Review: Dirty Computer (álbum e filme)

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Review: Me Chame Pelo Seu Nome

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Review: Liga da Justiça

É verdade: o novo filme da DC seria melhor se não tivesse uma Warner (e um Joss Whedon) no caminho.

29 de ago. de 2014

Supernatural está chegando à décima temporada – mas já terminou faz tempo

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ATENÇÃO: esse texto contem spoilers!

por Paulo Cartaxo

Por incrível que possa parecer, Supernatural está chegando à décima temporada com uma legião de seguidores. E não são quaisquer fãs. Divididos em dois grupos, há aqueles que consideram a série fenomenal do começo ao fim, mesmo com seus problemas cronológicos no início, falta de foco e algumas perguntas não respondidas (Chuck Shurley seria Deus?). Do outro lado há os que assistem por hábito, uma espécie de guilty pleasure, pois a série, na realidade, terminou durante a quinta ou a sexta temporada. O resto são episódios de outra dimensão que fogem totalmente da trama principal: morte da mãe dos irmãos Winchester por ter descumprido o pacto que fez com o ex-demônio dos pactos, que agora é rei do inferno, Crowley (Mark Sheppard), para ressuscitar o próprio pai dando o filho caçula, Sam (Jared Padalecki), como receptáculo para Lúcifer (Mark Pellegrino).

Tratando-se de uma série de suspense, Supernatural não deixa a desejar. Abusando de pequenos conflitos e mistérios aleatórios que geram um hiato até retomar o enredo principal, é possível dizer que Supernatural é um Scooby-Doo para adultos. Com sangue, mortes, torturas, demônios e tudo o que tem direito. Ah, é claro, também ressurreições, sim, no plural, aos montes. Talvez tenha perdido um pouco de crédito ao pecar nisso. Já perdemos as contas de quantas vezes os protagonistas morreram e voltaram por causa de alguma ferramenta nova. Se eles morressem agora ninguém encararia de modo sério.

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A nona temporada girou em torno de Metatron (Curtis Armstrong), bancando uma de Deus e tentando virar um storyteller. Tivemos Crowley mais coadjuvante do que nunca, quem conhece seu legado sabe que ele é melhor do que isso, e Castiel (Misha Collins) criando sua armada contra Metatron. A série terminou bem morna, deixando apenas um gancho para a próxima temporada como algo que possa a vir ser cativante: Dean (Jensen Ackles) finalmente como um demônio. Já vimos os portões do inferno serem abertos e fechados; viagens no tempo; anjos que caem do céu, anjos que sobem ao céu; anjos serem imortais, virarem mortais, morrerem e serem ressuscitados; uma possível aparição do misterioso Deus em forma de profeta e vários outros fatores que levam a crer que a série já esgotou todas as possibilidades mitológicas – principalmente as que são sustentadas pela rivalidade de irmãos –, afinal, em algum momento as histórias chegam ao fim, ou Dean e Sam matam todos que não são humanos, e até alguns que são.

A partir do dia 07/10 Supernatural volta ao ar pela The CW com Dean sendo um demônio completo e possuidor da First Blade, arma suprema (até o momento) entre os demônios. Vale lembrar que Jared Padelecki afirmou recentemente que essa temporada trará fortes emoções, levando a crer que esta não será a última vez que ouviremos o sotaque britânico de Crowley ao saudar seus garotos preferidos.

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Próximo Supernatural: 10x01 (07/10)

27 de ago. de 2014

Você precisa conhecer: O synthpop cristalino e apoteótico do Shindu

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por Caio Coletti

Shindu é o nome que escolheram Christopher, Maxime e Chibi, os três belgas que compõem um dos grupos de synthpop mais consistentes e interessantes da cena independente atual. A palavra indiana que batiza o trio significa “pureza” – uma bela epítome para a proposta musical bem cristalina que o grupo tem mostrado desde 2011. O primeiro single, “Happy House” (abaixo), já trazia a sonoridade caracteristicamente oitentista, mas também muito influenciada pelo dream pop do século XXI. Cover de um hit do Siouxsie and the Banshees, a canção denunciou para o mundo a contradição (no melhor sentido) do Shindu: a histeria do revival dos anos 80 versus a serenidade da eletrônica atual.

Dá para perceber melhor essa proposta com os lançamentos subsequentes do trio. Cada vez mais exigida por cima dos sintetizadores que se acumulavam, a vocalista Chibi provou que dá conta do recado. A apoteótica e sexy “Just Go” (abaixo) mostrou que pela podia alçar vôos muito mais ambiciosos do que o mezzo-electro primeiro single deixava transparecer.

Chibi é, de certa forma, o elemento intruso na química do Shindu. Os dois outros integrantes, Christopher e Maxime, viajaram anos juntos como a dupla de DJ’s mais celebrada da Bélgica – na época, atendiam pelo nome de Static & Greedy. “Depois de anos viajando pela Bélgica, nos sentimos ansiosos para trazer algo diferente sem nos alienar na música experimental, que soaria inacessível. Queríamos uma mistura de sons que gostávamos, mas sem privá-la do nosso próprio ‘sabor’”, explicou Christopher para o site da Kitsuné, gravadora francesa que apostou no trio.

Depois dos dois primeiros singles, o Shindu começou a preparar um EP de estreia, que acabou saindo no começo de Agosto. Trust Me traz apenas duas faixas, com dois remixes, mas parece que o longo trabalho no lançamento rendeu as canções mais bem-produzidas do Shindu até agora (e isso não é dizer pouco!). 

“Down the Line” (abaixo) ganhou clipe há algumas semanas, e é também o vídeo mais elaborado do trio até hoje. Combinando a orgásmica conjunção de sintetizadores com a história intensa de um homem passeando pelos pecados capitais e pelo estado de apatia, a peça é a melhor propaganda que o Shindu poderia fazer de si mesmo: sem grandes complicações, com uma proposta bem clara, eles produzem arte extremamente intrigante.

Dá pra baixar algumas faixas do Shindu de graça no Soundcloud deles.

Pra quem gosta de: Purity Ring, Robyn, Royksopp, La Roux

21 de ago. de 2014

Review: Uma vida de ressentimentos em duas horas com o drama de “Álbum de Família”

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por Caio Coletti

“Life is very long”. Essas são as primeiras palavras de Álbum de Família, filme do ano passado que rendeu a Meryl Streep e Julia Roberts indicações ao Oscar de Melhor Atriz e Melhor Atriz Coadjuvante, respectivamente. A adaptação cinematográfica da peça teatral de Tracy Letts (Killer Joe) é um daqueles raríssimos filmes em que uma jornada de duas horas de encenação é empreendida para se condensar na conclusão dos primeiros minutos. Se existe um ponto que Álbum de Família quer passar para seu espectador, é que a vida é mesmo muito longa, e que sobra tempo nela para deslizes e arrependimentos, amarguras e perdões, amores e decepções, ressentimentos e cinismo. Ao apresentar três gerações da família Weston reunidas sob o mesmo teto, o filme assinado por John Wells (Shameless) condensa em uns poucos dias, ou ainda mais valentemente em meras duas horas, toda a bagagem e as escolhas desses personagens – e arranja tempo para mostrar como eles moldam uns aos outros de forma única.

Vencedora do Pulitzer e do Tony, a montagem original da peça de Letts reportadamente pegava mais pesado no humor negro, e mais leve no drama, do que essa adaptação cinematográfica. Não são cabíveis comparações, no entanto, principalmente tendo em vista que o próprio dramaturgo adaptou sua obra para o cinema. É compreensível que ele tenha sentido a necessidade de abordar essa história de uma maneira diferente, e é preciso que o espectador se mantenha aberto a uma visão da trama em que a dramaticidade suplanta os poucos momentos em que a observação mordaz de Letts se faz notar. O humor de Álbum de Família é glorioso, não me entendam mal: em vários momentos o filme é uma pérola de constrangimento, e a língua afiada da personagem de Streep garante as tiradas cruéis que temperam o filme. O prato principal, porém, é uma crônica dramática que se leva muito a sério. E não há problema nenhum com isso.

Violet (Streep) é a matriarca dos Weston, que reúne o clã todo em sua casa em Oklahoma quando o marido, Beverly (Sam Shepard), desaparece misteriosamente. O centro dessa reunião são as três filhas de Violet: Barbara (Julia Roberts) é a mais velha – e mais controladora –, está tendo problemas com o infiel marido Bill (Ewan McGregor) e a precoce filha Jean (Abigail Breslin); Ivy (Julianne Nicholson), a única que permaneceu em Oklahoma, é uma frágil e solitária solteirona que pode estar se arranjando com Little Charles (Benedict Cumberbatch), seu próprio primo; e Karen (Juliette Lewis) é a aventureira da família, trazendo sempre um namorado diferente para casa – o da vez é Steve (Dermot Mulroney). A família se completa com Mattie Fae (Margo Martindale), irmã de Violet, casada com Charlie (Chis Cooper), e mãe de Little Charles.

Com esse leque verdadeiramente carnavalesco de personagens em mãos, Letts explora quase todas as convenções do drama familiar. É um jogo esperto que o roteirista/dramaturgo joga, atirando em sua história clichês como a história do viciado em drogas da família (no caso, a própria Violet), o incesto, os casos extra-conjugais e a paternidade trocada. Brincando com esses modelos fixos do drama americano, Letts vira tudo de cabeça para baixo ao se focar intensamente no efeito e nas consequências desses desenredos na vida de seus personagens.

