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Review: Me Chame Pelo Seu Nome

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Mais uma obra-prima da roteirista mais talentosa da nossa década.

Review: Liga da Justiça

É verdade: o novo filme da DC seria melhor se não tivesse uma Warner (e um Joss Whedon) no caminho.

31 de jan. de 2011

Loud – Rihanna, uma sensibilidade pop?

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*** (3,5/5)

Nos últimos seis anos, Rihanna foi de tudo no mundo pop. E, com uma mão cheia de álbuns, a barbadiana de 23 anos conseguiu a proeza de nunca se repetir. O Music of The Sun veio carregado de influências do island pop que faz a cabeça dos jovens de sua terra natal. O Girl Like Me foi o primeiro passo de Rihanna em direção ao sucesso em terras ianques. Good Girl Gone Bad, por sua vez, consolidou a posição da cantora como estrela pop e produziu meia dúzia de grande hits, incluindo “Umbrella”, dona do verso sem sentido mais célebre do nosso século (“ella, ella, eh, eh, eh”, alguém?). Com o caso de violência envolvendo Chris Brown nas costas, Rihanna partiu, no Rated R, sua melhor gravação até hoje, para buscar o prestígio artístico com um som mais experimental e temas mais sombrios. Que se registre, aliás: o álbum de 2009 que produziu os hits “Roussian Roulette” e “Rudeboy” ainda é o melhor da cantora barbadiana, mas trata-se de uma inferência muito pessoal. Porque, com seu som upbeat, os vocais mais desenvoltos da carreira de Rihanna e pancadões sexy, Loud deve agradar bem mais o ouvinte casual. Isso sem deixar de ser uma obra pop de primeira, e o trabalho de genuíno de uma sensibilidade pop notável.

Não deixou de ser um choque quando Only Girl (In The World) (Faixa 5) surgiu nas rádios como o primeiro single do novo álbum da cantora. Trata-se de um hit clubber por excelência, carregado nas costas por Rihanna, no topo do seu jogo vocal, especialmente na apoteose do refrão, marcada pela linha de sintetizadores do produtor StarGate, que é para ser rivalizada apenas por Lady Gaga. Enfim, enquanto a cantora clama pela atenção do seu amante, você pode muito bem ficar sob a impressão que Rihanna é mesmo a única garota do mundo. Concebida de maneira quase simétrica, o futuro terceiro hit do álbum, S&M (Faixa 1) não tem tanta sorte. Com sua letra sado-masoquista sobre como “correntes e chicotes” são capazes provocar excitação, “S&M” é eurodance até a alma, e tem a interpretação no limite de Rihanna a seu favor, mas ao mesmo tempo mostra-se uma faixa medida e calculada demais para um álbum cuja “fluidez” e “autenticidade” foram exaltadas.

Fechando o ciclo de singles do Loud até agora, What’s My Name (Faixa 2) é a canção do álbum que mais confia e mais depende do timbre e da garra de Rihanna para segurar uma composição pop vintage e sem novidades. Como a crítica bem assinalou, trata-se de uma versão soft  de “Rudeboy”, e não há realmente muito para o convidado Drake fazer. Ainda bem, porque Rihanna mostra nesse Loud que domina seu território vocal melhor do que nunca. Complicated (Faixa 9) que o diga, a balada de notas longas que exalta o que pode muito bem ser a melhor performance da barbadiana até hoje. E é uma canção atípica para Rihanna, diga-se de passagem, uma peça que combina a verve romântica de canções como “Take a Bow” com a tendência dance que permeia todo o Loud, ou ao menos uma boa parte dele. A segunda de duas baladas é California King Bed (Faixa 6), uma investida da cantora em um território um pouco mais difuso, entre o rock e o pop, com direito a solos de guitarra, interpretação emocionada e nem sinal de R&B. E ela se sai admiravelmente bem.

É assim, por se dizer, que Loud encontra-se com sua melhor qualidade: é um álbum pop da forma como um álbum pop deve ser, ou seja, escapa de todos os rótulos exatamente por mexer em todos eles e misturá-los em uma solução saborosa. Rihanna se arrisca no reggae de Man Down (Faixa 7), um breve retorno a obsessão por batidas quebradas e combinação de referências que resumem bem as conquistas do Rated R. Sampleia Avril Lavigne na deliciosa ode as festas de Cheers (Drink to That) (Faixa 3), toda levada por piano, percussão e o estranhamente agradável monotom que a cantora usa em alguns de seus melhores momentos. Só erra mesmo quando volta as baladas R&B básicas com Fading (Faixa 4), uma canção esquecível em sua essência, e quando se arrisca no rap, tendo a cena roubada por Nicki Minaj na colagem de Beyoncé Raining Men (Faixa 8).

Enfim, quando os últimos acordes da sexy a toda prova Skin (Faixa 10) silenciam e o Loud parte para seu encerramento “especial” com Love The Way You Lie (Pt. II) (Faixa 11), uma bela canção, mas muito mais trabalho de Eminem do que de Rihanna, a impressão é que o Loud pode muito bem ser a obra mais autêntica e verdadeira da cantora e camaleoa barbadiana. Pode ser que, numa avaliação crítica, o Rated R ainda saia por cima, mas se sensibilidade pop é usar de influências e referências para criar uma obra essencialmente particular sem deixar de ser popular, então Rihanna amadureceu, mesmo, foi com Loud. E é um prazer ouví-la assim.

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“…Cheers to the fricken’ weekend/ I drink to that, yeah yeah/ OH let the Jameson sink it/ I drink to that, yeah yeah/ Don’t let the bastards get you down/ Turn it around with another round/ There’s a party at the bar…

Everybody put your glasses up and I drink to that!”

(Rihanna em “Cheers (Drink to That)”)

27 de jan. de 2011

Duas gerações, dois filmes: um diálogo entre “A Origem” e “O Escritor Fantasma”

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A primeira vista, não há muito em comum entre A Origem (“Inception”, no original), mais nova obra de Christopher Nolan, e O Escritor Fantasma (este sim, traduzido propriamente), recente feito cinematográfico do mestre polonês e exilado da justiça americana Roman Polanski. Mas, pensando propriamente, não era mesmo para haver. Só para começar, Nolan e Polanski, apesar de ambos geniais, são cineastas de gerações diferentes, que concebem e executam suas ideias de forma bem distinta desde a intenção até a aplicação. Se não bastasse isso, as premissas dos dois filmes apontam para locais tão distintos que fica ainda mais difícil achar que seus caminhos possam se cruzar. A Origem é fantasioso, apesar de num contexto tão realista, e deve em grande parte a essa fantasia os recursos e os encantos que possui. O Escritor Fantasma, por outro lado, é um thriller cru e intenso, por vezes frio, mas inevitavelmente intrigante e absurdamente elegante.

