Review: Dirty Computer (álbum e filme)

Janelle Monáe cria a obra de arte do ano com um álbum visual espetacular - e que desafia descrições.

Os 15 melhores álbuns de 2017

Drake, Lorde e Goldfrapp são apenas três dos artistas que chegaram arrasando na nossa lista.

Review: Me Chame Pelo Seu Nome

Luca Guadagnino cria o filme mais sensual (e importante) do ano.

Review: Lady Bird: A Hora de Voar

Mais uma obra-prima da roteirista mais talentosa da nossa década.

Review: Liga da Justiça

É verdade: o novo filme da DC seria melhor se não tivesse uma Warner (e um Joss Whedon) no caminho.

30 de jul. de 2010

Pequeno Monstro, por Caio Coletti

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Um monstro. Pequeno, simplório, quase insignificante seria, se de fato não o fosse. Um, só um, mas não apenas mais um. Um que remava contra a corrente e não tinha medo de ver suas visões indo na direção contrária a das marés. Se os princípios que escolhera para si estivessem puxando-o para o fundo, como uma âncora, ele iria com eles? Morrer (de forma literal ou figurada, ao gosto e a graça do leitor) como alguém que viveu de forma diferente ou continuar vivendo, pagando o preço de se juntar a massa uniforme quando não se pertence, de verdade, a ela? Aí estava a questão.

Ou não. Talvez a questão de fato fosse se valia a pena viver como apenas mais um dente na engrenagem em eterno movimento, de pops e modinhas, convenções e preconceitos. Quem sabe, indo ainda mais longe, fosse melhor perguntar: o que é, verdadeiramente, SER humano? Por completo, por inteiro, sem concessões? É ser uma eterna contradição, uma constante oposição de ideais e conceitos e ter liberdade para escolher entre eles, sem influências (e, ainda assim, inevitavelmente influenciados pelo meio que nos cerca) ou pressões, que acabam nos fazendo optar pelo caminho mais fácil, nem sempre (ou quase nunca) o mais verdadeiro. É poder ver, fazer, acreditar, experimentar, descobrir, criar, conhecer, procurar, ler, comer, beber, desejar o que, como, quando e onde quiser. É ter a liberdade de ser o que é, sem amarras e sem fingimentos.

É poder discutir com elegância e racionalidade das coisas mais banais as mais fundamentais. É perceber que não existe verdade absoluta alguma e, portanto, que ninguém é dono dela. É saber aprender e expandir sua visão sobre algo com a opinião do outro. Não adotá-la como sua (necessariamente), mas respeitá-la e perceber como é BOM conhecer um mundo fora de sua mente, de sua visão inevitavelmente estreita enquanto permanecer fechada em uma caixa impenetrável de ignorância intencional.

Tudo isso é SER humano. Esdrúxulo. Liberal. Lógico demais para você? Talvez estranho. Aberto. Assustador o bastante para parecer um monstro. Pois que seja, então. É preferível ser um pequeno monstro, virtualmente morto para a sociedade e, ainda assim, extremamente vivo para cada detalhe brilhante do mundo ao seu redor, do que um auto-proclamado humano que não é nada disso nas linhas acima. Quase super-ativo de tão encaixado nos padrões, mas inexoravelmente entorpecido para as sutilezas e belezas de sua própria humanidade.

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Obrigado a todos vocês, pequenos monstros! Este ano, vocês foram indicados a cinco Grammy Awards! Se não fosse por vocês, eu não estaria aqui. Mas agora vamos celebrar, e a verdade é que existe apenas uma coisa que o mundo realmente odeia, vocês sabem qual é? A verdade! Vamos mostrar nossos dentes para eles!”

(Gaga fala aos fãs em Boston, antes de sua performance de “Teeth”)

28 de jul. de 2010

Equilibrista, por Caio Coletti

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Vazio. Assim ele sentia o pensamento, a caneta parada no papel, os olhos fixos em um ponto do nada, vendo mas não enxergando, sentido mas não se importando. Tudo o que ele queria era entrar em catarse, mas não era capaz. Prisioneiro do tempo que tiquetaqueava sem parar, e refém da própria seletividade com a qual seus olhos críticos encaravam o mundo, ele sentia o cano quase vivo da arma da estagnação pressionando sua vida, e se perguntava quantas vezes o relógio bateria antes que o gatilho enfim fosse apertado.

Que mais era vazio? O sorriso congelado em pixels na tela do computador, retrato enganoso de uma felicidade passageira, sem começo, meio ou fim definidos e, pior, sem nenhum propósito. A lágrima que um dia manchou o rosto por uma razão hoje esquecida, superada ou guardada em um canto escuro da mente que, hipócritas e covardes, nos recusamos a visitar. Vazias eram as memórias que cultivava, gloriando e revivendo um passado iluminado pela luz de uma nostalgia difusa, sem nitidez ou exatidão. Eram elas tão vazias porque o faziam deixar de pensar no futuro, cheio demais de dúvidas para que sua mente não explodisse sobre o peso delas.

