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Review: Liga da Justiça

É verdade: o novo filme da DC seria melhor se não tivesse uma Warner (e um Joss Whedon) no caminho.

27 de fev. de 2015

Person of Interest 4x16: Blunt

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ATENÇÃO: esse review contem spoilers!

por Caio Coletti

11º episódio da segunda temporada de Person, “2 Pi R” (review) foi o primeiro capítulo da série que revisamos aqui n’O Anagrama. Uma rápida pesquisa garante que já fazem dois anos desde que o gênio matemático Caleb Phipps foi o número-da-semana trabalhado por Finch – naquela altura, Mr. Reese estava preso pela CIA do Agente Donnelly e prestes a ser questionado pela própria Detetive Carter, quem lembra? Trazer o personagem de volta agora, interagindo com Root em uma subtrama que só pode ser fundamental para a parte final da temporada, é uma das jogadas mais surpreendentes que Person já aplicou, e mostra que a série está mais do que consciente da forma como a Machine conecta as pessoas e, essencialmente, nunca se esquece delas. Uma série de menor excelência não seria capaz de tornar a parte procedural de sua trama algo tão importante, e de consequências tão ramificadas, para o storytelling em maior escala.

Essa característica fundamental de serialização e tridimensionalização das intenções e destinos dos personagens fica clara também na trama da semana do próprio “Blunt”. Centrada em uma performance vivaz e verborrágica de Annie Ilonzeh (Arrow, Drop Dead Diva), o retrato da manipuladora ladra que é missão dos protagonistas nessa semana é um dos mais apaixonantes que Person entregou em tempos recentes. A personagem de Ilonzeh entra no radar de Finch e Reese depois de operar um golpe no qual roubou dinheiro de uma loja autorizada de maconha medicinal – ou melhor, uma loja autorizada de maconha medicinal com o rabo preso com a Brotherhood. “Blunt” traz de volta a ameaça mais terrena da quarta temporada (em oposição ao Samaritan) e segue nos mostrando o processo de ascensão de uma força a ser reconhecida no submundo do crime de Person.

O roteiro de Amanda Segel (4x10, “The Cold War” – review) e Greg Plageman (4x01, “Panopticon” – review) é um dos mais concisos e inteligentes que Person já entregou, ao menos em questão de diálogos e progressão de trama. O que impressiona em “Blunt” é o ritmo com o qual os acontecimentos se sucedem, sem nunca fazerem o episódio soar apressado, e ao mesmo tempo o desfile de temas e elaborações típicas de Person – sempre comentamos sobre a defesa que a série faz da conexão humana, e é muito bacana o que a trama (e guest star) da semana nos diz sobre isso. Em termos de narrativa maior, é claro que essa 16ª entrada da temporada é muito mais uma preparação do que está por vir do que uma efetiva evolução de trama, mas isso de forma alguma significa que ele seja inferior a outros episódios da temporada. Pelo contrário, “Blunt” é um dos exemplos mais gráficos e interessantes do que tornou Person o melhor procedural da televisão americana.

✰✰✰✰✰ (4,5/5)

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Próximo Person of Interest: 4x17 – Karma (10/03)

26 de fev. de 2015

Gotham 1x17: Red Hood

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ATENÇÃO: esse review contem spoilers!

por Caio Coletti

De uma forma meio torta, “Red Hood” é exatamente o que eu pedi de Gotham no final do meu último review: um retorno aos intricados funcionamentos da metrópole do título, à análise profunda das grandes extensões às quais a corrupção chega dentro das instituições desse lugar, e dos efeitos que essa corrupção provoca na mente e no comportamento de cada um dos personagens. A gangue do capuz vermelho retratada aqui é pouco mais do que um grupo de oportunistas que, graças ao carisma e “faro publicitário” de um membro, se torna uma espécie de lenda urbana na cidade ao roubar bancos e distribuir uma pequena quantia do dinheiro para cidadão nas ruas. Gotham observa a forma como os integrantes da gangue se apunhalam pelas costas por motivos obviamente egoístas e regozija no prazer cínico de desmontar as noções de moralidade do espectador mais uma vez.

O mais bacana dessa parte do episódio é que a ceninha final de “Red Hood” estabelece esses surtos de violência que viemos acompanhando na série como o começo de um ciclo vicioso que vai assombrar a metrópole por muito tempo, ainda. O garotinho que pega o capuz vermelho da calçada e vê os policiais como inimigos não é só mais um potencial Coringa, como principalmente um simbolismo muito forte sobre a forma como a inversão moral de bem e mal é arraigada dentro da mentalidade de Gotham, e como o ambiente virulento desse cenário causa consequências a perder de vista. Isso tudo mesmo que mais uma vez os mecanismos de procedural pareçam pouco mais do que uma distração desnecessária, com Gotham se afastando ainda mais da construção dos personagens de Jim e Harvey (pobre Ben McKenzie!) e também da trama e das intrigas que ocorrem dentro da delegacia.

As muitas subtramas também fazem trabalhos interessantes no episódio: Fish se encontra com o administrador da tal prisão em que foi jogada, e o diálogo entre os dois parece não ser um dos momentos mais inspirados da série até que um ato da ex-mafiosa vira o jogo de cabeça para baixo, como é do feitio dela fazer; Pinguim recebe a ajuda de Butch, nem tão lesado mentalmente quanto pareceu no episódio anterior (o que é uma pena, porque Drew Powell ia se divertir muito com um papel como aquele), para começar a virar o jogo em seu nightclub até agora fracassado; Barbara, Cat e Ivy passam por um momento de identificação feminina, com a dinâmica entre Camren Bicondova e Erin Richards funcionando melhor no papel do que na prática; e Bruce e Alfred recebem a visita de um antigo colega militar do mordomo, que chega para introduzir mais visceralidade masculina no “treinamento” (e amadurecimento) de Bruce, mas tem motivos secundários misteriosos.

