Review: Dirty Computer (álbum e filme)

Janelle Monáe cria a obra de arte do ano com um álbum visual espetacular - e que desafia descrições.

Os 15 melhores álbuns de 2017

Drake, Lorde e Goldfrapp são apenas três dos artistas que chegaram arrasando na nossa lista.

Review: Me Chame Pelo Seu Nome

Luca Guadagnino cria o filme mais sensual (e importante) do ano.

Review: Lady Bird: A Hora de Voar

Mais uma obra-prima da roteirista mais talentosa da nossa década.

Review: Liga da Justiça

É verdade: o novo filme da DC seria melhor se não tivesse uma Warner (e um Joss Whedon) no caminho.

31 de ago. de 2015

6 anos d’O Anagrama: 6 filmes marcantes dos últimos 6 anos

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Essa semana O Anagrama completa 6 aninhos! Incrível pensar em como esse tempo todo passou rápido, e o quanto o site mudou de 2009 pra cá, mas mais incrível ainda é pensar em quanta coisa, quanta cultura pop, passou por aqui e pelo mundo nesse período. Por isso, para comemorar em grande estilo os 6 anos do site, resolvemos olhar para fora de nós mesmos e montamos uma série de listas selecionando alguns dos “itens” mais marcantes da cultura pop dos últimos anos. Serão dois posts de TV, dois de cinema e dois de música, para pagar tributo ao caráter multi-assunto d’O Anagrama, nos próximos seis dias, e embora as nossas seleções sejam muito pessoais, como sempre estamos mais que abertos para discutir quem faltou e quem sobrou nas listas com vocês, maravilhosos leitores!

Essa é a nossa lista de 6 filmes que marcaram as telas de 2009 pra cá. Amanhã revelamos 6 personagens de TV que fizeram nossa cabeça nesses anos todos.

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Bastardos Inglórios (Inglourious Basterds, EUA/Alemanha, 2009)
Direção e roteiro: Quentin Tarantino
Elenco: Brad Pitt, Mélanie Laurent, Christoph Waltz, Eli Roth, Michael Fassbender, Diane Kruger, Daniel Brühl, Til Schweiger, B.J. Novak, Sylvester Groth
153 minutos

por Caio Coletti

Bastardos Inglórios abre seus impressionantes 153 minutos com uma longa cena de diálogo entre o Coronel Hans Landa de Christoph Waltz, um notório “caçador de judeus” da Alemanha nazista, e o fazendeiro LaPadite (Denis Ménochet), que está escondendo várias garotas judias no porão da sua propriedade. Carregada de ameaça velada, brincadeiras conceituais (nenhuma melhor do que a “troca de linguagens” operada pelos personagens) e com uma introdução arrasadora ao fascinante e ameaçador personagem que garantiu o Oscar à Christoph Waltz, a sequência poderia ser um desastre na mão de um diretor menos paciente, experiente e centrado do que Quentin Tarantino. É difícil conceber que esses adjetivos valham para o diretor que filmou um sonho molhado adolescente cheio de violência e incoerência no clássico Pulp Fiction, mas a maturidade de Tarantino é essencial para que Bastardos Inglórios funcione – a câmera menos irrequieta e mais elegante do diretor ajudam a vender a reconstituição de época e a verossimilhança de um roteiro que, essencialmente, reinventa a história da Segunda Guerra Mundial; sua propensão a equilibrar os personagens e pontos de vista desse épico de 2h30 denotam a complexidade da história sem fazê-la pender para o lado de nenhum dos personagens, tornando-o a figura dominante do filme. Nem mesmo o Tenente Aldo Raine de Brad Pitt, no papel o candidato natural a estar no centro dessa história, alcança o feito, e se o Coronel Landa ainda é a figura mais lembrada do filme é em grande parte culpa de Waltz, em uma atuação carismática e grave nas mesmas medidas.

A história caminha para o clímax em dois pontos de vista essenciais: do lado dos Aliados, o grupo de soldados que dá título ao filme, liderados pelo Tenente Raine, participam de um esquema engenhoso para assassinar o Führer e terminar de uma vez por todas com a odisseia que seguem a anos, matando e escalpelando mais nazistas do que qualquer outra divisão do exército americano; já a Shosanna interpretada por Mélanie Laurent planeja sua própria vingança contra os nazistas que dizimaram sua família judia – disfarçada como dona de um pequeno cinema, ela vira objeto de desejo de um famoso herói de guerra (Daniel Brühl) que consegue que a festa de lançamento do filme sobre seus feitos no campo de batalha seja feita no estabelecimento da moça. Tarantino costura outros personagens na história, de todos os espectros possíveis da trama e da época retratada, com a facilidade e a naturalidade de um dos melhores e mais distintivos roteiristas da sua geração, e o elenco dá vida a essas personas com energia e timing cômico afiado. Cheio de outras setpieces sustentadas por diálogos (notadamente, a cena do bar), o filme sustenta sua metragem na base do senso de entretenimento e da paixão pelas possibilidades narrativas do cinema.

A lição básica, no final das contas, é que quando alguém com o gênio de Quentin Tarantino nos entrega a oportunidade de uma das sessões de cinema mais divertidas em muito tempo, com personagens completamente realizados e uma veia satírica que nunca ultrapassa a linha do cinismo – a nós, como público, só resta parar e assistir.

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A Rede Social (The Social Network, EUA, 2010)
Direção: David Fincher
Roteiro: Aaron Sorkin, baseado no livro de Ben Mezrich
Elenco: Jesse Eisenberg, Andrew Garfield, Rooney Mara, Rashida Jones, Armie Hammer, Justin Timberlake, Dakota Johnson
120 minutos 

por Caio Coletti

Celebrado pela disciplina e precisão quase cirúrgica que aplica a seus filmes, sejam eles histórias de assassinos (Se7en, Zodíaco), suspenses claustrofóbicos (O Quarto do Pânico), ou thrillers com ambições conceituais e filosóficas grandiosas (Clube da Luta, Garota Exemplar), David Fincher foi a escolha perfeita para trazer para o cinema o texto de Aaron Sorkin (The Newsroom) sobre o criador do Facebook, Mark Zuckenberg, e o processo judicial que marcou a popularização da marca. A Rede Social, nas mãos de Fincher, se aproveita dos diálogos sempre complexos e intrincados de Sorkin para trabalhar nas reentrâncias dessas explosões verborrágicas e nos envolver em uma história que, como somos deixados para perceber só perto do final, é essencialmente sobre solidão e o estranho ímpeto que a interconexão da internet proveu à nossa geração. O diretor coordena fotografia, trilha-sonora, edição e atores para criar um estranho drama de tribunal (sem o júri popular) que analisa com muito mais profundidade e dedicação aos detalhes a backstory de seus personagens, usando com exemplar eficiência a performance comedida e genial de Jesse Eisenberg para ancorar o filme em Mark Zuckenberg ao mesmo tempo que o expande para retratar, em sua essência, a relação do hoje bilionário com todos aqueles a sua volta. A Rede Social não é só o retrato de um gênio excêntrico e desajeitado socialmente, mas o primeiro filme que dispensa a conversa sobre o porquê de ele ser assim e prefere analisar os efeitos que seu comportamento tem no mundo – tanto aquele que está imediatamente ao seu redor quanto num contexto maior.

Por trás desse drama de tribunal complexo e intrigante, no entanto, está um filme extremamente humanista, com uma visão de Zuckenberg e da geração da qual ele faz parte que passa longe de julgar essas pessoas por serem quem são. Muitas vezes acusado de deixar as emoções de seus filmes em segundo plano em favor da técnica, aqui essa característica de Fincher trabalha junto com a narrativa, escondendo em pequenos momentos e no discurso das entrelinhas a mistura de admiração, pena e curiosidade que define o olhar de Sorkin para o mundo conectado que ele destrincha aqui. Alguns dos melhores filmes, no final das contas, são aqueles que se escondem por trás da pretensão de ser sobre alguma coisa ou alguém, para serem na realidade sobre um aspecto da experiência humana que pode ser identificável para todos os espectadores que realmente se abrirem a experiência da obra. A Rede Social, com todas as suas polêmicas e hypes, é essencialmente sobre tomar as rédeas da própria vida, assumir as próprias ambições e tentar viver socialmente sem nunca deixar de ser verdadeiro consigo mesmo – e sobre todos os inimigos que é impossível não arranjar nesse caminho.

Com um elenco forte e coeso, liderado por uma performance de Jesse Eisenberg que segue sendo o retrato definitivo desse tipo de personagem e apoiado pela ótima aparição de Andrew Garfield como o brasileiro Eduardo Saverin, A Rede Social é um dos dramas essenciais do nosso século até agora, e precisa urgentemente começar a ser visto como tal.

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Harry Potter e as Relíquias da Morte: Parte 2 (Harry Potter and the Deathly Hallows: Part 2, EUA/Inglaterra, 2011)
Direção: David Yates
Roteiro: Steve Kloves, baseado no romance de J.K. Rowling
Elenco: Daniel Radcliffe, Rupert Grint, Emma Watson, Ralph Fiennes, Alan Rickman, Evanna Lynch, Helena Bonham Carter, Jason Isaacs, Helen McCrory, Tom Felton, Matthew Lewis, Bonnie Wright, Maggie Smith, Jim Broadbent, David Thewlis, Julie Walters, Natalia Tena
130 minutos

por Caio Coletti

Há de se argumentar que As Relíquias da Morte – Parte 2 não é o melhor filme dessa lista, e talvez destoe do restante dela por ser o único blockbuster apoiado em efeitos especiais e cenas de ação. Montar um ranking de filmes marcantes desde 2009 e ignorar o final de uma das sagas mais imensamente populares e importantes para cultura pop do nosso século, no entanto, não parecia a coisa certa a fazer. Reliquias chegou em 2011 e destruiu a pretensão de objetividade que existia dentro de cada crítico, e especialmente cada espectador, que estivera com Harry desde o começo da jornada, seja nos livros ou nos filmes. Sob a direção de David Yates, o homem que deu à série o seu estilo visual definitivo, o filme trouxe para a tela a apoteose da jornada de Harry, Rony, Hermione e de todos os outros coadjuvantes que se tornaram essenciais devido ao tempo que passamos com eles, e se estabeleceu como a prova de que uma boa história ainda é capaz de fisgar melhor o público do que qualquer espetáculo vazio de efeitos. O clímax tecido por J. K. Rowling chegou à tela em uma adaptação geniosamente fiel, mas que mesmo assim encontrava espaços para transformar aquilo que estava no livro em um material pertinente para o que víamos nos filmes. Roteiristas de futuras adaptações de literatura popular deveriam estudar Relíquias – Parte 2, porque é exatamente assim que isso deveria ser feito – mérito da mão segura de Steve Kloves, que também era um dos que estavam com Harry desde o começo.