Cada um dos Weston ganha uma personalidade muito definida, marcas de expressão e cicatrizes muito reais, e não é difícil imaginar como elas foram adquiridas ao observar o ambiente em que se desenrola a história. Letts triunfa não só ao criar a família disfuncional das famílias disfuncionais, mas ao povoá-la de pessoas que não estão vivas somente naquele momento – a impressão que fica é que a narrativa de Álbum de Família começou a ser desenvolvida muito antes daquelas primeiras palavras em tela (“Life is very long”, lembra?).

É óbvio que Meryl Streep está superlativa. E não se trata de sotaque, técnica, visual ou despudor, e sim de entender que Violet é uma personagem maior-(e-mais-amarga)-que-a-vida, e interpretá-la de acordo. Os exageros e os maneirismos não estão aqui para servir o ego da atriz e garantí-la mais uma lembrança da Academia, mas exatamente para garantir que a matriarca dos Weston seja a figura marcante, magnética, caótica e catalisadora, em torno da qual todas as outras performances se reúnam. Meryl garante, assim, que todas elas tenham sua chance de brilhar, e Julia Roberts agarra a oportunidade com unhas e dentes. Se para a veterana intérprete de Violet essa é mais uma confirmação de um talento inescapável, para a eterna Uma Linda Mulher esse é talvez o grande o momento de sua carreira. Sua Barbara é o personagem menos glamuroso da carreira, e também o menos identificável. É uma mulher egocêntrica, indigesta, cheia de julgamentos para todos ao seu redor, e Julia não tem medo de retratá-la assim – ao mesmo tempo sendo capaz de desafiar Meryl em cena e se sair com uma performance inesperadamente tocante. Ela é o verdadeiro centro da trama, não se pode negar.

A quietamente sublime Julianne Nicholson e o minucioso Benedict Cumberbatch também merecem nota; ou talvez merecessem até mais, assim como Juliette Lewis, Chris Cooper e Margo Martindale, mas não dá para dissecar cada uma das performances aqui – é preciso ver para entender. Álbum de Família, como todo filme de origem teatral, se apóia muito mais intensamente nos seus atores, mas reúne um elenco tão bom que não sai perdendo com isso. A câmera viva de John Wells traz o renovado drama de Tracy Letts um senso de movimento impossível no teatro, o que só ajuda a separar as duas obras.

Aqui, a história que vemos passar pela tela é a exaustão de uma vida que não dá trégua. No inclemente Sol das planícies americanas, os dias se sucedem sem piedade, e nossos personagens precisam lidar com quem são a cada novo alvorecer. Álbum de Família é um drama muito vivo, talvez exatamente por ter consciência dessa inevitabilidade do mundo, e mesmo que não seja exatamente otimista, termina com uma larga estrada se estendendo para além de onde a câmera pode ver. A vida para Tracy Letts é muito, muito longa – tão longa que ainda há muito o que se ver dela.

✰✰✰✰✰ (4,5/5)

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Álbum de Família (August: Osage County, EUA, 2013)
Direção: John Wells
Roteiro: Tracy Letts, baseado em uma peça de sua autoria
Elenco: Meryl Streep, Julia Roberts, Julianne Nicholson, Ewan McGregor, Juliette Lewis, Dermot Mulroney, Margo Martindale, Chris Cooper, Benedict Cumberbatch, Abigail Breslin, Sam Shepard
121 minutos

18 de ago. de 2014

Wilfred 4x09/10: Resistance/Happiness [SERIES FINALE]

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ATENÇÃO: esse review contem spoilers!

por Caio Coletti

“Resistir é inútil” (Vogons, raça alienígena da série Doctor Who)
“A felicidade não depende de coisas exteriores, mas da forma como as vemos” (Leo Tolstoy, escritor russo)

Wilfred sempre foi uma série sobre percepção. Desde muito cedo nessa corrida de quatro anos que a trama ganhou na FX, quase todos os críticos notaram que tudo no mundo reduzido da versão americana da criação de Jason Gann era filtrado pela perspectiva de Ryan, o protagonista encarnado por Elijah Wood. Os coadjuvantes demoraram a adquirir vida, e a servir como elementos autônomos do storytelling, porque nossa percepção deles era ferrenhamente limitada à percepção de Ryan. Eles estavam ali para dizer alguma coisa sobre a forma como o nosso protagonista via o mundo, e o próprio Wilfred, com suas manipulações e planos mirabolantes para guiar Ryan para o caminho que ele considerava melhor, era uma manifestação do quanto esse personagem principal observava seus arredores como um jogo de xadrez. Quando esse mundo toma vida e se torna mais complexo do que ele pode admitir é que a persona de Ryan se quebra, e é nessa operação que está o triunfo do finale duplo da série.

É crível que Wilfred tenha levado 4 temporadas para conduzir Ryan até a beira do abismo, e assisti-lo pular é muito mais impressionante por causa disso. Ao mesmo tempo, o roteiro do developer David Zuckerman em ambos os episódios se encarrega de não jogar para o alto o investimento emocional que construímos com os personagens e com a busca pela felicidade de Ryan. É notável, inclusive, que no final das contas a série faça que essa tal felicidade seja também uma questão de percepção. Como adianta no quote que abre o episódio final, Wilfred não está disposta a usar de clichês para abordar o tema pelo qual os fãs esperam desde 2011. A felicidade para esse estranho conto de doença mental e complexas relações humanas filtradas por uma mente perturbada não é, e nunca poderia ser, a que vemos nas comédias românticas de Hollywood. Essa é uma história de um desajustado aprendendo que precisa fazer as pazes consigo mesmo antes de poder fazer as pazes com o mundo.

Antes de todo o desenvolvimento temático do finale de fato, o penúltimo episódio “Resistance” mostra que o espírito desafiador dos escritores de Wilfred não morreu. Seguindo a deixa de “Courage” (review), o episódio é um crash course em realidade para uma série que nunca se deu muito bem com ela. O amargurado final é mais tocante do que qualquer coisa que os roteiristas ousaram fazer até hoje, e as atuações de Wood e Fiona Gubelmann estão mais uma vez em perfeita sintonia para dar um final inesperado ao principal casal da série. A recentemente adquirida consciência dos próprios atos que Wilfred construiu nas últimas semanas é a recompensa de um episódio gratificantemente direto com as elaborações emocionais. Num caminho nada convencional, a série trouxe esses personagens para um local muito verdadeiro, e muito fácil de se identificar.

Wilfred não é o tipo de série que você espera terminar com os olhos meio embaçados de lágrimas, e também não é o tipo de série que normalmente ganharia um final tão redondo e bem amarrado, coerente com a proposta e as regras que construiu em seu mundo. Essencialmente filtrada pela percepção de Ryan, a trama foi capaz de nos dar um panorama muito completo sobre a forma como esse protagonista via o mundo, e a forma como tudo gira em torno da nossa própria psique. Estamos presos nela, irremediavelmente. Wilfred sabe muito bem que não temos escolha quanto ao que somos – e é por isso que advoga que a felicidade não está em encontrar a pessoa perfeita, o emprego perfeito, a família perfeita. Muito mais satisfatório que isso é encontrar uma forma de lidar com o mundo exatamente da forma como o vemos.

✰✰✰✰✰ (5/5)

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17 de ago. de 2014

Masters of Sex 2x05: Giants

MASTERS OF SEX (SEASON 2)

A partir dessa segunda temporada, ao invés de fazer uma cobertura detalhada de cada episódio de Masters of Sex, O Anagrama vai trazer uma review por mês, de preferência de episódios marcantes para a continuidade da série, checando a quantas anda um dos nossos dramas preferidos.

ATENÇÃO: esse review contem spoilers!

por Caio Coletti

Para uma série que retrata as entranhas de uma revolução social histórica – a operada pelos doutores Masters e Johnson de verdade, há boas seis décadas atrás –, Masters of Sex nunca se predispôs a ser muito idealista. Era por isso que, na primeira temporada, a personagem de Virginia destoava tanto da trama, mesmo com os esforços admiráveis de Lizzy Caplan: em meio a um mundo em que a mudança encontra tantas barreiras sociais quanto íntimas (e às vezes esses dois âmbitos se misturam de forma absurdamente complexa), Gini era um ideal no qual era difícil de acreditar. Uma mãe solteira com sonhos grandiosos que era fantasiada por todos os homens que colocavam os olhos nela e enfrentava cada barreira de preconceito com um olhar de desdém e uma determinação de ferro – ela era inabalável. Na segunda temporada, a personagem está menos para ícone imbatível à la Beyoncé, e pode ser que as feministas sintam que perderam muito com isso. O que não percebem, e o que “Giants” deixa claro, é que Gini serve muito mais a seu propósito como personagem social se for meramente humana.

Ela é peça central nesse quinto episódio do ano, seguindo com mais uma obra-prima a sequencia espetacular dos anteriores “Fight” e “Dirty Jobs”, que mostraram a que veio a segunda temporada de Masters. Confrontada por Libby, por Lilian e até pelo próprio Bill, a personagem de Lizzy Caplan reage apropriadamente a uma pressão esmagadora que está escondida nas palavras dirigidas a ela. É satisfatório vê-la ceder aos caminhos para os quais essas duas outras mulheres da série a empurram, e não só porque isso faz dela menos infalível – também porque abre caminho para os escritores e a atriz mostrarem que o lado desafiador de Gini é ainda mais pungente quando ela está usando-o para escapar das próprias dúvidas. A cena no quarto de hotel em que ela e Bill repesam as medidas de poder no relacionamento é impressionante e marca mais do que nunca o quanto a conexão entre os dois é o centro nervoso da série.

Mesmo porque Masters faz bem de nos lembrar disso quando é capaz de criar coadjuvantes tão marcantes. Mesmo com a ausência já prolongada de Barton e Margaret Scully, a série investe em Libby e Betty para colorir as bordas da elaboração temática do episódio, emprestando dimensão humana a ele.