Como um todo, o episódio funciona bastante bem. A direção de Danny Cannon e Nathan Hope não parece ser tão acertada (o que é uma surpresa, visto que Cannon tem larga experiência na TV e Hope é um diretor de fotografia consagrado), como evidenciam algumas encenações pouco naturais – ou melhor, no tom errado de pulp. O humor do episódio, em geral, também não atinge a marca certa, recorrendo a artifícios baratos, incluindo uma testemunha asiática interesseira (?) e desequilibrando ainda mais a balança de gêneros de Gotham, que nunca foi muito correta. “Red Hood” não perde seu ponto de vista, no entanto, realizando mais uma bela reflexão sobre justiça em Gotham City, e fazendo sutis desenvolvimentos em alguns dos personagens que conhecemos do cânone Batman.

Notinhas adicionais:

  • Sobre aquele comentário do “mais um potencial Coringa”: lá no começo da divulgação da série, o criador Bruno Heller falou sobre dar várias indicações e possíveis histórias para a origem do maior nêmesis do Batman, e logo depois de “The Blind Fortune Teller” o mesmo Heller disse que o personagem interpretado por Cameron Monaghan, apesar de estar, sim, conectado às origens do Coringa, não é necessariamente o homem que vai se tornar o vilão.

✰✰✰✰ (4/5)

GOTHAM:  Alfred's friend Reggie (guest star David O'Hara, L) helps Bruce (David Mazouz, R) with his fight training in the "Red Hood" episode of GOTHAM airing Monday, Feb. 23 (8:00-9:00 PM ET/PT) on FOX.  ©2015 Fox Broadcasting Co.  Cr:  Jessica Miglio/FOX

Próximo Gotham: 1x18 – Everyone Has a Cobblepot (02/03)

25 de fev. de 2015

Você precisa conhecer: Ji Nilsson é a mais nova de toda uma geração de grandes artistas suecas

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por Caio Coletti

Duas das melhores amigas da sueca Ji Nilsson já apareceram aqui no “você precisa conhecer” d’O Anagrama: Beatrice Eli e Marlene. Esse tipo de peso forma a nova geração da música pop vinda do país que nos deu o ABBA e Robyn, entre muitos outros – a própria Nilsson ajuda a explicar porque o país nórdico é uma fonte tão inesgotável de bons artistas: “Nós estudamos música desde muito pequenos e é tudo bancado pelo Estado, então eu acho que é natural para a maioria das pessoas”, contou ela para o site Scorpio Jin. Nilsson ainda cita que seu pai é musicista, e que a maioria dos jovens suecos se voltam para a criação de canções graças aos 7 meses anuais de clima “deprimente”, nas palavras dela, do país.

Os primeiros lançamentos vieram no começo do ano passado, com os singles “Tell Them” e “I’m Her” (ambos abaixo), com um clipe acompanhando esse útlimo. Com batidas marcantes e harmonias vocais assistidas pelo auto-tune (utilizado com muito bom gosto, claro), Nilsson trouxe uma voz bastante climática e certeira para o synthpop já na sua estreia.

A virada na carreira de Nilsson até agora, no entanto, veio com “Heartbreakfree” (abaixo), uma canção geniosa com letra ainda mais, que articula as principais influências da artista em uma única e brilhante peça de música pop. Tão notável o feito da moça que até a diva Gwen Stefani notou, colando a produção e a harmonia da canção para o seu single “Baby Don’t Lie”, o que não passou em branco pela internet. Logo os fãs da cantora do No Doubt e curiosos afins passaram a conhecer o trabalho da sueca, que chegou a marca inédita (para ela) de 300.000 visualizações no Youtube para o clipe de “Heartbreakfree”.

“As pessoas tem sido muito legais e eu ganhei muitos novos fãs por causa disso, mas eu jamais esperava que algo assim acontecesse. Foi uma semana bem louca!”, descreve Nilsson sobre a polêmica com a diva americana. Não tão surpreendente que tenha sido Gwen quem tenha “encontrado” a cantora, no entanto, uma vez que uma das principais referências moldadas na música de Nilsson é a batida rítmica do reggae, além de elementos oitentistas que a própria atribui a sua admiração por “canções pop clássicas”. É uma característica bacana dessa nova geração de suecas o resgate da importância do R&B para a formação da música pop, e Nilsson faz isso com ainda mais destreza que suas BFFs.

Depois da inesperada notoriedade de “Heartbreakfree”, Nilsson apareceu com um novo single que coloca um pé na música eletrônica, um outro nos ritmos latinos, mas mantem o espírito todo no indie pop. “Encore” (abaixo) é uma canção de amor tão machucada quanto o lançamento anterior da sueca, com tintas mais próprias para a pista de dança e uma melodia hipnotizante.

Sobre o distintivo estilo visual, Nilsson insiste que os cabelos azuis de jeito diferente de se vestir vêm da infância: “Eu acho que meu gosto por roupas não mudou desde os 9 anos, eu ainda amo as mesmas coisas. E azul, sempre azul, eu amo tanto azul. Talvez por ser a cor do oceano, e eu ser obcecada por sereias”, ela contou ao Scorpio Jin.

Nilsson também lançou parcerias com Marlene ("Love You Anyway"), Sum Comfort ("Watch Your Step"), Up to No Good ("Midnight Sun") e Julia Spada, do Breakup ("Ring Mig").

Pra quem gosta de: Marlene, Gwen Stefani, Jessie Ware

24 de fev. de 2015

The Americans 3x04: Dimebag

THE AMERICANS -- "Dimebag" Episode 304 (Airs Wednesday, February 18, 10:00 PM e/p) Pictured: (L-R) Keri Russell as Elizabeth Jennings, Matthew Rhys, Philip Jennings. CR: Craig Blankenhorn/FX

ATENÇÃO: esse review contem spoilers!

por Caio Coletti

The Americans sempre foi uma série ambivalente quanto às suas posições políticas. A verdade é que a obra de Joe Weisberg sempre foi muito mais sobre o efeito que a política provoca na vida íntima dos personagens, especialmente em uma era de tantas encenações e batalhas ideológicas quanto a Guerra Fria. Não dá pra dizer que The Americans seja anti-soviética, por exemplo, mas dá para dizer que era seja anti-bélica, mesmo que de sua forma extremamente sutil, brincando com os destinos e os predicamentos dos personagens para nos mostrar, pouco a pouco, o quão destruídos por esse conceito de guerra eles foram. É uma história poderosa, e que tira muito da sua potência da ambiguidade moral que aplica nos jogos de poder e nas reentrâncias de sua trama de espionagem, mas “Dimebag” leva essa virtude para outro nível – ao discutir inocência, culpabilidade e remorso, o episódio traz essa ambiguidade também para o plano íntimo.