Para um filme-irmão de Relíquias – Parte 1, essa obra conclusiva da série tem um estilo muito próprio, e muito diferente de seu antecessor. Onde a fotografia e a trilha-sonora brilharam no clima de indie-drama da Parte 1, com os protagonistas vagando pelas florestas do mundo mágico e “trouxa” a procura das primeiras Horcruxes e descobrindo segredos e partes escondidas de si mesmos; na Parte 2 o destaque vai todo para o confronto final entre os defensores de Hogwarts e os Comensais da Morte, usando com sabedoria o conhecimento que o público já tinha dos personagens e as atuações sempre espetaculares de um elenco que reúne o melhor da arte dramática britânica, e envolvendo o espectador nos destinos (alguns mais afortunados que ouros) de cada uma das criações de Rowling. Tal e qual sua contraparte literária, Relíquias não é um final indulgente, não insulta a inteligência do espectador e revela uma trama bem costurada, mesmo que não em tantos detalhes quanto na série de livros, com toda a história de Harry e companhia desde a primeira aventura, A Pedra Filosofal.

O resultado dessa aposta incondicional nos personagens é aquele que talvez seja o mais espetacular, envolvente e satisfatório ápice narrativo dos últimos anos, especialmente dentro do gênero em que se encontra. É também uma experiência simbólica para quem quer que tenha passado pela infância e adolescência na companhia desses personagens, e é um “adeus” muito apropriado em relação a tudo o que a série construiu na sua trajetória. Ou talvez seja um “até logo”. Afinal: “não importa se você volte através das páginas ou da tela grande, Hogwarts vai estar sempre lá para te dizer ‘seja bem-vindo ao lar’”.

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As Aventuras de Pi (Life of Pi, EUA/Taiwan/Inglaterra/Canadá/França, 2012)
Direção: Ang Lee
Roteiro: David Magee, baseado no romance de Yann Martel
Elenco: Suraj Sharma, Irrfan Khan, Rafe Spall, Gérard Depardieu
127 minutos

por Caio Coletti

Ang Lee sempre foi um diretor notável pela sensibilidade e excelência com a qual lidava com as emoções e fantasias de seus personagens. Até o seu Hulk era mais complexo psicologicamente do que qualquer fã de quadrinhos estava pronto para ver no cinema. Talvez por isso As Aventuras de Pi seja o filme que tenha lhe rendido o segundo Oscar de Melhor Direção (ele levou também por O Segredo de Brokeback Mountain, é claro) – toda a sua narrativa é um amálgama fascinante de imaginações e cores, explodindo em torno de uma narrativa enganosamente simples que esconde uma grande mensagem. Na melhor tradição dos bons diretores da Hollywood antiga (Spielberg sendo apenas o primeiro exemplo entre eles), Lee nos envolve com a trama habilmente através de situações com as quais podemos nos identificar, vide a luta por sobrevivência de Pi durante o tempo que passa como náufrago, tendo por única companhia o tigre selvagem que batiza de Richard Parker, ou sua história de vida, que nos é contada em flashbacks visualmente hipnotizantes. A dualidade determinada do final firma a prescrição de que nem sempre entregar uma resposta mastigadinha para o público é a melhor maneira de terminar uma história – Pi é muito melhor por nos deixar em dúvida, e exala muito mais verdade por conta disso.

No final das contas, Lee fez com o best-seller de Yann Martel um filme sobre a dúvida essencial do homem sobre a existência de Deus, sobre a angústia existencial que advém de viver o tempo todo em uma realidade opressiva e muitas vezes nada bela como a nossa. Fez tudo isso, mas o fez com uma narrativa notavelmente inventiva, que celebra a nossa capacidade de criar e nos maravilharmos com as nossas próprias criações, de enxergar as partes belas da natureza que nos cerca mesmo que ela se traduza em um grande perigo para a nossa sobrevivência. É um filme impiedosamente bem-dirigido, que tira da fotografia sensacional do chileno Claudio Miranda todo o brilho e grandiosidade da paisagem e dos efeitos especiais praticamente indistinguíveis das partes “reais” do filme. É uma realização técnica impressionante, realmente, mas a serviço de uma história que, acima de tudo, precisava e muito ser contada.

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Ela (Her, EUA, 2013)
Direção e roteiro: Spike Jonze
Elenco: Joaquin Phoenix, Scarlett Johansson, Amy Adams, Rooney Mara, Chris Pratt, Bill Jader, Kristen Wiig, Olivia Wilde
126 minutos

por Fernanda Martins

Direto ao ponto: a genialidade de Her começa com o título. A serenidade em dizê-lo sempre instiga e nos convida a repeti-lo. Theodore, interpretado pelo excelentíssimo Joaquin Phoenix, tem um melancólico e compassado sofrimento ao término do relacionamento com o, até então, “amor de sua vida”. No entanto, o íntimo do filme está, na verdade, no gap estabelecido pelas desconstruções do enigmático e intrínseco amor. O roteiro ímpar e impecável de Spike Jonze nos faz refletir, a cada monólogo de Theodore, sobre a luta instaurada pelo personagem, em relação às maneiras de amar estabelecidas pela efêmera e vaga era digital. Pasmem, mas Theodore nos convence, a cada minuto de filme, que é possível se apaixonar e fazer o famoso “papel de trouxa” em qualquer época e em qualquer circunstância.

Atentando-se às subjetividades irônicas propostas no filme, o personagem interpretado por Phoenix, ao mesmo tempo em que trabalha escrevendo cartas para casais apaixonados, vive em contato direto com a alta e futura – não mais de 30 anos – tecnologia. É exatamente em seus dias conflituosos e pouco harmônicos que Theodore adquire Samantha, um sistema operacional promissor. Samantha não aparece em nenhum momento no filme, apenas sua voz – interpretada pela competentíssima Scarlett Johansson – é que brilha. O sistema que, até então, é direcionado a ler e-mails e corrigir alguns dos textos de Theodore, com o tempo se revela um crush do personagem.

Em busca da “cura do amor perdido”, Theodore se apaixona pelo sistema operacional, e é exatamente aí que a obra prima contemporânea de Spike se revela muito mais forte do que pensamos. Aos que duvidam da possibilidade de se apaixonar que o ser humano tem, faço-lhes um desafio: assista ao filme sem desenvolver, no mínimo, um interesse por Samantha.

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Boyhood: Da Infância à Juventude (Boyhood, EUA, 2014)
Direção e roteiro: Richard Linklater
Elenco: Ellar Coltrane, Patricia Arquette, Lorelei Linklater, Ethan Hawke, Marco Perella, Brad Hawkins, Nick Krause, Zoe Graham
165 minutos

por Caio Coletti

Quando escrevi meu primeiro review de Boyhood (vejam aqui), lá em Dezembro passado, comecei o meu texto dizendo, sem rodeios, que o filme de Richard Linklater não cabia em palavras. Há algo de especial na obra-prima do diretor independente americano, filmada durante 12 anos acompanhando a infância e juventude do personagem de Ellar Coltrane, em grande parte moldado à imagem e semelhança do próprio ator. Um artigo da Slate, alguns dias depois do Oscar 2015, nomeou a decisão da Academia de não premiar o filme como o melhor do ano passado o pior erro cometido pela premiação nos últimos 20  anos, mas a verdade é que Boyhood não caberia dentro de um Oscar, também. O que Linklater fez aqui, e o fez confirmando a genialidade evidente nos seus mais de 20 anos de carreira, foi montar um épico intimista que trata acontecimentos absolutamente banais com o mesmo senso de grandeza que alguns blockbusters tratam lutas de espadas, tiroteios ou perseguições incansáveis. Boyhood é uma obra sutil que exige paciência e completa capacidade de seu espectador de abordá-lo de maneira aberta e serena, mas entrega como recompensa um dos empreendimentos narrativos mais notáveis da história do cinema. Boyhood nos engrandece porque não se rende às regras do cinema convencional e não monta uma estrutura narrativa “correta” – prefere contar as minúcias de uma vida, e o tremendo impacto emocional e filosófico que existe em observá-la e relacioná-la com a nossa.

De certa forma, o filme é uma elegia agridoce aos efeitos do tempo, e ao fato de que somos todos meros reféns dele. Linklater entende a liberdade que existe na noção de que não somos exatamente donos do nosso próprio destino, da nossa própria desventura ou da nossa própria sorte – entende que, em última instância, nenhum de nós sabe muito bem o que diabos está fazendo com a sua vida. Em Boyhood, a identidade é uma prisão que nos leva por caminhos que nossa razão nem sempre nos levaria, mas os quais somos obrigados a explorar, porque não podemos deixar de ser quem somos (com toda “a dor e a delícia” que isso proporciona). Seja na irresponsabilidade do pai de Mason durante a juventude, na intermitência de sua presença na vida do filho, ou na vida amorosa turbulenta da mãe do menino, Olivia, cujas tendências protetoras em relação aos filhos, ironicamente, tendem a jogá-la nos braços de homens controladores, Boyhood é tremendamente misericordioso com as falhas de seus personagens, e não poderia deixar de ser: de uma forma muito real, o tempo que passa para os atores (é preciso dizer que Ethan Hawke e Patricia Arquette estão absolutamente estupendos) torna cada um deles um amálgama fascinante de ficção e realidade que acaba fazendo-os parecer mais autênticos e essencialmente humanos do que os participantes de qualquer outra narrativa desses últimos seis anos.

É difícil não se afeiçoar por Boyhood, se o espectador vai em direção ao filme com o espírito certo e a mente aberta. É difícil não se apaixonar pela forma como ele tenta o tempo todo encontrar o extraordinário dentro dessas pessoas profundamente machucadas e reais que retrata, e pela forma como modela o espaço ao redor deles para nos mostrar exatamente onde reside esse fugaz elemento fantástico que existe no espírito humano. Nos tornando palpavelmente reais e nos colocando na tela grande, Boyhood quase nos torna como os deuses falhos da mitologia grega – formidáveis, terríveis, assustadores e suscetíveis a cada amor que passa pelo nosso caminho, seja em que forma for.

