sua profissão, ser tão grande quando, e por mais que pequeno, sejam titãs para o pedaço de si mesmo que deixará no mundo, onde depositará suas esperanças deixadas de lado, seus estudos, tudo o que não foi aproveitado, as oportunidades e os sonhos, mas mesmo assim deixá-los viverem e aprenderem, não sozinhos, mas com amor e dedicação, de pais que sempre terão sua admiração, e um porto seguro eterno.

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“Não são só as crianças que crescem: são os pais, também. Tanto quanto nós vigiamos para ver o que nossos filhos fazem com a vida deles, eles nos vigiam para ver o que fazemos com as nossas. Eu não posso simplesmente dizer aos meus filhos para ter grandes objetivos. Eu preciso tê-los por mim mesmo”(Joyce Maynard)

3 de jan. de 2012

Sobre… – Quem produz nossos espelhos?

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“Beauty is a lie”. Se vocês me perdoarem por começar esse artigo com uma citação que não é de nenhum filósofo ou poeta Iluminista de séculos atrás, eu posso até explicar. As quatro palavrinhas ali foram o mote da artista pop Lady Gaga entre algumas performances de seu último álbum, Born This Way, ele mesmo todo impregnado de uma mensagem de auto-aceitação e empoderamento do ouvinte para tomar as rédeas da própria vida. Mas não é bem isso que vem ao caso. “A beleza é uma mentira” não é, para Gaga, uma forma de diminuir a beleza: é uma forma de exaltar a mentira. E, mais uma vez no campo das más interpretações, ela não fala, de forma nenhuma, de maquiagem, e muito menos, é claro, de Photoshop. Ela fala de mentir para nós mesmos.

A primeira verdade é que ninguém é perfeito, e todo mundo, eu espero, tem muita consciência disso. Costuma ser muito mais fácil listar os próprios defeitos do que as qualidades, isso quando a pessoa sequer consegue listar as qualidades. É mais fácil apontar o que há de errado no espelho do que qulquer coisa que haja de certo. E aqui ainda falo de espelho físico, mas também de espelho mental: para nós mesmos, somos muito mais falhos por dentro, nas nossas neuroses e defeitos, do que qualquer coisa. Mas é então que a frase de Gaga encontra-se naquela categoria rara de motes inspiracionais obviamente impossíveis de serem alcançados (“Carpe Diem”, alguém?), mas para serem vistos como objetivo: devemos mentir para nós mesmos, nos vermos mais bonitos do que somos, menos falhos do que somos.

A mitologia nos avisa sobre o perigo de exagerar nesse mote, aliás. A história de Narciso, que era elogiado por todos por sua beleza mas nunca havia mirado seu reflexo, e quando o fez acabou afogado num espelho d’água, virou até origem do adjetivo “narcisista”. Idolatrar a própria beleza pode levar o sujeito a um comportamento egoísta insuportável, de fato, mas tudo nessa vida é equilíbrio. Gaga nos diz para mentir, para encontrar nossa forma de nos achar bonitos a nossa maneira, pois essa é a única forma de realmente nos tornarmos bonitos, aos olhos de quem nos importa. E nos diz mais, fazendo-se de exemplo: externemos nossa personalidade, intensifiquemos nosso olhar, não nos livremos tão fácil da nossa forma de enxergar o mundo, porque essa é a forma mais fácil de driblar a beleza padronizada e provar o ponto que, afinal, de alguma forma todos somos bonitos. Personalidade é bonito. Estilo é bonito. Estar vivo, ter força de espírito, é bonito.

Agora eu volto a pergunta do começo do meu texto, lá no título, e vocês já devem ter percebido como eu vou tentar respondê-la. Não tenho medo de acabar caindo no clichê, porque às vezes eles estão certos, afinal. E tem mais: não pensem que sou capaz de cumprir, todos os dias, o que eu proponho aqui; mas eu me comprometo a tentar. Eu me comprometo a tentar, quando me olhar no espelho, tomar as rédeas do que eu achar ali de ruim, e trazer do que eu tenho dentro de mim a forma de mentir para tudo aquilo. Eu prometo tentar, com meu olhar, distorcer o que eu ali vejo, colocar uma encenação para funcionar (mas uma que mostre o que eu realmente sou). Eu prometo tentar, e tentar incansavelmente, ser eu mesmo a produzir os meus espelhos.

E nós todos também deveriamos prometer, talvez. Porque se a beleza é uma mentira, porque não contá-la a si mesmo todos os dias?

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“Eu nunca fiz cirurgia plástica e há muitas estrelas pop por aí que fizeram. Eu acho que promover insegurança na forma de cirurgia plástica é muito mais prejudicial do que se expressar artisticamente através de algo relacionado a modificação corporal”

(Lady Gaga, sobre cirurgia plástica, suas tatuagens e as próteses de “chifres” que usou por um tempo na promoção do último álbum)