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27 de nov. de 2016

Diário de filmes do mês: Novembro/2016

colagem

por Caio Coletti

Nem todos os filmes merecem (ou pedem) uma análise complexa como a que fazemos com alguns dos lançamentos mais “quentes” ou filmes que descobrimos e nos surpreendem positivamente. É levando em consideração a função da crítica e da resenha como uma orientação do público em relação ao que vai ser visto em determinado filme que eu resolvi criar essa coluna, que visa falar brevemente dos filmes que não ganharam review completo no site. Vamos lá:

1 i love

Complicações do Amor (The One I Love, EUA, 2014)
Direção: Charlie McDowell
Roteiro: Justin Lader
Elenco: Mark Duplass, Elizabeth Moss, Ted Danson, Mary Steenburgen
91 minutos

Poucos thrillers do cinema independente (e, se você tem me acompanhado aqui n’O Anagrama, tenho visto muitos) são mais cristalinamente ácidos do que The One I Love – o roteiro de Justin Lader não esconde a ambição de analisar as hipocrisias de seus personagens nem a vontade de desconstruir a noção romântica de aceitar o outro por todos os seus defeitos e problemas. O casal Ethan (Mark Duplass) e Sophie (Elizabeth Moss) passa por problemas no casamento mesmo anos depois de Ethan admitir que teve um caso extraconjugal – por sugestão de seu terapeuta (Ted Danson), os dois vão para um retiro de casal juntos, mas algo de muito estranho começa a acontecer na casa de hóspedes do local: sempre que Sophie entra lá, vê uma versão “consertada” de Mark, que atende todas as expectativas que o Mark real não consegue atender, e vice versa. A premissa engenhosa é executada com simplicidade pelo diretor Charlie McDowell, que não é dado a arroubos visuais, mas faz um trabalho exemplar na direção de atores, conduzindo-os por construções e desconstruções de personagem fascinantes.

Elizabeth Moss está especialmente brilhante como Sophie e sua “gêmea ideal”, que Mark vê (em uma sacada bacana do roteiro) como uma mulher complacente e sempre disposta a aceitar as sugestões do marido. A ex-estrela de Mad Men constrói duas Sophie’s marcadamente diferentes tanto na superfície quanto na profundidade – ao contrário do que acontece com o charmoso e superficial Ethan “duplo” de Duplass, as duas Sophie’s são personagens completamente realizadas, que preenchem a tela. Assim como sua protagonista, The One I Love é inteligente, vivaz e importante, mas não parece ter noção de tudo isso, o que talvez o previna de fazer mais com os elementos que tem. Satisfatório como pode ser, o filme parece ter algo o restringindo o tempo todo – o que só torna mais interessante observar o que McDowell e Lader vão fazer a seguir, quando começarem a se soltar.

✰✰✰✰ (3,5/5)

beyond

Star Trek: Sem Fronteiras (Star Trek Beyond, EUA, 2016)
Direção: Justin Lin
Roteiro: Simon Pegg & Doug Jung
Elenco: Chris Pine, Zachary Quinto, Karl Urban, Zoe Saldana, Simon Pegg, John Cho, Anton Yelchin, Idris Elba, Sofia Boutella
122 minutos

Os dois últimos filmes da franquia Star Trek são obras irremediavelmente moldadas por seu diretor, J.J. Abrams. Assim como todos os projetos de Abrams, Star Trek e Além da Escuridão são filmes sobre laços entre personagens e as responsabilidades que vem com eles – e são bons filmes sobre tudo isso, não me levem a mal. No entanto, o mais bacana de Sem Fronteiras, terceiro filme da nova saga e primeiro sem Abrams na direção, é que ele retorna para uma temática que sempre foi muito mais querida à franquia que data cinco décadas de existência: unidade. Em seu coração, a galáxia criada por Gene Roddenberry existe para nos lembrar que, como humanos, funcionamos melhor juntos do que separados – e a camaradagem dos tripulantes da Enterprise é só uma pequena parte desse aspecto do universo Star Trek. Ao olhar mais para o todo da Federação, introduzindo uma enorme base interplanetária, por exemplo, Sem Fronteiras resgata essa noção de expansividade e quase utopia da criação de Roddbenberry. É ficção científica como material inspiracional, e funciona às mil maravilhas.