30 de ago. de 2015

6 anos d’O Anagrama: 6 séries marcantes dos últimos 6 anos

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Essa semana O Anagrama completa 6 aninhos! Incrível pensar em como esse tempo todo passou rápido, e o quanto o site mudou de 2009 pra cá, mas mais incrível ainda é pensar em quanta coisa, quanta cultura pop, passou por aqui e pelo mundo nesse período. Por isso, para comemorar em grande estilo os 6 anos do site, resolvemos olhar para fora de nós mesmos e montamos uma série de listas selecionando alguns dos “itens” mais marcantes da cultura pop dos últimos anos. Serão dois posts de TV, dois de cinema e dois de música, para pagar tributo ao caráter multi-assunto d’O Anagrama, nos próximos seis dias, e embora as nossas seleções sejam muito pessoais, como sempre estamos mais que abertos para discutir quem faltou e quem sobrou nas listas com vocês, maravilhosos leitores!

Essa é a nossa lista de 6 séries que acompanhamos mais avidamente nesses 6 anos. Amanhã o especial continua com os nossos 6 filmes preferidos de 2009 pra cá.

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Modern Family (ABC, 2009-)
Criadores: Steven Levitan, Christopher Lloyd
Elenco: Ed O’Neill, Sofia Vergara, Julie Bowen, Ty Burrell, Jesse Tyler Ferguson, Eric Stonestreet, Rico Rodriguez, Nolan Gould, Sarah Hyland, Ariel Winter, Aubrey Anderson-Emmons, Pierre Wallace

por Caio Coletti

Hype é uma coisa interessante. Lá em 2009, quando estreou, Modern Family recebeu uma tonelada de reviews positivos e ganhou público tão rápido, e de forma tão massiva, que ficou claro para todo mundo que havia algo de decididamente especial na criação de Steven Levitan e Christopher Lloyd. De lá para cá, conforme as temporadas foram passando e, especialmente, o público online foi se tornando mais autonomamente crítico, MF foi colocada em reavaliação e pipocaram artigos na rede que reclamavam da série estar “se perdendo”, ou mesmo clamavam que, seis temporadas depois da estreia, os personagens retratados na sitcom não haviam evoluído e progredido o bastante para os espectadores ainda se afeiçoarem a eles. Essa mudança de opinião não é por acaso, é claro: com 24 episódios por ano para colocar no ar, Levitan e Lloyd, no que deve ser um ritmo de trabalho alucinante, certamente começaram a desenhar contornos mais difusos para os personagens. Em muitos sentidos, eles de fato permanecem os mesmos que eram no episódio piloto, de 2009 – mas essa é na verdade uma das grande virtudes da comédia da ABC.

Permitindo que seus personagens mantenham integralmente os traços de personalidade que os definem (inclusive os ruins), e não perdoando-os pelos erros em que eles incorrem por causa desses defeitos, Modern Family se tornou uma das sitcoms mais conectadas com o zeitgeist americano, de fato uma herdeira “século XXI” para as séries de comédia das décadas anteriores que tratavam de famílias de classe média-alta e cativavam uma fatia muito grande do público de televisão (Family Ties, clássico dos anos 80, é o exemplo mais óbvio). Assolada por todos os males que chegaram realçados na nossa época, do egocentrismo ao espírito competitivo, passando pela preocupação obsessiva com a aparência e com as pressões sociais, a família moderna do título é uma confusão de afeições e birras, uma mistura predominantemente doce de temperamentos e constrangimentos. Modern Family tira preciosidades cômicas do seu elenco de personagens e das interações entre eles, e se aproveita da regra de ouro das sitcoms (“tudo se resolve no final”) para realçar que, em qualquer relação social, e especialmente em uma tão próxima quanto um laço familiar, perdão e consciência dos próprios erros são tudo o que impedem a coisa toda de desmoronar.

Os novos-críticos mais ferrenhos de Modern Family insistem em acusá-la de montar suas histórias como se esses personagens se odiassem ao invés de amarem-se. O que passa despercebido a essas pessoas são os pequenos momentos em que a criação de Levitan e Lloyd guarda os sinais desse amor familiar – e é muito realista que eles façam dessa forma, não? No dia-a-dia, o amor está muito mais em pequenas coisas do que em grande declarações. Os críticos passam batidos, também, pela química maravilhosa entre o elenco, e a percepção afiada que eles desenvolveram de seus personagens à essa altura, fazendo valer aqueles reviews lá de 2009 em que se dizia que a série não tinha “nenhum elo fraco” entre seus atores. Os atores mirins cresceram para se tornarem performers com personalidade própria, e talento promissor (principalmente no caso da ótima Sarah Hyland, a Haley), o que sem dúvida foi um golpe de sorte dos criadores – há algumas temporadas, são as crianças que mantem as engrenagens do arco de história se movendo graciosamente em Modern Family. Em muitos sentidos, a hoje criticada gigante da ABC continua sendo a sitcom mais sincera no ar atualmente, e isso não é pouco.

Status: Renovada para a 7ª temporada – estréia dia 23 de Setembro de 2015.

27-got-poster.nocrop.w529.h835.2xGame of Thrones (HBO, 2011-)
Criadores: David Benioff, D.B. Weiss
Elenco: Peter Dinklage, Lena Headey, Emilia Clarke, Kit Harrington, Sophie Turner, Iain Glen, Maisie Williams, Nikolaj Coster-Waldau, John Bradley, Alfie Allen, Aiden Gillen, Gwendoline Christie, Natalie Dormer

por Caio Coletti

Curiosamente ou não, Game of Thrones é outra das vítimas da “revisão crítica” pela qual todos os gigantes do entretenimento atual andam passando sob o olhar clínico do público online. No ar desde 2011, a série ganhou porte e público (ou será que nós ganhamos percepção do tamanho desse público?) junto com a inflamação das redes sociais, que elevaram as desventuras passadas na terra mística de Westeros a uma das histórias obrigatórias do zeitgeist contemporâneo. Das últimas temporadas para cá, choveram reclamações e artigos ultrajados daqueles que enxergaram nas cenas mais chocantes da série, pela primeira vez em cinco anos de trajetória, estratégias vazias de atração de público. A memória curta serve mal a esses críticos, porque é inegável que Game of Thrones sempre foi uma série em que a aposta no choque e na aversão do público foram partes essenciais de sua narrativa. Estamos falando de uma série em que, no final do episódio piloto, um personagem que não é exatamente antagonista empurra uma criança inocente da janela mais alta de uma torre gigantesca. A dubiedade moral da história de George R. R. Martin, adaptada para a TV por David Benioff e D.B. Weiss (entre outros roteiristas, claro) é um de seus grandes triunfos, sua empatia pelas falhas do mundo que retrata e das pessoas que o habitam é um traço definitivo daquilo que a diferencia de outras narrativas.

Game of Thrones é uma história sobre um mundo em que pessoas terríveis são colocadas em posições de poder, e na qual passamos uma boa parte do tempo enxergando que essas pessoas terríveis, capazes de atos ainda mais inomináveis quando elevados a essa soberania, são tão humanas quanto nós. Às vezes é impossível não se pegar pensando se nós mesmos, no lugar daqueles tiranos que observamos, seríamos tão supremamente melhores que eles. Nas mãos de Weiss e Benioff, a ideia de poder e influência é sedutora em parte porque ela traz com ela um senso de perigo formidável – todo mundo se acha forte o bastante para flertar com o trono de ferro e não se deixar levar pela embriagante sensação de ter outras vidas nas palmas das mãos, mas ninguém realmente é. Os mais sábios são aqueles que admitem isso, mesmo tendo suas próprias falhas: entre eles, talvez Tyrion (Peter Dinklage) seja o mais marcante. Apesar do sotaque britânico meia-boca do ator (yes, we went there), é na sua atuação equilibrada e expressiva que o personagem vai além do carisma e encontra uma humanidade e uma vulnerabilidade tão intensas quanto qualquer outro dos grandes personagens de TV atualmente.

Game of Thrones, mesmo com sua natureza vastíssima de personagens, locações e plot points, é uma história tremendamente centrada em termos de temática: é sobre amadurecimento na forma como retrata a jornada de alguns personagens mais jovens (Sansa e Arya principalmente, é claro) e as escolhas que eles fazem nessa parte delicada da vida; é sobre intolerância e radicalismo, sobre crença e descrença, sobre a forma como nossa vida é construída em cima de dualidades, de preto-e-branco, quando o mundo é muito mais complexo que isso. Sempre tremendamente bem-escrita (sempre!) e, na maioria das vezes, dirigida com uma perícia e uma manipulação de climatizações que ainda não é comum para a televisão, Game of Thrones é uma produção impressionante, mas é também uma história impressionantemente humana. E eu te dou três chances, caro leitor, para acertar qual dessas duas qualidades a faz verdadeiramente especial.

Status: Renovada para 6ª temporada – estréia em Abril de 2016.

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Person of Interest (CBS, 2011-)
Criador: Jonathan Nolan
Elenco: Jim Caviezel, Kevin Chapman, Michael Emerson, Taraji P. Henson, Amy Acker, Sarah Shahi, John Nolan

por Lucas Arraz

Qual o melhor sci-fi da televisão norte americana atual, e por que é Person of Interest? POI é uma série de ficção científica que mistura doses cavalares de suspense, drama e ação policial. Na trama, acompanhamos a história de Harold Finch (Michael Emerson) e John Reese (Jim Caviezel) - um bilionário e um ex-agente da CIA que, considerados mortos, atuam como o braço invisível da justiça em Nova York. Resolvendo crimes clandestinamente, a dupla de protagonistas conta com a ajuda de um supercomputador chamado Machine, que é capaz de invadir sistemas de vigilância e bancos de dados, prevendo quando crimes irão acontecer. Só há um detalhe: a Machine só entrega aos nossos protagonistas um CPF. O CPF nos leva a um nome e o nome nos leva a uma pessoa que pode estar prestes a ser vítima ou agente de um crime. Cabe a Finch e Reese, semanalmente, descobrir quem é o quê. Porém, há algo na Machine que incomoda seu criador Finch: Quais são os limites e perigos que sua inteligência artificial capaz de vigiar e punir as pessoas traz? A série é assinada por J.J Abrams (LOST) na produção executiva, Jonathan Nolan (O Cavaleiro das Trevas) como developer e ainda conta com Taraji P. Henson (Empire) e Kevin Chapman (Sobre Meninos e Lobos) no seu elenco. Feitas as apresentações, vamos a questão: O que faz de POI a melhor série de ficção científica da atualidade?