Enfim, coloquem-se as cartas na mesa. O filme de Chris Nolan segue de perto o “ladrão de ideias” Dom Cobb (Leonardo DiCaprio), acostumado a infiltrar-se nos sonhos de gente poderosa para, a mando de mais gente ainda mais poderosa, “extrair” ideias, conceitos e segredos bem guardados que podem ser de grande vallia para seus rivais. Claro, A Origem não se importa muito com a rotina desse tipo de trabalho: quando encontramos Cobb, ele é contratado por Saito (Ken Watanabe), que almeja, ao invés de uma extração, uma “implantação” (ou “inception”, do título), visando fazer o herdeiro de sua empresa concorrente, Robert Fischer (Cillian Murphy), dividir o império de seu pai em vários pedaços. A trama secundária inclui a esposa falecida de Cobb, Mal (Marion Cotillard), que insiste em infiltrar-se no subconsciente do viúvo para convencê-lo a abandonar de uma vez por todas o mundo real.

É na figura de Mal, aliás, que A Origem estabelece seu primeiro paralelo com O Escritor Fantasma: em ambos a figura feminina ao lado do protagonista é forte, ardilosa e dominante no contexto da trama. No filme de Polanski tal papel cabe a Ruth Lang (Olivia Williams), a participativa esposa do ex-primeiro-ministro britânico Adam Lang (Pierce Brosnan), o mesmo que contrata o escritor-fantasma sem nome de Ewan McGregor para escrever sua “auto-biografia” em segredo, logo após o fantasma anterior ter sido encontrado morto em circunstâncias suspeitas, enquanto explodem acusações graves contra sua pessoa na mídia. Tanto Olivia quanto Marion, ambas grandes atrizes em seus estilos particulares, brilham na mesma intensidade de seus protagonistas, e mostram uma instintiva adequação as personagens e ao proprio clima do filme que representam. É claro notar que, enquanto Olivia arquiva uma atuação concentrada e manipuladora, Marion enche de calor, intensidade e sensibilidade o filme de Nolan. Como, aliás, é de seu feitio, vide as performances em Inimigos Públicos e Nine, filmes medianos aos quais emprestou brilho e excelência.

Em A Origem a história é outra, é claro. Marion é apenas um dente em toda uma engrenagem bem azeitada que Nolan encaixa aos poucos para o público. Habilidosamente, ele engendra seu filme, diretivamente, em função do próprio roteiro, sem nenhuma dúvida o grande destaque da nova obra do homem que criou o maravilhoso O Cavaleiro das Trevas: Nolan só não se supera nesse novo filme porque não tem um conteúdo emotivo e lógico tão forte para explicitar quanto tinha no filme do Homem-Morcego. Mas não me entenda mal: os personagens de A Origem são feitos nos moldes do esmero, tridimensionais, complexos e fascinantemente humanos, mas não tem tanto a dizer e a ressoar para o nosso mundo quanto Bruce Wayne, Harvey Dent ou O Coringa. Ainda assim, A Origem exibe orgulhosamente a marca de Nolan na narrativa, encontrando ressonância emocional e clímax narrativo, caminhando facilmente por uma trama que, complexa como é, Nolan torna instintiva a compreensão do espectador. Mesmo que seu final ambíguo não seja exatamente o melhor encaixe para o todo do filme.

O Escritor Fantasma, por sua vez, também vence por causa da coesão e personalidade de seu diretor. Consagrado, festejado e amado por todo o mundo (menos pela justiça americana), Roman Polanski ainda é, do alto de seus setenta e poucos anos, um diretor de elegância ímpar, que segura um thriller urbano na ponta dos dedos e move a câmera com a linguagem e o instinto de quem entende do riscado. Enfim, Polanski é um trunfo atrás das câmeras e, embora tenha tido a ajuda de uma linha narrativa retirada de uma obra literária e a assistência do próprio autor de tal obra na elaboração do roteiro, o polonês também tem experiência de roteiro o bastante para segurar a narração e a surpresa de O Escritor Fantasma até o último minuto. E sem retoques no final, aqui. Polanski e o escritor-roteirista Robert Harris terminam sua obra de forma agridoce e, sem dúvida alguma, repleta de classe.

Por fim, é interessante perceber que, embora sejam conduzidos por cineastas de pensamento narturalmente diferente por suas gerações, tanto A Origem quanto O Escritor Fantasma confiam em astros de uma mesma safra para carregar suas tramas nas costas. A aposta de Nolan é em Leonardo DiCaprio, que acumula dois dos mais elogiados filmes do ano entre este e Ilha do Medo, e investe em uma atuação centrada para tornar Cobb um homem de verdade, que alcança a sensibilidade do público com facilidade, mesmo na natureza excepcional de seu trauma. De certa forma, é um papel similar ao seu no último filme de Scorsese, mas DiCaprio maneja para torná-lo em algo completamente diferente (e funcional). Polanski, por sua vez, prefere a pose britânica de Ewan McGregor, que andava meio sumido e mostra que fez falta ao encarnar uma persona meio sarcástica (como todo bom inglês deve ser) na pele do fantasma. Não que ele seja inoportuno: McGregor sabe quando lançar seu sorriso malicioso e quando levar a sério a missão de ser os olhos do espectador em um mundo tão fora do nosso alcance quanto lamentavelmente real.

Esse, afinal, é o estranho e desconexo diálogo que existe, apesar das diferenças, entre A Origem e O Escritor Fantasma: ambos falam de segredos, possibilidades e mistérios que envolvem não muito mais do que nós mesmos. Porque embora A Origem tome um escopo maior e abordagem com mais adrenalina, ainda é um filme, essencialmente, sobre o funcionamento da mente humana. E há tantos segredos nesse campo quanto falcatruas na política internacional. Penetrar nesses mundos misteriosos, tão distintos, especialmente se guiados por dois diretores brilhantes, é sempre um prazer.

Notas: A Origem – 8,0; O Escitor Fantasma – 8,5

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A Origem (Inception, EUA/Inglaterra, 2010) Escrito e dirigido por Christopher Nolan. Estrelando Leonardo DiCaprio, Marion Cotillard, Ken Watanabe, Ellen Page, Joseph Gordon-Levitt, Cillian Murphy, Michael Caine. 148 minutos. 

O Escritor Fantasma (The Ghost Writer, França/Alemanha/Inglaterra, 2010) Dirigido por Roman Polanski. Escrito por Roman Polanski e Robert Harris. Estrelando Ewan McGregor, Pierce Brosnan, Olivia Williams, Kim Cattrall. 128 minutos.

É mais uma vez uma honra para o Anagrama anunciar que ganhamos o prêmio do blog Parada Obrigatória em 2011, como Melhor Blog Parceiro. Em 2010 o Anagrama também foi o mais votado, e como os responsáveis por essa vitória são vocês, leitores e especialmente os amigos blogueiros, nada mais justo do que repassar esse selo para 5 dos blogs que mais apoiaram nossa jornada durante esse ano.

