Review: Dirty Computer (álbum e filme)

Janelle Monáe cria a obra de arte do ano com um álbum visual espetacular - e que desafia descrições.

Os 15 melhores álbuns de 2017

Drake, Lorde e Goldfrapp são apenas três dos artistas que chegaram arrasando na nossa lista.

Review: Me Chame Pelo Seu Nome

Luca Guadagnino cria o filme mais sensual (e importante) do ano.

Review: Lady Bird: A Hora de Voar

Mais uma obra-prima da roteirista mais talentosa da nossa década.

Review: Liga da Justiça

É verdade: o novo filme da DC seria melhor se não tivesse uma Warner (e um Joss Whedon) no caminho.

29 de nov. de 2010

Kick-Ass: Quebrando Tudo (Kick-Ass, 2010)

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Ninguém nega que O Cavaleiro das Trevas é um grande filme. Não há como discordar que, apesar de não ter saído bem como se imaginava, Watchmen seria, conceitualmente, uma obra de arte. A pergunta que toda a crítica vem fazendo desde 2008, quando esses dois filmes abriram a fronteira final dos quadrinhos para o público cinematográfico, no entanto, é porque tal obras tem o poder de fazer o público acreditar, de verdade, nos seres heróicos que eram tão étereos no tempo em que Clark Kent ainda andava por aí na pele de Christopher Reeve. Sem descreditar as adaptações anteriores da nona arte, mas é na porta aberta pela modernidade e pelo filme de Chris Nolan que Kick-Ass encontra seu diferencial. Não se trata de buscar por um super-herói como ideal utópico e impossível. Trata-se de fazer uso desse conceito para explorar  dilemas básicos de qualquer ser humano normal. E depois ainda tem gente com a coragem de dizer que não se fazem mais filmes como antigamente.

O fato de inserir-se cuidadosamente em nosso próprio mundo para em seguida quebrar com ele mais do que claramente faz da narrativa de Kick-Ass uma bom-bolada armadilha para o público. Não que ele reclame, é claro. O roteiro de Jane Goldman e Mathew Vaughn, dupla responsável por Stardust, é divertido, chocante e corajoso o bastante para não cair nos própios engodos. Divertido porque não deixa de explorar as possibilidades fantasiosas de uma trama que envolve gente de collants e máscaras combatendo o crime. Chocante porque insere esse contexto num mundo muito nosso, de problemas complexos e humanos, que faz de cada personagem ao mesmo tempo uma caricatura e um retrato fiel e detalhado de um ser humano de verdade. Corajoso porque não foje de polêmicas e até parece ter o cuidado de instigá-las, pelo puro prazer de cutucar Hollywood e suas regras absurdas.

Em Kick-Ass, crianças empunham armas e sangue adulto jorra pela ação dessas mesmas crianças. Pode parecer absurdo, mas é bem aí, de forma muito inteligente, que Goldman e Vaughn impõem a barreira da ficção. Especialmente ele, também creditado como diretor, que manipula câmera, fotografia, trilha-sonora e direção de arte com precisão e dinâmica admiráveis, criando um tipo de cinema contemporâneo que raramente se vê fora as obras de Quentin Tarantino. Claro, o filme deve muito ao texto esperto-até-demais de Mark Millar, talvez o mais moderno dos autores de quadrinhos em atividade, um homem com faro o bastante para criar um super-herói adolescente em um contexto real, numa época em que os filmes jovens estão se tornando cada vez mais honestos com a própria realidade. Na era dos filmes indies, Millar criou um super-herói com pinta de cult sem precisar abandonar a parte divertida da história.

