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16 de jul. de 2016

Diário de filmes do mês: Junho/2016

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por Caio Coletti

Nem todos os filmes merecem (ou pedem) uma análise complexa como a que fazemos com alguns dos lançamentos mais “quentes” ou filmes que descobrimos e nos surpreendem positivamente. É levando em consideração a função da crítica e da resenha como uma orientação do público em relação ao que vai ser visto em determinado filme que eu resolvi criar essa coluna, que visa falar brevemente dos filmes que não ganharam review completo no site. Vamos lá:

exame

Exame (Exam, Inglaterra, 2009)
Direção e roteiro: Stuart Hazeldine
Elenco: Adar Beck, Gemma Chan, Nathalie Cox, John Lloyd Fillingham, Chukwudi Iwuji, Pollyanna McIntosh, Luke Mably
101 minutos

Há um apelo muito básico na premissa de Exame, filme britânico de 2009 que vem rodando pelo circuito dos admiradores de suspenses e ficções científicas independentes: basicamente, o filme se concentra em apenas uma sala de reunião de uma grande empresa, onde oito candidatos a um emprego inacreditavelmente almejado passam por seu último teste, que consiste em só uma pergunta. Ou quase isso. Conforme o filme vai evoluindo nas mãos do diretor/roteirista Stuart Hazeldine, influências da ficção científica futurista vão se revelando, e algumas reviravoltas interessantes são aplicadas, mas Exame nunca se mostra um filme com algo a dizer. E é essa a coisa interessante sobre a ficção científica: se você não tem nada a dizer, todo e qualquer esforço para engajar o espectador parece em vão. Bem planejada, com um espírito metódico que precisa ser admirado, e até boas atuações, Exame triunfa como produto de cinema mas falha miseravelmente como produto de narrativa. Não que haja algo de inerentemente errado nas habilidades de Hazeldine como contador de histórias – o problema é que ele não está conduzindo uma que tenha qualquer objetivo a não ser chocar e surpreender. Não há nada de errado em gostar de Exame, mas é indiscutível que ele não merece estar nos rankings ilustres das boas ficções científicas e mistérios que vimos sair recentemente do cinema independente.

O único fio interessante de narrativa que existe no filme é a oposição entre individualismo e comunidade, especialmente em tempos de crise, como modos de vida. Luke Mably e Chukwudi Iwuji fazem um dueto interessante de atuações, e são assistidos de forma perfeitamente capaz pelo elenco coadjuvante, especialmente Adar Beck e Nathalie Cox como as duas principais personagens femininas da confinada trama. O problema é que Exame abandona essa reflexão em favor de um twist de narrativa perto do final, que coloca em perspectiva os acontecimentos e resolve valorizar uma trapaça (e uma questão técnica) na sua resolução do dilema da premissa. Promissor, mas fazendo muitas escolhas erradas, Exame segue como testemunho do potencial de um cineasta que ainda não ofereceu uma segunda obra.

✰✰✰ (3/5)

john wick

De Volta ao Jogo (John Wick, EUA, 2014)
Direção: Chad Stahelski, David Leitch
Roteiro: Derek Kolstad
Elenco: Keanu Reeves, Michael Nyqvist, Alfie Allen, Willem Dafoe, Dean Winters, Adrienne Palicki, Bridget Moynahan, John Leguizamo, Ian McShane, Lande Reddick
101 minutos

Em direta oposição ao item anterior do nosso diário, De Volta ao Jogo tira muito crédito do fato de que não ambiciona nenhum significado maior para sua trama de vingança. Keanu Reeves empresta credibilidade (é sério!) ao papel de John Wick, um ex-assassino da máfia russa que, após o filho de um chefão do crime invadir sua casa, matar seu cachorro (!) e danificar seu carro, parte em uma missão violenta de vingança que o coloca de volta em um mundo do qual saiu para construir uma família. Sim, o cachorro era o presente deixado para trás pela esposa falecida de Wick, e há uma exploração interessante da dinâmica de um assassino de aluguel voltando para um ambiente que não desperta o melhor de si, mas De Volta ao Jogo é largamente um pastiche das convenções do gênero e do poder visceral da violência midiática em aumentar a nossa própria adrenalina. Parte da excelência do filme tem a ver com a direção de Chad Stahelski, um ex-coordenador de dublês que faz das brutais cenas de ação de De Volta ao Jogo não só momentos críveis em que um homem leva a melhor sobre muitos outros, como cria imagens indeléveis que vão ficar na memória do espectador, e especialmente dos fãs de ação.