As regras do selo são: – Postar o selo em seu blog com essas regras . – Indicar mais 5 outros blog parceiros para receberem o selo. – Avisar os blogs que você presenteou.

* Clube do Camaleão, do Fabio Christofoli

                                                              * Babi Leão, da Babi Leão (me sinto óbvio dizendo isso)

                                                              * Diz que Fui por Aí…, do Marcelo Antunes

                                                              * O Quasar, do Vinícius Cortez

                                                              * Speechless, da Talita

25 de jan. de 2011

OS INESQUECÍVEIS – O Fabuloso Destino de Amèlie Poulain

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Alguns filmes, muitos deles brilhantes inclusive, são pura e simplesmente a soma de suas partes. A conjunção de um diretor talentoso, um elenco com potencial a ser explorado, um roteiro que trabalha bem a storyline que tem nas mãos, mais a competente manipulação de uma infinidade de fatores que compõem o  resultado final do cinema, pode sim produzir um grande filme. Acontece que, para um filme trascender qualquer qualificação crítica, é preciso ser mais, muito mais, do que uma equação quase matemática de tão precisa. É preciso significado universal, apelo humano e concreto (mesmo em uma história fantasiosa), e acima de tudo é preciso achar uma forma de expressar esse significado e esse apelo prendendo o espectador em um jogo de entretenimento e arte em que nenhum dos dois sai perdedor. É preciso divertir a mente e alimentar a alma.

E poucos filmes se tornaram mais do que a soma de suas partes com mais proeminência no nosso século do que o francês O Fabuloso Destino de Amèlie Poulain, que Jean-Pierre Jeunet dirigiu em 2001, o filme que fez do rosto de Audrey Tautou um símbolo da inocência, do idealismo e do romance moderno. Porque assim é Amèlie: um filme que impõe sentimento sobre técnica sem se importar com as consequencias críticas disso, e que desafia os cínicos a apontar defeitos em uma história tão unversalmente doce, tocante e, bom, fabulosa. Num sentido bem arraigado da palavra mesmo. Amèlie é uma fábula, a saga de uma personagem docemente inocente (ainda que humana, falha, cheia de problemas e sentimental como qualquer um de nós) descobrindo aos poucos um mundo que pulsa, um coração que bate por trás de cada ladrilho nos muros de Paris.

A história foca, é claro, em Amèlie Poulain (Audrey Tautou), uma jovem e excêntrica parisiense, que trabalha em um café, mora em um prédio de apartamentos e visita o pai viúvo aos fins-de-semana. Em qualquer ambiente que vá, Amèlie esbarra com figuras pitorescas, situações e oportunidades que sublinham o absurdo delicioso de nosso próprio mundo com o toque mágico de surrealismo, a lente de aumento do cinema que Jeunet faz questão de aplicar. Em meio a tudo isso, a introvertida Amèlie encontra uma velha caixa de lembranças de infância em um recôndito de seu apartamento, e devolver tais pertences a seu dono, observando de longe a reação emocionada do homem, é o primeiro passo de uma escalada emocional em que Amèlie vai de consertar a bagunça na vida dos outros para, aos poucos, deixar o acaso, o destino, a sua própria vontade, o que for, agir para consertar a sua.

Para começar, Audrey é um poço de carisma. Querendo ou não, é ela e sua atuação minimalista, com a caracterização que talvez defina o romantismo contemporâneo como nenhuma outra, que dão força e alma para Amèlie, um filme de ritmo gritantemente europeu, decolar como obra de entretenimento. É pelos olhos turvos dela que nos apaixonamos, pelo sorriso ambíguo, metade inocência e metade malícia de criança crescida, e pela intensa odisseia apaixonada que a simbólica personagem passa. A mesma odisseia de superar os defeitos, a timidez e o medo que todos nós precisamos passar a cada vez que nos vemos buscando um amor que começa parecendo distante, e cuja aproximação da nossa realidade só depende de nós mesmos. É essa pitada, essa jornada tão maravilhosamente representada por Tautou, que faz de Amèlie um filme universal. Mas não para por aqui, é claro.

Amèlie é um filme sobre o amor, como quase todos os filmes inesquecíveis são. Mas sobre o amor mais puro, mais simples, o amor das almas gêmeas e das semelhanças, o amor sem limites e sem pudores. O amor pelo amor, não por alguma convenção social boba ou pela atração física, que é, afinal de contas, passageira. O amor que vem do fundo mais escondido de nossas almas. E é um filme sobre ter a presença de espírito de acreditar que esse amor existe. É um tour de force, de certa forma, pela mente de todos os sonhadores e artistas do mundo. Mas é também aquele tipo de obra que jamais poderá ser colocada com exatidão em palavras, justamente porque vai além, e muito além, do que foi feito para ser. E é nesse momento que fazer arte, ver arte, ser arte, parece valer a pena de uma vez por todas.

No momento em que percebemos, pela obra cuidadosa de seja lá o que for que governa (ou não governa) o nosso mundo, que é a arte que nos faz continuar acreditando. Sim, é isso. Piegas ou não, é isso. E que me chamem do que quiserem. Amèlie é um filme sobre acreditar. Acredeitar na beleza peculiar em todas as coisas e pessoas. Acreditar nos olhos que brilham por trás do véu de cinismo que colocamos sobre nós. Acreditar que dias melhores virão. Acreditar no amor. E esse acreditar é, da forma mais completa jamais imaginada por qualquer mente humana, viver.

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O Fabuloso Destino de Amèlie Poulain (Le Fabuleux Destin d’Amèlie Poulain, França/Alemanha, 2002).

Dirigido por Jean-Pierre Jeunet…

Escrito por Guillaume Laurant, Jean-Pierre Jeunet…

Estrelando Audrey Tautou, Mathieu Kassovitz, Rufus, Serge Merlin…

122 minutos

“Sem você, as emoções de hoje seriam apenas pele morta das de ontem” Hypolito

23 de jan. de 2011

JOGO RÁPIDO: “Enrolados” + “O Efeito da Fúria”

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Enrolados (Tangled, EUA, 2010)

Uma produção da Walt Disney Pictures…

Dirigido por Nathan Greno, Byron Howard…

Escrito por Dan Fogelman…

Estrelando Mandy Moore, Zachary Levi, Donna Murphy, Ron Perlman…

100 minutos

Muita coisa mudou no reino do Mickey Mouse desde que John Lasseter foi de homem-forte da Pixar para comandante criativo de todo o departamento de animação da Disney. Princesas negras aclamadas pela crítica (A Princesa e o Sapo) e uma animação digital com a marca do estúdio, mas sem a mão da produtora de Toy Story, que genuinamente empolgou o público (Bolt) são duas das improváveis conquistas do século XXI que a Disney pretende levar adiante ao abrir o leque do seu próprio público nesse Enrolados. A audiência aprovou essa mistura saborosa de traços criativos e processo narrativo que remetem diretamente a empresa que Lasseter um dia comandou com as tradições mais intrincadas do universo Disney. Sim, Enrolados é eventualmente previsível, tem as cantorias que são marca do estúdio e, no final das contas, é protagonizado por uma princesa. Mas também é um balde de água fresca e entretenimento de primeira.