Vazia era sua estanha predileção por certezas, seu peculiar receio de estar vivendo errado e só perceber quando fosse tarde demais. Vazia a forma como fugia do que seus olhos viam para se refugiar no que a mente projetava, criando devagar uma vida guiada por medo, insegurança e incompreensão. Aos poucos, no entanto, ele percebia o quanto a culpa toda era dele, e não do mundo.

Se o relógio girava para cada vez mais perto do fim do tempo, a culpa era dele por se fazer refém de sua impiedosa marcação. Se a arma contra a sua cabeça ditava uma vida sem mudança e sem movimento, era ele que a segurava, empurrando a própria caminhada para um fim precoce. E, portanto, se um dia o gatilho fosse apertado, cabia a ele resistir ou não a força da bala. Forças para isso ele tinha. Só precisava estar atento ao momento certeiro.

Viver, para ele, era um delicado show de equilibrismo, sem rede, sem ajuda ou suporte algum. A plateia, o imenso mundo que se estendia ao seu redor, infinitamente e para todos os lados, cruelmente vasto, estava lhe assistindo atentamente. E, sobretudo, ele via a si mesmo, como em um espelho dos desejos, do outro lado, como sempre quis. Só restava saber se ele tinha as forças para atravessar a corda.

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Pra mim, parece tão simples, óbvio que a vida deve ser vivida no limite. Você deve exercitar a rebelião. Recusar-se a amarrar-se em regras, rejeitar o próprio sucesso, esforçar-se para não repetir-se. Deve ver todo dia, todo ano, toda ideia como um verdeiro desafio. Então, você saberá como é viver na corda bamba.”

(Philippe Petit, o famoso equlibrista dos prédios, no documentário vencedor do Oscar “O Equilibrista”)

26 de jul. de 2010

Cheio, por Caio Coletti

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A luz batia contra os seus olhos, tornando quase claras as íris escurecidas pela preocupação com o que tinha a sua frente. A cidade se movia sem piedade, passando por ele como se fosse qualquer outro transeunte em direção a um destino que, na verdade, estava longe de almejar. Mas ele era diferente. Sabia onde queria chegar e andava com a confiança de quem tinha princípios e não largaria deles nem que isso custasse um preço doloroso. Não media nenhum esforço para que cada passo do seu caminho valesse a pena, e para que sua longa estrada, quando chegasse ao fim, tivesse deixado alguma marca no mundo mecânico das pessoas-fantoche, das engrenagens e da infelicidade.

Disso tudo ele sabia, e era em direção ao destino que aquele caminho o levara que ele caminhava, resoluto, sem hesitar. Ainda assim, ás vezes se sentia cheio. Como se o mundo lhe desse informações, dúvidas, inseguranças, tristezas e melancolias demais em muito pouco tempo, como se tudo fosse se acumulando em um peso que ele não sabia se podia carregar por todo o caminho. Mas o tempo passava, o relógio virava e o Sol nascia mais uma vez, e ao cantar do galo lá estava ele, fiel e constantemente, feliz ou triste, seguindo em linha reta ao que não era conhecido, mas já era almejado.

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Todos nós amamos a jornada, mas nossa fascinação está mesmo no destino. Talvez por isso seja tão doloroso passar pelas provações e obstáculos que o caminho nos impõe, pensando se tudo aquilo vale mesmo a pena, tem mesmo algum significado, algum propósito, ou é apenas uma gigantesca, colossal ilusão. A maior de todas, talvez.

Porque a verdade é que estamos cheios. Cheios da informação falsa e alienante que o mundo coloca a frente dos nossos olhos a cada minuto, cheios da futilidade do que nos cerca e da falta de um propósito para a vida vazia que muitos de nós escolhemos levar, cheios de ter medo de encarar a verdade de frente, cheios de sermos tentados a escolher a estagnação em vez do movimento, cheios de temer a perspectiva de passar pela vida sem deixar nada para quem vier depois, cheios de ponderar em palavras inúteis e imperfeitas o quanto estamos “cheios” de viver.

Tudo isso é verdade, e importa. Mas talvez o fundamental mesmo seja entender que, por mais que estejamos cheios dos altos e baixos de uma vida difícil, devemos estar todos, também, cheios de alegria por continuarmos vivos.

Porque, quase sempre, é o bastante para as lágrimas secarem com o vento que, de súbito, sopra a nosso favor, e não contra o nosso rosto. E assim seguimos em frente.