Não são poucos os fãs de Masters que reclamaram das atitudes da personagem de Caitlin FitzGerald nos últimos episódios, especialmente na trama focando na relação dela com Coral (a ótima Keke Palmer) – mas é preciso entender que esse retrato de Libby como uma mulher preconceituosa e essencialmente egoísta é parte de um arco de personagem que vem desde o primeiro ano. A bem da verdade, a esposa de Bill é e sempre foi uma prisioneira, e uma inteligente o bastante para enxergar as barras que a prendem. É um aspecto brilhante da performance de FitzGerald emprestar uma consciência muito aguda à Libby, enquanto os roteiristas continuam pintando-a como incapaz de se libertar das pré-concepções que seu marido tão rigorosamente ignora (com a exceção de algumas hipocrisias, é claro). Retratada assim, Libby é um trágico lembrete de que somos todos prisioneiros de só uma coisa: a nossa própria vontade.

“Giants” é um episódio que retrata os personagens de Masters como eles são, e isso inclui a mesquinha mania de se considerar melhor, ou maior, que o outro (nenhum título de episódio é a toa). Seja por orgulho, sentimento representado pela gloriosa leoa que é a Dra. DePaul da maravilhosa Julianne Nicholson; egoismo, auto-estima ou simplesmente porque a sociedade legitima esse seu preconceito com as maneiras ou a genética do outro. Em meio a tudo isso, a Betty de Annaleigh Ashford é novamente a unsung hero da série – numa terra em que todos pensam ser gigantes, ela tem plena consciência de que sua pequenez não a faz desprezível. Pelo contrário, inclusive, a faz absolutamente admirável.

✰✰✰✰✰ (4,5/5)

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Próximo Masters of Sex: 2x06 – Blackbird (17/08)
Próximo review: 2x10 – Below the Belt (19/09)

14 de ago. de 2014

Você precisa conhecer: Ouça-a rugir! A leoa Ella Eyre é uma explosão de energia no neosoul

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por Caio Coletti

O logo da britânica Ella McMahon, que atende por Ella Eyre na carreira musical, é o belo desenho de um leão vestindo uma coroa. O símbolo, que aprece em destaque nos vídeos para "Going On" (cover do Gnarls Barkley) e "Love me Like You", foi explicado pela cantora e compositora em entrevista para a Idol Magazine: “Sempre se referiram a mim como uma leoa, por causa do meu cabelo! E as pessoas também diziam que eu era intensa, mas também muito leal. Quando eu penso nos atributos de um leão, eu gosto de pensar que é o meu alter-ego. Especialmente quando performo ao vivo. Eu tenho muita energia e gosto de me movimentar pelo palco. Quando você pensa num leão, você pensa amor, lealdade, orgulho, e é sobre isso que o meu álbum é, basicamente”, ela cravou.

O tal alter-ego afeta também a musicalidade. Chupando influências dos atos musicais para os quais passou quase dois anos emprestando a voz (entre eles o Rudimental, no hit britânico “Waiting All Night” – abaixo), Ella faz uma mistura do neosoul de artistas ascendentes como Sam Smith e John Newman com as batidas frenéticas e a energia de projetos eletrônicos que estão dominando as paradas inglesas. O resultado é uma mistura sutil e eficiente, sobre a qual a cantora já declarou ter controle total. “Eu não consigo usar um computador nem se minha vida depender disso! Mas eu gosto de estar envolvida e dizer ‘hey, eu não gosto desses acordes’”, Ella confessou a Idol. “Eu deveria aprender a produzir porque metade do tempo nunca está do jeito que eu quero até eu me envolver. Eu sou um pouco mandona, então gosto de dar minha aprovação”.

Para uma introdução ao mundo da britânica, ouça aí embaixo o hit “Waiting All Night’, que lhe valeu o BRIT Awards de Single do Ano com o Rudimental, e o single “Deeper”, do EP de estreia que inclui as outras duas canções citadas lá no primeiro parágrafo.

A leoa britânica nasceu em Londres em 1º de Abril de 1994 (isso mesmo, ela tem só 20 aninhos!), de um pai jamaicano e mãe maltesa. O casal se separou quando Ella era bem nova, e o pai se mudou de volta para o país natal, para trabalhar como chef. A cantora poderia ter sido uma estrela da natação se não fossem os problemas no ouvido, que a impediram de continuar uma carreira promissora e a jogaram direto na BRIT School for Performing Arts, a mesma que formou estrelas inglesas como Adele – a quem a adolescente Ella Eyre assistiu maravilhada em 2011, no BRIT Awards. “Foi estonteante. (…) Eu filmei o telão e se você assistir, dá pra me ouvir chorando. Aquele foi um dos momentos em que eu pensei que adoraria fazer aquilo. Adoraria tocar as pessoas daquela forma”, ela confessou ao Evening Standard de Londres.

No mês passado, a cantora anunciou em entrevista que seu álbum de estreia deve sair ainda em 2014, e dois singles in-crí-veis já foram lançados. “If I Go” ganhou vídeo brilhante em que Ella e vários dançarinos se movimentam por uma sala que parece existir na ausência de gravidade. O efeito é maravilhoso, e realça uma das melhores canções que a inglesa já produziu, se aproximando bastante da sonoridade de hits do ano passado como "Love me Again", de John Newman (com quem a moça namorava até recentemente). O segundo single, “Comeback”, tem uma vibe mais desafiadora, mostrando um lado agressivo e vingativo de Ella e empolgando bastante.

“Eu gostaria de pensar que sou empowering. Com cada canção há uma mensagem, lirica e musicalmente”, ela disse à Idol. “No álbum, há momentos em que me sinto muito vulnerável. Eu sempre tive essa imagem de uma pessoa dirigindo para casa tarde da noite, sozinha, e uma das minhas canções aparece no rádio e ela diria, ‘É assim que eu me sinto. Alguém mais entende’. Eu tenho esses momentos com a música de outras pessoas, e gosto de ter esperanças que será o que as pessoas ouvirão quando conhecerem minhas músicas”.

Pra quem gosta de: John Newman, Sam Smith, Adele, Rudimental

13 de ago. de 2014

Penny Dreadful, 1ª temporada: Monstros e humanos se confundem na saga de terror da Showtime

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ATENÇÃO: esse review contem spoilers!

por Caio Coletti

Em certo momento de “Posession”, o sétimo e penúltimo capítulo da primeira temporada de Penny Dreadtul, o misterioso americano Ethan Chandler (Josh Hartnett) pergunta ao mordomo Sembene (Danny Sapani) se ele acredita em Deus. A resposta é marcante: “I believe in everything”, diz o personagem, que tem estranhas marcas no rosto e serve ao aventureiro aposentado Sir Malcolm Murray (Timothy Dalton). Se existe um grande ingrediente que faz a série da Showtime funcionar tão bem quanto funciona é seu senso de fascínio por seus personagens e pelas construções e desconstruções que são muito particulares deles. Durante suas oito horas iniciais, Penny Dreadful ganha o jogo com uma paciência e uma confiança cegas na complexidade e no apelo da história dos humanos que passam pela tela. Conhecê-los intimamente é mais importante, aqui, do que relacioná-los com os mitos do terror dos quais foram transplantados – “acreditar”, enfim, é uma exigência, não uma opção.

A trama acompanha, basicamente, a busca do já citado Sir Murray por sua filha, Mina Harker (Olivia Llewellyn), que foi capturada e transformada em vampira por uma gangue dessas criaturas que agora parecem assombrar a Londres vitoriana da série. Ao seu lado, além do mordomo e do americano, ele tem a temerosíssima Vanessa Ives (Eva Green), que parece ter uma conexão especial com Mina e com várias outras forças sobrenaturais. Finalmente, para completar a trupe, temos o Dr. Victor Frankenstein (Harry Treadaway), às voltas com suas experiências e o resultado delas (a criatura interpretada por Rory Kinnear). O roteirista John Logan tem material de sobra para explorar nessa pequena conjunção de personagens que formam o cerne de sua série. É deles que o escritor pretende falar, mesmo que alguns coadjuvantes façam a diferença no caminho.

A Penny Dreadful idealizada pelo homem indicado ao Oscar por scripts como Gladiador e A Invenção de Hugo Cabret é uma narrativa em pelo menos dois níveis bem distintos. O primeiro é uma espécie de meta-ficção; não é a toa que o teatro londrino usado de cenário para uma encantadora encenação no quarto episódio é escolhido para abrigar o confronto final entre nossos protagonistas e os vampiros. Tirando seu nome de um tipo de literatura popular na época retratada, que trazia histórias sangrentas e chocantes, apoiadas por mitos folclóricos como o lobisomem e o vampiro, pelo modesto custo de um penny, a série nos apresenta uma encenação essencialmente teatral, barroca, coloridíssima em termos de linguagem e apresentação.

Diálogos ultra-poéticos, citações literárias infinitas e atuações lacônicas fazem parte dessa brincadeira conceitual, mas é de impressionar como a série consegue arrancar outra dimensão desse estilo. É aí que entra o grande trunfo de Penny Dreadful; o roteiro de John Logan é capaz de arrancar humanidade da morte que cerca seus personagens, glória dos pecados de cada um deles, e ainda nos pergunta no final: “Do you really want to be normal?”. É quase como se a série estivesse fazendo o papel de advogado do diabo, nos dizendo que talvez seja melhor ser tocado pelas trevas do que não ser tocado por nada.