Parte dessa mudança é que o roteiro também trocou de mãos, passando para Simon Pegg (o Scotty) e seu frequente parceiro Doug Jung – o resultado são diálogos mais soltos, sacadas cômicas mais inteligentes que ajudam a sofisticar o universo de Star Trek novamente. É um respiro de ar fresco, em suma. Na trama, a Enterprise é atacada pelos seguidores de Krall (Idris Elba, enterrado em maquiagem), que derrubam a nave e planejam usar os tripulantes para desferir um golpe mortal na Federação. Sem Fronteiras cria um vilão com mentalidade de guerra que vê como uma afronta a civilização pacífica construída, ainda que de forma falha, pela Federação, criando um contraste que pode ser simplista, mas é também eficiente. O elenco continua afinado em seus personagens, e Sofia Boutella é uma adição e tanto como Jaylah – na sua fisicalidade, Sem Fronteiras encontra o ritmo narrativo que ainda precisava.

O único porém nessa coisa toda é que a direção de Justin Lin não parece particularmente inspirada, emprestando um senso bacana de movimento para as cenas de ação, mas parecendo marcadamente entediado nos outros momentos. Não é exatamente surpresa para quem vem de Velozes e Furiosos – faltou uma escolha mais arrojada para substituir Abrams.

✰✰✰✰ (4/5)

dory

Procurando Dory (Finding Dory, EUA, 2016)
Direção: Andrew Stanton, Angus MacLane
Roteiro: Andrew Stanton, Victoria Strouse
Elenco: Ellen DeGeneres, Albert Brooks, Ed O’Neill, Kaitlin Olson, Hayden Rolence, Ty Burrell, Diane Keaton, Eugene Levy, Idris Elba, Dominic West, Kate McKinnon, Bill Hader, Sigourney Weaver
97 minutos

Só a Pixar poderia criar uma obra-prima da animação como Procurando Nemo, esperar 13 anos para fazer uma continuação, e mesmo assim não decepcionar. Procurando Dory não é uma reedição do filme que o originou, e talvez por isso lhe falte alguns dos elementos que o público esperava encontrar – ao invés disso, é uma produção que em seus temas, personagens e elaborações procura existir sem se apoiar no que veio antes dele. A trama dessa vez, como adianta o título, diz respeito à Dory (Ellen DeGeneres), que subitamente começa a se lembrar da família que havia esquecido graças a sua doença. A peixinha se junta a Marlin e Nemo e sai em busca dos pais em um aquário na costa dos EUA, onde se lembra de vê-los pela última vez. O que se segue é uma aventura mais excêntrica que a original, especialmente graças ao novo cenário – o diretor Andrew Stanton e os animadores da Pixar se deliciam com designs e situações absurdas, e o roteiro desenha os novos personagens com a mesma habilidade que aprendemos a esperar do estúdio. O mais bacana, no entanto, é que Procurando Dory parece ter um propósito para existir.

No fundo, o novo filme da Pixar é um conto profundamente tocante sobre doenças mentais, sobre o sentimento de desconexão com o mundo que elas podem trazer para aqueles que sofrem delas. Da forma mais delicada possível, o filme explora o valor de Dory como indivíduo e as formas como aquilo que a “aleijou” cognitivamente a vida inteira moldou sua vida e suas relações. É um filme de quebrar o coração, mas também muito esperançoso, e a performance de DeGeneres retornando ao personagem não é só adorável e engraçada como de costume, mas também cheia de uma profundidade que estava escondida sob a superfície no primeiro filme. Talvez falte à Procurando Dory os elementos que fizeram de Nemo um filme tão icônico, mas Stanton e companhia criaram uma continuação que tem propósito, emoção e é espetacularmente realizada. Não dá para pedir mais que isso.