Quando estreou, em meados de 2011, Person of Interest não surpreendeu. Almejando conquistar a audiência órfã da LOST recém finalizada, POI, como tantas outras na época, tentou se escorar na fórmula LOSTiana: uma narrativa que misturava, em um procedural, ficção cientifica e mistério, flashbacks e personagens vivendo uma jornada de humanização. Tudo isso com aquele estilo de TV aberta com direito a protagonista heroico. O resultado, não vou mentir, é um início de série superficial, sem identidade e meia boca, mas não demorou muito para que o criador da série, Jonathan Nolan (irmão de Christopher, diretor de Interestelar), entender o que ele tinha na mão: uma história promissora com potencial para ser muito mais do que uma “nova LOST”. A revolução da narrativa de POI está em no ponto central de entender a realidade na ficção. O que torna Person tão legal (sem spoilers, galera) é quando ela esquece o seu lado procedural-caso-da-semana e passa a discutir questões atuais como invasão da privacidade, vigilância governamental e domínio das I.A sobre os humanos.

Em 2015 tivemos uma crise diplomática mundial quando descobriram que o presidente Obama autorizou a instalação de vigilâncias não consentidas a líderes políticos por todo o globo. Obama espionando a Dilma? Desculpa sociedade, mas o controle político de espionagem é algo que POI discute há temporadas. Para quem acompanha a série, vamos lembrar da season finale da terceira temporada, onde a Machine decide que seria melhor para os humanos se os protagonistas matassem um então inocente Senador americano pelo que ele podia vir a fazer no futuro; ou quando ainda temos o Samaritan controlando as eleições para governador de Nova York. A história de POI se constrói de forma que cabe ao telespectador discutir se a Machine do Harold faz um trabalho certo ou não – se ela é dotada de superpoderes abusivos ou ainda está limitada para agir. Tudo isso com base na nossa realidade de invasões à privacidade e superexposição digital.

Se por um lado prevenir crimes através da vigilância civil ajuda nossos protagonistas a salvarem vidas, a série levanta levanta questões como: É correto que uma máquina diga o que é um crime? Qual é a liberdade que daremos para essa máquina? É correto que ela tenha acesso a todas as ligações, imagens e dados de todas as pessoas mesmo que isso signifique um estado de segurança total? O mais legal é que Person não vai te dar essas respostas. Ver a série é tão interessante porque, assim como na realidade, não há um lado 100% bom/certo e um lado mal/errado na narrativa (não existe um Jacob versus a fumaça preta em POI). O que existem são pessoas, em futuro distópico e próximo, defendendo seus próprios ideais e que estão sujeitas a erros neste processo. POI, enfim, é uma série sobre máquinas e inteligências artificiais que discute o que é ser humano!

Além de entender a realidade da humanidade na ficção cientifica, POI se destaca por outro elemento: a sua construção de personagens. É elementar a forma como os antagonistas e os heróis são construídos, sem aquelas regras básicas que guiam as narrativas. Aqui, está liberado bater palmas para os antagonistas que são sensacionais. Aqui, “este cara é mau” e “este cara é o amigo” podem se aplicar ao mesmo personagem em diferentes episódios e valem, inclusive, para nossos personagens principais, que se perdem junto ao público em suas questões éticas. Mas não se engane ao pensar que Person é uma série pedante e chata – a série tem ação para te tirar o folego, dramas que vão te fazer chorar em posição fetal ao termino de um episódio e personagens, de cachorros a robôs, que serão mais amados por você do que muita gente por aí. Você ama sociopatas, odeia outros “normais”. Se envolve com as infinitas boas histórias das organizações criminosas de NY, e descobre como a Machine hackeia todos os cus das inimigas para o chão.

Person of Interest é um seriado de cultura pop inteligente, assim como este site maravilhoso que está fazendo aniversário. O Anagrama, bateu seu CPF aqui! Você é perpetrador deste crime maravilhoso e perfeito.

Status: Renovada para 5ª (e provavelmente última) temporada, com número de episódios reduzido – ainda sem data de estreia.

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American Horror Story (FX, 2011-)
Criadores: Brad Falchuk, Ryan Murphy
Elenco: Evan Peters, Sarah Paulson, Jessica Lange, Dennis O’Hare, Frances Conroy, Kathy Bates, Angela Bassett, Lily Rabe, Emma Roberts, Taissa Farmiga, Zachary Quinto

por Marlon Rosa

O gênero terror na história do cinema nunca teve muito destaque por parte de premiações como Oscar, Globo de Ouro, BAFTA e afins. Por ser um gênero que tem um baixo investimento com um retorno considerável de lucro, há uma grande oferta de inúmeros títulos que quase sempre caem na mesmice e não conseguem apresentar ideias inovadoras e originais para um gênero cheio de narrativas batidas e previsíveis. Mas verdade seja dita, o terror está se reerguendo dos confins do inferno e se mostrando forte e relevante novamente: no cinema temos uma nova safra de filmes de grande qualidade como Insidious, The Conjuring, It Follows e The Babadook, que por mais que percorram sobre alguns temas já abordados, conseguem inovar e trazer uma narrativa e uma visão única sobre o assunto.

Aqui do lado da TV a história é um pouco mais triste, já que terror nunca foi muito um hype explorado – claro que isso não exclui algumas proezas do gênero como Arquivo X, Masters of Horror, Além da Imaginação e etc., que em meio a um mundo disseminado por ficção científica, drama e comédias, conseguiram despertar o interesse pelo tema, apesar de nunca conseguirem competirem de forma justa em número de títulos.

E então veio The Walking Dead, que com sua fome de carne e cérebros deu a mordida inicial para que American Horror Story pudesse terminar a refeição e multiplicar o gênero para os outros canais. Lançada em 2011, a série com direção de Ryan Murphy, que até então era mais conhecido por ter feito Glee, logo caiu no gosto dos fãs do gênero, e também daqueles que não tinham muita afinidade. A primeira temporada vinha com o título de Murder House, passava pela história de uma família em crise, até então, nada muito diferente do que já havíamos visto em inúmeros casos, porém, com a visão de Ryan e algumas boas atuações no decorrer das série com personagens que despertam o interesse, era quase inevitável o sucesso que o título traria para TV, e serviria como porta de entrada e consolidação do gênero na TV, trazendo séries como a fantástica Penny Dreadful, The Strain, Hemlock Grove, Scream, Salem e etc.

Apesar de algumas temporadas não muito bem aclamadas pela crítica, American Horror Story já vai para o seu quinto ano, com a certeza de que seu legado será relembrado como um dos clássicos do gênero.

Status: Renovada para a 5ª temporada – estreia em Outubro de 2015.

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Girls (HBO, 2012-)
Criadora: Lena Dunham
Elenco: Lena Dunham, Allison Williams, Jemima Kirke, Zosia Mamet, Adam Driver, Alex Karpovsky, Andrew Ranells

por Marlon Rosa

Você acha que ser garota propaganda de uma marca de maquiagens dará melhor representatividade para as pessoas trans?” Essa foi uma das perguntas da matéria feita para a área de entretenimento do site da Band a Maria Clara Araújo, transexual brasileira que foi convidada para estrelar uma campanha de cosméticos. A resposta não poderia ser melhor:

Dentro do nosso contexto brasileiro, a trans só é representada em contextos específicos que são: na delegacia, na questão de serem presas; na prostituição; e na ridicularização, em programas de humor e afins. Então quando a gente fala de uma mulher trans ser o rosto propaganda de uma marca de maquiagem, isso é algo muito importante para a representatividade. Ali não é a Maria Clara. É uma mulher trans que pode ser vista por outras meninas como uma representatividade boa. Elas vão poder ver algo bom sendo relacionado à questão da mulher trans e não mais a questão de morte, questão de criminalidade, de prostituição e afins. “

Ainda que GIRLS não tenha uma mulher trans entre as protagonistas (e também peque bastante em não ter uma personagem negra) no elenco, não se deve negar que para uma parcela significativa das mulheres ela projeta uma imagem que gera identificação e uma quebra de estereótipos machistas que rondam diariamente o universo feminino. Sei que pode parecer estranho esse discurso vindo de mim, que sou um homem, mas acreditem, aqui quem vos fala não sou eu, essas são as opiniões e visões das amigas com quem conversei durante todas essas temporadas que busco auxílio e explicações pra questões que eu não tenho como entender.

A influência da série é tão significativa que isso fez com que a HBO se aventurasse pelo mundo gay de Looking (que olhem só, também não tinha nenhum personagem trans e também pecava na negritude), que durante duas temporadas lutou pra tentar firmar novamente uma série gay nesse lotado mercado de séries com poucos personagens LGBT de destaque.

Nesse conjunto todo, GIRLS também é bem-sucedida ao retratar quase que fielmente alguns dos anseios e traumas de relacionamentos enfrentado pelos millennials. Marnie é prova viva disso, ao dispensar o papel de amante da relação simplesmente pelo seguinte motivo: “eu sei o que eu quero e você não está me oferecendo”.

Fica a sensação de que a série, apesar dos vários acertos, ainda tem muito a explorar sobre o universo no qual está inserida – não que isso seja uma obrigação por parte do programa, mas certamente é um potencial interessante para um programa com tamanha influência se aventurar.

Status: Renovada para a 5ª temporada – estreia em Janeiro de 2016.

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House of Cards (Netflix, 2013-)
Criador: Beau Willimon
Elenco: Kevin Spacey, Robin Wright, Michael Kelly, Nathan Darrow, Mahershala Ali, Molly Parker, Derek Cecil, Rachel Brosnahan, Jimmi Simpson, Elizabeth Marvel

por Caio Coletti

Que o advento e o crescimento do Netflix revolucionou a forma como vemos televisão não é mais novidade para ninguém, mas o que é muitas vezes ignorado é que, em 2013, quando o serviço de streaming começou a produzir sua programação original, eles revolucionaram também a forma como televisão é concebida. A liberação de todos os episódios da temporada no mesmo dia (uma jogada genial e muito condizente com a natureza in-demand do serviço de streaming, há de se reconhecer) é só a ponta do iceberg da forma como House of Cards começou a mudar a relação entre os produtores de televisão e o espectador. Poder conceber a temporada como um todo antes de lançá-la para apreciação público é um privilégio que Beau Willimon, developer e principal roteirista da série protagonizada por Frank e Claire Underwood, teve em primeira mão. A hospedagem em um serviço online como Netflix, no entanto, permitiu que House of Cards encontrasse seu público e trabalhasse para direcionar a história num sentido de integridade artística com muito mais naturalidade do que aconteceria em qualquer emissora, aberta ou a cabo, dos EUA no momento. A evolução da narrativa no decorrer das temporadas combinou o processo de aprendizado próprio que muitas outras séries “convencionais” passam com a liberdade narrativa e a coerência de uma história que é contada com muito mais liberdade do que o comum. O resultado é que House of Cards, até agora, só soube ficar melhor.