Os atores são essenciais nesse sentido, lutando junto para tornar seus personagens verdadeiramente tridimensionais no mundo floreado de Logan. Quem sai mais triunfante é sem dúvida nenhuma Eva Green, que encontra na televisão, como vários atores e atrizes de sua geração, o veículo para escancarar um talento que nem sempre o cinema estava disposto a aceitar. A francesa descoberta por Bertolucci em Os Sonhadores crava a melhor atuação de sua carreira, em vários momentos deixando a beleza e a serena sedução que são sua marca registrada de lado para encarnar uma Vanessa feroz, selvagem e despedaçada emocionalmente. Há uma profundidade física e expressiva em sua atuação que ninguém ao seu redor consegue replicar, e que carrega a série nas costas em vários momentos. Num ano em que a televisão mostrou qualidade crescente em todos os gêneros, e o Emmy não conseguiu a acompanhar, Green talvez seja o esquecimento mais injusto da premiação.

É preciso dar nota também às ótimas performances de Billie PIper (ela mesmo, a Rose de Doctor Who), Rory Kinnear (Skyfall) e Harry Treadaway (Cidade das Sombras) – nossos dois protagonistas masculinos, Hartnett e Dalton, além do coadjuvante Reeve Carney como o sedutor Dorian Gray, são os elos mais fracos dessa corrente, mas o roteiro dá um jeito de contorná-los para tornar seus personagens interessantes. É desse elenco que o roteiro de Logan tira forças para tornar Penny Dreadful mais do que uma brincadeira conceitual – a série é um drama sobrenatural dos bons, um tomo de sedução sombrio que parece querer nos dizer que o mundo está cheio de pessoas boas fazendo coisas terríveis, e pessoas más buscando redenção. E que, no meio de toda essa peça de teatro da condição humana, toca ao nosso redor a “música invisível” daquilo que nunca vamos entender.

✰✰✰✰✰ (4,5/5)

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Penny Dreadful foi confirmada pela Showtime para uma segunda temporada em 2015!

Por que a ditadura anti-spoilers não faz sentido nenhum?

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ATENÇÃO: O texto a seguir contem spoilers!
(obviamente)

por Caio Coletti

Nos primeiros minutos de Lisbela e o Prisioneiro, produção nacional de 2003, a personagem-título interpretada por Débora Fallabella está indo ao cinema com um rapaz (Bruno Garcia) e, antes mesmo do filme começar, conta a ele exatamente o que vai acontecer. Lisbela nunca viu o filme, mas garante ao seu companheiro de sessão que é sempre do mesmo jeito. Então, qual é a graça? “A graça não é saber o que acontece, é saber como acontece e quando acontece”, decreta a personagem, com o adorável sotaque nordestino que a atriz lhe emprestou. Esse é um daqueles momentos deliciosos em que um filme mostra a que veio já de primeira, e Lisbela e o Prisioneiro veio para (re)acender em seu espectador o prazer de uma boa história. E uma boa história nunca – nunca – é definida por seu final.

Corta para os últimos anos, com as febres culturais de Game of Thrones e Breaking Bad trazendo ainda mais gente para esse buraco negro de opções que é o mundo das séries de TV. As tramas da HBO e da AMC mobilizaram um contingente de fãs que talvez não seja inédito para a história da mídia (vide Friends, The X-Files, Lost), mas foi sem dúvida potencializado pelo poder que a mídia social exerce sobre a cultura contemporânea. Perto do final da série estrelada por Walter White, tudo o que se lia no Twitter e no Facebook eram reclamações sobre spoilers postados por aqueles que tinham arranjado um tempo para assistir o finale, “estragando” a experiência para os menos afortunados (e mais ocupados). No ano passado, semana após semana, a situação se repetiu com os episódios dominicais das desventuras de Daenerys, Tyrion e cia. Cada informaçãozinha postada, cada capa de Facebook mudada para homenagear alguma cena da semana – tudo era tratado como um crime capital.

Pois estou aqui para concordar com Lisbela, e discordar de (quase) todos vocês. Desculpem-me a descortesia. O dia em que ler um livro, ver um filme, acompanhar uma série ou qualquer outra coisa que eu possa fazer que me coloque em contato com uma narrativa, for feito com o único propósito de conhecer o final, será o dia em que vou procurar algo diferente para fazer. Por que se todas aquelas horas perdidas com os olhos na tela (ou no papel) são só uma inconveniência, um meio para chegar em um final, não importa quão prazeroso tudo aquilo seja – se a estrada de tijolos amarelos para encontrar O Mágico de Oz for só um caminho –, então realmente vale a pena?

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O que me faz me agarrar em uma história minuto após minuto, página após página, episódio após episódio, não é a perspectiva de chegar a algum lugar, mas a de acompanhar aqueles personagens até eles chegarem lá. Nenhum final na ficção é verdadeiramente um final, ou é? Animais cruéis como são, os escritores resolvem nos fazer entrar nesses mundos num ponto arbitrário, observá-los por um tempo limitado, e deixá-los quando ainda haveria muito o que se viver neles. Dependendo do código de crenças que rege a história, talvez nem a morte dê a algum personagem um final absoluto. A quantidade de coisas que ficamos sabendo ao acompanhar uma narrativa é insignificante diante da imensidão de coisas que nunca saberemos.

Como todos os prazeres da vida, o da ficção pode ser um prazer brutal. Pode provocar tristeza, amargura e raiva; pode nos deixar em pedaços, quase sem reação. Pior que isso, pode nos fazer gostar, aplaudir e nos apegar a todas essas emoções negativas. Em poucos relacionamentos amor e ódio são tão íntimos quanto no do ser humano com sua ficção. Talvez seja por isso que as pessoas atualmente se sintam tão violadas quando alguém lhes conta algo importante sobre sua série favorita antes que eles mesmos possam ver. É compreensível se sentir roubado do prazer de assistir, mas é também uma ilusão. O prazer continua ali, porque ele nunca esteve na surpresa.

O prazer da narrativa está na agridoce sensação de habitar e, ao mesmo tempo, não habitar aquele mundo. Conhecer e, ao mesmo tempo, não conhecer aqueles personagens. E observar de longe e, ao mesmo tempo, tão de perto, como eles podem chegar tão longe.

PS: Outra coisa que eu estive pensando quando escrevi esse texto: se tudo o que você quer é saber o final, pra quê se importar em viver? Todos nós sabemos como vai acabar mesmo…
PS2: Valar Morghulis

La muerte de Ned StarkSpoiler só da primeira temporada para ninguém ficar bravinho

11 de ago. de 2014

Wilfred 4x08: Courage

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ATENÇÃO: esse review contem spoilers!

por Caio Coletti

“Quão poucos são os que tem coragem o bastante para assumir suas faltas, ou resolução o bastante para consertá-las” (Benjamin Franklin, sexto presidente dos EUA)

Caríssima senhora Realidade, este é meu amigo Wilfred. Apertem as mãos, se abracem, façam o que quiserem, porque foram longos quatro anos até vocês dois se encontrarem – e preparem-se para um breve romance de duas semanas, porque ainda temos um par de episódios até dizermos adeus. O sentimento de assistir “Courage”, a oitava entrada da temporada de Wilfred, é o de encontrar uma série completamente diferente daquela que deixamos em “Responsibility” (review) na semana passada. As piadas tiram inspiração de situações diferentes, as viradas emocionais são motivadas por acontecimentos diferentes, e o jeito como os personagens agem um com os outros é completamente diverso. Numa tendência que vem timidamente aparecendo já há alguns episódios, de repente Wilfred começou a querer se levar a sério.

O roteiro de David Baldy, um veterano da série, nem sempre acerta ao aparar as pontas da história, mas quando acerta, acerta em cheio. “Courage” resvala na pieguice, mas encontra seu caminho até o final sendo absolutamente fiel à realidade dos personagens que tem em tela – o comprometimento é tamanho que até o lúdico mundo de Wilfred, em que Bear é um companheiro real e ser um cachorro de três pernas “is the shit”, é encarado com um pouco mais de consideração pelo texto. Pela primeira vez, os comportamentos e desafios enfrentados pelo personagem de Jason Gann são tão concretos quanto a busca pela felicidade de Ryan, e não só como fonte de piadas (embora a gag física de Ryan carregando Wilfred seja impagável), mas também como fator de envolvimento emocional.

No episódio, encontramos Ryan assumindo responsabilidades por Wilfred quando, após o acidente do episódio passado, o cachorro tem que enfrentar novas perspectivas. No entanto, quem parece precisar mesmo de ajuda é Jenna, principalmente depois de Ryan descobrir que seu “melhor amigo” pode estar com câncer (de pulmão, é claro). “Courage” não é um episódio otimista, nem absurdamente engraçado. São poucas as piadas que funcionam, na verdade, mas a série dá um jeito de fazer disso um pequeno detalhe perto da significância da trama do episódio e da conclusão temática que ela propõe.

A missão do capítulo é finalmente realizar em tela a tensão sexual e romântica entre Ryan e Jenna, e é excepcional que o faça tão bem. A cena em que os dois, absorvendo o impacto das notícias sobre a doença de Wilfred, se aproximam gradativamente é lindamente atuada por Elijah Wood e Fiona Gubelmann, e o diretor Randall Einhorn, que segura uma parte do episódio praticamente sozinho com seus truques de fotografia, escolhe bem ao posicionar a câmera como um observador estático nesse momento. É uma cena importante para os fãs da série, e é o momento mais marcante do episódio – mas é notável que, em meio a isso, Wilfred ache espaço para tornar tudo ao seu redor muito mais palpável. A série nunca foi tão substancial quanto aqui.