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Todos queremos ajudar-nos uns aos outros. Seres humanos são assim. Nós queremos viver pela felicidade do outro, não por sua tristeza. Nós pensamos demais e sentimos de menos”

(Charlie Chaplin, diretor, roteirista, ator, produtor… e ser humano)

19 de jul. de 2010

Música pop, arte e simbolismo

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Somos como esponjas, e não só materialmente. Se o nosso corpo é o que comemos, nossa mente é o que ouvimos, o que vemos e o que tiramos de tudo isso. Absorvemos o que nossos sentidos captam com a avidez de quem precisa, constantemente, afirmar a própria identidade. E, não estou exagerando aqui, nossa identidade é arte. Na forma como a construímos, nos moldes em que a colocamos, na necessidade de fazê-la única ou, justamente o contrário, na de encaixá-la nos padrões deifnidos, vejam só, justamente pela arte. É um círculo vicioso que revela muito do funcionamento do nosso próprio mundo, e da forma como o encaramos.

Talvez por isso seja urgente reafirmar o sentido de arte, de exposição pessoal de uma ideia que deveria ser universal, como um objeto construído tanto por quem produz quanto por quem consome. E nenhum tipo de arte possui mais essa maleabilidade do que a música, ainda mais especialmente a música pop. Subdividida em milhares de vertentes e constantemente ditando as tendências que vão do “mundo de fantasia” das cantoras no clips diretamente para o cotidiano de seu público, mais especificamente o jovem, a música pop, hoje, precisa voltar a ser encarada como arte. Ou estaremos com um tremendo problema em mãos.

Basta dar uma olhada no Vigilant Citizen (em inglês), site daqueles que discutem conspirações governamentais, mas que eventualmente abre espaço para analisar o simbolismo contido em letras e clipes de cantoras como Lady Gaga, Rihanna e Beyonce, para entender o porque de tal mudança de perspectiva ser tão importante. Há muito pouco de besteira no que ele fala, se você prestar bem atenção. A análise de fotos da popstar que o “vigilante” faz no artigo sobre Lady Gaga chega a ser chocante, relacionando a cantora a rituais satânicos, teorias de controle mental e a lendária organização dos Illuminati, hoje uma espécie de piada entre detratores e fãs de Dan Brown, que mexeu com a organização (mais real do que muita gente imagina, e ainda um mistério), na trama de Anjos & Demônios.

Tudo bem, explanemos melhor o que o “vigilante” nos diz sobre Gaga no artigo. A começar pelo nome, ele disseca os simbolismos em fotos e clipes da cantora, usando de referências nem um pouco duvidosas e até análises semânticas para nos convencer de que a estrela pop mais proeminente da atualidade prega uma “ausência de consciência” do mundo a sua volta para os ouvintes. As referências a Metropolis, o clássico cinematográfico de 1927, as letras sobre não se importar com nada que acontece ao redor e simplesmente “just dance”, são válidas. Mas o que o “vigilante” deixa de se perguntar, como é do costume de nossa sociedade, é se tudo isso é uma apologia ou, justamente, um alerta vindo de uma mente absurdamente criativa.

Como forma de arte, a música em sua melodia e letra são veículos para disseminar uma visão de mundo, a forma como o artista percebe e se desenvolve no mundo a sua volta. Em The Fame, mais universal, Gaga fala sobre jovens que não se importam com nada (“Just Dance”, “Beautiful Dirty Rich”), que se arriscam em perigos dos quais não têm a mínima ideia das conseqüências (“Poker Face”, “I Like it Rough”), e que fazem de tudo para obter símbolos imperfeitos e rasos de sucesso pessoal (“The Fame”, “Money Honey”, “Paparazzi”). No álbum seguinte, o mais pessoal The Fame Monster, ela versa sobre os perigos de se obter tais símbolos, e nos apresenta os medos e angústias que tomam conta de quem não se controla quando alcança o topo: a violência (“Bad Romance”, “Monster”), o desamor (“Alejandro”, “Speechless”), e a entrega escapista a prazeres passageiros (“Dance in The Dark”, “So Happy I Could Die”). E faz tudo isso colocando seu eu lírico na posição que leva a tais degradações.

Levada como um livro de condutas, a música pop sem dúvida produziu muito da degeneração de certos valores que vivemos hoje. Por isso, é essencial resgatar a noção de tal estilo como arte, como forma de expressão, como reflexão de seu tempo e, freqüentemente, como veículo de denúncia social e humana. As considerações do “vigilante” são válidas e interessantes, desvendando muito de um mundo de símbolos que se esconde por trás de cada imagem e colocação da personagem de Gaga e de outras cantoras pop. Mas não se pode deixar levar por tudo o que se lê. E isso inclui as linhas que passam por seus olhos agora. Elas, como todas, devem ser digeridas, pensadas, meditadas e incorporadas com cuidado ao arsenal de armas que temos para enfrentar o mundo lá fora. Porque, convenhamos, toda a ajuda é bem-vinda.

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[Man]: Where is it? Where is it, Candy? Candy?

[Gaga]: Ate it.