John Wick é também um daqueles papeis para os quais Keanu Reeves parece ter nascido. Nosso argumento não é contradizer a crítica e saudar Reeves como um grande ator, mas há algo no seu porte, na sua linguagem corporal e no seu estilo particular de atuação que o faz particularmente apropriado para papeis icônicos, calcados em apelos visuais e histórias básicas. É por isso que ele foi um grande Neo, um grande John Constantine, e agora John Wick – Reeves não arquiva uma atuação expressiva ou excelente, mas sua imagem por algum motivo entra imediatamente no inconsciente coletivo da cultura pop. Camisetas de John Wick poderiam ser vendidas por aí, e seria imediatamente reconhecível. De Volta ao Jogo é em parte sobre não levar os filmes de ação à sério demais, em parte sobre colocar o foco de volta na excelência de facto das cenas de adrenalina, e em parte uma exploração venerável dos clichês do gênero.

São 101 minutos de sólidos entretenimento, e a vindoura continuação é mais do que merecida.

✰✰✰✰ (4/5)

alexander

Alexandre e o Dia Terrível, Horrível, Espantoso e Horroroso (Alexander and the Terrible, Horrible, No Good, Very Bad Day, EUA, 2014)
Direção: Miguel Arteta
Roteiro: Rob Lieber, baseado no livro de Judith Viorst
Elenco: Steve Carell, Jennifer Garner, Ed Oxenbould, Dylan Minnette, Kerris Dorsey, Bella Thorne, Megan Mullally, Donald Glover
81 minutos

O título engraçadinho de Alexander e o Dia Terrível, Horrível, Espantoso e Horroroso não colou tão bem com o público do cinema quanto aconteceu com os leitores de literatura infantil, de onde vem a história adaptada pelo roteirista Rob Lieber (The Goldbergs). A bilheteria fraca e as más críticas não são totalmente merecidas, no entanto, visto que esse é um dos mais inofensivos, e de fato bastante divertidos, filmes saídos da divisão não-animada da Disney nos últimos anos. Com uma mensagem bonitinha sobre aceitação dos aspectos negativos da vida, um elenco talentoso e várias piadas que funcionam em graus variados, Alexander não é nem de longe tão terrível, horrível, espantoso e horroroso quanto o dia vivido pela família Cooper, tudo porque o filho mais novo, o azarado Alexander, deseja que todos os outros membros de sua casa vivam pelo menos um dia no seu lugar. O pai desempregado, Ben (Steve Carell), tem problemas numa entrevista de emprego quando precisa levar o filho bebê, Trevor; a mãe, a executiva de uma editora de livros infantis Kelly (Jennifer Garner), passa por uma situação complicada quando um erro de impressão arruína um lançamento; a filha Emily (Kerris Dorsey), atriz, acorda com um resfriado no dia em que deve se apresentar como Peter Pan; e o filho Anthony (Dylan Minnette) perde a namorada no dia da formatura.

O restante das viradas desafortunadas da família durante o dia são a graça do filme, que encontra maneiras de mantê-los unidos mesmo com o mundo desmoronando nos seus arredores. O diretor Miguel Arteta (Por Um Sentido na Vida) não tem um trabalho muito complexo a fazer, mas falha no sentido de não injetar criatividade no visual do filme, que depende inteiramente do talento de seus atores para manter o espectador entretido. Sorte que Carell e Garner estão em excelentes momentos, e que o trio de atores mirins entrega performances interessantes e cativantes, buscando um equilíbrio que não os transforme em caricaturas de si mesmos. Como filme da Disney, Alexander guarda valores que cheiram a conservadorismo, mas os momentos em que deixa esses valores passar são escorregões menores em um todo perfeitamente adorável.