✰✰✰✰✰ (4,5/5)

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Próximo Wilfred: 4x09/10 – Resistance/Happiness (13/08)
[SERIES FINALE]

10 de ago. de 2014

Os 15 melhores álbuns do semestre

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O Anagrama tarda (dessa vez atrasamos demais!) mas não falha. Todo semestre, religiosamente, escolhemos aqui 15 álbuns que fizeram a nossa cabeça nos últimos seis meses, e o período entre Janeiro e Junho de 2014 não deixou a desejar. Fizemos uma votaçãozinha entre colaboradores e amigos e chegamos na lista que você vê aí embaixo, que tem música para todos os gostos e artistas nos momentos mais diversos de suas carreiras: de divas a estreantes; de MPB à trap music. Divirta-se, e até semestre que vem!

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X
Lançamento:
20 de Junho de 2014
Gravadora: Atlantic
Produção: Benny Blanco, Jeff Bhasker, Peter Cobbin, Ed Sheeran, Jake Gosling, Rick Rubin, Johnny McDaid, Kirsty Whalley, Pharrell Williams
Duração: 50m05s

por Vanessa Dias

Quando “Sing” (abaixo) começou a tocar nas rádios, as opiniões sobre o novo single de Ed Sheeran, para o álbum X, foram contraditórias. Houve aqueles que estranharam a voz do ruivo em um som tão pop, quase lembrando algumas músicas antigas de Justin Timberlake – nada mais normal, estranhar quando um artista de sua preferência começa a adotar novas diretrizes. E houve aqueles, como eu, que não se incomodaram com a mudança de ares e adaram a música para tocar na playlist de seus melhores dias.

A questão é que quando você finalmente ouve o álbum X, percebe que se deixou enganar por “Sing”. Ed conseguiu colocou em doses exatas a balada romântica de sempre e as novas batidas agitadas – satisfazendo as duas metades e criando o que eu considero um dos melhores trabalhos do cantor. Os acordes de violão estão lá, perceptíveis em faixas como “I’m A Mess”, “Tenerife Sea” (a mais parecida com o romance melancólico do primeiro álbum) e “I See Fire” – a queridinha dos fãs de O Hobbit e J. R. R. Tolkien.

“Sing” e “Don’t” entram com um pouco mais de animação. A segunda, com um clima urbano, retrata a experiência de um triangulo amoroso amargo, vivida pelo próprio cantor. As surpresas continuam em “The Man” e “Take It Back”, onde Ed renovou ao apostar em influências da banda de rap inglês The Streets. Um som é diferente, mas gostoso de ouvir, pronto para agradar mesmo aqueles que não são tão fãs do rap.

De forma geral, X foi um dos poucos álbuns de 2014 que eu posso dizer, com sinceridade, que me conquistou em cada pedaço. As dezesseis faixas são distintas, te propõem sensações e opiniões diferentes – mas todas com uma qualidade excelente. Um bom lançamento pop em um ano escasso de grandes sucessos.

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Ultraviolence
Lançamento:
13 de Junho de 2014
Gravadora: Interscope/Polydor
Produção: Dan Auerbach, Lana Del Rey, Paul Epworth, Lee Foster, Daniel Heath, Greg Kurstin, Rick Nowels, Blake Stranathan
Duração: 51m24s

por Marlon Rosa

Depois de Born to Die, álbum que foi alvo de elogios e críticas em 2012, a expectativa sobre o próximo trabalho de Elizabeth Grant sob a alcunha de Lana Del Rey era indubitavelmente GRANDE! Tachada por muitos como um produto fabricado para fazer sucesso, Lana sempre se muniu apenas do seu talento, microfone e voz para desdizer todas as acusações que lhe eram feitas. Lana, enquanto personagem, nunca fez parte do nosso mundo, nasceu aqui neste século por falta de escolha, mas ora ou outra se lembra da sua outra vida, uma vida pertencente aos anos 70, na qual encarna o estereótipo da mulher que os cantores cantavam sobre na época.

Em Ultraviolence, não é diferente, Lana encarna um lado ainda mais apaixonado, sadomasoquista e submisso dessa persona. Ela mesmo já disse não ser a pessoa exata para bradar hinos feministas, de acordo com ela, "ser feminista é ser livre e poder fazer o que se tem vontade", e sem perceber, em meio à toda ultraviolência de seu terceiro álbum de estúdio, Lana dá voz a mulheres que nunca antes tiveram chance e espaço para falar sobre seus sentimentos publicamente sem serem subjugadas, às mulheres que por si só tinham que se calar e aceitar toda e qualquer imposição.

Se ainda resta alguma dúvida se Ultraviolence é um dos melhores álbuns do ano e se Lana é um produto fabricado, Dan Auerbach, produtor do álbum e integrante da banda The Black Keys só tem uma coisa pra lhe dizer: "Toda crítica que eu já tinha ouvido sobre ela foi provada errada quando nós estávamos no estúdio. Desde o quão grande as músicas eram, de quão confiante ela é como uma musicista, de como ela canta para caralho todas as músicas ao vivo, com um microfone de mão e uma banda de sete músicos. Quer dizer, sai fora, quem é que faz isso? Ninguém faz isso, não existiu um álbum pop número um que foi gravado assim em quarenta, cinquenta anos."

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Donker Mag
Lançamento:
03 de Junho de 2014
Gravadora: Zef
Produção: DJ Hi-Tek, DJ Muggs
Duração: 49m39s

por Rodrigo Cordeiro

O trio sul-Africano Die Antwoord voltou em 2014 com seu mais novo e aguardado álbum, Donker Mag. A banda (mais esquisita da cidade) que ficou conhecida com seu 2º álbum, Ten$ion, lançado em 2012, retorna às paradas com um trabalho mais completo, cheio de personalidade e bem diferente de tudo que eles já fizeram, mas que peca no exagero dos interlúdios/monólogos, que em minha opinião, não fez desse álbum o melhor trabalho do trio.

Die Antwoord é aquela banda que fez a gente se apaixonar pela excentricidade, pelo electro-hip-hop poluído, palavrões e, muitas vezes, críticas à indústria fonográfica norte-americana, sem perder o visual demoníaco (se juntasse todos os clipes, daria um ótimo filme de terror alternativo). A primeira  faixa do álbum é “Don't Fuk Me", um interlúdio que claramente é uma bela de uma indireta no estilo Die Antwoord de ser. Essa faixa e mais outras 3 – “Zars”, “Do Not Fuk Wif da Kid” e “Moon Love” são os c̶h̶a̶t̶o̶s̶ monólogos que fazem do Donker Mag u̶m̶ ̶s̶a̶c̶o̶ uma obra cheia de personalidade e o característico estilo do trio de mandar os haters se foderem.

Música mesmo começa com a faixa “Ugly Boy”, que pra mim é extremamente diferente e inesperado em relação a tudo que eles já fizeram. Adorei! Não consigo tirar do repeat. Logo vem a faixa “Happy Go Sucky Fucky”, bem no estilo “I Fink U Freeky” (que é o que mais amamos em Die Antwoord, não é mesmo?!). Seguindo, a faixa “Raging Zef Boner” que faz você pensar: “eu estou realmente ouvindo um reggae nesse álbum?”. “Cookie Thumper” (acima) foi o carro chefe do CD, lançado ano passado, e não chega aos pés do restante do disco, mas lembra uma das faixas de maiores sucesso da banda: “Baby's On Fire”, do álbum Ten$ion. A faixa “Girl I Want 2 Eat U” te leva pra Porto Rico em 4:04 minutos bem no estilo reggaeton e, claro, cheia de versos machistas. E pra tirar a bunda da cadeira e descer até o chão chega “Pitbull Terrier” (abaixo), que te traz de volta pro universo Die Antwoord – clima macabro, com batidas de eletro-hip-hop do começo ao fim, e um clipe que se não te deixar impressionado, eu não sei dizer o que deixaria. Para mim é o hit do álbum, sem dúvida.

Sombria e pesada, essa é “Rat Trap 666”, que além do ótimo nome, tem participação do DJ Muggs, mais conhecido por ser o DJ e produtor do rapper Cypress Hill. Uma das minhas favoritas do álbum, cheia de rimas, palavrões e uma batida hip hop bem ao estilo de Kendrick Lamar. (notem a referência no começo da música ao filme do Freddy Krueger! Foda, não?!). Pra finalizar o álbum, aparecem as faixas “Sex” e “Donker Mag” (que dá nome ao disco). A primeira parece mais um remix das baladas românticas do Die Antwoord feita por algum DJ famoso - acho que já vimos isso com “Summertime Sadness” da Lana Del Rey com o Cedric Gervais não é mesmo? E falando em Lana Del Rey, Die Antwoord segue o mesmo estilo em “Donker Mag”, que encerra o álbum etereamente após uma introdução silenciosa de mais de 20 segundos.

Reforçando o que eu disse: não acho que é melhor trabalho da banda, mas sem dúvida não é pior também. No geral, temos faixas menos agressivas mas que exploram territórios musicais mais diversos, sem nunca perder a identidade do trio.

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In the Lonely Hour
Lançamento:
26 de Maio de 2014
Gravadora: Capitol
Produção: Jimmy Napes, Steve Fitzmaurice, Fraser T. Smith, Two Inch Punch, Eg White
Duração: 32m47s

por Clara Montanhez

Sam Smith é uma das grandes novidades desse ano no mundo pop. Seu primeiro álbum, que foi gravado ano passado e lançado em maio de 2014, In The Lonely Hour, veio recheado de singles que se infiltraram entre as músicas mais tocadas nas rádios e paradas pop, junto a nomes como Beyoncé e Lady Gaga. Mas não é para menos: o moço britânico de 22 anos tem uma das melhores vozes masculinas dos últimos tempos, com amplo alcance, partindo de notas graves e atingindo agudos impressionantes.