Como o título original do projeto denunciava, estamos aqui diante da história de Rapunzel (na voz de Mandy Moore), a princesa de longos cabelos loiros presa na imensa torre sem saída por uma mulher que diz ser sua mãe (Donna Murphy). A novidade aqui está na troca do príncipe encantado dos Irmãos Grimm (e, por muito tempo, dos ideais Disney) pelo ladrão Flynn Rider (Zachary Levi), que encontra a torre da princesa fugindo da guarda real. Rapunzel acaba fazendo um acordo com o larápio: em troca do objeto valioso que ele carregava, e que tinha acabado de roubar da Realeza, ele a levaria para ver as lanternas flutuantes que eram acesas todos os anos, no seu aniversário, para a princesa perdida do reino. Nada de “surpresas” aqui: o roteiro de Dan Fogelman entrega o óbvio desde o começo e, sejamos sinceros, não é tão criativo no desenrolar da trama. Mas as piadas são boas, há um ou dois momentos de pura mágica Disney, e Enrolados é um filme que faz por merecer o preço do seu ingresso. Quantas vezes se pôde dizer isso nos últimos tempos?

Nota: 7,0

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O Efeito da Fúria (Winged Creatures, EUA, 2008)

Uma produção da Peace Arch Entertainmen Group…

Dirigido por Rowan Woods…

Escrito por Roy Freirich…

Estrelando Kate Beckinsale, Forest Whitaker, Guy Pearce, Dakota Fanning, Jeanne Tripplehorn, Embeth Davidtz, Josh Hutcherson, Jackie Earle Haley, Jennifer Hudson…

100 minutos

“É preciso perder o nosso rumo para encontrá-lo novamente”. Com uma frase de efeito dessas, um elenco inflamado de estrelas talentosas e o diretor responsável pelo pesado Sob o Efeito da Água, não dá para esperar pouco de O Efeito da Fúria. Mas talvez seja necessário baixar um pouco a guarda antes de se colocar a mercê do novo filme de Rowan Woods. O diretor é contemplativo, talentoso, firme ao guiar seu elenco e cheio de recursos, mas trabalha com o roteiro de um novato, que aposta na fórmula já surrada do filme-coral que tenta estabelecer conexões entre pessoas que dividem alguma experiência traumática. Não que o trabalho de Roy Freirich seja ruim, mas é mais do que notável que, sem a mão firme de Woods por trás das câmeras e o elenco espetacular que este soube reunir, O Efeito da Fúria não seria metade do filme que é. E, ainda assim, não dá para dizer que seja uma obra exemplar.

É possível aos mais sensíveis se conectar com a trama sobre uma série de pessoas que tem suas vidas bagunçadas após presenciar uma cena de violência grauita em uma lanchonete de Los Angeles. Há a garçonete (Kate Beckinsale) e mãe solteira que se apaixona pelo médico (Guy Pearce) com complexo de Deus. Há o homem com câncer (Forest Whitaker) que acredita estar em uma maré de sorte após levar um tiro de raspão. E, claro, há Anne Hagen (Dakota Fanning), que presencia o assassinato do pai e sai do hospital com um apego a fé católica que nunca havia se manifestado nela, enquanto Jimmy Jaspersen (Josh Hutcherson), seu melhor amigo, entra em estado de choque. É uma série de estudos interessantes sobre casos isolados de pessoas que precisam lidar com acontecimentos marcantes de uma forma ruim. E ver Dakota Fanning atuar é observar uma grande atriz em cena. Mas você não vai lembrar de tudo isso por muito tempo depois dos créditos subirem. O Efeito da Fúria é válido, sem dúvida, mas não é inesquecível.

Nota: 7,5

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“No mundo cotidiano, nós acreditamos nos lugares onde as coisas pertencem. Tudo tem seu lugar, e acreditar nisso nos faz inocentes. E através dos dias, debaixo do mesmo céu, nos temos esperança, sonhamos, e rimos. Nós encontramos e perdemos nosso rumo. Finais são começos, e momentos são como peças que se encaixam mais uma vez”

(Dakota Fanning em “O Efeito da Fúria”)

20 de jan. de 2011

Sobre… – O fim, afinal!

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AVISO: esse post contem spoilers do gran-finale de “Lost” (alguém ainda não viu?)

Falar de séries de TV aqui no Anagrama sempre foi uma vontade que nutri, mas nunca realizei. Ainda que elas estivessem entre os assuntos que eu pretendia cobrir com o blog e, no final das contas, entre esse conjunto de linguagens que chamamos de entretenimento, minha própria relativa ignorância acerca do assunto foi um fato inibidor nesse sentido. Não que essa ignorância tenha mudado, e aviso desde já que meus comentários acerca do assunto tendem a vir dispersos e atrasados, levando-se em conta que vejo as séries no seu lançamento em DVD, meses depois da exibição na TV fechada brasileira. Mas, de qualquer forma, finalmente a vontade de emitir opinião sobre esse mundo todo particular das séries foi maior que a preguiça. E a culpa? Bom, uma palavra para vocês, caros leitores: Lost.

É, o assunto é velho, e não digam que não avisei. O maior fenômeno televisivo do nosso século fechou os trabalhos há quase um ano, com a bomba-relógio (de título óbvio) The End, episódio que se aproximou das duas horas de duração na missão de amarrar as pontas do mistério mais famoso do entretenimento contemporâneo. E as reações não poderiam ser mais diversas e, ao mesmo tempo, mais radicais: houve quem tenha amado o finale engendrado por Damon Lindelof e Carlton Cuse, talvez as duas mentes mais ativas no desenvolvimento de toda a série nas suas seis temporadas; e houve quem tenha odiado a solução do mistério. Se me cobram um posicionamento nessa guerra, não titubeio: as soluções de Lindelof e Cuse me agradaram, e muito. Mas deixemos para trás os radicalismos e partamos para as explicações.

Lost, para mim, nunca foi sobre o mistério. Não que as possibilidades da mistery box do produtor J.J. Abrams não fossem empolgantes, mas o grande destaque da série, a questão central que me saltava aos olhos a cada episódio, era a psique, o comportamento e o papel de cada personagem no mecanismo da série. As considerações sobre o passado dos losties que marcaram as três primeiras temporadas, os estudos sobre como as decisões tomadas na ilha afetaram a vida dos cinco personagens que conseguiram sair de lá nos dois anos seguintes, e até a intigante realidade alternativa que figurou nessa última fase do programa, tudo parecia projetado para nos revelar mais sobre aquelas pessoas perdidas na Ilha, e não sobre a própria natureza dela.