✰✰✰ (3/5)

conjuring

Invocação do Mal (The Conjuring, EUA, 2013)
Direção: James Wan
Roteiro: Chad Hayes, Carey Hayes
Elenco: Vera Farmiga, Patrick Wilson, Lili Taylor, Ron Livingston, Joey King, Mackenzie Foy
112 minutos

James Wan não é o mestre do terror moderno que boa parte da crítica e do público desavisado parece achar que ele é. O diretor malaio é um artesão habilidoso, que conhece e respeita convenções do gênero, e por isso conseguiu se infiltrar em Hollywood. Seus filmes são como refeições básicas bem preparadas, feitos com um senso de narrativa e de provocação de tensão antiquado e fascinante, que se apoia em trabalhos sempre impecáveis de design de produção, trilha-sonora, fotografia, maquiagem, figurino e atuação para levar o espectador em uma jornada convencional que mesmo assim assusta, e até emociona. No fundo, Invocação do Mal é uma bela história sobre a união de uma família diante de uma ameaça que pretende voltá-la contra si mesma. É A Entidade ao contrário, com uma conexão emocional mais profunda e calorosa com seus personagens.  Invocação do Mal não reinventa a roda – de fato, James Wan nunca quis reinventá-la, e talvez por isso incomode saber que, com uma geração incrível de cineastas de terror fazendo filmes que se tornarão clássicos cult como Corrente do Mal (David Robert Mitchell), A Bruxa (Robert Eggers) e O Babadook (Jennifer Kent), Wan ainda seja o máximo que muitos espectadores tenham de contato com o horror de qualidade – uma pena, mas melhor do que nada.

Invocação do Mal, para o qual cheguei uns bons anos atrasado, desvenda um dos casos dos prestigiados “ocultistas” Ed e Lorraine Warren, aqui interpretados por Patrick Wilson e Vera Farmiga. Espécies de celebridades no mundo das investigações paranormais, os dois se aproximam de uma família que acabou de se mudar para uma velha casa – a mãe, Carolyn (Lili Taylor), está sentindo coisas estranhas, e várias das filhas tiveram bizarras visões durante a noite. Há algo de profundamente artístico na forma como Invocação nos conduz pelos corredores, escadas e cômodos da casa em questão, numa câmera fluída que nos apresenta um ambiente inteiramente idealizado e construído com um olho cirúrgico para a percepção espacial que é importante à história. A casa habitada pela família Perron é quase um personagem, e isso não é uma forma metafórica de dizer que ela é um elemento importante – na câmera de Wan e do diretor de fotografia John R. Leonetti, ela parece respirar e nos conduzir por ela tanto quanto os humanos.

Enquanto isso, Farmiga e Taylor seguram firmemente o centro emocional do filme, em um par de performances que esbanja garra, sensibilidade e fisicalidade. Sem elas, Invocação jamais funcionaria como funciona, nos níveis mais básicos de percepção e compreensão do espectador. Nem todo mundo precisa revolucionar o cinema, e Wan certamente entrega uma bela obra aqui.

✰✰✰✰ (4/5)

krampus

Krampus: O Terror do Natal (Krampus, EUA, 2015)
Direção: Michael Dougherty
Roteiro: Todd Casey, Michael Dougherty, Zach Shields
Elenco: Emjay Anthony, Adam Scott, Toni Collette, Krista Stadler, Conchata Farrell, Allison Tolman, David Koechner
98 minutos