Aqui o portagonista é Dave Lizewski (Aaron Johnson), o típico nerd fã-de-quadrinhos com poucos amigos e invisível para as garotas do colegial americano. Apaixonado pela gracinha com conteúdo Katie Deauxma (Lindsy Fonseca), logo após uma discussão banal com os amigos Marty (Clark Duke) e Todd (Evan Peter) ele resolve comprar um traje de mergulho extravagente, dois bastões de luta e se tornar o combatente do crime Kick-Ass. Tudo isso num mundo onde os heróis só existem nas revistas em quadrinhos, filmes e séries. Enfim, no nosso mundo. Na primeira vez que vai as ruas, Dave leva uma surra. Na segunda, vai parar o YouTube e vira celebridade nacional. É o que basta para atrair a atenção dos estranhos-e-treinados Hit-Girl (Chloe Moretz) e Big-Daddy (Nicolas Cage), mascarados em busca de vingança contra o bandido Frank D’Amico (Mark Strong), que provocou a prissão de Daddy anos atrás. É aí que Kick-Ass se permite desprender um pouco da realidade, se tornando uma espécie de Homem-Aranha mais contemporâneo, com um histórico mais realista e, por isso, mais interessante.

O elenco também ajuda. O ascendente Aaron Johnson, que interpretou um jovem John Lennon no recente O Garoto de Liverpool, pode não ser um grande ator (ainda), mas tem carisma e é dirigido com eficiência para fazer do protagonista uma figura simpática aos olhos do público. Nicolas Cage enfim realiza o sonho de vestir um collant de super-herói (ele foi por muito tempo atrelado ao papel de Superman nos primeiros anos do nosso século), e Big Daddy é um papel humanamente grotesco, na medida para seu estranho talento de interpretar desajustados. Não é um dos grandes momentos de sua carreira, mas já é algo melhor que Mark Strong, cujo ar imutável como o novo vilão preferido de Hollywood já está cansando. Só não dá para negar que quem rouba a cena é Chloe Moretz, jovem, enérgica, concentrada e certeira como Hit-Girl. Esperar pelo futuro da carreira dessa garota de meros 13 anos é aposta garantida, ainda mais com a refilmagem de Deixe Ela Entrar estrando em breve por aqui.

É a Chloe, apesar de todas as suas qualidade, que Kick-Ass deve, no final de suas quase duas horas, o frescor. E talvez seja esse ingrediente excepcional em um conjunto realista e coeso o grande trunfo do cinema moderno. Uma pitada de fantasia para um prato cujo sabor já conhecemos, e nem por isso deixamos de devorar.

Nota: 7,5

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Kick-Ass – Quebrando Tudo (Kick-Ass, Inglaterra/EUA, 2010)

Uma produção da Marv Films/Plan B Entertainment…

Dirigido por Matthew Vaughn…

Escrito por Jane Goldman, Matthew Vaughn, baseados na obra de Mark Millar…

Estrelando Aaron Johnson, Chloe Moretz, Christopher Mintz-Plasse, Nicolas Cage, Mark Strong, Lyndsy Fonseca, Clark Duke, Evan Peters…

117 minutos

22 de nov. de 2010

Decifradores – Entrevista: Marcelo Antunes

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Algumas pessoas tem o dom de dizer a coisa certa, na hora certa. O segredo para o feito prodigioso eu não sei, mas você talvez tenha vontade de perguntar ao Marcelo Antunes depois de algum tempo acompanhando o seu blog, o Diz que Fui Por Aí. Sempre descontraído, sempre com um texto fluído que, ele mesmo define aqui nessa entrevista, soa como se o leitor estivesse batendo um papo com o escritor, o Marcelo e o seu blog entraram para minha lista de “coisas a fazer quando quero aliviar o stress”. Ele faz o tipo de coisa que eu jamais conseguiria fazer aqui, e isso faz do blog dele um respiro de alívio frente a todas as pressoes que todos somos obrigados a enfrentar todos os dias.

O Diz sempre me faz abrir um sorriso, e foi esse mesmo sorriso que apareceu ao ler as repostas dessa entrevista. Espero que faça o mesmo efeito em você, leitor. Porque, acreditem ou nao, o riso ainda é o melhor remédio. E o Marcelo, unindo humor a cultura pop e divagações sobre o mundo em que vivemos num tom leve, sabe disso melhor do que ninguém.

Parte Um: As letras…

Uma palavra: Mexerica.