O resultado é um episódio extremamente complexo que coloca os protagonistas em duas missões diferentes e, ao mesmo tempo, os reúne em torno de uma trama doméstica que diz muito sobre a natureza dos Jennings como pais e, claro, como soldados. Elizabeth reencontra Lisa (Karen Pittman, ótima), uma asset em desenvolvimento que pode se tornar valiosa, e empreende uma missão corajosa para infiltrar-se na vida íntima da moça, a fim de acelerar o processo de recrutamento; Phillip, por sua vez, é ordenado a seduzir a jovem Kimberly (Julia Garner, que esteve em As Vantagens de Ser Invísivel), filha de um dos agentes da CIA mais importantes no grupo do Afeganistão. Enquanto Lisa é a uma alcoólatra em recuperação que vive um casamento em frangalhos com um marido violento (ou pelo menos é isso que a série sugere, com a sua sutileza de sempre), Kimberly é menor de idade e Phillip se aproxima dela ao confeccionar novas identidades falsas para suas amigas poderem entrar nas casas noturnas.

“Dimebag” faz um jogo de culpado ou inocente com essas tramas, mostrando comportamentos que seriam naturalmente dados como anti-éticos em uma série mais simplista, mas que são colocados sob uma luz muito humana pela série. A resignação de Lisa, a precocidade de Kimberly e as intrusões e seduções operadas por Phillip e Elizabeth são examinadas das motivações aos fins pelo roteiro, que enche o episódio de simbologias para completar o pacote – o comercial à la Lolita na TV dos Jennings é só o mais óbvio deles.

O mesmo jogo acontece dentro da família, levando Elizabeth e Phillip a um confronto intenso sobre o futuro de Paige, numa cena interpretada com contenção brilhante por Keri Russell e Matthew Rhys. A dinâmica entre os dois parece ser o ponto alto da tensão do episódio, como tem sido nos últimos, mas Paige pega todos de surpresa ao anunciar que, como presente de aniversário, deseja permissão para ser batizada. Há severidade e animosidade nos rostos dos dois protagonistas quando o anúncio é feito, em pleno jantar de família – e fica claro para o espectador que há algo de egoísta nas interações de ambos com a filha, uma tensão que é elementarmente muito semelhante a de uma família normal, com os pais querendo controlar o futuro da filha mesmo que digam que ela deve tomar suas próprias decisões. Fazer desse conflito absolutamente nuclear o ponto alto de “Dimebag” é uma jogada genial como poucas que The Americans aplicou até hoje, porque fala alto ao próprio cerne da série, um eterno emaranhado de paralelos entre o íntimo e o social.

Notinhas adicionais:

  • As subtramas não ficam atrás, inclusive, e se costuram bem com o tema do episódio: especialmente a interação de Nina com a companheira de cela, que ganha novas tintas quando a personagem de Annet Mahendru (em sua melhor atuação na série) é oferecida um acordo por uma pena mais branda se arrancar a verdade da moça, que se chama Evi. Assim, The Americans desenha um padrão circular para a história de Nina, sempre induzida a enganar e trair a confiança de alguém, não importa que lado escolha;
  • Stan e Sandra protagonizam mais uma das cenas emocionalmente devastadoras que viraram sua especialidade na série, em mais um par de atuações extraordinárias de Noah Emmerich e Susan Misner – é bacana como a série faz eles se encontrarem repetidamente e trabalharem seus remorsos e tudo o que não foi dito durante o seu relacionamento.

✰✰✰✰✰ (4,5/5)

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Próximo The Americans: 3x05 – Salang Pass (25/02)

18 de fev. de 2015

Por que estamos vendo filmes do jeito errado?

avengers-age-ultronSó no canal da Marvel, Os Vingadores 2 já tem cinco vídeos de preview

por Caio Coletti

Talvez seja a era em que nós vivemos, na qual previews de trailers são lançados online e pequenos gifs postados no Facebook e no Twitter antecipam até mesmo esses diminutos previews. Tomemos por exemplo o segundo filme da equipe de super-heróis Vingadores, da Marvel: o primeiro teaser da continuação foi lançado em outubro passado, e o filme só está marcado para estrear em abril desse ano; além disso, a produtora tem o costume de incluir durante os créditos de seus filmes pequenas cenas que dão um gostinho do que está por vir para os espectadores, então é possível considerar que Os Vingadores 2 está criando raízes nas mentes dos fãs do universo Marvel há um bom tempo (até o terceiro filme da equipe já tem elementos garantidos). Mas por que isso tudo nos faz ver filmes “do jeito errado”, como o título anuncia? Provavelmente porque, quanto mais criamos expectativas, mais uma versão “imaginária” e muito particular do resultado final se forma em nossa cabeça – e são maiores as chances de sairmos do cinema decepcionados por todas as piores razões.

O ponto maior, porém, é que isso não acontece só com continuações de franquias (nas quais, para o bem ou para o mal, o espectador já tem uma boa noção do estilo distintivo daquela série de filmes) e grandes blockbusters hollywoodianos, mas também com pequenas obras cujas pretensões são deturpadas ou pela campanha publicitária, ou pelo hype criado pela crítica e pelo público. Acontece que a culpa não é dos executivos do estúdio ou dos formadores de opinião sobre cinema, muito menos daquele cara que fez um post no Facebook dizendo que tal filme era tudo aquilo que você achou que ele falhava em ser; a culpa, na verdade, é todinha nossa.