Michael Dougherty é um cineasta e roteirista cuja carreira vale a pena seguir de perto. Após trabalhar escrevendo X-Men 2 e Superman: O Retorno para Bryan Singer, Dougherty mostrou sua preferência pelo cinema de terror ao estrear na direção em Contos do Dia das Bruxas, uma narrativa episódica interconectada que fazia troça e levava a sério, ao mesmo tempo, várias convenções do gênero, produzindo uma bela peça de sátira que essencialmente funcionava como terror também. Oito anos depois, ele retorna com Krampus: O Terror do Natal, mais um filme de horror que parecia destinado a atingir um equilíbrio parecido – mas Dougherty gosta mesmo é de surpreender o espectador, e Krampus é zombeteiro e divertido de uma forma  muito mais destacada do que Contos do Dia das Bruxas jamais sonharia em ser. Apoiado em um trabalho de confecção de bonecos e animatronics que não se via no cinema desde que as produções da Jim Henson Company deixaram de ser moda em Hollywood para o domínio do CGI, Krampus é um filme deliciosamente lunático e cínico, com um olhar inteligente para as idiossincrasias de seus personagens e de sua conexão como unidade familiar, mas nunca cedendo a quaisquer impulsos de pieguice ou redenção. Krampus é cruel, sombrio e bizarro, como uma daquelas curiosidades macabras da Sessão da Tarde dos anos 90 que hoje em dia nos faz perguntar: como diabos isso passava na TV durante o dia?

Na trama, um garoto (Emjay Anthony) que ainda acredita no Papai Noel acaba se frustrando com os diferentes problemas de sua família infernal, e pica a sua cartinha para o padroeiro do Natal em pedaços, atirando-a pela janela. Inadvertidamente, o moleque invocou o espírito maligno conhecido como Krampus, um antigo demônio natalino da mitologia alemã que era uma espécie de sombra malévola do Papai Noel. É a deixa da qual o filme precisa para desfilar biscoitos natalinos revoltados e bichos bizarros de toda sorte à frente do espectador, enquanto atores como Adam Scott, Toni Collette e Conchata Farrell se divertem com “cenas de ação” maldosas e um roteiro que se delicia com o desajuste essencial da família que retrata. Dougherty acertou de novo na alquimia de seu novo filme, mesmo que ainda falte um pouco para que consiga explorar de fato o potencial cômico, assustador e metalinguístico de seu trabalho.

✰✰✰✰ (3,5/5)

kill list

Kill List (Inglaterra, 2011)
Direção: Ben Wheatley
Roteiro: Ben Wheatley, Amy Jump
Elenco: Neil Maskell, MyAnna Buring, Michael Smiley, Emma Fryer
95 minutos

Kill List é um filme incômodo. Não só porque subverte algumas regras fundamentais da nossa presunção de como cinema deve ser feito, mas porque é deliberadamente desenhado para isso. A direção de atores do cineasta Ben Wheatley convida à proximidade, mas seu roteiro ao lado de Amy Jump parece nos afastar, enquanto a edição, também por conta dos dois, nos desorienta. Kill List é um filme súbito e lento, complexo e desconcertantemente simples, praticamente indecifrável (mas facilmente compreendido). Os diálogos entreouvidos, a dicção difícil dos protagonistas, a fotografia quente e sensitiva, a virada brusca no terceiro ato que nos leva a um final estranhamente satisfatório – e tremendamente perturbador. Como qualquer filme de suspense, Kill List nos diz que há algo errado desde o começo, em pequenos momentos, mas quando a trama se revela o espectador mesmo assim é pego de surpresa, porque Wheatley quietamente nos conduziu à familiaridade, para nos tirar radicalmente dela (ou melhor ainda, para nos mostrar como ela é sombria). Em sua história sobre o assassino de aluguel e veterano de guerra Jay (Neil Maskell), que aceita uma nova missão após uma briga com a esposa, Shel (MyAnna Buring, excelente), Kill List nos deixa intuir muito, do passado dos personagens aos seus pensamentos e relações mais profundas, e essa indução de um sentimento de fidelidade ao real torna a introdução do sinistro no terceiro ato do filme uma jogada muito mais chocante.

O filme é também uma temerosa meditação sobre o ato de matar, as marcas profundas que ele deixa no ser humano e o que acontece quando essas marcas, pelo cansaço, se tornam invisíveis ou impossíveis de se perceber. Kill List não é um filme insensível, mas é um filme sobre um homem insensibilizado pelas circunstâncias, e vive especialmente na tragédia da interpretação de Michael Smiley (Gal) uma consciência profunda das sombras e da paranoia que mora dentro da torturada alma humana capaz de matar. De sua forma desconcertante, Kill List é um filme sobre transtornos psicológicos traduzidos em violência, e acha em seu final recheado pela sombra de uma teoria de conspiração que cerca o protagonista uma forma de expressar a sua completa solidão. O filme de Wheatley é uma viagem psicológica muito mais do que é uma viagem prática – e é isso que o torna especial, e unicamente inesquecível.