Mas deixemos de lado um pouquinho a revolução cultural que a série representa, e nos concentremos em suas virtudes objetivas: adaptada de uma série de livros que se passa no ambiente político britânico, House of Cards aborda as idas e vindas de Washington D.C. sem a condescendência e a “simplificação” da maioria das narrativas políticas da televisão, deixando o espectador decifrar por si próprio as complexidades e os desvios pelos quais as trajetórias de Frank e Claire passam durante as 3 temporadas. A série produzida por David Fincher, no entanto, não triunfa só na sua trama política – a construção tremendamente cínica de seus personagens sustenta a narrativa com folga, especialmente no terceiro ano, em que um foco mais intenso recai sobre os lados humanos dos dois protagonistas e até de alguns coadjuvantes (o Doug Stamper do ótimo Michael Kelly é sempre um destaque merecido). Durante os dois primeiros anos, House of Cards foi uma produção de diversas experimentações visuais, que brincava com a liberdade que tinha no Netflix para quebrar com a linguagem televisiva convencional, e nos trazia narrativas e trabalhos de direção e fotografia surpreendentes e peculiares.

Na terceira temporada, a série abre espaço no meio desse conceito visual estrito para os personagens respirarem e se inserirem em uma estrutura que, querendo ou não, é mais “convencional” – é uma surpresa, portanto, quando essa decisão acaba gerando a melhor sequência de episódios da série até agora, e largamente porque a exemplar postura discreta da direção abre espaço para os atores e roteiristas brilharem. Devastadora emocionalmente, intrigante politicamente e complexa intelectualmente, House of Cards mesmo assim deve muito ao trabalho de seus dois protagonistas, em atuações que provavelmente definirão suas carreiras daqui para frente. Kevin Spacey faz um trabalho gigantesco com Frank, trabalhando emoções e sensações primais que se traduzem em pequenas sutilezas na tela, e em uma composição completa e nada apologética de um dos vilões (sim, vilões) mais intrigantes da televisão. Robin Wright não deixa nada a dever ao parceiro oscarizado de cena, moldando o mistério essencial que existe em Claire numa atuação tremendamente emocional, mesmo quando a personagem anda na corda bamba entre demonstrar e esconder sua verdade. Nada maniqueísta, sem nunca menosprezar a inteligência do espectador, House of Cards já ensinou muito para as concorrentes do cenário televisivo – mas ainda tem algumas lições para passar.

Status: Renovada para a 4ª temporada – estreia em 2016.

28 de ago. de 2015

6 anos d’O Anagrama: 6 astros de cinema marcantes dos últimos 6 anos

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Essa semana O Anagrama completa 6 aninhos! Incrível pensar em como esse tempo todo passou rápido, e o quanto o site mudou de 2009 pra cá, mas mais incrível ainda é pensar em quanta coisa, quanta cultura pop, passou por aqui e pelo mundo nesse período. Por isso, para comemorar em grande estilo os 6 anos do site, resolvemos olhar para fora de nós mesmos e montamos uma série de listas selecionando alguns dos “itens” mais marcantes da cultura pop dos últimos anos. Serão dois posts de TV, dois de cinema e dois de música, para pagar tributo ao caráter multi-assunto d’O Anagrama, nos próximos seis dias (pulando o fim de semana, pra você não ter que perder nenhum), e embora as nossas seleções sejam muito pessoais, como sempre estamos mais que abertos para discutir quem faltou e quem sobrou nas listas com vocês, maravilhosos leitores!

Essa é a nossa lista de 6 astros de cinema que adoramos ver nas telas nesses seis anos. Segunda-feira o especial continua com 6 personagens de TV que marcaram época de 2009 pra cá.

tumblr_mxefg1l9841rf29u9o1_1280Amy Adams

por Caio Coletti

Foi em 2006, aos 32 anos, que a ítalo-americana Amy Lou Adams ganhou a primeira indicação ao Oscar, pelo papel na dramédia independente Retratos de Família. A essa altura, a garota do interior do Colorado que foi criada em uma família mórmon com outros seis irmãos e irmãs já lutava por um lugar em Hollywood desde 1999, quando tirou uma folga do trabalho como dançarina em um teatro off-Broadway para atuar na comédia Lindas de Morrer ao lado de Kirsten Dunst e Ellen Barkin. Esse não era o tipo de atriz que perderia uma chance para o sucesso, como ela bem demonstrou ao conquistar logo em seguida, entre outras 300 atrizes, o papel da princesa Giselle em Encantada, filme da Disney que tratou de tirá-la da obscuridade dos apreciadores de cinema indie e trazê-la para o Olimpo das estrelas de Hollywood.

Da criação d’O Anagrama para cá, Adams conquistou outras quatro indicações para o Oscar (Dúvida, O Vencedor, O Mestre, Trapaça) e manteve corajosamente a imagem de atriz de escolhas respeitáveis mesmo quando fez algumas concessões para o blockbuster hollywoodiano, como as comédias românticas Julie & Julia e Casa Comigo?, além do divertido Os Muppets e, é claro, do papel da namorada do Super-Homem em O Homem de Aço. A verdade é que mesmo essas seletas escolhas do mainstream valem crédito para Adams, que injeta vida nos seus personagens com a facilidade de quem tem talento nato para a profissão. Seja como a freira nervosa de Dúvida ou como a complexa e escorregadia Sydney de Trapaça, a atriz traz uma energia instintiva e uma sensibilidade aguçada para seus filmes – não muito dada a performances exageradas e “mastigação de cenários”, Adams está discretamente se mostrando a melhor atriz de sua geração. Então não duvide que, no futuro, ainda falaremos dela como falamos hoje de sua colega de elenco em Dúvida, Meryl Streep.

Os próximos anos: Amy reprisa o icônico papel de Lois Lane, que assumiu a partir de O Homem de Aço, em outros dois filmes da DC – Batman vs. Superman (24/03/2016) e Liga da Justiça (17/11/2017). Enquanto isso, ainda tem marcado para o ano que vem o novo Denis Villeneuve  (Os Suspeitos), uma ficção científica intitulada Story of Your Life, em que interpreta uma linguista contratada para desvendar as intenções de uma raça alienígena que invade a Terra; e o novo Tom Ford (Direito de Amar), uma adaptação do premiado livro Tony and Susan, rebatizada de Nocturnal Animals, sobre uma dona de casa suburbana que vê sua vida desmoronar enquanto lê o manuscrito do romance de estreia do seu ex-marido.

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Benedict Cumberbatch

por Clara Montanhez

De detetive célebre e pouco convencional a dono de escravos e até dragão, Benedict Cumberbatch tem, nos últimos seis anos, se mostrado incrivelmente versátil. Ele é um dos poucos atores da atualidade que se permite metamorfoses tão gritantes entre os personagens, não só nas aparências, mas nas motivações e caracterizações psicológicas. Sherlock, série que começou em 2010 e terá especial de natal esse ano, trata do famoso detetive inglês que, ao lado de seu sidekick Watson, resolve mistérios não desvendados pela polícia. A atenção aos detalhes e as contribuições médicas de Watson tornam a dupla imbatível no que faz.. Isso até Sherlock se deparar com um inimigo que (finalmente) mostra uma inteligência nos crimes comparada a do próprio detetive: o Professor Moriarty. Nas três temporadas já lançadas, Cumberbatch incorpora totalmente o personagem, nos dando um Sherlock solitário, pensativo e levemente transtornado, o que acaba dando o tom carismático e engraçado à série.

Em Star Trek – Além da Escuridão e em O Hobbit, vemos vilões bem construídos e não-humanos. Em Star Trek Cumberbatch faz Khan, o vilão cujo objetivo não é interferir na missão do Capitão Kirk, mas resgatar parte de sua tripulação que estava sob controle da Federação; contudo, não é possível recuperá-los sem entrar em confronto com os interesses do comandante da Enterprise. Já em O Hobbit, Cumberbatch dá expressão e voz para a animação do terrível dragão Smaug no segundo filme da franquia. Trata-se de um personagem soberbo e pouco complexo, cujo objetivo é única e exclusivamente guardar “seu” tesouro (que, como podemos lembrar, pertencia aos anões). Em ambos os personagens, além da intensidade e da emoção entregadas ao público, uma característica em comum é muito perceptível: a impetuosidade.

Em trabalhos pouco mais recentes, Cumberbatch representou personagens reais e similares, em que se destacam a genialidade e a excentricidade. São os filmes O Quinto Poder e O Jogo da Imitação. No primeiro temos Julian Assange, criador do polêmico Wikileaks, e um homem cuja sede por transparência nas decisões do governo transcende alguns princípios éticos convencionais, atraindo tanto apoiadores quanto detratores. No segundo, ele interpreta Alan Turing, gênio da informática e criador de um dos protótipos do computador moderno. Em ambos personagens, vemos que há um objetivo a ser alcançado e que a determinação em terminar a jornada são decisivos na construção da personalidade, o que torna os homens em questão antissociais e incompreendidos. A diferença essencial entre eles é a questão da honestidade, que guiava Turing e que está traduzida na performance indicada ao Oscar de Cumberbatch. No caso de Assange, por se tratar de uma figura polêmica e ainda viva, o ator, adequadamente, deixa transparecer mais ambiguidade de intenções.

Os próximos anos: Como sempre muito ocupado, o ator deve entrar para o MCU (Marvel Cinematic Universe) na pele do próprio Mago Supremo em Doutor Estranho, marcado para 3 de Novembro de 2016. Antes, atua ao lado de Johnny Depp no thriller criminal Black Mass (12/11/2015), em que interpreta um famoso senador americano, irmão mais novo do criminoso interpretado por Depp. Também em 2016 será dirigido por David Lowery (Ain’t Them Bodies Saints) no drama de guerra The Yellow Birds; pelo colega ator Gary Oldman em Flying Horse, no qual interpreta o amante da esposa (Amanda Seyfried) de um famoso fotógrafo (Ralph Fiennes); e por Andy Serkis (!) na nova versão do clássico Mogli, em que interpretará o vilão Shere Khan por meio da captura de performance.