[Man]: Yes, I don’t believe you.

[Gaga]: Look for yourself. Pop ate my heart.

[Man]: I see!

(“Who Shot Candy Warhol”, introdução aos shows da Monster Ball Tour)

13 de jul. de 2010

Testemunhas de Uma Guerra (Triage, 2009)

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Não era de se esperar que Testemunhas de Uma Guerra fosse um filme fácil de assistir. Pelo título, pela própria imagem do poster, pelo nome de Colin Farrell (agora consolidado como “ator sério” e apreciado pela crítica do mundo inteiro) no topo do cartaz, pela expectativa do primeiro filme de projeção internacional do bósnio Danis Tanovic depois do Oscar de Filme Estrangeiro pelo épico de guerra Terra de Ninguém, e pelo próprio tema. Não dá para entrar em um filme sobre um fotógrafo de guerra que volta de uma zona perigosíssima (o alarmante Curdistão) sem seu melhor amigos e companheiro de viagem e precisa enfrentar a esposa deste, prestes a dar à luz, esperando alguma espécie de feel-good-film. Mas nada prepara o espectador para o choque de um filme de guerra no qual os horrores dessa são grandes, mas poucos comparados as dificuldades do mundo real. “O mundo é um lugar complexo”. Estava mesmo na hora de alguém dizer isso em uma peça de cinema que valesse a pena ser assistida.

A missão de definir o filme com a frase copiada no parágrafo acima ficou com ninguém menos que Christopher Lee, e é a partir dele, em papel pequeno mas vital no contexto do filme, que podemos analisar tudo o que Testemunhas de Uma Guerra (ou o mais poético Triage, do original) tem para nos dizer. Lee é gigantesco em tela, encontrando sua própria persona cinematográfica naturalmente imponente e freqüentemente sinistra (ele foi Drácula, oras!) com um personagem simbólico e mais do que fundamental no desenrolar da trama. Ele é o catalisador para a explosão de verdade mais chocante dos últimos tempos no cinema, e é Colin Farrell quem a opera. Absolutamente superlativo mais uma vez, o ator que atingiu a maturidade em uma atuação sensível em Na Mira do Chefe mostra, aqui, que está um pouco além de intéprete maduro e competente. Farrell é daqueles atores capazes de levar o filme em que figuram, quando realmente engajados no personagem, para um nível de apreciação diferente, instintivo, quase automático, e infinitamente mágico. Mesmo que trabalhe para uma causa um tanto sombria.

Atrás das câmeras, Tanovic atinje o equilíbrio que qualquer autor-diretor almeja. Seu roteiro, sua câmera e a fotografia severa de Seamus Deasy complementam-se para formar uma composição expressiva que passa sensações, lembranças, flashes e momentos com competência invariável. Triage é absurdamente regular na forma como carrega a trama, conseguindo despertar a atenção e a sensibilidade do espectador tanto nos pequenos set-pieces que nos acrescentam muito sobre o personagem principal quanto na trama condutora do filme. E o filme ainda nos cria imagens belas, quase cruelmente, para contrastar com uma mensagem cruelmente verdadeira, como se tudo o que presenciássemos fosse visto não pelas lentes de Tanovic, mas pelas de David (Jamie Sives), o parceiro desaparecido de Mark Walsh (Colin Farrell). Entendemos a preocupação de Elena (Paz Vega) e, também, sua felicidade. Sabemos do que Joaquín (Christopher Lee) está falando quando diz que não se arrepende do que fez. Somos apresentados a um mundo palpavelmente real que, em minutos, nos vira a cabeça ao contrário.

É um choque. É cruel. Talvez não seja a coisa mais agradável do mundo. Mas, mesmo desoladora, a mensagem que Tanovic nos deixa no final do seu filme não deixa de ser, um pouco (só um pouco, e só por um momento), esperançosa: “só os mortos viram o fim da guerra”. Eles, ao menos.

Nota: 8,0

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Testemunhas de Uma Guerra (Triage, Irlanda/Espanha/Bélgica/França, 2009

Uma produção da Paralell Film Productions/Asap Films…

Dirigido e escrito por Danis Tanovic…

Estrelando Colin Farrell, Jamie Sives, Paz Vega, Branko Djuric, Christoper Lee…

99 minutos

12 de jul. de 2010

JOGO RÁPIDO: “O Amor Pede Passagem” + “A Chamada”

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O Amor Pede Passagem (Management, EUA, 2008)

Um produção da Image Entertainment/Sidney Kimmel Entertainment…

Dirigido e escrito por Stephen Belber…

Estrelando Jennifer Anniston, Steve Zahn, Margo Martindale, Fred Ward, James Hiroyuki Liao, Woody Harrelson…