Um filme: Só um?! “Na Natureza Selvagem” (Into The Wild, 2007), só pra citar um mais recente.

Uma série de TV: “Glee” (2009-????) e “Beverly Hills, 90210” (1990-2000), pelos velhos tempos.

Um ator: Montgomery Clift.            Uma atriz: Bette Davis.                     Um diretor: Martin Scorsese.

Uma citação: “Eu tenho três vidas: a minha, a que os outros inventam e a que minha mãe pensa que eu tenho” (só não me pergunte o autor).

Um blog: Podia citar vários, inclusive o seu, mas para evitar saia justa, lá vai um que eu leio muito: o Pensar Enlouquece, Pense Nisso (http://www.interney.net/blogs/imagaki/).

Uma celebridade: Amy Winehouse.

Dia ou noite? Tarde.                           Inverno ou verão? Outono.                     Acaso ou destino? Escolhas.

Twitter ou Orkut? Facebook.                Orkut ou Blogger? MSN (passem os seus aí!).

A mulher perfeita: Audrey Hepburn.

Último filme que viu: “Eu Matei Minha Mãe” (J’ai tué ma mère, 2009).     

Tocando agora: Love Will Tear Us Apart – Joy Division.

Parte Dois: O Anagrama…

Escrevo porque…

É o que eu faço de menos pior.

O que seu filme preferido te ensinou? E porque é seu filme preferido?

Me ensinou que “happiness is only real when shared” (“a felicidade só é real compartilhada”, frase do filme Na Natureza Selvagem). É meu preferido porque a mistura deu certo: uma grande história, uma competente direção, uma atuação espetacular.

Planeja antes de escrever ou deixa as coisas fluírem conforme escreve?

Fluir, sempre.

Para quê você gostaria de ter mais tempo? E no que você gasta tempo demais?

Gostaria de ter mais tempo para estar com os amigos. E gasto tempo demais na Internet. Fato.

Na Internet as pessoas mudam? E, além disso, ela é capaz de mudar a vida das pessoas? Se sim, como mudou a sua?

Acho que as pessoas mudam, sim. A Internet mudou a vida das pessoas? Sim. Pra pior ou pra melhor? Não sei. Espero que pra melhor. O fato é que, até pouco tempo, as pessoas sobreviviam sem tudo isso. Mas é inegável que é espetacular se ter o mundo ao toque do mouse. Além do mais, há todo o lance das relações. Críticas a parte, acho que é o ponto positivo, pensar que é possível interagir, através da tela do PC, com gente de todo o tipo, com diferentes níveis intelectuais, econômicos e – taí a melhor parte – que vivem nos lugares mais distantes do mundo.

Como você compara música nacional e internacional? Qual escuta mais e porquê?

Não comparo. Eu gosto de boa música. Sou de fases, mas acho que é meio a meio.

Como define sua forma de escrever, seu blog e a si mesmo?

Uma vez, me falaram que eu escrevo como se falasse com o leitor. Minha escrita é simples e descontraída, como eu. E pronto.

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Imagens recentemente usadas no blog do Marcelo

P.S.: Sexta-feira foi a estreia do primeiro capítulo de Relíquias da Morte, a derradeira trama da série Harry Potter. Como fã, cinéfilo e crítico, esse escriba que vos fala estava lá, conferindo o evento cinematográfico do ano. Como não estamos em semana de cinema por aqui, meu parecer acabou indo parar no Cinema Total, um site para o qual venho contribuindo ultimamente. Divirtam-se, amigos pottermaníacos! ;D

Disso tudo, o que mais lhe doía era saber que jamais fora amada de verdade. Céus como ansiara por isso! Como sonhara ser desejada por um homem, sentir seu cheiro, beijar sua boca, sentir o seu corpo contra o seu. Mas como a Carolina da canção, ‘a vida passou na janela’ e só ela não viu. Pior: viu, sim. Viu totos indo e vindo – e ela ficando”

(Marcelo Antunes, em “It’s Now or Never”)