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Emma Watson

por Caio Coletti

Não eram tantos os que apostavam que, mesmo meia década depois do final da franquia Harry Potter nos cinemas, Emma Watson ainda seria um dos nomes mais importantes de Hollywood. Não só isso, essa talentosa anglo-francesa (ela nasceu em Paris e se mudou com os pais para a Inglaterra aos 5 aninhos) continuou escolhendo papéis que corajosamente desafiam a noção dos detratores que nossa eterna Hermione Granger é uma atriz-de-um-personagem-só. A verdade é que Emma já se destacava e muito dentro da franquia que fez seu nome – não só sua Hermione era uma reflexão fiel da inesquecível criação de J.K. Rowling, era também, em cena, a base fundamental ao redor da qual as outras performances dos jovens atores convergiam. Em vários pequenos momentos, a atriz adicionava sutilezas e um espírito vital à personagem, que equilibrava os elementos emocionais de cada um dos filmes e dava profundidade a uma das personagens femininas mais fortes e interessantes da nossa época. A mesma descrição, inclusive, vale para as mulheres que Emma, hoje com 25 anos, interpretou depois do final de Harry Potter.

A pequena participação em Sete Dias com Marilyn é de uma importância fundamental para o filme, contra-balanceando a interpretação intensa e compreensiva de Michelle Williams com uma personagem que foi escrita para exalar exatamente o charme discreto que Emma traz à tela. O caráter mais rebelde de sua Sam em As Vantagens de Ser Invisível é um contraste absoluto a esse primeiro papel fora de Harry Potter, mas ao mesmo tempo Emma entende que há determinadas características humanas que não podem faltar em nenhum personagem, e exercita mais uma vez a sutileza para injetar Sam com desejos, arrependimentos e todas as problemáticas reprimidas da personagem, exatamente como foi escrita por Stephen Chbosky. De certa forma, Emma fecha um “espectro” de possibilidades da juventude com a fútil Nicki que retratou no ácido (e muito mais inteligente do que lhe foi dado crédito) Bling Ring, de Sofia Coppola (Maria Antonieta). Encarnando o espírito cínico do filme, a atriz interpreta Nicki com a dose certa de auto-consciência da sua performance, emprestando frieza e distanciamento para o filme, essencialmente uma comédia de costumes que não reserva muita afeição por seus protagonistas – a atuação de Emma aqui está o tempo todo consciente de que é uma atuação, e isso só adiciona ao humor peculiar do filme.

Os próximos anos: A moça estrela, sob o comando de Alejandro Amenábar (Os Outros), o terror Regression, em que um pai de família (Ethan Hawke) é acusado de um crime do qual não se lembra – a estréia é em 02 de Outubro desse ano. Ela também contracena com Tom Hanks no suspense de ficção científica The Circle, marcado para 2016, onde interpreta uma mulher recém-contratada por uma poderosa (e misteriosa) companhia tecnológica. Já em Colonia, ela faz par com Daniel Brühl (Rush) como a garota em procura desesperada pelo namorado que cai nas garras de uma infame organização secreta. Por fim, em 2017 ela assume o manto de uma das nossas princesas da Disney favoritas em A Bela e a Fera, versão live-action comandada por Bill Condon (Dreamgirls).

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Jennifer Lawrence

por Caio Coletti

Há algum tempo que Hollywood não via um fenômeno jovem como Jennifer Lawrence. Aos 25 anos, a estrela americana já tem um Oscar na prateleira, prestígio crítico de sobra e é uma a atriz mais bem paga e lucrativa da terra do cinema. Tudo começou em 2011, quando sua atuação em Inverno da Alma como uma garota em busca do pai, um traficante de drogas desaparecido, lhe garantiu a primeira indicação ao prêmios da Academia. O filme independente abriu as portas de Hollywood para ela, que ainda atuou em pequenos papéis no ótimo romance Loucamente Apaixonados e sob a direção de Jodie Foster em Um Novo Despertar. Escolhendo seus blockbusters a dedo, a americana natural de Kentucky embarcou na franquia mutante em X-Men: Primeira Classe, herdando o manto de Rebecca Romijn como Mística; e assumiu a trança e o arco-e-flecha da já icônica Katniss Everdeen no primeiro Jogos Vorazes, um raro sucesso de público e crítica entre as adaptações de livros young adult. Ostensivamente a série mais inteligente do gênero da atualidade, Jogos Vorazes se tornou a plataforma para a escolha de projetos mais ousados e dramáticos pela atriz.

Em 2012 ela se juntou a David O. Russell pela primeira vez em O Lado Bom da Vida, emprestando instinto e visceralidade à viúva desequilibrada Tiffany, “par romântico” do protagonista feito por Bradley Cooper. Incorporando a atitude não-apologética da personagem, Lawrence entregou uma performance refrescante pela honestidade e pela sutileza – o resultado, como todos sabem, foi uma estatueta do Oscar (e um tombo lendário nas escadarias da premiação). Depois do terror A Última Casa da Rua ela voltou ao comando de Russell como a destrutiva esposa de Chistian Bale em Trapaça, o grande filme mais subestimado de 2013. Numa performance intensamente física e impetuosa, Lawrence se destaca frente a um elenco de peso, inserindo um elemento de caos e imprevisibilidade no mundo da dramédia setentista de Russell. O trabalho rendeu a terceira indicação ao Oscar, o que garantiu que, mesmo com o relativo fracasso do drama de época Serena, da diretora Susanne Bier (Brothers), Lawrence continuasse firme no posto de uma das maiores estrelas de sua época – e uma das melhores atrizes também.

Os próximos anos: No dia 19 de Novembro ela volta para a pele de Katniss Everdeen pela última vez em Jogos Vorazes: A Esperança – O Final, encerramento da quadrilogia que impulsionou seu nome para o estrelato. Dia 07 de Janeiro de 2016 ela está de volta ao comando de David O. Russell (O Lado Bom da Vida) em Joy, como a poderosa matriarca de uma família que, no decorrer de várias gerações, constrói um verdadeiro império. Também se junta ao diretor Morten Tydlum (O Jogo da Imitação) na ficção científica Passengers, em que uma nave espacial com um destino distante acorda um passageiro do sono criogênico por acidente – e ele (Chris Pratt) toma a decisão de acordar uma mulher para lhe fazer companhia. Por fim, ela reassume seus deveres como Mística em X-Men: Apocalypse, marcado para 19 de Maio de 2016.

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Leonardo DiCaprio

por Caio Coletti

De enfant terrible e prodígio do cinema americano nos primeiros anos de carreira enquanto ainda adolescente até maior astro do planeta (literalmente, “o rei do mundo”) depois de Titanic, quem viu a primeira metamorfose de Leonardo DiCaprio não poderia prever o que estava por vir, especialmente quando ele se aliou a Martin Scorsese em O Aviador e começou a mostrar a vontade de se tornar um ator respeitado não só pelo star-power, mas também pelas boas escolhas de projeto. Hoje aos 41 anos, Leo se mostra cada vez mais seletivo e cada vez mais certeiro, abraçando personagens complexos e interessantes em filmes que ultrapassam gêneros cinematográficos e se tornam obrigatórios para qualquer fã de cinema que se preze.

Nos últimos seis anos foram exatamente seis filmes, inclusive. Em 2010 ele acertou o alvo duas vezes ao se unir ao velho parceiro Scorsese no subestimado suspense A Ilha do Medo e ao abraçar o talento de Christoper Nolan no melhor filme da carreira do diretor, o intrigante A Origem. Perturbados e traumatizados, com esposas ausentes e envolvidos em narrativas misteriosas, ambos os personagens traziam Leo a um mundo de papéis adultos que só faziam confirmar seu amadurecimento como ator. O garoto celebrado pela energia com a qual encarnou o poeta Athur Rimbaud em O Eclipse de Uma Paixão (1995) agora é capaz de performances compenetradas e sutis, cheias de nuances. É exatamente o tipo de tratamento que ele deu ao personagem título de O Grande Gatsby, dirigido por Baz Luhrmann (Moulin Rouge!) – Leo é o coração por trás da história do clássico livro de Fitzgerald, uma figura magnética que se caracteriza tanto pelo charme quanto pelo otimismo quase infantil (e tremendamente americano) com o qual enxerga o futuro. Radicalmente diferentes são seus retratos do vilão Calvin Candle em Django Livre e do anti-herói Jordan Belfort em O Lobo de Wall Street, dois papéis que exercitam uma veia cômica insuspeita por baixo do verniz que Leo montou para si. É preciso tirar o chapéu para um ator que exercita com a mesma seriedade dois espectros tão diferentes da arte da atuação.

Os próximos anos: Sempre muito seletivo, o astro tem apenas um projeto marcado para o futuro próximo: The Revenant, o novo filme do recém-oscarizado Alejandro González Iñárritu (Birdman), em que DiCaprio interpreta um explorador americano que, após ser deixado para trás pelos companheiros de viagem graças aos ferimentos advindos de um ataque de urso, volta para se vingar da injustiça. Tom Hardy, Domnhall Gleeson e Will Poulter estão no elenco, e o filme deve estrear em Janeiro de 2016.

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Meryl Streep

por Clara Montanhez

Loira, olhos azuis, rosto fino... Típico estereótipo das estrelas de Hollywood – contudo, Meryl Streep não tem um fio de cabelo de clichê entre as belas madeixas. Desde O Diabo Veste Prada (2006), Meryl marcou seu lugar em uma geração diferente daquela que a viu primeiro no cinema. Porém, podemos dizer que de seis anos para cá ela começou a receber o reconhecimento que sempre mereceu.  Em Julie & Julia, Meryl vive a escritora de livros culinários com receitas práticas para a dona de casa norte-americana dos anos 1950. A mulher de porte grande e de modos pouco delicados (ainda que com coração grande) recebeu uma personificação impecável de Meryl nas telonas, ainda que a semelhança física das duas não fosse tão gritante assim. O filme conta a história de uma jovem, Julie, que é fã da escritora e decide criar um blog em que compartilha os pratos que cozinha a partir dos livros de Julia. É uma história cativante e um filme muito gostoso de assistir. E, como bônus para Meryl, uma indicação ao Oscar de Melhor Atriz.