✰✰✰✰✰ (4,5/5)

caça

Caça-Fantasmas (Ghostbusters, EUA/Austrália, 2016)
Direção: Paul Feig
Roteiro: Kate Dippold, Paul Feig
Elenco: Kristen Wiig, Melissa McCarthy, Kate McKinnon, Leslie Jones, Chris Hemsworth, Andy Garcia, Ed Begley Jr, Charles Dance, Steve Higgins, Bill Murray, Ernie Hudson
116 minutos

É difícil falar do novo Caça-Fantasmas sem tocar em questões políticas, e sinceramente, não acho que deveríamos. É significante sim que o filme seja um grande blockbuster de comédia protagonizado por quatro mulheres, e é especialmente significante que ele seja a refilmagem de um filme originalmente masculino (em público e elenco). Mais do que isso, é impossível negar o talento dessas quatro mulheres em especial, que contam juntas quase 20 indicações ao Emmy (e duas vitórias), e o quão bacana é que um filme que fale com o público jovem tenha-as nos papeis principais. Dito isso, Caça-Fantasmas não é o melhor que elas (ou o diretor Paul Feig) sabem fazer – talvez pelas exigências do estúdio, o resultado aqui é mais restrito e “chapa branca” do que o normal para essa turma, que criou filmes espetaculares como Missão Madrinha de Casamento e A Espiã que Sabia de Menos. As brincadeiras de gênero viram deferência ao original, o que é uma pena, porque o potencial de um Caça-Fantasmas feito por essa equipe, caso fosse deixada livre para criar, seria enorme.

Na trama, uma professora de faculdade certinha (Wiig) se reencontra com a ex-colega de escola maluca (McCarthy), com quem passou a juventude estudando fantasmas – coloque na mistura uma engenheira doida e brilhante (McKinnon, a grande estrela do filme) e uma funcionária do metrô que conhece Nova York de trás para frente (Jones), e você tem um time pronto para salvar o mundo de espectros invasores. As cenas de ação no final funcionam surpreendentemente bem, mostrando mais uma vez que Feig pode dirigir qualquer coisa quando tem suas performers de confiança em tela, mas a estrada até lá é um pouco atribulada, com poucas piadas que funcionam apesar do esforço das atrizes. Caça-Fantasmas é um filme importante de qualquer forma, mas teria mais impacto se fosse a grande comédia que prometia ser.

✰✰✰ (3/5)

20 de nov. de 2016

Review: Em Doutor Estranho, a Marvel deixa claro que nada mais será simples em seu universo

doctor

por Caio Coletti

Oito anos e quatorze filmes depois de Homem de Ferro, a sensação que 2016 passou para aqueles que acompanham o universo cinematográfico Marvel desde o começo é que ele finalmente atingiu a maioridade. Talvez seja a influência dos Irmãos Russo, diretores do espetacular Capitão América: Guerra Civil, lançado no meio deste ano – segundo o produtor Kevin Feige, foram os Russo que o convenceram de que a Marvel precisava começar a “desconstruir” seus heróis e seus conceitos após tantos anos e filmes construindo-os. O resultado foi um universo Marvel que é uma contestação de si mesmo, das ideias de heroísmo e poder que a editora/estúdio estabeleceu desde 2008 – essa corrente subversiva sempre esteve ali, para quem prestasse atenção, mas agora a Marvel não vê mais sentido em escondê-la.

Doutor Estranho é certamente parte desse movimento da franquia em direção de um conceito mais complicado de heroísmo, e que apropriado que seja. Criado em 1963 por Stan Lee e Steve Ditko, Doutor Estranho abraçava a filosofia mística da década dos hippies (e os visuais psicodélicos, é claro) com muito mais fervor do que qualquer outro personagem de quadrinhos de sua época. Com seus vilões cósmicos de outras dimensões prontos para “devorar” a Terra, o Doutor Estranho era um homem que foi mudado para sempre por ensinamentos muito baseados no budismo, com uma pitada de mitologia celta. Ele era tanto um homem da ciência quanto um homem da fé, um herói pregando a convivência pacífica em um mundo militarista sem abrir mão de suas qualidades menos tradicionalmente admiráveis.