17 de nov. de 2010

Enquanto ele vivia, por Caio Coletti

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Talvez estivesse, mesmo, na hora de acabar com tudo aquilo. Ele pensava assim, andando de um lado para o outro, a arma pendendo da mão, frouxa, os olhos negros arregalados para si mesmo, ainda mais turvos do que já o eram normalmente, um sorriso doentio, forçado, mergulhando o rosto já absurdamente marcado em ainda mais sombras. Respirava mais pesado a cada passo, como se seu próprio peso fosse se tornando insuportável a medida que a consciência de seu ato o atingia. Ele quase podia ouvir o coração, cada vez mais baixo, preparando-se para, em breve, não mais bater. E esse era o único som daquela sala enorme, apropriadamente imersa num silêncio sepulcral.

Isso porque, a poucos passos de onde ele fazia seu trajeto opressivo de um lado para o outro, um cadáver esfriava. E ele podia sentir o próprio peito cada vez mais gelado, também. Estranho, ele deveria estar mais feliz do que nunca, agora que havia eliminado, com uma única bala certeira, o causador de todos os seus problemas e sofrimentos. Estranhamente, nem um nem outro haviam feito nada a não ser assomar assustadoramente a sua cabeça desde que disparara o tiro. Tinha agora a culpa para carregar, os olhos que se voltavam, todos cheios de lágrimas e raiva, para ele. tudo agora se desenrolava em sua mente como uma tragédia grega, ele o próprio Édipo, preferindo arrancar os olhos a encarar a verdade do que fizera. Só que, mau ator que era e ser humano pobre que sempre fora, não tinha coragem de fazê-lo.

Ouviu o baque da arma que deixou cair no chão, sem nem mesmo perceber. Onde teria ido parar a força que demonstrara, vidas atrás, ao tentar negar de forma definitiva qualquer envolvimento com aquele que agora mesmo alvejara? Logo, foram suas pernas que perderam o jogo contra o peso da consciência que levavam sobre si. As mesmas pernas que, um dia, haviam corrido de qualquer chance de comprometimento com qualquer coisa. Especialmente com a vida que pulsara no corpo frio que se estendia a poucos centímetros dele, agora.

Ele estendeu a mão e tocou sua própria vítima, esperando que algum milagre acontecesse. Nada. O milagreiro de verdade nunca é capaz de curar a si mesmo. Uma última pontada no peito, e o corpo todo cedeu a desesperança dessa vez, e ele se viu gelado, o coração quase inaudível, encaranto o teto eterno e salpicado de luz daquela sala. Até que mesmo essas luzes começaram a se apagar, na lenta e triste cadência de um blues noturno daqueles que faziam pensar em todas as besteiras que já fizera.

E então, por fim, ele estava no escuro. Sozinho. Tremendo. Só esperando o momento em que seu coração pararia de bater, como o de tantos outros que ele conhecia. E se arrependia, porque não havia parado de doer, só doía mais intensamente.

Ele não havia matado uma pessoa. Ao menos não literalmente. Antes houvesse. Pelo seu crime ele não seria julgado, embora achasse que deveria. Naquele mundo estranho em que vivia, pode ser que fosse até louvado por sua coragem. Ele havia matado, como muitos antes dele, como tantos até hoje, o amor de dentro de sua própria alma.

Mas descobrira, tarde demais, que sem ele não havia mais nada.

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E assim, quando mais tarde me procure/ Quem sabe a morte, angústia de quem vive/ Quem sabe a solidão, fim de quem ama/ Eu possa me dizer do amor (que tive):/ Que não seja imortal, posto que é chama/ Mas que seja infinito enquanto dure”

(Vinicius de Moraes - “Soneto de Fidelidade”)