Seu próximo sucesso veio ainda no mesmo ano, com Simplesmente Complicado. É uma comédia irreverente sobre o caso que uma mulher na casa dos 50 anos começa a ter com seu ex-marido, agora casado com uma mulher de 30. Filmado na costa da Califórnia, a atmosfera é relaxante e ensolarada, o que deixa o longa ainda mais atraente. A personagem de Meryl é a típica mulher que aprendeu a recomeçar a vida após o divórcio, com todas as inseguranças que se pode ter na meia idade, mas, ainda assim, não deixando de aproveitar a vida e mostrar que não há nada de errado em envelhecer e ser feliz. A Dama de Ferro veio para dar a Meryl seu terceiro Oscar e, cá entre nós, muito mais que merecido. A decidida e dura personagem biográfica foi a primeira mulher a ser primeira-ministra da Inglaterra, em 1979. É compreensível a razão de Thatcher ser tão inflexível; em uma burocracia estatal em que (assim como na maioria delas) predominam os homens, para que ela chegasse ainda nos anos 70 ao maior cargo público inglês ela não podia ter sido boazinha. Meryl, com o auxílio da tecnologia e muita maquiagem, se tornou a própria Thatcher no cinema, deixando a semelhança ainda mais aguda. Sua interpretação, assim como é esperado, foi sensacional, demonstrando, ainda na velhice da personagem, a mesma determinação e motivação que tinha quando era adolescente.

Por último, mas de maneira nenhuma menos importante, Álbum de Família, de 2013, traz uma Meryl exagerada e complexa, matriarca de uma família numerosa e personificada por vários atores talentosíssimos, entre eles Julia Roberts e Benedict Cumberbatch (que também está nesta lista). O evento que junta a família é o desaparecimento do marido de Meryl, e esta inesperada união dos personagens (muitos dos quais não se dão bem) deixa uma atmosfera estressada no ar, mas, ao mesmo tempo, engraçada e familiar, que atrai o público. Foi mais uma indicação de Meryl ao Oscar, somando, assim, 18 vezes que seu nome brilhou na telinha.

Os próximos anos: Aos 66 anos, Mrs. Streep continua aproveitando a melhor época de sua carreira. Esse ano, ela aparece como uma rockstar que precisa lidar com as responsabilidades de ser mãe em Ricki and the Flash, dramédia de Jonathan Demme (Filadélfia) marcada para 10 de Setembro; e como a ativista que inspira as protagonistas do movimento feminista no drama de época Suffragette, co-protagonizado por Carey Mulligan e Helena Bonham-Carter. Ainda sem data de estreia marcada, Florence Foster Jenkins coloca Meryl ao lado de Hugh Grant e sob o comando de Stephen Frears (Philomena) como uma herdeira americana que sonha ser uma cantora de ópera, mesmo sem nenhum talento para a coisa.

27 de ago. de 2015

6 anos d’O Anagrama: 6 artistas que descobrimos antes das paradas

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por Caio Coletti

Essa semana O Anagrama completa 6 aninhos! Incrível pensar em como esse tempo todo passou rápido, e o quanto o site mudou de 2009 pra cá, mas mais incrível ainda é pensar em quanta coisa, quanta cultura pop, passou por aqui e pelo mundo nesse período. Por isso, para comemorar em grande estilo os 6 anos do site, resolvemos olhar para fora de nós mesmos e montamos uma série de listas selecionando alguns dos “itens” mais marcantes da cultura pop dos últimos anos. Serão dois posts de TV, dois de cinema e dois de música, para pagar tributo ao caráter multi-assunto d’O Anagrama, nos próximos seis dias (pulando o fim de semana, pra você não ter que perder nenhum), e embora as nossas seleções sejam muito pessoais, como sempre estamos mais que abertos para discutir quem faltou e quem sobrou nas listas com vocês, maravilhosos leitores!

Essa é a nossa lista de 6 artistas que passaram aqui pelo nosso site antes mesmo de virarem sucesso – não gostamos de nos gabar, mas às vezes brincamos de mãe-de-santo e, nesses 6 anos, previmos o sucesso de muita gente. Amanhã o especial continua com 6 astros de cinema que amamos acompanhar de 2009 pra cá.

Charli_XCX_(cropped)Charli XCX

Dizer que Charli é um dos nomes mais importantes do pop britânico hoje em dia é fácil – apostar nela lá em 2011, quando saíram os primeiros singles “Nuclear Seasons” e "Stay Away", requeria um pouco mais de atenção. Foi o que O Anagrama fez, depois de topar com o clipe super-estilizado para “Nuclear Seasons” no Youtube e se encantar com o synthpop denso e com sotaque inglês adorável que a moça fazia naqueles primeiros anos de carreira. Com um estilo opressivo e sombrio na produção e os visuais certos para casar com essa proposta, Charli fazia música com um conceito forte e cheio de referências, um clima quase industrial que remetia à new wave dos anos 80 e a filmes de ficção científica distópica como Blade Runner e Metrópolis. Se há uma grande responsável pelo estilo gótico ressurgir das trevas e conquistar o mainstream e, especialmente, a música pop, eletrônica e alternativa, essa responsável é Charli XCX, mas a moça não se contentou com isso: nas mixtapes que se seguiram aos primeiros singles, incorporou elementos mais contemporâneos, incluindo o hip hop (na ainda insuperável "Cloud Aura", em parceria com Brooke Candy) e o bubblegum pop que estava voltando à moda depois da febre oitentista dos anos pós-Lady Gaga. O resultado dessas experimentações foi o álbum True Romance, lançado sem muito alarde em meados de 2013, colecionando canções de todos os lançamentos anteriores e adições mais que valiosas ao repertório. A melodia marcante de "Set me Free" que o diga, aliás.

Quando Charli começou a se preparar para a segunda fase da carreira, a parceria com as meninas do Icona Pop estourou nas paradas e, de repente, a cantora inglesa via mais holofotes sobre si do que nunca. O verdadeiro momento da verdade, no entanto, veio quando "Boom Clap", sua composição para a trilha-sonora de A Culpa é das Estrelas, explodiu no mundo todo. Viciante, simples e grudenta, a música era uma prima mais “pop” das canções que Charli havia selecionado para o True Romance, enveredando de vez o estilo visual e musical da cantora para uma direção mais leve e contemporânea. A nossa intuição foi confirmada quando saiu "Break the Rules", o hino que antecipou Sucker, segundo álbum de estúdio da cantora, lançado no finalzinho de 2014. Brincando com os caminhos do punk-pop que movimentou o começo dos anos 2000, Charli teceu uma obra que fez jus às raízes adolescentes/rebeldes do gênero e chegou com uma atitude confrontadora e nada sutil. Não se surpreendam se, daqui a alguns anos, as baladas alternativas sejam invadidas por canções nos moldes de "Doing It" e "Famous", que flertam com o pop, com o rock e com o indie, sem cair em nenhum desses rótulos. O mundo ultra-pop e a sensibilidade precisa de Charli XCX definitivamente vieram para ficar.

Primeira aparição n’O Anagrama: 07 de Maio de 2012, em “Charli XCX libera ‘I’ll Never Know’ e ‘Valentine’ para download gratuito”

Primeira aparição na Billboard: Janeiro de 2013, com "I Love It"

Icona Pop

A aptidão impressionante da Suécia para produzir preciosidades pop continuou nos dando muitos presentes durante esses últimos seis anos, mas poucos alcançaram a notoriedade da dupla Icona Pop. A ruivinha Caroline Hjelt e sua companheira maravilhosa Aino Jawo se juntaram por acaso, numa festa da faculdade de música que ambas frequentavam, em 2009. A parceria funcionou desde o começo, e já no finalzinho de 2011 as duas tinham firmado contrato com gravadora e lançado o primeiro single, "Manners", descrito pelo The Guardian como “cool sem precisar fazer esforço”. A melodia grudenta combinada com a produção edgy, usando quase exclusivamente sintetizadores e percussões, ditou a receita simples e vitoriosa do duo, que seguiu cirando refrões inesquecíveis até o público finalmente se apaixonar por um deles, o revoltado: “I don’t care!/ I love it!” de "I Love It", um dos maiores hits de 2013. Misturando lançamentos exclusivos para a Suécia natal com álbuns confeccionados para levá-las ao mercado mainstream dos EUA, as moças emplacaram hits menores nas paradas dance americanas, incluindo a linda "All Night", que conta com um vídeo super tocante retratando a vida de performers noturnos. O mais bacana é que, mesmo que não empurre muitas mensagens pesadas em suas letras, tanto Caroline quanto Aino são feministas declaradas, e enxergam suas carreiras lado a lado como uma afirmação da presença feminina no showbusiness, além de militarem pela igualdade de gêneros na indústria musical.

O Anagrama, sempre de olho nas tendências que vem de Estocolmo, apostou nessas duas suecas desde o comecinho de 2012, logo após o lançamento do EP Night Like This, que trazia uma bela coleção de composições pop, todas elas bem menos aceleradas que o hit mais conhecido do Icona. Além do já citado primeiro single das moças e da faixa-título, que você pode ouvir aí embaixo, o EP também tinha as baladas "Lovers to Friends" (ainda nossa música preferida do Icona Pop) e "Sun Goes Down". O DNA já bastante pop do Icona fez com que a transição para as “ligas maiores” da indústria musical fosse bem mais suave do que acontece com a maioria das revelações estrangeiras quando chegam ao mercado americano. As duas continuam fazendo um som delicioso, que não complica na concepção mas sempre entrega ideias intrigantes dentro do que propõe, e traz duas vozes femininas poderosas ao gênero – o Icona Pop era uma aposta fácil lá em 2012, e continua sendo três anos depois.

Primeira aparição n’O Anagrama: 16 de Fevereiro de 2012, em "5 EPs que deixam gostinho de 'quero mais'"

Primeira aparição na Billboard: Janeiro de 2013, com "I Love It"

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Lorde

Os começos misteriosos da neo-zelandesa Lorde pouco fizeram para antecipar o tamanho do fenômeno que ela se tornou tanto na comunidade pop quanto entre os membros mais mente-aberta dos admiradores de rock. O estilo sóbrio e minimalista das canções, mais a atitude rebelde das letras, que traduzem com muita astúcia lírica o estado de espírito de toda uma geração, a tornaram em figura onipresente no cenário mainstream, e ainda a garantiram respeito crítico de uma maioria esmagadora da comunidade musical. Durante os primeiros meses da carreira, quando lançou o EP The Love Club, nem o rosto da cantora era totalmente conhecido. A recepção calorosa que as faixas desse primeiro lançamento receberam na comunidade indie e nos blogs de música mundo afora começaram a preparar terreno para a lenta ascensão de “Royals” nas paradas. A mensagem anti-consumista da canção ganhou o coração e as mentes do público jovem, que abraçou uma música que não só fugia dos temas frívolos dos hip-hops, como fazia claro deboche deles, ao mesmo tempo em que usava da linguagem musical do gênero para fazê-lo. Com o super-estrelato vieram as cobranças “naturais” (mas que não deveriam ser) do mainstream, os artigos destrinchando a vida amorosa e as piadinhas com o estilo de se vestir e portar da artista – felizmente, nada disso refletiu no Pure Heroine, álbum de estreia da moça, que saiu em 2013.