É isso que o filme lançado neste novembro acerta em cheio – aqui, como nos quadrinhos, o Dr. Stephen Strange (Benedict Cumberbatch) é um cirurgião famoso e convencido que, após um terrível acidente de carro, perde o uso de suas preciosas mãos. Após buscar curas em todos os cantos do mundo, ele finalmente recorre ao Kamar-Taj, um templo comandado pela Anciã (Tilda Swinton) que promete lhe ensinar magia para que ele alcance uma “cura espiritual”. A forma como o roteiro de Scott Derrickson, Jon Spaiths e C. Robert Cargill vende a incredulidade de Strange é um truque fácil para fazer o espectador se sentir tão maravilhado quanto ele quando os segredos do multiverso (a multiplicidade de realidades alternativas que o universo Marvel dos quadrinhos já adota a tempos) são aos poucos revelados.

No entanto, como Doutor Estranho revela, essas descobertas e esse poder tem um preço. O vilão Kaecilius (Mads Mikkelsen) encara esse preço como um comprometimento moral inaceitável, e sua firmeza ideológica o torna “um radical”, como é constantemente descrito. Durante a tour promocional do filme, Mikkelsen sempre dizia que Kaecilius era um vilão diferente porque “tinha um ponto válido” em suas crenças – de forma muito parecida com o Barão Zemo de Daniel Brühl em Guerra Civil, aliás, Kaecilius é um vilão porque transforma suas frustrações com a imperfeição humana em um impulso destrutivo. Enquanto isso, os heróis de ambas as tramas são pessoas que aceitam que nem sempre o caminho para um futuro melhor é formado por decisões fáceis e dualidades simples. Em Doutor Estranho, a Marvel continua a montar um caso a favor de líderes (e heróis) pragmáticos e humanos.

Com seu passado no cinema de terror, Scott Derrickson é uma escolha interessante para comandar o filme do Doutor Estranho. O cineasta se mostra hábil com efeitos especiais e capaz de mexer com a percepção do espectador, resultado nos visuais mais espetaculares da Marvel até hoje – nada do que o estúdio fez até aqui se compara com a extensa sequência em que Dr. Strange viaja pela primeira vez pelos universos alternativos. É uma mistura do estilo psicodélico dos quadrinhos clássicos com um quê moderno, especialmente no sentido de tornar mais viscerais e físicos os confrontos mágicos entre heróis e vilões. Não seria nem um pouco de se estranhar se Doutor Estranho finalmente rendesse o Oscar de Melhores Efeitos Especiais para a Marvel.

Talvez por causa desse tom impresso por Derrickson, algumas tentativas de humor do roteiro parecem mais “obrigatoriedades Marvel” aqui do que em outros filmes da editora. Muitas delas funcionam pelo timing dos atores e do diretor, mas não são exatamente adequadas ao filme. Por falar em atores, Benedict Cumberbatch é uma bela adição ao espectro de intérpretes da Marvel, trazendo uma austeridade e um humor cáustico que só é marcantemente diferente do de Tony Stark, por exemplo, graças a sua interpretação. Tilda Swinton não impressiona como a Anciã, acostumada com roteiros que servem melhor à sua excentricidade, abrindo espaço para Mikkelsen e Chiwetel Ejiofor brilharem mais, enquanto Rachel McAdams infelizmente passa um pouco mal-aproveitada pelo roteiro.

O mais bacana de Doutor Estranho é que, assim como Guerra Civil, ele não parece ter saído da “linha de produção” padronizada que a Marvel usava nas fases anteriores de seu universo. É único em sua abordagem e seu visual, e funciona melhor por isso, mostrando que a editora deixou para trás os tempos em que suas histórias de heroísmo eram enganosamente simples – agora, na superfície ou não, tudo na Marvel é, e deve continuar sendo, um espelho mágico da nossa complicada realidade.

✰✰✰✰ (4/5)

doctor

Doutor Estranho (Doctor Strange, EUA, 2016)
Direção: Scott Derrickson
Roteiro: Jon Spaiths, Scott Derrickson, C. Robert Cargill
Elenco: Benedict Cumberbatch, Chiwetel Ejiofor, Rachel McAdams, Benedict Wong, Mads Mikkelsen, Tilda Swinton, Michael Stuhlbarg, Benjamin Bratt, Scott Adkins
115 minutos