5 de nov. de 2010

Cinco vilões assustadores do cinema

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O quê seriam dos heróis sem os vilões? Sim, é clichê, mas não deixa de ser verdade. Elementos mais que fundamentais na estrutura narrativa de qualquer história meramente realista ou linear, os vilões podem surgir na forma física de pessoas ou na mais abstrata de acontecimentos, formas de agir ou cricunstâncias. Mesmo com a atual tendência, especialmente europeia mas cada vez mais hollywoodiana (ainda bem), de “humanizar” os personagens e fugir dos estereótipos de herói e vilão, é inevitável a presença de um tipo de antagonista aos grandes astros das histórias contadas na tela grande. Seja ele apenas relativamente mau, apenas guiado por princípios distorcidos ou o mais tradicional “cruel por natureza” da antiga ingenuidade hollywoodiana, os vilões foram feitos para causar apreensão, impressão forte e, eventualmente, até medo. Nada mais oportuno, portanto, que listar cinco “vilões” assustadores que passaram pelos olhos desse cinéfilo.

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5º Lugar – Oliver Lang (Tim Robbins) em O Suspeito da Rua Arlington [1999]

Pegue a ideia de um personagem como Hannibal Lecter, avance um pouco nas décadas do século passado, retire o vidro de segurança e o gosto por carne humana, troque Hopkins por Tim Robbins e Jodie Foster por Jeff Bridges. Pronto, você tem Oliver Lang, o vizinho-terrorista do pacato Bridges na pérola subestimada O Suspeito da Rua Arlington. Enquanto as suspeitas dele crescem para com seu novo camarada, vemos a atuação de Robbins num crescendo de ferocidade que nem mesmo Hopkins conseguiu imprimir a Lecter. Lang também não perde a frieza, e leva seu plano a cabo sem precisar mover um dedo a mais do que pretendia. É o tipo de vilão que nos desarma e nos subjuga, pela surpresa, como se fôssemos nada. E é definitivamente assustador.

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4º Lugar – Hannibal Lecter (Anthony Hopkins) em O Silêncio dos Inocentes [1991]

Hannibal Lecter seria uma pessoa quase adorável de se conviver. Se não fosse, é claro, um canibal psicopata. E sim, esse é justamente o meu ponto: o Lecter que Hopkins teceu com brilhantismo nos três filmes da série, mas mais especialmente em O Silêncio dos Inocentes, contracenando com Jodie Foster, é um homem sofisticado e educado, surpreendentemente inteligente, cheio de bons-modos e de conversa galante. O que não diminui o que lhe passa pela cabeça, seus feitos ou sua periculosidade. Lecter é o psicopata escondido, o maleável lorde inglês que pode, a qualquer minuto, cortar-lhe a cabeça e servi-la no jantar. É a paranóia-maior de qualquer pessoa comum, representada com a pompa, a classe e o talento de um ator extraordinário.

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3º Lugar – Sgt. Meserve (Sean Penn) em Pecados de Guerra [1989]

Talvez o grande vilão do filme de Brian DePalma seja, a bem da verdade, a guerra, mas Meserve representa tudo que esta pode fazer de pior a um ser humano, ou assim ele se chamava antes de encarar um campo de batalha. Com um ator intenso como o jovem Sean Penn no comando do personagem que incentiva, em um batalhão americano em meio a Guerra do Vietnã, a captura e estupro de uma garota vietnamita, Meserve se tornou uma representação asquerosa, grudenta, feia e perturbadora do quão longe a imundície humana pode ir quando isso é exigido dela. DePalma o guia com a habilidade de um mestre, mas é Penn quem dá ao personagem (e ao filme) o choque que provoca até hoje.

The Dark Knight

2º LugarO Coringa (Heath Ledger) em O Cavaleiro das Trevas [2008]

É difícil não colocar O Cavaleiro das Trevas no pódio de qualquer lista, filme completo que é, mas ao menos dessa escalação poucos hão de protestar. Aclamado de forma inimaginável por público e crítica após sua morte aumentar os holofotes para o filme do Homem-Morcego, Heath Ledger deixou como último trabalho uma interpretação intensa e imersiva, que capta os detalhes de um personagem complexo e assustador. Assustador porque, para todos os efeitos, o Coringa podia estar em qualquer esquina. É um homem perturbado, sim, que passou por traumas que os guiaram e moldaram para uma direção sombria. Mas é, acima de tudo, alguém com uma propósito e uma teoria, que vai até as últimas consequências. Enfim, é inacreditavelmente humano.