Se não bastasse o timbre suave e emotivo, as letras, escritas pelo próprio Sam com várias colaborações, possuem grande carga emocional, como podemos perceber claramente no single “Stay With Me” (acima). Ao ouvir cada uma das faixas, há sempre uma agradável surpresa, seja pelos falsetes do cantor, ou os versos da música, ou o arranjo melódico... ou esses três elementos juntos. In The Lonely Hour trás uma experiência agradável para aqueles que curtem R&B com uma pegada house, traços característicos de Sam.

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Xscape
Lançamento:
13 de Maio de 2014
Gravadora: Epic
Produção: Paul Anka, Babyface, John Branca, Dr. Freeze, J-Roc, Michael Jackson, Rodney Jerkins, Daniel Jones, King Solomon Logan, John McClain, L.A. Reid, Cory Rooney, StarGate, Timbaland, Giorgio Tuinfort
Duração: 34m25s

por Bebé Ribeiro

Escrever sobre Michael nunca é fácil, pois sempre parece que não está o suficiente, os adjetivos parecem nunca serem bons o bastante. Falar sobre suas obras icônicas, mais difícil ainda. Eis que estou aqui para comentar sobre o segundo álbum póstumo de MJ, o Xscape, lançado dia 13 de maio. Qualquer notícia sobre o Michael gera amor e ódio. Enquanto uns ouvem loucamente as "novas" faixas, outros preferem dizer que nada impressiona. Não é e nunca será o melhor álbum, porém, não deve ser deixado de lado pois o álbum consegue manter qualidade pelo fato de muitas músicas lembrarem a melhor época do rei do pop.

Além desse fato, ainda existe o cuidado que se teve com o disco, que possui um ótimo trabalho de remixagem e acabamento. O destaque vai para o single do disco, “Love Never Felt So Good” (acima), que na edição de luxo inclui uma participação de Justin Fucking Hot Timberlake. A música foi feita há cerca de 30 anos atrás, em sua melhor fase, mostrando uma qualidade imensa, sem contar o clipe mega-fofo e que eu danço em frente à TV toda vez que vejo (só acho que eu deveria ter participado). As outras duas faixas que estão no meu top 3 são “Slave to the Rhythm” e “Blue Gangsta”: dançantes, sexy e tudo de lindo. Xscape nos traz um pouquinho de nostalgia e ressalta novamente que quando um ídolo torna-se ícone, nada relacionado a ele será esquecido.

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Glorious
Lançamento: 12 de Maio de 2014
Gravadora: Epic
Produção: Future Cut, Ghostwriter, Liam Howe, Ben Preston, Jarrad Rogers, Mike Spencer, Utters, Matt Wiggins
Duração: 44m57s

por Ilson Junior

Durante o Grammy de 2014, após ganhar a categoria de BEST DANCE RECORDING ao lado do DJ e produtor Zedd, com o hit “Clarity”, a cantora inglesa Louisa Rose Allen, conhecida apenas como Foxes, postou em seu twitter o quão surpresa e feliz estava em conquistar o prêmio. Para os fãs mais antigos o Grammy também soava como uma grande surpresa, embora merecida, depois de tanto tempo trabalhando em ótimas musicas sem conseguir o sucesso merecido. Agora, esses fãs viam que a cantora ganhava o mundo com sua bela voz. Foxes lançou sua primeira musica em 2012, além do maravilhoso EP Warrior, do mesmo ano, este que já trazia uma prévia do que estava por vir. A notoriedade que Foxes recebeu com “Clarity” abriu muitas portas para o lançamento do seu primeiro álbum, intitulado Glorious.

O disco é definitivamente um culto à juventude e a tudo que a engloba: o desejo da liberdade, o aproveitamento do dia e da noite, o amor intenso e profundo, e até a dor da solidão por deixá-lo partir. Tudo que todos nós sabemos que viveremos enquanto nos sentirmos jovens. Como a própria cantora anuncia numa das melhores faixas do álbum e primeiro single, “Youth” (acima): “Don’t tell me our youth is running out, it’s only just begun” (“Não me diga que nossa juventude está acabando, ela apenas começou”). A faixa parece iniciar de verdade o álbum após a mística faixa de abertura “Talking to Ghosts”, que não possui refrão mas te leva a uma incrível imersão no clima celestial que encanta o álbum inteiro. Glorious é um mix de estilos trabalhados de uma forma delicada e encantadora como a própria cantora é. A faixa-título traz o uso do dubstep de uma forma ímpar, além de uma construção que, por mais bagunçada que seja, é também tocante e não falha em te deixar cantarolando: “Don't give it up, don't give it up, it's glorious”. Além do dubstep, o álbum soma nas suas musicas outras tendências eletrônicas, percussão tribal, intervenções de piano e vai desde as faixas superproduzidas para a pista de dança (como “Let Go for Tonight” – abaixo –, seu maior single) até aquelas faixas solitárias em que nada é maior do que a voz da cantora (como “Count the Saints” e “Night Glo”).

Foxes afirma que as letras do álbum, compostas por ela mesma, são sobre não desistir e se sentir grato pelo que você tem, sobre ver o quão glorioso o mundo pode ser (Fonte : Foxesteam). Glorious é celestial, místico, um culto á juventude somado à beleza de valorizar até o que é sombrio. Conversar com fantasmas ou contar o santos pode soar um pouco estranho, mas é o que compõe um dos melhores discos lançados esse ano, por uma cantora que ainda é nova, porém impressiona em talento vocal e nas composições grudentas e lindas, deixando claro que ainda tem muito pra mostrar pro mundo da musica.

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Sheezus
Lançamento:
02 de Maio de 2014
Gravadora: Parlophone
Produção: Paul Beard, DJ Dahi, Fryars, Greg Kurstin, Shellback, Fraser T Smith
Duração: 49m40s

por Caio Coletti

Em um dos muitos ganchos do hit (no mundo todo, menos nos EUA) “Hard Out Here” (abaixo) , Lily Allen declara de maneira muito esperta: “Inequality promises that it’s here to stay/ Always trust the injustice, ‘cause it’s not going away” (“A desigualdade promete que veio para ficar/ Sempre confie na injustiça, porque ela não vai embora”). Lançado cinco anos, um casamento e um filho depois de It’s Not Me It’s You, de 2009, o Sheezus pode facilmente passar a impressão de ser uma obra acomodada para aqueles que conhecem o espírito ferino e combativo da discografia da moça. O começo do álbum, com canções que caminham pelo trend fácil da música trap e trazem mais celebrações amorosas hedonistas do que críticas sociais, podem passar a impressão de que se trata de uma Lily Allen domesticada, mas não é bem assim. Ela só é uma Lily Allen mais madura.

Aos 29 anos, nossa inglesinha preferida canta as virtudes do maridão em “L8 CMMR” e “Close Your Eyes” , e mostra uma sexualidade muito mais confiante do que a que permeava o It’s Not Me It’s You. Tanto que “As Long as I Got You” empresta o estilo country da inesquecível “Not Fair” para fazer uma ode romântica, e não uma crítica birrenta ao desempenho físico de um amante. A verdade é que passadas as 4 primeiras faixas, Sheezus é um álbum bem distintamente Lily Allen. A produção de Greg Kurstin em 10 das 12 canções deixam a cantora em território confortável para sair com a linda balada “Take My Place” e a agridoce “Life for Me” , canções intimistas e em alguns momentos dolorosas que seguem a tradição de “I Could Say” e “Who’d Have Known”, do álbum anterior.

No final das contas, Sheezus é um segundo take em uma mesma visão de mundo. Lily não é um espírito conformado, mas talvez esteja um pouco cansada de atirar socos em um saco de pancadas que não parece absorver o impacto. Ela é quase explícita nessa mensagem com “Silver Spoon”, a melhor faixa trap do álbum, cantando: “I can not believe I’m still here/ Still telling you that you’re wrong” (“Eu não posso acreditar que ainda estou aqui/ Ainda te dizendo que você está errado”). Ela ainda arrisca alguns golpes mais incisivos, principalmente na genial faixa-título (acima), e em “URL Badman”, mas o que ela quer mesmo dizer com o terceiro disco da carreira é que talvez não possamos vencê-los, mas nem por isso precisamos nos juntar a eles.

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I Never Learn
Lançamento:
02 de Maio de 2014
Gravadora: Atlantic
Produção: Greg Kurstin, Lykke Li, Björn Ytting
Duração: 32m50s

por Ilson Junior

Quem vê a capa do I Never Learn, terceiro álbum de estúdio da cantora sueca Lykke Li, feita em preto e branco como as duas capas dos seus albuns anteriores, definitivamente não pode se deixar levar pela ideia de que haverá também uma grande semelhança no conteúdo entre ele e seus antecessores. Após o sucesso repentino de “I Follow Rivers”, faixa do seu penúltimo álbum, a cantora surpreendeu os fãs com um vídeo da canção-título de I Never Learn, na qual mostrou que o que estaria por vir seria algo ainda mais profundo do que os seus trabalhos anteriores.

I Never Learn é doloroso, e não há quem conteste isso. Triste, melancólico, chega a ser sádico, mas de uma forma encantadora. Não seria espantoso dizer que é ouvido de uma forma masoquista. O álbum é um daqueles que qualquer pessoa que já teve o coração quebrado irá apreciar de uma forma ainda mais intensa. “I Never Learn”, que na minha opinião é uma das melhores musicas lançadas este ano, abre o álbum de forma profunda, mística, com apenas o violão e um canto arrastado, seguido de um refrão construído por um coral ecoante e convidativo - a faixa te imerge na energia do álbum perfeitamente. “No Rest for the Wicked” (acima), escolhida como terceiro single, é ainda mais triste, trazendo uma melodia dessas que te fazem parar de sentir o chão e se perder nas claras notas de piano, e o refrão é uma obra prima, ficando na cabeça em questão de poucas audições. “Gunshot” (abaixo) é a faixa mais pesada do álbum, sombria como um abraço indesejado no escuro e talvez uma das faixas que melhor casam voz e melodia como se um ou o outro não fizessem sentido sozinhos. Chega a ser difícil destacar algumas faixas sendo que o álbum é excelente por inteiro, possuindo uma unidade impressionante.