94 minutos

O Amor Pede Passagem é daqueles filmes que começa banal, porém engraçado, e termina com o mesmo adjetivo, num momento ligeiramente mais sentimental. Vendido como uma comédia romântica padrão, é bem verdade que o filme de estreia na direção do roteirista Stephen Belber, mais conhecido por episódios Law & Order: SVU e como o autor da peça que gerou Amargo Reencontro, do diretor Richard Linklater, surpreende no sentido que segue um caminho diferente do esperado para o gênero. Aqui, o Mike de Steve Zahn é o adorável perseguidor atrás de amolecer o coração da workaholic modernosa Sue (Jennifer Aniston). Desde o momento em que a mulher de negócios de Baltimore lhe apareceu no pequeno motel da família, de passagem, em uma cidade perdida no coração da América, Mike sabia ser capaz de tudo por ela. É ingênuo, é romântico, mas rende algumas boas piadas e pelo menos um par de momentos de verdade emocional.

Para começar, Belber não é um mau diretor. Ele arranja momentos competentes em meio a uma ambientação generalizada e confinada que denuncia suas origens no teatro, mas é uma pedra bruta, que ainda precisa ser lapidada para funcionar como deve. Seu roteiro é bobinho em alguns momentos, mas não passa nem perto de deixar o âmbito de uma cruel realidade que parece ser completamente contrastante com a fantasia ingênua de Mike. Uma fantasia que acaba vencendo, diga-se de passagem. E Steve Zahn ainda é adorável, ainda que cruelmente repetitivo, no papel que lhe marcou na mente de meio mundo em filmes como Bandidas, Sahara e até A Creche do Papai. Dá para dizer o mesmo do eterno coadjuvante de luxo Woody Harrelson, em seu papel padrão do lunático da vez. O risco da repetição, ao menos, Jennifer Aniston não corre. Sensível, maleável e ainda adorável, a Rachel de Friends demonstra mais uma vez que tem potencial para se tornar uma grande atriz. Se não continuar presa a filmes essencialmente medianos como esse, é claro.

Nota: 5,0

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A Chamada (Echelon Conspiracy, EUA, 2009)

Dirigido por Greg Marcks…

Escrito por Michael Nitsberg, Kevin Elders…

Estrelando Shane West, Edward Burns, Ving Rhames, Jonathan Pryce, Sergey Gubanov, Martin Sheen…

105 minutos

Os freqüentadores assíduos de locadoras e devoradores de trailers em geral devem ser familiares com o tipo de filme de ação feito com orçamento mediano, sem grandes recursos e uma trama bem genérica, à moda de Dan Brown (mas sem a densidade da escrita do polêmico americano), sobre a conspiração da vez. Pois é isso que dá para esperar de A Chamada, o primeiro filme de Greg Marcks após o espertíssimo 11:14 e, para quem viu nele algum talento naquela ocasião, uma tremenda decepção. Tudo bem, a culpa não é (toda) dele. O grande “mérito” pela falta de coesão de toda a narrativa é do estreante Michael Nitsberg, que se junta ao escaldado Kevin Elders (Águia de Aço) para a elaboração de um roteiro raso, de personagens estereotipados e condução de trama sem ritmo algum. Isso sem contar que, de original, A Chamada não tem nada.

A premissa é colada descaradamente de Controle Absoluto, o estilo de conduzir a narrativa vem do autor de O Código da Vinci, as cenas de ação remetem a série Bourne. Só que o filme não tem Shia LaBeouf e Michelle Monaghan para defender seus protagonistas, nem a urgência que Brown coloca em suas palavras e Akiva Goldsman transpõe no cinema, muito menos a perícia diretiva de Paul Greengrass. Ao invés disso, conta com um caricato Shane West (regular de Plantão Médico) e uma lindíssima e nada mais Tamara Feldman (Life, Dirty Sexy Money) perdidinhos em uma trama espaçada e sem punch, que perde ainda mais com a direção frouxa e automática de Marcks. É de espantar que um cineasta tão inteligente em sua estréia tenha chegado ao ponto de realizar um trabalho desleixado como esse. Salvos? O final engenhoso e as presenças de Edward Burns e Ving Rhames, que dão alguma (pouca, a bem da verdade) credibilidade para um filme sem propósito algum a não ser roubar quase duas horas da sua atenção. Não perca tanto tempo.

Nota: 3,0

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Sabe o que foi bom naquela aula de yoga? O negócio da respiração, eu não faço isso…Há dias em que eu preciso me instruir meu coração a pedir por mais ar, e eu tenho que dizer para mim mesma ‘respire, Sue, só continue respirando’… Sim, eu quero filhos”

(Jennifer Aniston em “O Amor Pede Passagem”)

7 de jul. de 2010

Galeria – Os mais influentes da Time

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Líderes: Luís Inácio Lula da Silva

A foto: 63ª Assembleia da ONU, Setembro de 2008, em Nova York, o presidente brasileiro em seu discurso, no qual, segundo o Globo Online, Lula defendeu a capacidade dos países sul-americanos de resolver seus problemas sem a interferência das nações desenvolvidas europeias.