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1º LugarA falta de discernimento em A Onda [2008]

O primeiro lugar da nossa lista não vai para ninguém, e ao mesmo tempo para todos nós. Pode ser que não percebamos, mas temos dentro de nós um monstro muito mais assustador do que qualquer ator poderia representar, e tudo começa com ela, a temível “falta de discernimento”. É, o nome não saiu bem, e soa clichê, mas eu explico: no thriller alemão A Onda não há um vilão de verdade, como é de praxe nos filmes hollywoodianos. Na história de um professor que, como último recurso para tocar seus alunos, implanta um regime fascista em sala de aula, o que ocorre é que ninguém percebe onde está o longe demais. E, quando isso acontece, é quase impossível medir as consequências. E aí, sim, surgem os grandes vilões.

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Não fale como um desses policiais. Você não é um deles! Mesmo quando você gostaria de ser. Para eles, você é apenas uma aberração, como eu! Eles precisam de você agora, mas quando eles não precisarem, vão te jogar para escanteio, como lixo. Você vê, a moral deles, o código deles, é uma piada ruim. Jogada fora no primeiro sinal de problemas. Eles são apenas tão bons quanto o mundo lhes permite. Quando as luzes se apagarem, você verá… esses pessoas civilizadas, elas vão comer umas as outras. Você vê, eu não sou um monstro. Só estou um pouco a frente na curva”

(Heath Ledger em “O Cavaleiro das Trevas”)

3 de nov. de 2010

Um Olhar do Paraíso (The Lovely Bones, 2009)

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Para um tema que é tão dominante no imaginário humano, a questão “o que há depois dessa vida?” foi explorada poucas vezes, como centro de trama, pelo cinema. Dá para citar o melodrama de fantasia  Amor Além da Vida, que aproveitava a história de um homem (Robin Williams) no Paraíso em busca de sua mulher suicida (Annabella Sciorra) no Inferno para desfilar paisagens que iam do expressionismo ao barroco, tudo belamente capturado pela câmera do bissexto neo-zelandês Vincent Ward. Numa dessas coincidências felizes do cinema, é outro neo-zelandês, bem mais célebre e bem menos inconstante no sucesso comercial, que comanda Um Olhar do Paraíso, adaptação problemática do best-seller de Alice Sebold. Originalmente intitulado, a exemplo do livro, como Uma Vida Interrompida, o filme chega as prateleiras de locadora depois de atribulados quatro anos de produção para mostrar a visão paradisíaca de Peter Jackson, o homem por trás de O Senhor dos Anéis e King Kong, e para contar uma história verdadeiramente (e previsivelmente) comovente.

Mas nem tudo são flores, ironicamente, em Um Olhar do Paraíso. Escrito a seis mãos por Jackson, Fran Walsh e Philippa Boyens, o trio que fez da adaptação de Tolkien e da nova versão do gorila gigante épicos com alma, é interessante observar como o estilo naturalmente realista que os três tendem a dar ao roteiro se ajusta a trama de Sebold. Aqui, nada de hobbits, monstros ou terras fantásticas, apenas a década de 1970 colorida e vibrante de Jackson, onde acompanhamos Susie Salmon (Saoirse Ronan) adorável garota por volta de seus 14 anos, com as habituais relações conflituosas com a família e a paixonite aguda por um garoto mais velho, Ray (Reece Ritchie). Isso até o vizinho esquisitão George Harvey (Stanley Tucci) revelar-se um assassino. O roteiro aborda o momento da morte de Susie com delicadeza, ainda que não se prive de momentos macabros, dando a chance para Tucci compôr um psicopata odioso, ardiloso e bizarro, em atuação centrada merecidamente indicada ao Oscar de coadjuvante.