RATATOUILLE PHOTO2O crítico com o qual você discorda

Garantidamente, e com muita frequência, filmes são interpretados como algo que não são, mas não dá pra posar de vítima nessa história. Aquele crítico cujo review você leu viu o filme de um jeito completamente diferente que você; aquele seu amigo do Twitter que foi surtar em várias mensagens de 140 caracteres, também; esse buzz todo que você está ouvindo sobre o último filme do diretor Fulano de Tal (e hype é uma coisa muito difícil de definir) é uma junção de opiniões e reflexões em cima de uma obra cuja percepção é fundamentalmente subjetiva; e sabe os executivos de estúdio, aqueles que engenham trailers, propagandas e escolhem os quotes de críticos para colocarem no cartaz? Eles vão pintar, infalivelmente, o filme mais vendável e universalmente apelativo que eles conseguirem dentro dos limites do que a obra em si os fornece.

É (ou deveria ser) dever do espectador, que não quer desrespeitar o filme que assiste, entrar na sala de cinema com só uma convicção e só uma intenção: se deixar levar por aquilo que o filme quer lhe mostrar. Mesmo que nem toda peça de cinema, especialmente o comercial, seja uma grande obra de arte, todas elas merecem essa prerrogativa porque são a expressão de uma visão sobre uma história. Todo roteiro, e cada escolha de direção, fotografia, trilha-sonora, cenografia e atuação são dotados de uma intenção em comum, e convergem para entregar ao espectador a mensagem, a sensação, a filosofia daquela trama. Um filme é o resultado do trabalho de centenas de pessoas a fim de dar vida a uma determinada narrativa, com um determinado conjunto de valores e manifestos. Quão justo é julgarmos um trabalho assim pelo que esperávamos que ele fosse, e não pelo que é? Com que direito desbancamos a visão de um artista para impor-lhe suposta má qualidade, só porque achamos que outro tipo de história deveria ter sido contada?

Claro que existem filmes que são mal-executados até naquilo que propõem. Claro que existem filmes que não resistem, por exemplo, a uma análise sobre suas atitudes em relação às personagens femininas, às políticas raciais, a todos os outros temas espinhosos com os quais, às vezes, os cineastas resolvem mexer – mas esse é exatamente o meu ponto. Quando realmente abordam esses assuntos, é justo julgar um filme pelo quão eficiente ele é em abordá-los. Dizer que a terceira temporada de American Horror Story errou ao não desenvolver as personagens negras (ou a maioria delas) antes de nos bombardear com sua chocante cena de chacina é válido, porque Coven claramente pretendia encarar a questão racial; dizer que Boyhood é racista por não incluir personagens latinos mesmo que se passe em um estado com muitos habitantes dessa etnia é ridículo, porque a história que o filme pretende contar não abarca questões étnicas e se concentra na vida íntima de uma família branca (discutir o porquê do arquétipo americano ser uma família branca de classe média é outra história, e muito maior que o filme do Linklater).

B7ZXYhWCEAEeoP-Um quiz rápido: você acha que essa família vive em um círculo social acessível para a maioria dos latinos trabalhadores dos EUA?

Entretanto, a coisa vai mais fundo, e ao mesmo tempo é mais trivial, do que isso. Até filmes que não ganham a temida acusação de “preconceituoso com minorias” são julgados de maneira cruel por qualquer espectador que entra em sua sessão com uma ideia pré-definida do que ele deveria ser. Nós sabemos que você queria que Malévola fosse um filme protagonizado pela vilã impiedosa da Disney, e não uma subversão dos próprios valores maniqueístas de A Bela Adormecida e uma história de amor fraternal desenvolvido através de anos de convivência e cuidado, mas quão bom o filme é em ser o que quis ser? Quão bem os recursos visuais casam com essa visão, as atuações dão vida ao texto como ele foi escrito e o quanto ele funciona em nos mostrar que bem e mal são relativos àquilo que escolhemos fazer com o que acontece a nós? Quão bom o filme é em contar a história que conta, do ponto de vista de quem conta? É justo julgá-lo por não atender a seus caprichos?

Não faz tanto tempo que eu descobri que ir ao cinema é uma experiência muito mais prazerosa se eu não acumular esses tais caprichos. Há um mundo saboroso de sensações e realizações artísticas para se observar quando estou livre dos desejos mesquinhos de consumidor e me deixo levar pela despretensiosa experiência de receber a mensagem – de ser, verdadeiramente, espectador. É uma visão terrivelmente limitada, e extremamente egoísta, a de quem considera qualquer expressão artística uma corrida para satisfazer suas vontades. Não só elas nunca vão ser atendidas por completo, como ele (nosso hipotético sujeito espectador) nunca vai se encontrar de verdade na experiência de ver um filme, sentí-lo como obra sensível que é, para só depois pensá-lo. Como qualquer experiência humana, a da narrativa é muito mais completa se você se entrega a ela.

MALEFICENTAbra sua mente: as vilãs também amam!

Person of Interest 4x14/15: Guilty/Q&A

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ATENÇÃO: esse review contem spoilers!

por Caio Coletti

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Na superfície, pode parecer que Person of Interest não é exatamente gentil com as suas personagens femininas. Quando entramos em “Guilty”, esse 14º episódio da temporada, a Detetive Carter está morta há um bom tempo, Shaw continua presa por Greer, e Root declarou suas intenções de deixar para trás o #TeamMachine por um tempo – ou seja, a série está em déficit de protagonistas mulheres. Surpreendente, então, que “Guilty” seja um episódio em que a presença feminina seja tão fundamental para a trama e, especialmente, para os arcos de personagem. Person se localiza em um mundo cruel em que as moças estão tão em risco quanto os garotos, mas também as faz duronas o bastante para encarar isso com maturidade e emprestar delicadeza emocional necessária para o desenvolvimento da narrativa.