A história: A história de Lula não é novidade para ninguém no Brasil, mas não custa nada lembrar para os críticos que, ao menos simbolicamente, o presidente ainda é o primeiro a ser eleito por uma maioria verdadeiramente popular, uma vez que representou, após três tentativas frustradas de ocupar o cargo-maior da nação, a vitória da camada baixa da população, notoriamente apegada ao político vindo de família pobre, que trabalhou como engraxate e perdeu parte de um dedo em outro emprego, de metalúrgico. Foi nessa posição que Lula fundou o PT, hoje tão difamado, com ideais um tanto comunistas e posição notavelmente esquerdista. Se ele entrou no jogo da política depois que foi eleito? Bem, não odeie o jogador, odeie o jogo. Lula fez, senão mais que, tanto quanto todos os outros presidentes pelo Brasil, internamente, e nunca um líder tupiniquim foi tão notado fora de nossas fronteiras. Daqui para frente? Só Deus sabe.

A lista: Criticado infinitamente dentro de fronteiras brasileiras, a apreciação internacional do presidente Lula foi apenas confirmada pela eleição da Time, que o apontou como a pessoa mais influente do mundo entre os líderes políticos. A lista incluía ainda o presidente americano Barack Obama (4º), e a governadora do Alaska e figura polêmica Sarah Palin (9º).

Segundo a Time: “O que Lula quer alcançar para o Brasil é o que nós costumávamos chamar de ‘sonho americano’. Os Estados Unidos, contrastantemente, onde a parcela de 1% da população rica movimenta mais dinheiro que os outros 95% juntos, está caminhado para uma sociedade que se parece cada vez mais com o Brasil” – Michael Moore

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Heróis: Bill Clinton

A foto: Raposa política que é, Clinton discursa, derrentendo-se em elogios, em um almoço-evento com o empresário e editor do Pittsburgh Tribune Richard Mellon-Scaife, um dos 400 mais ricos da Forbes, que chegou a apoiar acusações de assassinatos dirigidas ao Senador. Os amigos perto…

A história: E depois dizem que brasileiro é que tem memória curta. Sim, eles elegeram Obama, mas esse breve momento de lucidez não significa que a política americana está isenta de seus pequenos pecados. Capitais, inclusive. A luxúria denunciou Clinto quanto dele ocupava o cargo máximo da nação americana em 1998, quando a estagiária Linda Tripp levou a público as fitas e a confissão de sua amiga, Monica Lewinski, outra estagiária da Casa Branca, que tinha encontros sexuais com o presidente desde 1995. Hoje, no entanto, após renunciar do cargo, de tornar o segundo presidente americano a sofrer impeachment e conseguir o perdão público da mulher, a não menos esperta Hillary Clinton, hoje Secretária de Estado do governo Obama, e manter-se relativamente afastado dos holofotes, Clinton é lembrado como o grande herói do imaginário americano. Nós, ao menos, não reverenciamos Fernando Collor e, nos últimos tempos, andamos desprezando Sarney.

A lista: Clinton encabeça uma lista extremamente variada e frqüentemente surpreendente. Se é Bono Vox quem fala sobre Clinton, Ben Stiller (4º) não fica atrás e recebe a certificação de ninguém menos que Robert DeNiro, e Jet Li (18º) é comentado por Donatela Versace. Também na lista estão Serena Williams (19º) e Didier Drogba (10º).

Segundo a Time: “De onde eu venho, ele é uma figura mítica. Como no Haiti, como na África – um homem que atrai multidões onde vai. Rockstars não podem ser presidentes (sorte a de vocês), mas todos nós temos razões para agradecer que presidentes possam ser rockstars” – Bono Vox

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Artistas: Lady Gaga

A foto: Sendo presa por assassinar o namorado, envenenando meio restaurante, entregando-se a um amor que não o é verdadeiramente ou cantando sobre as amarguras da morte, a verdade é que Gaga representa a música pop mais de verdade, mais completa e mais autêntica da atualidade.

A história: Gaga cresceu e apareceu em menos de um ano, tomou meio mundo com sua música pop dançante, seus clips mirabolantes e visuais bizarros, e no processo muita gente não teve o cuidado de notar que o que ela faz é, autenticamente, nada mais que um retrato do nosso próprio mundo. Exagerado, é verdade, sem sombra de dúvida moldado pelas marcas da vida atribulada da Stefani Joanne Angelina Germanotta que Gaga era antes de fazer o sucesso que faz, mas indiscutivelmente real. Ou vai dizer que você nunca se perguntou até onde fãs e imprensa vão por causa de algum famoso banal qualquer, nem se deparou com gente fútil dançando sem parar, sem se preocupar com as conseqüências nem com o quanto dinheiro tudo aquilo iria custar para seus pais? Senão, é melhor acordar e olhar com um pouco mais de atenção para o The Fame, para o The Fame Monster e para os muitos que hão de vir depois deles, é claro.