Conhecemos e destacamos a Lorde um pouco depois do lançamento do clipe de “Royals”, primeiro de sua carreira, e um pouquinho antes da canção começar a subir de verdade na Billboard e no conceito de todo mundo fora da comunidade de bloggers de música da internet. Na época, chamava a atenção a pouca idade da moça, que nem havia completado 17 anos – hoje aos 19, Lorde ainda é a estrela mais jovem do mainstream musical, e surpreende por ser também uma das mais inteligentes. Sem fazer concessões ao seu estilo, gravando um álbum personalíssimo que, justamente por isso, não caiu nas graças de todo mundo (e nem deveria), Lorde mostrou autenticidade e cravou os dois pés na conceituação como uma artista que ultrapassa as barreiras de gêneros e cria música importante e com algo a dizer. Seja na letargia da deliciosa "Ribs" ou na celebração da ainda melhor "Team", há uma segurança em Lorde que empodera pessoas de uma faixa etária frequentemente subestimada. Como reconheceu a sempre muito observadora Lily Allen, na letra de sua “Sheezus”: “Kid ain’t one to fuck with/ When she’s only on her debut”.

Primeira aparição n’O Anagrama: 13 de Maio de 2013, em "Você precisa conhecer: Lorde"

Primeira aparição na Billboard: Agosto de 2013, com "Royals"

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A notoriedade do Bastille nos meios independentes vinha de bem antes de “Pompeii” virar uma das músicas mais reconhecíveis do final de 2013. Na ativa desde 2010, os ingleses lançaram o primeiro EP, intitulado Laura Palmer, em 2011 – mas ficaram mais famosos mesmo a partir do primeiro volume da série de mixtapes Other People’s Heartache. E que título adequado para a música do Bastille, cheia de referências – e não só musicais, inclusive. Com um EP nomeado em homenagem à misteriosa personagem assassinada em Twin Peaks, série noventista criada por David Lynch (Cidade dos Sonhos), e mais várias faixas que se misturam com samples de diálogos de outros filmes, o Bastille é em grande parte uma banda que constrói sua narrativa emocional dentro da música a partir da arte de outras pessoas. Essa qualidade verdadeiramente multimídia da banda britânica é talvez sua grande virtude, e a forma através da qual ela começa a se diferenciar de suas companheiras no Olimpo das bandas de pop-rock bem-sucedidas da nossa época. Não que Dan Smith e companhia não tenham uma assinatura melódica e instrumental distinta, porque de fato a voz do moço e a forma como ele e os companheiros estruturam as músicas aos poucos se torna deliciosamente familiar, com pequenas variações para não deixar a experiência de ouvir o álbum de estreia, Bad Blood, maçante. O estilo apoteótico e cheio de corais e percussões retumbantes do Bastille inspira e transpira grandeza, de forma muito adequada à sua visão colossal da condição e do sofrimento humano.

O mais bacana da banda inglesa é que eles são um dos únicos dessa lista que lançaram seu álbum de estreia antes de ter o sucesso de uma faixa garantido do outro lado do Atlântico. “Pompeii” foi o hit adormecido da Billboard por muitos meses antes de emplacar, com a ajuda de séries de TV britânicas e americanas, e o buzz natural que foi aumentando com os meses de repercussão do álbum na internet. É mais que recomendável, no entanto, que o ouvinte que goste de “Pompeii” (ou mesmo que não curta) tente conhecer as outras faixas da banda, especialmente o também single "Laura Palmer", com seu marcante refrão “This is your heart/ Can you feel it?”; a lenta "Overjoyed", que sempre rende interpretações comoventes nos shows da banda (sensacionais, inclusive); o mezzo-hit "Of the Night", que sampleia a célebre canção da Corona, lá dos anos 90; e a doída "Oblivion", cujo clipe é estrelado pela Sophie Turner, de Game of Thrones. Tirando emoções e inspirações de todos os cantos da cultura pop, o Bastille se firma como uma  banda completa, fascinante e obrigatória para quem quer entender o zeitgeist contemporâneo.

Primeira aparição n’O Anagrama: 23 de Março de 2013, em "Top 5: Preciosidades escondidas em álbuns de 2013 (edição #1)"

Primeira aparição nas paradas: Outubro de 2013, com "Pompeii"

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The 1975

O estilo inconfundível, a voz deliciosa, a interpretação intensa e a aparência nada desagradável do maravilhoso Matt Healy é apenas um dos muitos atributos do The 1975, banda britânica que ainda está caminhando para se tornar um fenômeno mainstream, mas já conquistou bastante gente no meio pop-rock. O bacana do The 1975, com seu nome evocativo e seus vocais cheios de ecos, é que eles conseguem soar ao mesmo tempo como uma banda de garagem e um grupo sofisticado de músicos experimentando com a barreira entre sintetizadores e guitarras dentro do seu gênero. Não machuca que eles saibam muito bem como escrever um belo gancho melódico (o “she’s got a boyfriend anyway” da ainda soberana “Sex” – ouça aí embaixo – que o diga) e criar o tipo de melodia amarga e doída com a qual a nossa geração está mais que familiarizada. Faixas como a belíssima "Robbers" carregam aquela melancolia sedada e pesada, com clima de restos e reminiscências de uma noite particularmente alucinante, cheia de altos e baixos emocionais. A carreira da banda começou com uma série de 4 EPs lançados entre 2012 e 2013, quando os integrantes já trabalhavam juntos há quase 10 anos – isso mesmo, o The 1975 existe desde 2002, quando Matt e companhia ainda eram pré-adolescentes – e vários dos integrantes falaram extensivamente sobre a importância desses primeiros lançamentos, para “prover contexto ao nosso som, que é bastante amplo” e “ter certeza que poderíamos nos expressar da forma correta” (palavras do frontman Healy). Quando o álbum finalmente saiu, em 2013, foi a oportunidade para o single "Chocolate" virar um pequeno fenômeno entre o público mais jovem.

A verdade é que de fato os 4 EPs pré-debut familiarizam o ouvinte com o estilo maleável e as produções ecléticas do grupo, e que, quando saiu, o disco de estreia auto-intitulado se revelou uma obra labiríntica e complexa, cheia de reentrâncias e “sessões” diferentes em termos de ritmo, temática e instrumental. Das baladas já citadas à enérgica e bastante pop "Girls", o disco passeia entre extremos com elegância e sensibilidade, sempre acompanhado de uma assinatura sonora muito marcante, provavelmente adicionada pela produção coesa de Mike Crossey (Arctic Monkeys). "The City" é um animal estranho que se localiza entre uma celebração e um lamento, mas vem acompanhada de uma guitarra viciante e muitos ecos no vocal de Matt; "Heart Out" é uma dilacerada análise da intimidade humana, com um refrão de dar arrepios (“it’s just you and I tonight, why don’t you figure my heart out?”) – e tem um clipe fofíssimo para acompanhar. No meio desses destaques, faixas insinuantes e espertamente experimentais passeiam pelo ouvido de quem se presta a experimentar o álbum inteiro. Não dá para negar que o The 1975 é um gosto adquirido, mas é também bastante viciante a partir do momento que você prova do sabor certo.

Primeira aparição n’O Anagrama: 26 de Julho de 2013, em "Você precisa conhecer: The 1975"

Primeira aparição na Billboard: Setembro de 2013, com "Chocolate"

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Lana Del Rey

Desde o começo, não dava para negar que Lana Del Rey era algo especial. O fascínio que o vídeo de recortes caseiros para "Video Games" exerceu sobre o público da internet não a levou para as alturas do sucesso mainstream, mas serviu de introdução a uma artista que trazia consigo uma proposta nova e interessante, uma mistura de referências essencialmente pop, mas que brincava com muitas das coisas antigas com as quais o público jovem se sentia fascinado. Lana era a Nancy Sinatra gangsta, mas aos poucos esse amálgama fascinante começou a ganhar mais forma e mais sentido, conforme as temáticas particulares e o estilo próprio de performance que ela representava se revelou para o mercado. Há um elemento forte de teatro no que Lana faz, como viemos a aprender, e uma vontade intensa de refletir em si vícios e virtudes do mundo que vê a sua frente – não da forma convencional, mas se apresentando como uma superfície moldada propositalmente para provocar, instigar e observar os significados que as reações daqueles que a vêem produzem. Chamada para fazer a trilha do espetacular O Grande Gatsby de Baz Luhrmann (Moulin Rouge!), Lana entregou uma canção original que refletia um medo primal humano (o de envelhecer) ao mesmo tempo que, em um contexto maior, retratava a decadência e a ruína do sonho americano através de um ponto de vista tremendamente emocional e trágico, exatamente como fazia o filme em que a canção se inseriu. Em suma: não foi a toa que "Young and Beautiful" rendeu o primeiro destaque nas paradas para a artista.

Ágil como exige a sua natureza de performer em constante contato com o público, Lana já lançou dois álbuns desde 2012, quando a destacamos pouco antes da saída do primeiro, Born to Die. Entre esse e o Ultraviolence, que veio em 2014, ainda rolou o EP Paradise, que complementou o disco de estreia da moça com algumas canções de clima mais apoteótico e, de certa forma, esperançoso. O estilo super-produzido desses dois primeiros lançamentos (o BTD e o Paradise) rendeu pérolas infladas, com sensibilidade aguda e estruturas melódicas que pendiam bem mais para o hip hop. Os destaques vão para a épica "Off to the Races"; para "Summertime Sadness", que virou hit em forma de remix; e para a etérea "Radio", ainda nossa preferida da Lana. A produção mais econômica do Ultraviolence e sua natureza mais áspera afastou muita gente, mas é fácil ver que, sob uma camada menos espessa de produção, e principalmente sem a preocupação de soar contemporânea o tempo todo na melodia, Lana fica muito melhor – seja na insinuante "Shades of Cool", na grandiosa "Money Power Glory", ou na insuperável "Brooklyn Baby". Honeymoon, terceiro álbum da moça, sai dia 18 de Setembro.

Primeira aparição n’O Anagrama: 17 de Janeiro de 2012, em "5 lançamentos para esperar nos 5 primeiros meses de 2012"

Primeira aparição nas paradas: 01 de Junho de 2013, com "Young and Beautiful"