Se você é capaz de enxergar a série assim, The End é um finale perfeito. Ao fazer da solução do grande mistério uma consideração final sobre o que os personagens passaram na Ilha, e não o que o espectador gostaria de descobrir, Lindelof e Cuse criaram uma peça emocionante, interessante, empolgante e realizada com know-how comparável apenas ao próprio piloto da série, que J.J. Abrams guiou em 2004. Não é um finale que busca explicar tudo, mas certas coisas não precisam ser explicadas, e soa mais natural dessa forma. E não me faça começar a falar sobre o elenco de Lost. Da primeira fase até a última, sempre crescente, esse conjunto de performers sem precedentes trabalhou junto com os roteiros focados, ainda que irregulares, para criar um rol de personagens verdadeiramente inesquecíveis. São eles, mais a equipe de escrita da série, que me fazem dizer a plenos pulmões que, com todas suas imperfeições, Lost se junta a Arquivo X e Jornada nas Estrelas como uma série de TV imortal para a cultura pop.

A começar pelo próprio Matthew Fox, cujo grande momento na série talvez tenha sido ainda na primeira temporada, com Jack brigando com as próprias convicções no brilhante Do No Harm, mas que foi de ponta a ponta nessa jornada com uma atuação concentrada e completa, dando a Jack o status de um dos grandes heróis românticos (ainda que falhos) do nosso século. Ao seu lado, Evangeline Lilly e sua atuação inesquecível em I Do, da terceira temporada, mesmerizou os espectadores masculinos e ainda conseguiu passar por cima de roteiros que raramente favoreciam Kate com a perícia de uma atriz que sabe o que está fazendo. Completando o triângulo amoroso, Josh Holloway (alguém consegue esquecer Sawyer atirando o anel de noivado no mar em What Kate Does, dessa última temporada do programa?) marcou uma atuação instintiva que teve seus momentos de glória e deu a série um suporte carismático e impetuoso.

Talvez mais dois destaques sejam o bastante para não me perder no erro de dizer demais. Jorge Garcia se tornou provavelmente o grande ícone produzido pela série na pele de Hurley, o tipo de personagem coadjuvante por acaso, crescendo tanto na percepção do público que se tornou talvez a peça de ser humano mais envolvente de toda a série. Tricia Tanaka is Dead (de longe a melhor peça da terceira temporada), The Beggining of the End (também entre os destaques da quarta fase) e mesmo o The End mostraram a importância dessa figura e o destaque que ela ganhou no imaginário do espectador. É irônico que ao seu lado tenha acabado outra figura que se tornou dominante aos poucos para os fãs da série: o Benjamin Linus do fantástico Michael Emerson chegou a série como quem não quer nada, na segunda temporada, e cresceu tanto na hstória que acabou se tornando talvez o grande exemplo de como Lost procede com seus personagens. Eles se tornara pessoas reais, falhas, sujeitas a mudanças, não meros pivôs em alguma história maior.

E talvez seja por isso que, independente de soluções satisfatórias para alguns e ultrajantes para outros, Lost sempre vai servir como exemplo de como uma série deve manipular as emoções do público e tratar as personas que coloca em tela. E, se quando o olho de Jack se fechou no último take do The End, você não estava com a visão embaçada de lágrimas, me perdoe, mas Jacob certamente não te escolheria.

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[Jack]: Onde nós estamos, pai?

[Christian]: Este é um lugar que você… que vocês todos fizeram juntos, para que vocês pudessem encontrar uns aos outros. A parte mais importante da sua vida foi o tempo que você passou com essas pessoas naquela Ilha. É por isso que vocês estão todos aqui. Ninguém consegue fazer isso sozinho, Jack. Você precisava de todos eles, e todos eles precisavam de você.

[Jack]: Para quê?

[Christian]: Para se lembrar. E… e para seguir adiante.

(Matthew Fox e John Terry em “The End”)

17 de jan. de 2011

Penseira, Edição 01

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Aos não familiarizados com o universo da saga Harry Potter, os esclarecimentos: o título do post faz referência a um objeto da série por mera praticidade. A Penseira do venerável diretor de Hogwarts, Alvo Dumbledore, na imagem como retratada no sexto filme da série, O Enigma do Príncipe, é um dispositivo mágico para depositar memórias, pensamentos e preocupações. Enfim, um sonho de consumo para qualquer pessoa que tem coisa demais na cabeça. Mas não se preocupem. Não estou aqui abrindo essa seção do Anagrama para destilar detalhes das minhas preocupações (para isso há o Twitter, do qual falaremos mais tarde nesse mesmo post). Trata-se apenas de uma coluna com o objetivo de depositar pensamentos avulsos e variados, que podem ou não passar pelos temas centrais do blog. E deve tornar-se regular. Portanto, é a primeira edição de muitas, e a primeira novidade do Anagrama nesse ano. Aproveitem!

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Globo de Ouro 2011

Vamos encarar: 2010 não foi um ano memorável para o cinema. Cannes e Veneza, mesmo tendo Tim Burton e Quentin Tarantino presidindo os respectivos júris, premiaram filmes que chegaram com pouquíssima força no Globo de Ouro, e até o fraco Alice no País das Maravilhas de Burton conseguiu cavar indicações em um ano de seca artística (embora não financeira) para Hollywood. Com tanta decepção, chegaram como favoritos A Rede Social, que pode dar a David Fincher seu tão merecido reconhecimento, e Cisne Negro, quase uma vitória garantida para Natalie Portman. São dramas peculiares em seus plots e execuções, que assinalam a temporada de prêmios 2011 como a temporada da diversidade. Chegou forte também ao tapete vermelho o ator James Franco que, quem diria, era o favorito para levar o prêmio de Melhor Ator em Drama, por 127 Horas, de Danny Boyle. Por suas vezes, as estrelas de 2002 Nicole Kidman e Halle Berry retornaram ao bom e velho prestígio crítico com indicações por Rabbit Hole e Frankie and Alice, respectivamente.

Ah, o Globo de Ouro tem mais novidade: nada de Meryl Streep esse ano! Se isso é bom ou ruim, julgue você, mas em 2012 ela estará de volta, aposte sua mesada nisso, como a própria Dama de Ferro britânica em The Iron Lady. Mais cheiro de Oscar do que qualquer dos indicados desse ano, diga-se de passagem. De qualquer forma, os envelopes foram abertos ontem, e o resultado, seja ele surpreendente ou não, foi esse. Agora é esperar a Academia eleger seus preferidos.