A lista: Gaga encabeça a lista por méritos, mas no meio dos artistas também tem Kathryn Bigelow (3º) por Oliver Stone, Robert Pattinson (6º) por Chris Weitz, a dupla criadora de Lost Carlton Cuse & Damons Lindelof (11º), Prince (12º) por Usher, o diretor de Distrito 9 Neill Blomkamp (16º) por Ridley Scott e James Cameron (25º) pela parceira de longa data Sigourney Weaver.

Segundo a Time:Quando ‘Bad Romance’ começa, a música gruda em seus ouvidos no mesmo momento. E então ela começa com ‘I wat your ugly, I wat your disease’, e de repente, você está ouvindo-a! A maioria das coisas no rádio não é muito inteligente, mas Gaga apresenta suas ideias de forma sofisticada. Ela tem uma sensibilidade pop incrível.” – Cyndi Lauper

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Pensadores: Zaha Hadid

A foto: Entrevistada pela Guardian britânica após o anuncio de que o design do centro aquático de Londres para as Olimpíadas de 2012 seria assinado por ela, a arquiteta iraquiana, hoje apreciada no mundo inteiro, respondeu com elegância questões espinhosas sobre o orçamento estourado.

A história: Nascida em Bagdá quando chegávamos a metade do século passado, Hadid se tornou uma das arquitetas e designers mais influentes de nosso tempo percorrendo um longo caminho. De visionária cujos desenhos eram praticamente impossíveis de construir, passando por sócia de um pequeno escritório de arquitetura em Londres, onde reside até hoje, Hadid se tornou a primeira mulher a receber o Pritzker Prize, equivalente arquitetônico do prêmio Nobel. Também é membro da mesa de editores da Enciclopédia Britânica, dona de uma firma com mais de 350 empregados em Londres e líder do projeto arquitetônico mais vigiado da atualidade, o Dongdaemun Design Plaza & Park, em Seoul, na Coréia do Sul, prestes a ser nomeada também como a capital mundial do design, em 2011. E ser listada não é novidade para ela: foi eleita a 69ª mulher mais poderosa do mundo pela Forbes, em 2008. Agora, é a “pensadora” mais influente do mundo segundo a Time.

A lista: Hadid encabeça a lista que tem a dupla de doutores Douglas Schwartzentruber e Larry Kwak (3º), ambos trabalhando (em laboratórios separados) pela cura do câncer, o guru tecnológico Jaron Lanier (6º), o líder da luta contra a AIDS Victor Pinchuk (7º), o “homem da maçã” Steve Jobs (11º) e os debatentes políticos ianques David Boies e Theodore Olson (19º).

Segundo a Time: “Quando eu conheci Zaha, eu descobri que sua pessoa personificava o trabalho. Forte. Sensual. Icônica. Ela comanda o espaço ao redor dela – não de uma forma dura, mas em uma que te seduz com facilidade. Ela tem muito estilo – seu cabelo, sua voz, suas roupas, sua luminosidade. Ela é uma mulher de cultura. Nascida e criada no Iraque, ela faz uma ponte entre Oriente e Ocidente com pura sofisticação.” – Donna Karan

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Quando era jovem, Steve Jobs, o presidente da Apple, decidiu que seria o Beatle da computação. Eu disse um dia que faço o que os Beatles fariam se fizessem escultura, e posso apreciar o quanto Steve, 55, aplica o ideal de otimismo deles em seu trabalho. As ferramentas que ele nos deu, do Mac no meu estúdio ao iPhone no meu bolso, são como janelas novas e limpas entre nós mesmos e o nosso trabalho.”

(Jeff Koons, artista nova-iorquino, sobre Steve Jobs)

Apesar da enorme acolhida crítica, o filme dela foi um naufrágio financeiro – como todos os filmes sobre a Guerra do Iraque. A questão permanece: porque, apesar do caso de amor do nosso país com a violência, os americanos se recusam a ver esses filmes realistas? Com ‘Guerra ao Terror’, Bigelow impiedosamente colocou seu dedo no trágico coração da ferida americana: nossa inperícia em encarar a nós mesmos.”

(Oliver Stone, cineasta ianque, sobre Kathryn Bigelow)

5 de jul. de 2010

Sobre… – Olhares, superlativos e literatura

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Muito do que eu escrevi nos últimos meses veio parar aqui no blog. Não digo tudo, porque nada é verdadeiramente completo, e porque confesso ter guardado anlguns escritos para mim mesmo. E que me perdoem o estilo meio anacrônico da escrita, mas é o efeito que fica depois de passar os olhos por Dom Casmurro, de Machado de Assis. Aliás, passar os olhos não, ler. Há um abismo entre as duas coisas, se me permitem dizer. Talvez ambas sejam tão distantes quanto um olhar e um gesto, um pensamento e uma atitude, o mundo e o paraíso. É a diferença entre deixar-se levar pelo clima de uma história ou prender-se firmemente ao mundo real, sem a gana de seguir por uma vida diferente, nova, ainda que finita e instantânea. Como a nossa, aliás, o é.

