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7 de abr. de 2016

Review: “Colony” traz a ficção científica distópica de volta para o mundo adulto

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por Caio Coletti

Hoje em dia, o termo “ficção científica distópica” desperta que tipo de referências para você? É mais do que provável que os primeiros títulos que venham a mente sejam Jogos Vorazes, Divergente e Ender’s Game, entre alguns outros. Essas obras, transportadas da literatura para o cinema, são de certa forma filhos bem-sucedidos de um gênero literário que nasceu muito antes delas, e que foi adaptado para leitores adolescentes e jovens por escritores de habilidade variável. A ficção científica distópica, a bem da verdade, tem muito mais a ver com 1984, Blade Runner e Admirável Mundo Novo do que com Jogos Vorazes – essa desilusão com a autoridade, essa noção de que nossa sociedade está caminhando para um futuro catastrófico e que, frente a catástrofe, escolhemos um governo autoritário e restrito, a vontade de liberdade frente a ele, são todos conceitos essencialmente moldados por George Orwell, Aldous Hyxley, Ray Bradbury, Philip K. Dick e outros mestres de diferentes eras da ficção científica.

Fique claro que não estamos dizendo isso para desmerecer Suzanne Collins, Lois Lowry e companhia, mas para entender esse pequeno acontecimento chamado Colony, a nova série da crescente rede de televisão americana USA, que recentemente recebeu mais atenção do que está acostumada graças à revolucionária Mr. Robot. Colony tem no DNA o trabalho de pelo menos um roteirista experiente: Carlton Cuse, um dos principais escritores de Lost e co-criador de Bates Motel. Cuse, além de um ótimo contador de histórias, sabe como as coisas funcionam em Hollywood, e é um oportunista de primeira – na criação de Colony, sem dúvida, ele viu a possibilidade de levantar ideias de várias outras tramas de sucesso da TV e juntá-las em um só pastiche de ficção científica, mas o passe de gênio mesmo foi fazer da sua nova produção uma forma de “devolver” o gênero distópico ao universo adulto.

No centro de Colony estão Will (Josh Holloway) e Katie Bowman (Sarah Wayne Callies), um casal que vive com os dois filhos em uma Los Angeles sitiada. Um ano antes de começarmos a acompanhar a série, forças desconhecidas (potencialmente alienígenas) chegam à Terra e subjugam nossas tentativas de defesa, dividindo o espaço não destruído em “colônias” que não levam em conta a separação de famílias ou amigos. Cercadas por muralhas virtualmente instransponíveis e governadas por um grupo de humanos escolhido a dedo pelos invasores, essas colônias naturalmente tem seus focos de rebeldia, e Katie decide se juntar a um deles depois que seu marido se torna um colaborador do governo, a fim de conseguir passe livre para procurar o terceiro filho do casal, que ficou separado dos pais em outra colônia.

Esse conflito alimenta as engrenagens da trama por 10 episódios sólidos que compõem uma primeira temporada em que sobra espaço e potencial para evolução. Cuse e seu time de roteiristas, incluindo o co-criador Ryan Condal (Hércules), constroem o relacionamento entre Will e Katie com paciência, entrelaçando os momentos de desconfiança com outros de ternura, fazendo-os passar por desgastes únicos a sua situação e brincando com o fato dos dois estarem em lados opostos de uma ideologia e ainda assim serem um casal legitimamente crível e afetuoso. Josh Holloway e Sarah Wayne Callies, que cultivam uma amizade antiga, facilmente habitam o corpo desses dois personagens, e embora o ex-intérprete de Sawyer em Lost crie um protagonista de quem é fácil gostar, o destaque mesmo é ela, meditativa e sempre com as tensões à flor da pele como Katie. Um dos destaques de The Walking Dead nas três primeiras temporadas, Callies agarra esse papel com unhas e dentes, e se torna a força agregadora e definidora da série – é um trabalho impressionante que, em um mundo justo, figuraria no Emmy desse ano.

Colony não se contenta em analisar disputas de poder e ideologia dentro do casamento dos Bowman, no entanto, embora seja muito boa nisso. A relevância cultural da série da USA, e provavelmente o motivo pelo qual todo mundo deveria estar assistindo-a, é a forma como ela elabora as tensões políticas e sociais dentro da colônia, e os inevitáveis paralelos que ela traça com a realidade do nosso passado e do nosso presente – em Colony, os EUA foram invadidos e divididos em “províncias” que desrespeitam limites culturais e sociais pré-estabelecidos; soa familiar? O processo é praticamente o mesmo praticado pelos países europeus durante a era da colonização (ou seja, o nome da série não é nenhuma coincidência), mas mais marcadamente, as zonas de guerra e neutralidade e os governos constituídos de locais “colaboradores” das forças invasoras cheira um pouco à intervenção americana no Oriente Médio. Em Colony, Will e o governo trabalham para esmagar um movimento de resistência ao qual eles frequentemente se referem como terroristas. Como é a liberdade americana em jogo, a série relativiza os valores, e nos desafia a concordar e discordar, alternando pontos de vista e áreas morais dúbias – ao nos mostrar tudo isso, a série pergunta; porque quando é a liberdade estrangeira, nós não agimos da mesma forma?

Colony é um complexo tratado político, uma série de ação e ficção científica matadora, um banquete de ótimos personagens interpretados por ótimos atores (fiquem de olho em Peter Jacobson, que faz o líder do governo Snyder, e na participação de Paul Guilfoyle como um chefe da resistência), uma história distópica com temas adultos, conteúdos adultos e conflitos adultos. É um respiro de ar fresco para um subgênero que apresenta sinais de cansaço. E só tem o que melhorar daqui para frente.

✰✰✰✰ (4/5)

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Colony1ª temporada (EUA, 2016)
Direção: Juan José Campanella, Nelson McCormick, Roxann Dawson, Scott Peters, Tim Southam
Roteiro: Ryan Condal, Carlton Cuse, Anna Fishko, Dre Ryan, Wes Tooke, Sal Calleros, Daniel C. Connolly
Elenco: Josh Holloway, Sarah Wayne Callies, Peter Jacobson, Amanda Righetti, Tory Kittles, Isabella Crovetti-Cramp, Alex Neustaedter, Paul Guilfoyle, Carl Weathers, Adrian Pasdar, Kahryn Morris
10 episódios