Globo de Ouro 2011 – Os principais vencedores

Melhor Filme – Drama: A Rede Social     Melhor Filme – Comédia/Musical: Minhas Mães e Meu Pai

Melhor Ator – Drama: Colin Firth, por O Discurso do Rei

Melhor Atriz – Drama: Natalie Portman, por Cisne Negro

Melhor Ator – Comédia/Musical: Paul Giamatti, por Minha Versão Para o Amor

Melhor Atriz – Comédia/Musical: Annette Bening, por Minhas Mães e Meu Pai

Melhor Ator Coadjuvante: Christian Bale, por O Vencedor

Melhor Atriz Coadjuvante: Melissa Leo, por O Vencedor

Melhor Diretor: David Fincer, por A Rede Social   Melhor Roteiro: A Rede Social, por Aaron Sorkin

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Avril Lavigne – O Retorno

Digam o que quiserem, mas é impossível negar a destreza com que a cantora canadense, hoje já passando dos 25 anos, conseguiu manejar sua carreira para permanecer como um dos grandes símbolos musicais e de estilo de uma geração. Enquanto cantorazinhas vem e vão, Avril lança o que quer, quando quer e como quer, e sua sólida e gigantesca base de fãs simplesmente se curva a suas vontades. Há quase quatro anos sem lançar material inédito, Avril liberou no primeiro dia do ano, de graça, em seu Facebook oficial (nesse link), o download do primeiro single de seu adiado novo álbum, o anunciadamente mais pop Goodbye Lullaby. “What The Hell” ainda é Avril em seu melhor estilo “foda-se”, e até lembra no conteúdo alguns momentos do álbum de estreia Let Go, mas mostra na sonoridade e nos sintetizadores que marcam a batida que o som da canadense caminha cada vez mais para o pop e menos para o rock. “What The Hell” foi feita para ficar na sua cabeça, e funciona bem nesse propósito, mas é a Avril revolução-de-si-mesma que se acostumou a ver dela, em cada novo álbum. Como dito, ela pode.

Ouça "What The Hell" :D

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Twitter, indiretas e sites de relacionamentos

Esses dias postei no meu Twitter (sigam-me por lá, no @caiocoletti) que o site de relacionamentos mais instantâneo do mundo deveria começar a pensar numa mudança de nome. E até dei minha sugestão: “Central de Indiretas”. Quem tem o bendito passarinho azul aberto sempre no navegador sabe do que eu estou falando, mas não custa reforçar: após firmar-se como o ponto de encontro mais importante entre celebridades, gente realmente importante e anônimos em geral, e como forma mais fácil de compartilhar informação em pleno século XXI, o Twitter nos últimos tempos tem ganhado uma nova função. Para falar sem rodeios, tuitar virou terapia. Cura para o tédio das férias, alívio para leitores de horóscopos reprimidos, seção auto-ajuda mesmo. Confesso que eu mesmo, por falta de outra válvula de escape, as vezes posto minhas amarguras por lá. E, muito raramente, deixo minhas indiretas para gente que nem mesmo vai ler tudo aquilo. Talvez seja justamente por isso, pelo Twitter ainda repelir muita gente, que o site tenha adquirido esse novo e estranho caráter escapista. Não se trata de criticar, deixo claro, mas de observar que tudo tem seu limite, para o próprio bem de quem se utiliza dessa ferramenta cheia de possibilidades.

Outro site de relacionamento que tem me entretido nessas férias é o Facebook, talvez o último dos grandes pontos de encontro virtuais ao qual eu acabei cedendo há alguns meses. Mas foi depois de abandonar os dotes de fazendeiro medíocre no Farmville e sair a caça de novos aplicativos mais interessantes que o Facebook me pegou de verdade. Especialmente ao distribuir frases ditas por personagens marcantes do cinema e da TV (as de Charlie Harper do 2 And a Half Men e as do Dr. Gregory House são minhas prediletas), espalhar gostos em comum e possibilitar uma conexão completa e diferenciada com os amigos, o Facebook me lembrou o grande barato dessa mania dos sites de relacionamentos: é possível interagir com a humanidade mesmo quando não se está, realmente, interagindo com a humanidade. Complexo, não? A propósito, adicionem lá também, nesse link, e um bom monólogo virtual para você!

#5361499 Lady Gaga performed on NBC’s 'Today' show” at Rockefeller Plaza in New York, New York on the morning of July 9, 2010 for a crowd of an estimated 20,000 people who enjoyed many song from the singer during humid conditions and some rain. 
 Fame Pictures, Inc - Santa Monica, CA, USA - +1 (310) 395-0500

Notas de um little monster

Aos que esperavam que minha determinada defesa a Lady Gaga cessasse após o alvoroço dos dois primeiros álbuns, The Fame e The Fame Monster, vão engano! A cada dia e descoberta, ainda mais nessas férias onde o tempo está sobrando, Gaga se firma em minha cabeça como a grande artista pop do nosso século. Com Born This Way sendo saudado por todos que já o ouviram como a obra-prima da cantora e o lançamento do primeiro single, que empresta o nome ao álbum, marcado para 13 de Fevereiro próximo, os detalhes, snippets e músicas confirmadas crescem na rede. O grande destaque até agora, ao menos aos meus ouvidos, e a canção “You And I”, que Gaga cantou pela primeira vez no Today Show em 09 de Junho de 2010, e que foi recentemente confirmada como parte do setlist do novo álbum. Como pode ser conferido nesse vídeo da apresentação, a canção é uma balada de glam rock nos moldes de “Brown Eyes” e “Speechless”, uma fôrma que Gaga já declarou mais presente no Born This Way que nos álbuns anteriores, e dá uma boa ideia de uma canção que deve soar brilhante em um estúdio. Não que sua apresentação, acalorada como sempre, seja menos espetacular, é claro.

E meu flerte com Gaga ultimamente não para em “You And I”. Revirando os vídeos do YouTube relacionados a minha Mother Monster, descobri a pérola de uma versão cover de “Viva La Vida”, a bela canção do Coldplay, que Gaga apresentou em sua visita ao Live Lounge da BBC Radio One, em Abril de 2009. Em uma performance que se resume a sua voz e o teclado que toca, Gaga se diverte e diverte ao ouvinte, adaptando a letra de Chris Martin e compania para um contexto bem seu, bem particular, e mostrando ao mundo que fazer cover não significa reproduzir exatamente o que o artista original fez, senão realizar uma versão particular e única da canção. E é o que Gaga fez, com seu estilo particular, cantando “be my Chris and I’ll be your Gwyneth” e “I know Yves Saint-Laurent, no he won’t call my name” e fazendo música fundamentalmente divertida, que é o que ela sempre soube fazer de melhor. Confira você mesmo! Enquanto isso…

“I’m beautiful in my way, ‘cause God makes no mistakes, I’m in the right track baby, I was born this way!” – 29 dias para Born This Way

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“If you won’t let me fall for you/ Than you/ Won’t see the best that I would love to do for you/ Instead/ You will me missing me when I’m gone/ ‘Cause I’m bored of hanging out in your cold…/ Oh, take me home!”