Vão-se meia hora de filme quando temos o primeiro contato com o local “entre os mundos” onde Susie vai parar após sua morte, e até então o que o roteiro nos oferece é uma eficiente dramédia doméstica, tornando os Salmon, todos, em personagens adoráveis e fascinantes. Talvez seja essa preparação que segure o restante na narrativa, onde Susie observa de um lugar surreal (Jackson retira algumas das mais belas imagens cinematográficas em algum tempo desse “quase-paraíso”, auxiliado por efeitos tão estonteantes quanto os da saga de Tolkien) a sua família recompor-se após sua morte. São reações diversas, as que o acontecimento desperta, e é interessante observar os conflitos que surgem a partir delas. O roteiro encontra uma forma de gerenciar bem essas doces ligações e contradições, contornando momentos de criatividade visual que em certo ponto se tornam notavelmente cansativos e nos apresentando um estudo de personagem revelador e tenso, levado por um elenco afinado.

A começar pela própria Saoirse Ronan, ponto de apoio em todo filme. Aqui, ela tem a chance de se mostrar para o público-maior como uma personagem adorável, talvez o oposto da protagonista do brilhante Desejo e Reparação, e oferece uma interpretação concentrada e sensível, o tempo todo convincente, que leva o filme nas costas sem nenhum problema. Do “outro lado”, em muitos sentidos, Mark Wahlberg arquiva uma atuação de boas intenções e execução, mas que nem sempre convence. Em menor participação, Rachel Weisz mostra uma presença a um tempo frágil e forte, que equilibra-se em feminilidade e emoção com habilidade de uma grande atriz. Susan Sarandon completa a família como o alívio cômico do filme em uma de suas seqüências mais inspiradas, e mostra que a presença de atriz veterana não pode ser subestimada. E, por fim, Jackson rege essa trupe com trabalho de câmera fantástico, auxiliado por um fotografia luminosa e compondo um mundo vibrante, de cores fortes e primárias.

Seu paraíso pode não ser uma história que fique com o espectador por muito tempo, mas Jackson contrói um filme que vale a pena ser visto, no sentido que oferece intensa experiência visual e emocional, ainda que por momentos irremediavelmente fugazes. Mas, é a vida. Um dia, nossos créditos também hão de subir.

Nota: 7,0

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Um Olhar do Paraíso (The Lovely Bones, EUA/Inglaterra/Nova-Zelândia, 2009)

Uma produção da DreamWorks/Film4…

Dirigido por Peter Jackson…

Escrito por Fran Walsh, Philippa Lloyd, Peter Jackson…

Estrelando Saoirse Ronan, Mark Wahlberg, Stanley Tucci, Rachel Weisz, Susan Sarandon, Michael Imperioli, Rose McIver…

136 minutos

1 de nov. de 2010

As Melhores Coisas do Mundo (2010)

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Está na hora de falar a verdade: a maioria dos filmes brasileiros não é muito diferente da denúncia válida de mensagem mas vazia de alma que Oliver Stone, tecnicamente brilhante como é, ainda insiste em fazer de vez em quando. E, se o que ele faz sobre o mundo ianque dele não me comove como espectador e crítico, porque deveria quando a situação retratada encontra-se dentro do meu país? O cinema brasileiro é denúncia, sim, mas esquece-se de ser cinema no caminho. Quando não são pesados e estereotipados, a maioria dos filmes brasileiros ainda é apenas vazia. Talvez eventualmente divertida, mas em última instância vazia. Também pouco adianta ser apenas isso, entretenimento puro, sem o tempero a mais de uma intenção, uma profundidade, uma forma do espectador poder relacionar o seu mundo com o dos personagens. É nesse equilíbrio delicado que se encontra As Melhores Coisas do Mundo, o exemplo mais fresco, mais original e mais pulsante de cinema no Brasil desde muito tempo.