O número-da-semana é Emma Blake (Blair Brown, de Fringe), uma professora aposentada que é convocada para participar de um júri popular junto, naturalmente, à Harold. Logo surgem evidências de que ela está sendo chantageada ou manipulada por alguém misterioso para influenciar na decisão final do julgamento. Não só Brown é uma atriz excelente que precisa urgentemente ser agraciada com papéis melhores como sua interação com Michael Emerson traz um paralelo interessante para o que o personagem representa para a série, ajudando a equilibrar e afinar a bússola moral sempre muito sólida de Person. Em seu cerne, Emma é uma mulher confrontada com a possibilidade de prevenir um acontecimento terrível, mas não sem consequências – quão semelhante à situação vivida pelos nossos protagonistas é esse dilema?

As outras duas presenças femininas do episódio são Paige Turco e Wrenn Schmidt, retornando à série como a sempre provocadora Zoe Morgan e a psicóloga Iris Campbell, respectivamente. As duas pontuam o arco de Reese e mostram atuações expressivas e reflexivas ao trabalho de Jim Caviezel, em plena forma enquanto seu personagem passa por um processo de luto que o leva a mudar alguns preceitos fundamentais sobre si mesmo. O retorno da personagem de Turco traz à tona a dura realidade do tipo de pessoa que Reese sempre encarnou, enquanto a psicóloga de Schmidt representa a possibilidade de uma válvula de escape, uma lenta transformação que sem dúvida vai ser aplicada nos próximos episódios.

Contornando bem os diálogos expositivos que são característica da série, o roteiro de David Slack (4x07, “Honor Among Thieves” – review) é um pedaço bem-pensado de televisão, contemplativo de seus personagens e muito pleno em termos emocionais. É bom ver que Person ainda se dá tempo para respirar de vez em quando.

✰✰✰✰✰ (4,5/5)

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1x15 – Q&A

Em seu 15º episódio da temporada (serão só 22, ao invés dos costumeiros 23, nesse quarto ano de Person), a série de Finch, Reese e cia escolheu o momento certo para começar a desenhar os acontecimentos que marcarão o final da season. Trazendo de volta uma personagem lá do segundo episódio, “Nautilus” (review), a trama nos dá mais um insight para entender as engrenagens e o plano maior do Samaritan, e por meio de que jogadores esse plano será executado. A virada de trama protagonizada por Claire Mahoney (Quinn Shephard), que a princípio procura por Finch parecendo arrependida de sua escolha de se juntar à inteligência artificial mais poderosa do mundo de Person, é convincente e não subestima a inteligência do espectador, deixando que ele rumine junto com os personagens as verdadeiras intenções da jovem Claire.

Ajuda que Shephard, cujo único papel anterior de destaque foi na série Hostages, empreste uma pronunciada veia rebelde à personagem, contradizendo a determinação de ferro que encontramos nela em “Nautilus” e nos fazendo acreditar no idealismo e insegurança que a caracterizam aqui. É trágico, no fundo, o arco de personagem pelo qual Claire passa, iludida pelas noções nada humanas de “um mundo melhor” vendidas pelo Samaritan. A interação dela com Finch é fundamental no sentido de passar a convicção, na qual se encontra o coração de Person of Interest, de que os humanos precisam resolver seus problemas de sua própria forma falha e vulnerável, e não com a ajuda de uma máquina que entende como números a complexidade de consequências e obstáculos que todos nós enfrentamos pelo caminho. A série da CBS se recusa a reduzir o nosso mundo a um cálculo matemático, e é aí que mora seu triunfo.

Paralelamente às tensas cenas protagonizadas por Finch e Mahoney, acompanhamos um “caso da semana” que só se conecta com a trama principal no final, mesmo que perifericamente. Difícil garantir que Person vá trazer de volta a executiva vivida por Heléne Yorke (conhecida e amada pelos fãs de Masters of Sex) para que essa storyline tenha uma consequência mais prática no desenrolar da trama, mas o conto sobre uma empresa de tecnologia que usa seu serviço de busca por voz (uma versão ficcionalizada da Siri) para manipular as emoções de seus clientes e fazê-los mais suscetíveis aos anúncios ainda é um dos casos mais tematicamente antenados com o mundo de Person dos últimos tempos. O roteiro de Dan Dietz usa essa parte do episódio para reiterar a reflexão da série sobre a conexão humana e o quanto ela é fundamental mesmo no século XXI; ou melhor, mesmo no mundo hiper-tecnológico de Person.

✰✰✰✰ (4/5)

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Próximo Person of Interest: 4x16 – Blunt (24/02)

17 de fev. de 2015

Gotham 1x15/16: The Scarecrow/The Blind Fortune Teller

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ATENÇÃO: esse review contem spoilers!

por Caio Coletti

1x15 – The Scarecrow

“The Scarecrow” é uma curiosa junção de partes em sua maioria bem executadas, mas que não funcionam tão bem juntas quanto aprendemos a esperar de Gotham. Desde a estreia, bons meses atrás, a série desenvolvida por Bruno Heller conseguiu equilibrar múltiplas tramas por episódio com a graciosidade de uma história verdadeiramente feita para acomodar um elenco grande de personagens e situações. De fato, essa foi uma qualidade fundamental para que a série construísse seu mundo de maneira tão rica e bem equilibrada, talvez a virtude que mais destacamos na primeira metade da temporada. No roteiro de Ken Woodruff (1x04, “Arkham” – review) para esse 15º episódio, as coisas não se encaixam tão bem, mas é prova da consistência de Gotham como produto televisivo que nem por isso a série desmorone completamente.

A setpiece principal do episódio é a caçada à Gerald Crane (Julian Sands, que vai deixar saudades), que se entocou na antiga casa de sua família com o filho Jonathan após fugir das garras dos nossos protagonistas no episódio anterior. Lá, ele realiza experimentos injetando hormônios do medo direto no próprio sangue, o que no mundo de Gotham aparentemente ajuda a pessoa a superar sua maior fobia – no caso de Crane, trata-se do fogo, especialmente daquele que matou sua esposa em um acidente anos atrás. Essa seção do episódio, tanto antes quanto depois dos detetives encontrarem e darem um fim ao empreendimento de Crane, é filmada e concebida como um filme de horror iconoclasta que passeia pelo lado certo do pulp e dá uma história de origem assustadora para o vilão mais legitimamente aterrorizante de Batman (ajuda que o jovem Charlie Tahan embarque bem no clima da história, e entregue uma performance intensa).