Mas, enfim, voltemos ao meu ponto: apesar de boa parte do que criei em letras ter vindo parar aqui, creio que nunca falei de literatura, por falar, como opinião, nesse espaço. Pois chegou a hora, caro leitor (e cara leitora, que não me esqueça). E nunca pensei que seria Assis, um escritor tão absurdamente analógico para os dias de hoje, tão cruelmente realista, que me levaria a tal gana de dissertar sobre a arte das frases. Mas, como ele mesmo diria em outro tomo, A Cartomante, citando a Shakespeare (dezenas de vezes mais talentoso, diga-se de passagem): “há mais coisas entre o céu e a terra do que supõe a nossa vã filosofia”. E Dom Casmurro, como obra de arte e um escrito personalíssimo, nos mostra algumas delas.

Olhares, andares, formas de falar, pequenos atos que fazem toda a diferença na caracterização de Assis a seus personagens. Se ficamos em dúvida, no final, e somos deixados nela acerca da traição de Capitu, é porque o escritor nos presenteia com personagens simultaneamente adoráveis, fascinantes e repugnantes em sua vil humanidade. Capitu é a dama dos olhos de ressaca, uma personagem difícil de tirar da cabeça, uma mulher que prende o pensamento do leitor mesmo sem nunca ter saído do papel. Pouco ficamos sabendo sobre ela, e talvez seja esse mistério velado que faça da amada de Bentinho, o narrador, uma das personagens mais duradouras no inconsciente coletivo popular brasileiro. Ainda assim, um leitor inocente seria capaz de odiá-la com todas as forças. Mas apenas um leitor inocente.

Assis deixa dicas por todo o lado, na narração de Bentinho, das dúvidas do próprio protagonista, nos mostra a ambigüidade de cada ato e deixa o narrador caracterizar-se como santo e correto, quase o tempo todo. Embora não negue seus pecados, o Dom Casmurro do título quer nos mostrar que pagou-os todos, amou sua mãe (“santíssima” e “terníssima”) sobre qualquer criatura do mundo, e envelheceu fazendo as pazes com Deus, o mundo e seu passado. Se escreve agora, é pela solidão do homem correto em um mundo de corruptos. Quem conhece o mínimo de Machado de Assis sabe que a caracterização é feita justamente para o leitor duvidar-se dela. E o gosto do escritor por personagens presunçosos de si mesmo, sempre seguros, não deixa dúvida: Bentinho é tão suspeito quando Capitu. E quem garante que ele e Sancha nunca tiveram nada a não ser a intensa troca de olhares de um marcante capítulo?

E, por fim, há sempre José Dias. Talvez a criatura mais santa, ainda que bajuladora e por vezes inconveniente, de todo o livro. Os superlativos, a subserviência, a forma como tratava Bentinho e reverenciava Dona Glória, tudo culmina em um final mezzo trágico (o do homem que nunca chegou a suas ambições), mezzo doce (o céu “lindíssimo” que o cobre ao leito de morte, o autor sugere sem palavras, é o seu destino depois dela). É a forma de Assis ser um pouco romântico, culpadamente, ainda que seja apenas pelo bem do olhar de seu narrador. E, porque não? Porque não um respiro de romantismo em uma históra tão cruelmente realista que acabamo-la sabendo tanto quanto sabíamos quando começamos?

Talvez seja uma fuga, um anestésico poderoso para uma dose forte de deseperança. Talvez seja covardia. Talvez seja o dito de alguém que tem medo de viver. Talvez seja a forma de ir a outro mundo, onde nem tudo é tão naturalmente escuro. Mas, ainda, porque não? Assis não nos dá ao luxo dessa pergunta. E, não nos dando, cria uma pérola da literatura que dói no fundo do coração e deixa um gosto amargo na boca. Não é agradável. Talvez você nem mesmo goste dele quando você terminar. Mas certos desgostos são indispensáveis, tanto quanto as delícias.

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As minhas (lágrimas) secaram logo. Fiquei a ver as dela; Capitu enxugou-as depressa, olhando a furto para a gente que estava na sala. Redobrou de carícias para a amiga, e quis levá-la; mas o cadáver parece que a retinha também. Momento houve em que os olhos de Capitu fitaram o defunto, quais os da viúva, sem o pranto nem as palavras dela, mas grandes e abertos, como a vaga do mar lá fora, como se quisesse tragar também o nadador da manhã”

(Machado de Assis, em “Dom Casmurro”)