Lykke, tão misteriosa e sombria - como sempre soube ser muito bem-, neste álbum traz um lado mais sensível, e soa como um desabafo sofrido e carente de um ombro pra chorar. Dispensando completamente as faixas mais dançantes, o álbum todo se engloba numa mesma vibe, te fazendo vivenciá-lo da primeira à ultima faixa, e dificilmente não te fará repetir uma ou outra musica, senão ele inteiro. A solidão e a tristeza, tão presentes nele, trazem diversas faces conhecidas por alguém que vivencia a falta de um grande amor perdido, desde o sofrimento solitário até a rejeição à ideia de viver um novo amor novamente. Ouvir o I Never Learn é uma experiência fantástica, que deve ser feita de coração aberto. É emocionante e definitivamente um dos melhores albuns que foram lançados esse ano.

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The New Classic
Lançamento:
21 de Abril de 2014
Gravadora: Def Jam
Produção: The Invisible Men, The Arcade, 1st Down, The Messengers, Watch the Duck, StarGate, Reeva & Black
Duração: 51m11s

por Gabryel Previtale

Depois de quase um ano do bem sucedido single "Work", lançado em março de 2013, finalmente a rapper autraliana Iggy Azalea lançou seu album: The New Classic. Nele, mostra toda sua evolução e influência desde o lançamento do single. Vale lembrar que Iggy já havia lançado um disco, bem antes de ser famosa, chamado Ignorant Art, e que obviamente não foi muito bem recebido e comercializado. O The New Classic chega como uma linha do tempo da vida de Iggy – seus acontecimentos, suas inspirações –, quase seguindo uma linha cronológica para o produto final.

A rapper insiste em dizer que o tema do seu ultimo trabalho não é transformar o classic em algo hypado ou cult alternativo, argumentando: "É como conceituar e aclamar um determinado período de sua vida, relacionando a música produzida ao momento que você está vivendo“, isto é, enquadrar o que está se vivendo de uma forma musical e não transformar o musical em certos modismos. O conteúdo do álbum é bem diversificado, "100" é com certeza uma das faixas que valem o CD da cantora, produzida juntamente do trio de trapstep Watch the Duck. Se assemelha muito a produções do Jay Z das antigas, e também do Puff Daddy no ínicio dos anos 2000. Seria uma ótima jogada se a artista tivesse colocado essa faixa como um "summer-single" norte americano.

Continuando com as faixas da australiana, no geral o que se ouve é um rap quase eletrônico, bem dançante e divertido, mas nem tudo é flores no CD de Iggy. Com essa ideia de ser um álbum quase "autobiográfico", acabou ficando repetitiva a elaboração de algumas faixas, como "Impossible is Nothing" e "Rolex". Na faixa "Walk That Line" pode ser captada uma grande influência do rapper Eminem, trazendo um vocal mais violento e enunciado de forma mais impactante. Outra faixa que poderia ser muito boa é "Fuck Love" que recebeu uma remixagem pesada e excessiva por parte de Diplo. Azaelia Banks, quem diria, também foi encontrada como forte influência em uma das faixas, no caso "Goddess", talvez inserida pelos produtores, que também trabalharam para a cantora de “212”. O pop aparece mais evidente em "Just Askin", faixa sonora e bem dividida do resto, totalmente voltada para as rádios.

No geral, o saldo do álbum é bem positivo: Iggy consegue passar mensagens positivas ao mesmo tempo sem abusar do clichê, fazendo rimas que não são comuns, deixando as letras das músicas como ponto forte e, claro, ao mesmo tempo criando um disco divertido e dançante. Merecem ser ouvidas:  Walk The Line”, “100″, “New Bitch”, “Just Askin’” além das já conhecidas “Work”, “Change Your Life” , “Bounce” e “Fancy” (acima).

Shakira-Shakira

Shakira
Lançamento:
21 de Março
Gravadora: RCA/Sony
Produção: Battledecoy, Billboard, Busbee, Cirkut, Dr. Luke, John Hill, J2, Kid Harpoon, Kosakovsky, Greg Kurstin, Steve Mac, Adam Messinger, Nasri, Luis Fernando Ochoa, Shakira
Duração: 41m45s

por Caio Coletti

A sensação de ouvir o Shakira é a de perceber que, por mais que você ache que aquele seu velho amigo tenha mudado muito, ele ainda tem uma essência muito particular que você conhece como a palma da sua mão. O prazer do décimo álbum de estúdio da colombiana que aprendemos a amar desde meados da década de 90 não está só em uma produção brilhante, em ouvir as influências da moça se juntarem para formar um todo coerente, na voz particularíssima dela, ou mesmo na doçura de um disco que é essencialmente apaixonado – grande parte desse prazer está também em ver Shakira colocando sua personalidade em primeiro plano. Não é uma questão de voltar para o mesmo som de uma década e meia atrás, e sim uma questão de perceber que talvez esse som represente muito do que Shakira é como artista.

“Dare (La La La)” (acima) abre o disco com uma conjunção de produtores pop impressionante: Dr. Luke, Cirkut e Billboard. Mesmo assim, é uma canção distintamente autoral (“Your blue Spanish eyes are my witness”) que incorpora elementos compositivos diferentes, como a ponte que é introduzida pelos gritos de “ola! ola!”, e termina como uma das faixas de pista de dança mais incríveis do ano. Seguindo essa deixa ,o restante do álbum faz um trabalho brilhante em incorporar a particularidade de Shaki em vários contextos diferentes. É claro que ajuda o fato de ela ser co-compositora e co-produtora da imensa maioria das músicas – é desse comprometimento que surgem pérolas como o dance-tango “You Don’t Care About Me”, o sensacional pop rock “Spotlight”, dono do refrão mais empolgante do álbum, e os country-latinos “Broken Record” e “Medicine”, cantada com Blake Shelton.

Shakira é um álbum barulhento, cheio de tintas de reggae (o single “Can’t Remember to Foget You” – acima – é o mais óbvio nesse sentido, mas a influência da música jamaicana percorre todo o disco), que se mostra incansavelmente experimental em alguns momentos. Nenhuma das canções passa dos 4 minutos de duração, o que contribui para a impressão de um álbum entusiástico, ágil e – talvez seja esse o adjetivo certo – encantado. A Shakira que emerge desse (merecidamente) auto-intitulado é uma mulher apaixonada, é claro, pelo marido e pela filha que faz uma participação na lindíssima “23”, mas isso não a fez perder o espírito. Pelo contrário, parece ter reascendido nela um fogo latino e uma força motriz e contamina o disco e, por consequência, o ouvinte.

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Vista Pro Mar
Lançamento:
17 de Março de 2014
Gravadora: Som Livre
Produção: N/F*
Duração: 48m30s

por Gabryel Previtale

Silva, um nome que vem rodeando os ouvidos de quem ouve e aprecia MPB. Ganhou destaque com seu disco de estreia, Claridão (2012), que se espalhou rapidamente com seu som irreverente, cheio de transições, mixagens modernas para o mpb original e com influências que deram muito certo. Resumindo, hoje ele é considerado uma das vozes deste new-mpb, ou dessa nova musica popular brasileira feita por outra geração. O cantor lançou este ano Vista pro Mar, que gerou muita curiosidade e especulação: o que seria o sucessor de Claridão?  Será que seria tão bom como o anterior? Será que iria impressionar até os ouvidos mais críticos? Será que ele mudou seu estilo em dois anos?

Em seu site, Silva diz: "Vista pro Mar surgiu em uma tarde ensolarada na piscina - como se fosse um caso de amor adolescente, daqueles que nos rende um ano de dor de cabeça criativa...". De cara o que tiramos desse seu novo trabalho é que ele continua nos traços do seu trabalho anterior, cheio de influências synthpop que mesclam perfeitamente com a MPB. Não podemos deixar de notar também a evolução do cantor quanto a qualidade das das faixas – o disco anterior tinha canções extremamente boas e outras nem tanto, esse novo album ganhou uma "nivelada". Todas as faixas estão com um padrão de qualidade muito bom, o que torna o disco mais completo, simétrico, quase sem imperfeições, esse eu acho que é diferencial do novo CD.

Sobre o conteúdo do Vista pro Mar, uma das faixas nacionais mais viciantes lançadas nos últimos tempos, que foi exibida antes mesmo do álbum ser totalmente disponibilizado, é " É Preciso Dizer" (acima), que ficou um pop bem divertido e dançante, com ótimas dosagens de synthpop e com o refrão bem melódico. "Okinawa", que conta com a participação de Fernanda Takai, segue na mesma linha de qualidade da citada anteriormente, só que dessa vez não tão animada, porém ainda sim com um pop bastante aparente, só que mais calma. "Universo" é uma faixa que funciona, fez seu trabalho, mas não possui uma melodia inédita que grita originalidade, embora seja single neste álbum. Isso que nos faz pensar que, normalmente, quando um artista escolhe teus singles, são porque são as melhores musicas do CD, e que no caso de Silva não é bem assim. "Disco Novo" prova isso; possui uma batida eletronica e sons de palmas, que apresente uma belíssima letra, bem simples e honesta "Já amei, amei também/ Já desanimei/ Insisti em não lembrar/ Depois lembrei".