Outra seção do episódio que funciona muito bem é a que se concentra em Bruce e Alfred. Como sempre ancorada nas atuações acertadíssimas de David Mazouz e Sean Pertwee, que funcionam ainda melhor quando juntos em cena, a trama leva o jovem Batman para uma caminhada pela floresta que se parece com uma forma de enfrentar o luto pela morte do pai (uma vez que o mesmo caminho era percorrido pelos dois antes do incidente do piloto da série). O roteirista Woodruff acerta em manter as coisas simples e observar o personagem se movimentar por um arco emocional muito bem desenhado e extremamente satisfatório para o espectador, ao mesmo tempo em que o diretor Nick Copus (Arrow) filma essas cenas com uma fotografia contemplativa e pouco colorida, não deixando o melodrama suplantar os elementos sombrios da história de Bruce.

Os dois momentos em que o episódio não se sustenta são quando conta a história de Fish, que acorda desorientada em uma espécie muito enigmática de cadeia e faz tramoias para tomar o poder dentro da espelunca; e quando se concentra na negociação entre Maroni e Falcone pela vida de Pinguim, que está prestes a abrir seu clube noturno. Há algo na execução dessas storylines que parece barato, apressado e pouco lisonjeiro ao bom trabalho que Jada Pinkett Smith e Robin Lord Taylor sempre fizeram em seus personagens. Ao todo “The Scarecrow” é um episódio bem-intencionado que não deixa Gotham perder o rumo, mas não sabe muito bem o que fazer com todas as boas ideias que tem em mãos.

✰✰✰✰ (3,5/5)

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1x16 – The Blind Fortune Teller

Coincidentemente, “The Blind Fortune Teller” tem muito a ver com “The Scarecrow” no contexto maior de Gotham, o que só depõe a favor da unidade e propósito bem-definidos da série. Tanto um quanto outro episódio parecem uma antítese daquilo que Gotham vinha apresentando até agora, se distanciando um pouco do ambiente tóxico da metrópole que a batiza e passando a analisar o nascimento de vilões que devem muito pouco da sua loucura a seus arredores. A princípio, a série da FOX se mostrou um épico bem ambientado, que contava a história de uma cidade tanto quanto contava a história dos personagens que a marcaram nos quadrinhos. A população de personagens de Gotham continua aumentando, não me entendam mal, e esses novos elementos adicionam detalhes ricos ao cenário, mas a série perde um pouco da solidez de sua premissa quando introduz esses novos personagens sem conectar suas origens aos males de Gotham City.

Nesse contexto o foco na parte procedural policial da série também perde um pouco da contundência, parecendo por vezes um acessório até inconveniente àqueles momentos que realmente desejamos ver acontecerem. Gotham era uma narrativa mais coesa quando tentava analisar as estruturas internas da cidade e detectar a corrupção mais arraigada, a filosofia propensa à maldade, à tragédia e à loucura, que permeava todas as instituições de lá – além de tudo, ainda eram boas oportunidades para Ben McKenzie brilhar.

Mesmo com todos esses poréns, “The Blind Fortune Teller” continua sendo um episódio empolgante para quem assiste Gotham pela sua visão sempre acertada de gênero e encenação nas origens dos personagens que conhecemos em uma mídia completamente diferente. Alardeado por ser a introdução do Coringa no rol de vilões da série, o episódio faz um bom trabalho de casting ao chamar Cameron Monaghan (Shameless) para o papel. O ator captura os trejeitos conhecidos do vilão e traduz bem o diálogo do roteirista/developer Bruno Heller, deixando que os close-ups em seu rosto no momento em que a psicopatia do personagem é revelada transmitam a dose certa de perturbação e sadismo. O episódio acerta ao não inventar uma história trágica para o personagem, pegando o espectador de surpresa (ou quase isso) ao mostrar o distanciamento emocional que ele sente pela própria mãe.

Nas beiradas do episódio assistimos Pinguim tendo problemas com a administração da boate de Fish, e recebendo a improvável ajuda de Butch – hipnotizado pelas “experiências mentais” de Victor Zsasz; e a própria Fish trabalhando para virar o jogo ao descobrir que a tal cadeia em que estava presa é na verdade um campo de concentração para doadores de órgãos. Esse primeiro subplot provém as divertidas e medicinais doses de pulp do episódio (Robin Lord Taylor agradece!), enquanto o segundo se apóia em uma ideia nada original e no carisma de Jada Pinkett para funcionar. A nossa torcida é para que Fish esteja de volta à Gotham City o quanto antes, e que a própria série siga a dica e volte a explorar as reentrâncias dessa cidade fascinante – mas não faz mal se divertir um pouco enquanto isso.

Notinhas adicionais:

  • Mark Margolis, indicado ao Emmy por Breaking Bad e recente guest-star de Constantine, arrebenta como o “vidente cego” do título.

✰✰✰✰ (4/5)

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Próxima Gotham: 1x17 – Red Hood (23/02)

16 de fev. de 2015

The Americans 3x02/03: Baggage/Open House

THE AMERICANS -- "Baggage" Episode 302 (Airs Wednesday, February 4, 10:00 PM e/p) Pictured: Matthew Rhys as Philip Jennings. CR: Michael Parmelee/FX

ATENÇÃO: esse review contem spoilers!

por Caio Coletti

3x02 – Baggage

Durante os 45 minutos de “Baggage”, este que vos fala perdeu as contas da quantidade de takes de portas sendo fechadas, trancas sendo acionadas ou soltas, pessoas presas atrás de vidros, grades ou paredes, que compõem o episódio. O tema quase obsessivo registrado pela câmera do diretor Daniel Sackheim, em sua terceira colaboração seguida com a série, tem muito a ver com o que “Baggage” quer nos dizer, no contexto da terceira (e já excepcional) temporada de The Americans. Como o episódio intensamente claustrofóbico e quase completamente passado em ambientes interiores que é, ele parece querer nos traduzir em visuais as várias prisões em que esses personagens se trancam. Seja na vida doméstica de faz-de-conta (ou não?) de Elizabeth e Phillip, seja no cárcere literal em que Nina está metida, é como se cada ambiente fechado retratado pelo diretor fosse uma reflexão dos traços de personalidade, da determinista construção pessoal de cada um desses seres humanos.