✰✰✰✰ (4/5)

hush

Hush: A Morte Ouve (Hush, EUA, 2016)
Direção: Mike Flanagan
Roteiro: Mike Flanagan, Kate Siegel
Elenco: Kate Siegel, John Gallagher Jr, Michael Trucco, Samantha Tyson
81 minutos

Kate Siegel está extraordinária em Hush, novo terror do diretor Mike Flanagan, seu respiro em mais uma produção independente antes de assumir o bem mais estrelado O Sono da Morte, que estreia em setembro no Brasil. Flanagan é um mestre em formação do gênero, mais que gabaritado depois dos excelentes Absentia e O Espelho – mas é Siegel quem brilha em Hush, um tremendamente bem construído thriller que se equilibra nas pontas dos dedos da atriz, interpretando aqui uma escritora surda que mora sozinha e vê sua casa sendo atacada por um maníaco mascarado (John Gallagher Jr, em excelente forma também). Pouco conhecida como atriz – e casada com o diretor –, Siegel entrega uma atuação de instinto e expressividade absurdas, que enfrenta os desafios físicos do roteiro sem esforço e faz de sua personagem uma figura verdadeira icônica. Flanagan não é muito dado a peripécias visuais quadrinescas, mas mesmo assim é fácil imaginar Kate – ou melhor, sua personagem Maddie – em um pôster no quarto de algum fã de terror inspirado pela história de resiliência. Das final girls dos filmes de assassino recentes, Siegel é a mais intensa e conscientemente construída como um indivíduo crível, mesmo que passe por situações que extrapolam os limites do fisicamente suportável durante o filme. Injetados de adrenalina, é possível que ela e o espectador nem percebam que Flanagan estica um pouco os limites do realismo em seu roteiro.

E se não percebemos, é porque Flanagan, mais um exemplo de diretor que toma as rédeas da edição de seus próprios filmes, constrói um quebra-cabeças excitante e agonizante em Hush, explorando o seu único cenário com maestria e trabalhando ao lado da fotografia e da trilha-sonora para criar momentos de pico por todo o filme, que o impedem de parecer monótono ou repetitivo. O confronto entre Maddie e seu algoz é convincente e fascinante porque os dois se vêem e se comunicam com clareza, porque o “plano” e o objetivo do assassino é cruelmente simples, e porque Flanagan o dirige. Colocado em uma casa que é praticamente uma gaiola de vidro (mas não da forma óbvia com a qual alguns terrores trabalham), Hush é um exercício de tensão sustentada que sai de seus rápidos 81 minutos triunfante. E é, obviamente, uma tour de force pelos recursos de Siegel, que parece ser tão talentosa quanto o marido.

✰✰✰✰ (4/5)

angry birds

Angry Birds: O Filme (Angry Birds, EUA/Finlândia, 2016)
Direção: Clay Kaytis, Fergal Reilly
Roteiro: Jon Vitti
Elenco: Jason Sudeikis, Josh Gad, Danny McBride, Maya Rudolph, Bill Hader, Peter Dinklage, Sean Penn, Keegan-Michael Key, Kate McKinnon, Tony Hale, Hannibal Buress, Ike Barinholtz, Tituss Burgess, Blake Shelton, Charli XCX
97 minutos

Quando um filme baseado no jogo que virou mania na internet (em 2012) foi anunciado, não houve uma alma que tenha ficado animada com a perspectiva. Um filme dos Angry Birds não só parecia fora de época, como principalmente parecia ser uma decisão mercadológica muito mais do que criativa. O jogo original simplesmente não trazia uma história, que dirá uma forte o bastante para sustentar um filme, e a “adaptação” teria que conjurar não só a trama como personagens carismáticos e tridimensionais para convencer e engajar o público. Angry Birds: O Filme, como escrito por Jon Vitti, não faz um trabalho decente em nenhuma dessas coisas, mas arquiva um insight de brilhantismo que aparece perto do final do filme: a canalização da “raiva” dos tais pássaros do título em uma busca por recuperar o que era seu e foi roubado pelos porcos invasores. Por um breve momento, Angry Birds se coloca como uma aventura infantil sobre o valor da raiva, da desconfiança e do cinismo como qualidades adultas, e sobre a crença cega em ideais e a docilidade exagerada como fraquezas de uma sociedade que se deixa ser abusada. É um mero vislumbre durante o filme, mas está ali – pena que o roteirista Vitti (Alvin e os Esquilos) não está atento o bastante para aproveitar a metáfora ao máximo.