(Dido em “Take me Home” – Live at The Brixton Academy)

“Porque aqui eu tenho um outro nome. Você deveria aprender e me reconhecer por esse nome. Essa foi a razão pela qual vocês foram trazidos a Nárnia, para poderem me conhecer um pouco aqui, e me reconhecerem melhor lá. Preste atenção aos sinais!”

(Liam Neeson é a voz de Aslan em “A Viagem do Peregrino da Alvorada”)

14 de jan. de 2011

Porque sou feliz, por Caio Coletti

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Cansei. De me lastimar, de me preocupar, de ficar vasculhando cada detalhe da minha vida atrás de mais problemas nas minúcias, como se o quadro geral já não fosse problemático o bastante. Como se continuar vivendo cada segundo sem entender realmente o propósito e o resultado de cada decisão não fosse esforço o bastante. E decidi que sou feliz. Não que me farei feliz, não que as coisas mudarão para que eu fique feliz. Mas que sou feliz. Assim, como sou, com o que tenho e com o que posso. Não preciso mudar. Não posso mudar. Ninguém pode, na verdade. Apenas nos descobrimos, mais a cada dia, a cada problema, a cada provação. E é por isso que sou feliz. Por poder aprender vivendo. E por muito mais.

Pelas pessoas que tenho ao meu lado, sou feliz. E peço a mim mesmo que não imponha a elas as carências que não são parte da função delas cumprir. Que eu possa ser o que eles precisam, para que eles estejam dispostos a ser o que preciso, quando precisar. Que eu saiba os limites com cada um deles, para que eles saibam os limites que têm que ter comigo. Que as coisas fiquem no lugar que eu as puser, para que tudo funcione em harmonia. Assim eu sou feliz. E tentar atingir esse ideal cheio de condições, lutando contra a eterna imperfeição, isso me faz feliz. Estar com quem eu gosto me faz feliz. Amá-los por inteiro, como são, me faz feliz.

E ser feliz depende só de mim. De como vejo o mundo, de como encaro as subidas e descidas emocionais de uma montanha-russa que é só minha para percorrer todos os dias, a cada novo Sol, um novo e surpreendente trajeto. A vida é assim, e nunca vai deixar de ser. Aceitá-la como é, e aprender que viver é bom, não importa que às vezes não pareça, por isso sou feliz. E sou feliz com o que sou, com o que devo ser e com o que posso ser. Não preciso ir além dos meus limites, mas preciso testá-los, da forma como me convier. Porque quem não leva as decisões até a última conseqüência não é feliz. É indeciso. É inseguro. E é massacrado. É o que eu fui por muito tempo, tempo demais.

Mudar de idéia não é triste, triste é não ter uma idéia para mudar. Por isso, manter a mente aberta me faz feliz. Não me importa que o mundo diga que estou errado, enquanto a verdade continuar irrefutável pra mim: feliz daquele que aprende com o outro, mesmo que discorde dele. Não se agrada a gregos e troianos. Às vezes, inclusive, é preciso não agradar a nenhum deles, apenas para agradar a si mesmo. Preciso de sinceridade, franqueza, humildade e calma sem limites para ser feliz, e isso pode irritar muita gente. É ainda pior, porque quero que hajam dessa forma comigo. Se sou sincero, quero que sejam. Se me abro, quero que se abram comigo. Se amo, quero ser amado. Mais cedo ou mais tarde, acontece. E, sendo assim, pensando assim, esperando melhor enquanto todo mundo torce pelo pior, sou feliz.

Sou feliz sendo um monstrinho para uma sociedade que nega tudo o que mais prezo. Sou feliz escrevendo. Sou feliz me expressando. Sou feliz encontrando novas formas de dizer tudo, sem verdadeiramente dizer nada. Sou feliz sendo eu mesmo. Sou feliz caçando a matéria invisível do amor e tentando colocá-la, fechada, na palma da minha mão. Sou feliz com vocês, e se vocês estiverem lendo, sabem do que estou falando. Sou feliz errando, perdoando, caindo e levantando. Sou feliz vivendo.

E, de repente, não há nada mais a dizer. Resta seguir em frente. E ser mais e mais feliz, a cada novo dia que surge no horizonte.

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A vida passa bastante rápido. Se você não parar de vez em quando para olhar ao redor, você pode até acaber perdendo. A vida é curta! Se divirta!”

(Ferris Bueller – Matthew Broderick em “Curtindo a Vida Adoidado)

9 de jan. de 2011

Na espera, por Caio Coletti

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Ele sentava-se lá, todas as noites, desde que se conhecia por gente, e esperava. Aliás, era até melhor fazer uma ressalva nesse aspecto:  cultivava esse hábito não desde pequeno, quando tudo era simples demais e nada era rotina, mas desde algum tempo, quando as coisas ficaram um pouco mais complicadas. Ouvira em algum lugar que não era impossível ser feliz depois da infância. Só era um pouco mais difícil. Esperava que fosse verdade, porque por enquanto o amadurecimento só lhe trouxera dores. E, afinal, o que ele tinha, que era seu, e que conseguira por seus próprios méritos, e não por alguma casualidade? Nada.

Não, ele não era ingrato. Sentado naquela sala de espera, a altas horas da noite, ouvindo a suave música ambiente que enchia o aposento, quase sempre sozinho, a mesma expressão arguta de quem procura o tempo todo por um sentido por estar lá no rosto jovem, contrastante demais com os olhos turvos de quem já se decepcionara com a vida, ele agradecia por tudo que tinha na vida. Os amigos, ainda que poucos, que ele amava e que o amavam (ou ao menos assim ele pensava). A família que, apesar dos pesares, ainda o estimava como sempre haveria de estimar, não importa o quão idiota pudesse ser em certos momentos. A arte, o gosto por ela, a forma como ela parecia impregnar cada molécula de seu corpo e gritar sua verdadeira identidade para o mundo. Quem era ele? Difícil dizer, mas era possível ter uma ideia olhando para o que ele via, o que ele ouvia, o que ele lia e, especialmente, o que ele escrevia.

Ainda assim, às vezes, naquela sala de espera toda pintada de branco impecável, tão vazia quanto sua mente tentava ficar enquanto mil problemas pulavam por ela sem querer se fixar em nenhum lugar perto de uma solução, ele sentia que tinha muito pouco. E que queria muito mais. Já tentara se convencer a almejar menos, a sonhar mais baixo, a ser mais realista. Mas era um sonhador por natureza, um homem com ambições que muitas vezes não podia controlar. Por mais que falassem disso como um defeito, ele não conseguira se dissuadir de sonhar alto: se não sonhasse, convencia a si mesmo, morreria afundado na sua própria mediocridade. E aí, sim, assumindo os defeitos sem tentar mudá-los, ele se tornaria patético.