De certa forma, essa tese é quase uma resposta direta à “EST Men” (review), que pareceu celebrar, do seu jeito particular, as virtudes de viver desprendido dos hábitos e das determinações do passado. “Baggage” quer nos dizer que esses hábitos e essas determinações são a mais pura essência do que nos faz quem somos, para o bem ou para o mal. Materializada em imagens da forma como está no episódio, essa noção é inescapável, e é a prisão mais cruel com a qual precisamos todos lidar dia após dia – e “Baggage” é ótima em mostrar o quanto seus personagens adorariam fugir disso: seja o Agente Beeman e sua mania de esconder as emoções fundo dentro de uma armadura de impassibilidade, o que ele descobre ser o real motivo do afastamento de Sandra (em uma cena lindamente interpretada por Noah Emmerich e Susan Misner); Elizabeth, que foi ensinada pela mãe a ser dura e colocar a “missão” (a ideia, o país, etc) acima da individualidade e da possibilidade dar uma vida tranquila e diferente para sua filha; ou mesmo Phillip, que gostaria de fugir das complicações do casamento entre ele e Elizabeth e viver independente da guerra de ideologias que povoa, ainda, a sua cabeça e a sua rotina.

Todas essas características, e essas circunstâncias em que viveram e vivem, são fundamentais para esses personagens serem quem são, e The Americans tira uma dolorosa amargura disso. “Baggage” é um episódio em certos momentos chocante, terrivelmente trágico e, ainda por cima, contido e silencioso da forma que só essa série conseguiria ser. Pensado e atuado como uma verdadeira elegia a essa vida sombria que os personagens levam, é também uma das melhores peças de televisão do ano até agora, e o mais impressionante é que não será surpresa se a própria The Americans se superar nas próximas semanas. Nem o céu é o limite para a história dos Jennings.

✰✰✰✰✰ (5/5)

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3x03 – Open House

Há algo de brutal em “Open House” que reflete um pouco da intimidade e proximidade com os personagens que The Americans criou nesse terceiro ano. É difícil imaginar a série que estreou em 2013  nos mostrando momentos como o desmembramento e descarte do corpo de Annelise, que foi parte fundamental de “Baggage”, e a agoniante sessão de extração dental entre Phillip e Elizabeth nesse “Open House”. Essa queda na resistência às estratégias de choque do espectador não faz de The Americans uma série barulhenta ou tampouco menos sutil do que sempre foi, mas nos ajuda a entender o mundo em que esses personagens vivem, e a forma como o relacionamento entre eles e as tribulações em suas mentes se desenvolvem. A trama da FX encontra um jeito de incluir largos subtextos mesmo nesses momentos em que trazem a emoção da trama à flor da pele, e o resultado é que a densidade da narrativa só ganha com isso.

O roteiro de Stu Zicherman (2x10, “Yousaf” – review) faz hora extra ao trabalhar todo esse conteúdo emocional ao mesmo tempo em que move a trama da temporada adiante com agilidade. Em “Open House”, vemos os Jennings se aproximando dos integrantes da comissão da CIA para o Afeganistão, e quase sendo apanhados pelo FBI no processo – é especialmente enervante a sequência em que Elizabeth fica sozinha no carro sendo perseguida pelos agentes governamentais, dirigida com um senso de dinâmica cênica único por Thomas Schlamme (2x01, “Comrades” – review). Enquanto o cerco aos nossos protagonistas se fecha, o episódio faz pequenos avanços na frente doméstica da trama, enfrentando de frente a discordância ideológica entre Phillip e Elizabeth quanto ao recrutamento de Paige.

É justamente essas entrelinhas que se refletem na notável cena em que marido e mulher se juntam para um procedimento dentário de emergência, se é que podemos chamá-lo assim. O close-up nos olhos de Matthew Rhys e Keri Russell revela mais que todos os diálogos entre os dois já fizeram, estabelecendo, mesmo que sutilmente, um jogo de algoz e vítima, uma espécie de punição física pelos conflitos emocionais que os dois passam e passaram durante todos os três anos de série. The Americans entende esse casamento também como um jogo de poder, e deixa isso claro de sua maneira muito particular, extrapolando as tensões de um episódio fervilhante em uma cena que vem como um choque para o espectador.

Poucas vezes em sua curta história The Americans foi tão ousado, e tão bem-sucedido no que se propôs.

✰✰✰✰✰ (4,5/5)

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Próximo The Americans: 3x04 – Dimebag (18/02)

11 de fev. de 2015

Review: “Sr. Turner” exige paciência, mas as recompensas são fartas

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por Caio Coletti

Mesmo que de sua forma muito peculiar, Sr. Turner é mais um dos grandes filmes de 2014 que desafia a predileção do espectador contemporâneo por plots super-inflados, satisfação narrativa imediata, acontecimentos verdadeiramente impressionantes em tela. Não há nada de errado em fazer um filme com muitas reviravoltas, que quer dizer grandes coisas e faz questão de dizê-las em alto e bom som, mas há algo de muito lindo na sutileza de cineastas como Mike Leigh (diretor deste) e Richard Linklater (de Boyhood), capazes de criar obras contemplativas, que exigem a atenção do espectador e, justamente por isso, podem ser melhor apreciadas por aqueles que lhe dão essa atenção, sem titubear. O novo filme do britânico Leigh, conhecido por dramas intensos como Vera Drake e comédias espertas como Simplesmente Feliz, é uma biografia de arte em muitos sentidos tradicional, que toma 2h30m do tempo de quem o assiste e não tem medo de preencher uma parte delas com momentos muito mais sensoriais do que simplesmente práticos para a trama.