O que ficou do ultimo trabalho de Silva, foi que o álbum acertou em cheio ao ter musicas muito boas e ao mesmo tempo muito distintas, o que pode ter causado alguma implicância em outras pessoas, ao chamar o disco de "confuso e muito transitório", mas vale ouvir e tentar captar a essência do disco que ficou muito bem feito. Vale a pena ouvir: “Janeiro”, “Volta”, “Disco Novo”, “É Preciso Dizer”.

Paloma-Perfect Contradiction

A Perfect Contradiction
Lançamento:
10 de Março 2014
Gravadora: Sony
Produção: Eric Appapoulay, Chris Braide, AC Burrell, G’Harah Degeddingseze, Mr Hudson, Stuart Matthewman, Kieron Mcintosh, Dave Okumu, Plan B, Steve Robson, Raphael Saadiq, Taura Stinson, Kyle Thownsend, Dylan Wiggins, Pharrell Williams
Duração: 39m22s

por Marlon Rosa

Junte Pharrell Williams, John Legend, Raphael Saadiq e Diane Warren, some com o poderoso alcance vocal de Paloma Faith, e o que temos é um álbum com batidas e arranjos que remetem aos anos anos 60 e 70, em uma combinação perfeita de R&B e disco. Apesar de não apresentar novidades musicais em relação aos seus trabalhos anteriores, que sempre tiveram um ar mais “vintage”, A Perfect Contradition soa como uma Paloma mais madura, mas que ora ou outra perde a mão e a originalidade.

O lead sing “Can’t Rely on You” por exemplo, transpira mais o groove e o soul, marca registrada de várias composições de Pharrell, como já visto em “Blurred Lines”, do que propriamente soul-pop de suas músicas. Entretanto, as exeções não atrapalham em nada a maravilhosa experiência que é ouvir a voz de Faith, como acontece em “Only Love Can Hurt Like This”, talvez um dos maiores destaques do álbum e de sua carreira. Outras faixas que merecem atenção são “Trouble With My Baby” e “The Bigger You Love (The Harder You Fall)”.

mo-mythologies

No Mythologies to Follow
Lançamento:
07 de Março de 2014
Gravadora: RCA Victor
Produção: Diplo, James Dring, August “ELOQ” Fenger, Ronni Vindahl
Duração: 43m59s

por Marlon Rosa

Karen Marie Ørsted faz parte do seleto, mas em rápida ascensão, grupo de músicos pops escandinavos que misturam vocal de notas altas, pop alternativo, synthpop, indie pop e mais uma caralhada de estilos. E ela, no  auge dos seus 25 não poderia ter escolhido um nome artístico melhor: MØ significa virgem em dinamarquês, e assim como o significado do seu nome, ela encarna em suas músicas uma vontade de se libertar, e se desvirginar com o mundo da forma mais louca e imediata possível.

Isso acontece com versos como: "You make me wanna spit on your honor/ Go with the bus waiting 'round the corner /To seek the fire and my desires/ If we could all just do as I do/ Where, where do we go?/ Where the, where the wind blows/ We're the youth on our own" (“Você me faz querer cuspir na sua honra/ Ir com o ônibus que espera na esquina/ Procurar o fogo e meus desejos/ Se todos nós pudéssemos só fazer do jeito que eu faço/ Onde, onde nós vamos?/ Onde, onde o vento nos levar/ Nós somos a juventude por nós mesmos”), da música que dá título ao álbum de estreia.

MØ invoca a juventude dentro de cada um e nos convida a sair sem rumo, seguindo apenas nossos instintos. É exatamente essa a fórmula que faz No Mythologies to Follow um álbum que transborda originalidade e faz do descompromisso e da liberdade criativa uma verdadeira sinfonia para os ouvidos. Ouvindo-o, surge aquela vontade de chamar os amigos, subir em um carro daqueles conversíveis, que dá pra sentir o vento no rosto, ligar a música no alto e seguir sempre em frente, sem nunca olhar pra trás e sem medo de arrependimentos.

“Fire Rides”, “Never Wanna Know”, “Don't Wanna Dance” (acima) e “XXX 88” se encontram entre as melhores músicas de um dos melhores álbuns de 2014.

Lea-Louder

Louder
Lançamento:
28 de Fevereiro de 2014
Gravadora: Columbia
Produção: Josh Abraham, Benny Blanco, Chris Braide, Scott Cutler, David Hodges, Matt Rad, The Messengers, Monters & Strangerz, Colin Munroe, Oliver “Oligee” Goldstein, Ali Payami, John Shanks, Sir Nolan, Stargate, Sean Walsh
42m29s

por Caio Coletti

Desde o momento em que Lea Michele, a Rachel Berry de Glee, anunciou que estava preparando seu primeiro álbum solo, uma dúvida me falou alto: será que o mercado pop vai conseguir enquadrar a voz gigantesca dessa nova-iorquina de 27 anos? Não é exagero, e não precisa ir muito longe para achar um exemplo de que nem sempre as melhores vocalistas se dão bem no gênero. A espetacular Jennifer Hudson e seus dois álbuns de estúdio nunca encontraram mais do que momentos fugidios de brilho dentro da caixinha R&B em que os produtores insistem em colocá-la. Por sorte ou por esperteza, Lea acabou não caindo nessa mesma limitação – seu Louder, como o próprio nome diz, é barulhento, grandioso e apoteótico. E o melhor de tudo, não tenta esconder que sua vocalista é diferente de todas as outras.

O álbum é produzido em função da voz de Lea, e não o contrário. As poucas tentativas de encaixá-la em algum lugar resultam no single “On My Way” (abaixo) e na faixa-título, que a colocam na pista de dança com resultados variáveis – a primeira faixa é um pouco óbvia com sua queda dubstep e sua melodia quebrada, enquanto a segunda é bem mais agradável, com uma abordagem mais straighfforward do dance. No entanto, se mesmo nesses momentos mais esquecíveis a voz de Lea se mostra uma força poderosa para captar a atenção do ouvinte, nas melhores faixas do Louder ela aparece como uma das melhores vocalistas da música pop atualmente. E a coleção de power ballads do álbum não deve ser subestimada.

Há um bom tempo que a indústria fonográfica não apostava nesse formato, e Lea é a pessoa certa para trazê-lo de volta. Quatro faixas trazem a assinatura de Sia, talvez a compositora mais reconhecível no mercado atualmente, e duas se destacam absolutas: “You’re Mine” tem o refrão mais apoteótico do álbum, apresentando um desafio de verdade para Lea; e a amargamente linda “If You Say So” faz uma bela homenagem a Cory Monteith, dando ao álbum a nota de luto que o momento da vida da cantora exigia. Além disso, porém, a canção é também o ponto final perfeito para um álbum jovem, com o pendor certo para a dramaticidade, mas um senso de presente muito característico da geração de Lea Michele. Além de um acerto em cheio em termos de carreira, Louder é também um bonito retrato de uma artista cujo talento é absolutamente dominante.

Owlle-France

France
Lançamento:
20 de Janeiro de 2014
Gravadora: RCA
Produção: N/F*
Duração: 39m07s

por Caio Coletti

“Uma coisa que eu percebi só quando terminei o álbum é que há nele uma noção de alguém correndo incessantemente atrás de alguma coisa, alguma coisa impossível de alcançar. Eu não tinha percebido isso antes, que esse era meu tema nas letras, mas também de uma forma rítmica”. É assim que Owlle se refere a seu disco de estreia, France, numa entrevista concedida para o site de arte Amelia’s Magazine, publicada antes do lançamento mundial da obra, em 20 de Janeiro. A moça, que é (apropriadamente) francesa, chamou a atenção primeiro com o EP Ticky Ticky, virou a nova it girl europeia com seu estilo visual muito particular, e foi convidada pelo Depeche Mode para remixar a faixa “Heaven” (ouça o resultado aqui), tudo antes de estrear pra valer na indústria fonográfica. Ainda um sucesso modesto perto de muitos integrantes dessa lista, Owlle é uma artista de sutilezas, e por isso merece lugar aqui.

France é uma pequena pérola rítmica que tem muito a ensinar, ao menos nesse aspecto, para o trabalho de outras pretendentes a diva do synthpop. Há um entrelaçamento entre as batidas e a melodia, sendo auxiliadas pela produção e pela forma bem straightforward de cantar da francesa, que fazem cada faixa uma progressão deliciosa de ritmo. Isso já fica bem nítido em “Fog”, que abre o disco, e cujos versos são levados em uma cadência bem particular. No álbum de Owlle, tudo parece estar aqui para hipnotizar: os synths graves que garantem o clima da balada “Your Eyes” são contrastados pelas intervenções mais agudas e pela batida four-on-the-floor de “Ticky Ticky” (acima), o grudento e viciante hit da cantora. Existe mesmo essa noção de busca em France – há algo de incansável no álbum que é encantador.

Sobram outros conceitos interessantes para apreciar no disco de Owlle, no entanto. A faixa “Creed” é esperta o bastante para pegar uma melodia essencialmente pop-rock (não estou falando besteira, juro! Ouça, feche os olhos, e pense em Kelly Clarkson cantando essa música) e decorá-la com um instrumental essencialmente synthpop. O resultado é empolgante, assim como a capacidade de criar verdadeiros épicos de menos de três minutos (“Silence” e a faixa final do álbum, “My Light Has Gone”) com batidas militares e sintetizadores que se sobrepõem em um clímax quase orgástico. Até a balada “Free”, levada pelo piano, ganha charme na voz de Owlle. Pode ser que a moça ainda não seja uma estrela, mas ela sem dúvida entregou o melhor álbum de synthpop do ano.