Acima de tudo, naquela sala, respirando aquele ar gelado movimentado pelo aparelho logo acima de sua cabeça preocupada com o mundo fora daquele lugar, o mundo que o esmagava com informação perecível e valores invertidos, ele almejava um amor. Ou melhor, o amor. Aquele dos sonhadores e dos artistas, aquele que move mundos e que é capaz de gerar frases como “vou estar com você até meu último suspiro”. Um amor parra morrer por. E era um pária, portanto, por buscar por isso em uma época que se via descrente de todos os clichês e solta das amarras de todo compromisso. Vivia na era da leviandade, e pensava como um inglês vitoriano. Talvez tivesse apenas vindo no século errado.

E, portanto, ele passava a vida esperando. Esperando que o mundo mudasse, ou que alguma alma igualmente deslocada viesse se encontrar com a dele, como algumas já haviam feito na forma de amigos que ele jamais conseguiria abandonar, pois o que os unia era mais forte do que qualquer convivência e não poderia ser posto em palavras. Mas que essa viesse, enfim, para trazer luz aqueles olhos turvos e um sorriso aquele rosto jovem, para fazer de seus sonhos uma realidade e de seu deslocado idealismo uma qualidade. Para fazer do pária um milagre. E para provar que, como bem diria Einstein, “todas as coisas são um milagre”.

Nesse dia, ele pararia de esperar. E deixaria para trás aquela sala. Talvez tentasse uma das portas que a ladeavam, talvez simplesmente saísse de uma vez por todas para escancarar um outro mundo a sua frente. Mas sabia que, um dia, haveria de se levantar daquela cadeira e mostrar para o mundo quem ele era, de verdade. Ser, de uma vez por todas e sem medo, aquele seu eu que revelava no que escrevia. E ser por inteiro. Enquanto o dia não chegasse, é claro, ele ficaria ali, esperando e acreditando. E só haveria dois fatos irrefutáveis: o relógio da parede batia com cruel precisão, e não havia nada de errado em dar uma escapada para tomar um ar, de vez em quando.

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“In the deepest hour of night, confess to yourself you would die if you were forbidden to write. And look deep into your heart, where it spreads its roots, the answer, and ask yourself: must I write?”

(Rainer Maria Rilke, filósofo alemão)

3 de jan. de 2011

Endlessly – Duffy contra-ataca!

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** (2,5/5)

Quando Duffy surgiu para o mundo com Rockferry, a referência dominante em seu estilo e timbre de voz era Amy Winehouse. Prezada pela elegância de suas canções, pela constância qualitativa de sua estreia e pela aura "sexy a moda antiga" que conferia a sua imagem, Duffy passou os últimos anos curtindo o sucesso, com a atraente discrição que lhe é particular. Amy, por sua vez, não se contentou com pouco: deu as caras bêbada, drogada, entrou e saiu de clínicas de reabilitação dezenas de vezes, socou fãs durante shows, e até quando passou uns tempos de férias no Brasil virou notícia, fazendo topless e jogando capoeira. Tão estrela se tornou, no pior sentido da palavra, que Amy arriscou perder a preferência crítica para a concorrente galesa. Endlessly, segundo álbum de Duffy, foi feito para firmá-la como artista forte comercial e criticamente. Acabou sendo recebido de forma morna pelos especialistas e gelada pelo público. Por quê? Bom, isso só Deus sabe. Mas não custa tentar advinhar.

Endlessly até abre com boas expectativas. My Boy (Faixa 1) é candidata séria a nova favorita dos fãs, com seu refrão contagiante e produção equilibrada entre o som antiquado que sempre vai ser relacionado ao repertório de Duffy com toques de sintetizador e baixo funkeado que trazem a canção para um confortável contexto mais contemporâneo. Por outro lado, o primeiro single do álbum, Well, Well, Well (Faixa 4),  apesar de ter Duffy no topo do seu jogo  vocal, derrapa ao falhar no que a faixa de abertura faz com facilidade: desenvolver um refrão marcante o bastante para fazerem funcionar as boas ideias instrumentais e melódicas.

No lado das baladas, o segundo disco da galesa é também uma faca de dois gumes: abre com exagero e sem clímax na enervante Too Hurt to Dance (Faixa 2), e poucas faixas depois nos vem com a memorável Don't Forsake Me (Faixa 5). A segunda é tudo o que a primeira tenta ser e não consegue: uma canção romântica discreta e emocionante, que lembra o ouvinte do poder de sedução do vibrato de Duffy e se junta a lista de canções realmente competentes de Endlessly. Talvez seja mesmo um caso em que vários cozinheiros mexendo na mesma panela seja melhor que apenas um impondo seu estilo. Explica-se: Don't Forsake Me é uma das faixas em que o parceiro de Duffy no álbum, Albert Hammond, ganha a ajuda de Stuart Price (Aphrodite de Kylie Minogue, Day & Age do The Killers) para equacionar a música da galesa.

Por falar em Price, ele é obviamente o responsável por Duffy ter se tornado mais pop do que costumava ser nesse segundo álbum. Lovestruck (Faixa 8) é o exemplo perfeito: com teclados espertos que miram os topos das paradas e um dos refrões mais viciantes da carreira da galesa, a canção mostra que Duffy pode, sim, explorar novos horizontes mantendo a pose e a personalidade. No mesmo sentido, com mais discrição, Girl (Faixa 9) tem Duffy no seu território vocal, brincando em cima de melodia e letra antiquadas, mas mostrando na parte instrumental que o pop contemporâneo pode ter muitas faces diferentes. Apesar de ser a única canção na qual a cantora não tomou parte como compositora, a penúltima faixa de Endlessly soa estranhamente pessoal.

Talvez os únicos momentos em que Hammond se acerte na produção sejam a faixa-título e a saidieira do álbum. Endlessly (Faixa 6) é uma daquelas pérolas de letra singela e execução descomplicada, mas que por algum motivo desconhecido marca a memória afetiva do ouvinte. É uma canção pura e assumidamente romântica, que funciona muito bem na interpretação de Duffy. Já Hard For The Heart (Faixa 10) é uma história completamente diferente. Para começar, a canção traz a galesa em um momento intensamente emotivo e, curiosamente, também bastante contido. Seu belo timbre consegue brilhar sem abafar a produção sofisticada e apoteótica, que confere pulsação e força para uma composição marcantemente poética.

A canção mostra, enquanto Endlessly contradiz seu próprio título ao deixar o ambiente silencioso após seus ligeiros 33 minutos de execução, que Duffy ainda tem seus momentos de brilhantismo como cantora e compositora. E o álbum? Bom, ele se destaca como uma obra de riscos, e uma que obviamente não consegue escapar sem equívocos pelo caminho. Mas ao menos serve para a galesa expandir seus horizontes musicais. Da próxima vez, se ela se cercas das pessoas certas, Amy vai estar em apuros para conseguir seu posto de volta.

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“…I am looking for safety/ What it is all about/ For somebody to tell me/ Take away this vow/Life is a play and we all play our parts/ But it often gets hard for the heart!…”

(Duffy em “Hard For The Heart”)

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