O elenco de vozes do filme também traz alguns momentos cômicos bem elaborados: não tanto o protagonista Jason Sudeikis, mas os coadjuvantes Danny McBride (Bomb), Maya Rudolph (Matilda) e Peter Dinklage (Mighty Eagle). A aventura do mal-humorado pássaro Red, que é o único a enxergar às más intenções de um povo de porcos que chega na terra dos pássaros certo dia, é insossa e tem poucos momentos de brilhantismo, talvez com a exceção de algumas piadas mais adultas que funcionam. Em um nível infantil, o filme também não funciona – um exagero de cores primárias e design de personagem ainda mais simplista que deve cansar as crianças facilmente. Coloque seus pirralhos para assistir Divertida Mente, que tanto eles quanto você vão ganhar mais.

✰✰ (2/5)

whiskey

Uma Repórter em Apuros (Whiskey Tango Foxtrot, EUA, 2016)
Direção: Glenn Ficarra, John Requa
Roteiro: Robert Carlock, baseado no livro de Kim Baker
Elenco: Tina Fey, Margot Robbie, Martin Freeman, Alfred Molina, Christopher Abbott, Billy Bob Thornton, Nicholas Braun, Josh Charles, Cherry Jones
112 minutos

Com toda a sinceridade do mundo: este que vos fala não consegue deixar de ver algo especial em Tina Fey. A forma como a ex-etrela do Saturday Night Live escolhe projetos que realçam sua inteligência como atriz e sua destreza em piadas mais sutis, assim como sua fácil navegação por emoções mais complexas, é simplesmente única. Uma Repórter em Apuros é parte dessa trajetória, e é excitante poder observá-la tomar forma. A história real de uma jornalista que passou anos a fio como correspondente de guerra no Afeganistão é uma oportuna e inteligente meditação sobre a humanidade que sobrevive em uma situação de guerra – o humor, o romance, o deboche e a compaixão que existe ali, entre pessoas de origens, posições sociais e visões políticas diferentes. No entanto, o filme nunca perde de vista a situação de violência em que a personagem de encontra, e não banaliza ou futiliza essa violência. Em Uma Repórter em Apuros, a mesma humanidade capaz de empatia e humor é capaz de atos horrendos e inconsequentes em nome de uma ideologia que nem mesmo é sua. Cheio de atuações uniformemente excelentes (Margot Robbie, Martin Freeman, Alfred Molina, Christopher Abbott, Billy Bob Thornton) e uma direção sensível que trabalha ao redor dessas performances, é um filme que merece muito mais crédito do que teve na época de seu lançamento.

Nas mãos de Fey, a jornalista Kim Baker se torna uma mulher de cantos arredondados. Aqui, ela não é garota festeira e irresponsável de Irmãs, a nerd autoritária de 30 Rock, a paranoica e frustrada professora de A Seleção – incansavelmente sagaz mesmo quando está se sentindo absurdamente deslocada, Baker ganha um brilho nos olhos de ambição na interpretação de Fey, mas a atriz também entende que o arco da personagem no ótimo roteiro de Robert Carlock é um em que ela aos poucos se acostuma com os riscos e a situação na qual ela vive no Afeganistão. Uma Repórter em Apuros faz um caso veemente contra a “normalidade” de qualquer situação de guerra, e espelha a jornada de sua protagonista (com todas as suas inteligentes e divertidíssimas paradas humorísticas) na de todos os outros ao seu redor, e na forma como cada um lida com isso. É um pedaço de cinema importante, como os outros que Fey produziu até hoje.

✰✰✰✰ (4/5)