Já que começamos de forma tão franca, continuemos assim. Sim, As Melhores Coisas do Mundo é um filme adolescente, e o crítico que vos fala, naturalmente, tem o pendor sentimental correto para se envolver facilmente com esse tipo de história. Acontece que, independente de idade ou geração, é claro no filme de Laís Bodanzky que bom cinema não tem idade ou identificação para ser apreciado como deve. O roteiro de Luis Bolognesi (Querô) é essencial nesse aspecto, colocando a geração jovem no centro da história, mas jamais esquecendo das diferentes mentalidades que orbitam ao redor deles. O resultado é que As Melhores Coisas do Mundo é tanto um filme sobre adolescentes quanto um filme sobre a relação complicada, nem sempre harmoniosa, mas em sua última instância funcional, entre eles e o mundo que os cerca. E assistir a um filme que revela, de forma tão humana, com emoções tão sutis e reais, a visão de mundo de um personagem que se torna simpático ao espectador sem deixar de ser representante de todo um grupo é um prazer cinematográfico dos que mais estavam em falta no panteão brasileiro.

Aqui, acompanhamos Mano (Francisco Miguez), jovem de 15 anos, virgem, interessando pela “garota errada”, cercado pelos “amigos errados”, com uma família de classe-média que entra em colapso após o pai deixar a casa para se juntar ao novo namorado. Ele é o protagonista, mas sua forma de observar e se relacionar com a mãe Camila (Denise Fraga), o sensível irmão Pedro (Fiuk), a melhor amiga Carol (Gabriela Rocha) e o professor de violão Marcelo (Paulo Vilhena) é tão importante para compreendê-lo quanto a narração em off ou os acontecimentos da narrativa. É o mundo de um adolescente sendo virado de cabeça para baixo, numa época em que cada sutil mudança é um choque, em que cada descoberta é um susto, em que cada descisão é um risco. É uma história a beira do abismo que se equilibra nele com sutileza e habilidade ímpares.

Para arquivar esse equilíbrio, o trabalho de Laís Bodanzky (Bicho de Sete Cabeças) é essencial, no sentido em que orienta o elenco em uma direção bastante natural e ainda assim emocionante, mas também no retrato cuidadoso e autêntico que faz do mundo dos jovens contemporâneos. Música, fotografia em cores vibrantes (cortesia do brilhante Mauro Pinheiro Jr, de Linha de Passe), um roteiro que vai adiante sem se apressar nem perder o foco, tudo converge para a direção cheia de esmero que Bondazky imprime ao filme. Ela conta ainda com um elenco afiado, incluindo a estreia de Francisco Miguez e Gabriela Rocha. Ele, concentrado e vibrante em cada cena, um protagonista merecedor da história que o cerca, e ela encantadora em suas maneiras espontâneas e trato muito gracioso, enérgico. O elenco coadjuvante que os cerca é de qualidade, com uma nervosa Denise Fraga provocando emoções fortes em uma das melhores e mais catárticas cenas do filme (que inclusive merece um bônus só para ela no DVD), e Paulo Vilhena bem sintonizado com seu personagem. Só mesmo o ídolo teen Fiuk, que acaba encarando o personagem mais pesado do filme, deixa a desejar em méritos interpretativos.

Mas ele é mero detalhe, mera exigência mercadológica, para uma produção interessante, vibrante, divertida, esteticamente bela e conceitualmente intrigante, que explora um mundo diferente da maioria da cinematografia brasileira e triunfa no sentido de mostrar, tanto para os estrangeiros quanto para nós mesmos, que parecemos ter esquecido, que nem tudo no nosso país é violência, miséria e tragédia. Lembrar-nos disso, e de que somos todos seres humanos no final do dia. Isso, sim, é proposta de cinema de verdade. E é esse cinema que está, sem dúvida, na minha lista das melhores coisas do mundo.

Nota: 8,5

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As Melhores Coisas do Mundo (Brasil, 2010)

Uma produção da Gullane Filmes…

Dirigido por Lais Bodanzky…

Escrito por Luis Bolognesi…

Estrelando Francisco Miguez, Gabriela Rocha, Fiuk, Denise Fraga, Caio Blat, Paulo Vilhena, José Carlos Machado…

100 minutos