Nada mais justo, inclusive, quando o biografado é o pintor inglês J.M.W. Turner, ele mesmo um mestre na arte de traduzir em tinta (e gema de ovo, e achocolatado, e farinha, e cuspe…) as sensações que as cores e as formas do mundo passavam. Conhecido primariamente como um pintor de paisagens, Turner ficou famoso como o mais proeminente de uma escola que precedeu os célebres impressionistas, com suas telas que traziam luz e movimento à cenas gigantescas de pôr-de-sol, tempestades e outras vistas naturais. O que Mike Leigh e seu diretor de fotografia, o contumaz colaborador Dick Pope (O Ilusionista), fazem de maneira genial é inserir o homem, o autor dessas imagens impressionantes, no mundo que ele retratou. Da longa tomada inicial que contempla um campo e um moinho até a perturbadora imagem de uma garota afogada perto do fim do filme, o trabalho de Pope é uma obra de arte para ser apreciada à parte, e ao mesmo tempo parte fundamental do que faz de Sr. Turner um filme tão belo.

No entanto, a satisfação que o filme traz não é nem de longe confinada a seus prazeres estéticos, uma vez que Leigh, um cineasta-roteirista por excelência, faz questão de incluir muitas reflexões e metareflexões dentro da história do seu biografado. Conhecido pelo método pouco convencional de preparação (Leigh faz workshops com os atores por meses, incluindo no roteiro final materiais improvisados por eles nessas sessões), o britânico amarra uma história que tem a mesma casualidade narrativa de suas empreitadas anteriores, mas uma completude temática muito mais definitiva. A intimidade que Leigh e o elenco ganha com os personagens permite que Sr. Turner seja uma visão de dentro para fora do mundo de um artista, retratando de forma espirituosa como o mundo da arte sempre foi governado por fofocas, intrigas e personalidades gigantescas colidindo. O filme parece questionar a forma como vemos uma obra de arte ao mesmo tempo que mostra o quão humanos são os artistas, que em grande parte fomentam essa percepção superficial e mesquinha da produção de cada um deles.

Para não se privar de uma discussão mais humana (e aqui é quando o leitor começa a entender porque Sr. Turner precisava dessa metragem incomum de 2h30m), Leigh olha para a vida do homem que biografa com a ambivalência típica do século XXI e seu apreço por anti-heróis. Extremamente sensível e uma presença transformadora quando precisa ser, Turner era também uma criatura de impulsos egoístas, capaz de negar a existência de sua própria família, e que colocava a preocupação com sua arte acima de qualquer conveniência ou trato social. É através da extraordinária performance de Timothy Spall, merecidamente premiado como Melhor Ator em Cannes, que Turner se torna um personagem tão recompensador quanto o filme em que está inserido, em uma conjunção de espíritos notável. O londrino, que ficou conhecido como o Rabicho da franquia Harry Potter, combina linguagem corporal incômoda, um constante grunhido que acompanha todos os diálogos do filme, e a expressividade delicada e intrinsicamente trágica de um ator que entende seu personagem de forma profundamente humana e com extraordinária compaixão. Leigh o cerca de outras performances brilhantes, especialmente das moças Dorothy Atkinson (Call the Midwife) e Marion Bailey (Him & Her), mas Spall brilha absoluto no centro do filme.

Por baixo de sua superfície classista, de forma muito parecida com o seu biografado, Sr. Turner esconde um mundo de maravilhas técnicas e profundidades temáticas. É um filme que precisa ser visto e reconhecido, mas que pede um cuidado e uma paciência que poucos espectadores serão capazes de dar-lhe – pena, porque assim como vários trabalhos do seu personagem-título, Sr. Turner é uma verdadeira obra-prima.

✰✰✰✰✰ (5/5)

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Sr. Turner (Mr. Turner, Inglaterra/França/Alemanha, 2014)
Direção e roteiro: Mike Leigh
Elenco: Timothy Spall, Paul Jesson, Dorothy Atkinson, Marion Bailey, Lesley Manville, Martin Savage
150 minutos

9 de fev. de 2015

Person of Interest 4x13: M.I.A.

Person of Interest - Episode 4.13 - M.I.A. - Promotional Photos

ATENÇÃO: esse review contem spoilers!

por Caio Coletti

Na televisão aberta americana atual, só Person of Interest, entre todas as narrativas movidas essencialmente por plot, seria capaz de entregar um episódio como “M.I.A.”. E a categorização de “série movida por plot” é importante porque a maioria dos shows realmente bons da TV americana, hoje, são de certa forma parecidos com The Good Wife, por exemplo, que é um procedural cuja narrativa maior é movida por arcos de personagem. Não é que em Person eles importem menos, mas basta observar a série nesses últimos quatro anos para notar que sua força propulsora, o motivo da rota que ela constrói para chegar a uma linha final, é a trama – dos questionamentos sobre natureza da Machine até a guerra entre ela e Samaritan, passando pela discussão sobre privacidade, paranoia e conexão humana no nosso tempo. Justamente por isso o fato de a série da CBS continuar fazendo episódios como esse 13º da quarta temporada é ainda mais impressionante.

“M.I.A.” é eletrizante como procedural, mas é ainda mais como exercício narrativo. Depois de quatro longos anos construindo sua bússola moral, Person ainda é capaz de questioná-la e, eventualmente, fazer seus personagens teoricamente heroicos jogarem ela para o alto e chocarem o espectador com os seus atos. Não é um choque vazio, no entanto, porque Person seria incapaz de um truque tão barato – quando Root interroga violentamente uma testemunha mesmo que tudo indique sua inocência, é sobre as próprias falhas da natureza humana que a série quer falar. Movida por uma ira descontrolada e pelo instinto quase gutural de seguir procurando por Shaw, a personagem de Amy Acker (na sua melhor atuação na série até aqui, hands down) se esquece de retidões morais e da complicada relação de distanciamento e empatia que o #TeamMachine precisa manter com o mundo que “protege”, a fim de não se tornar como seus próprios inimigos. É um momento muito real e intenso de Person of Interest, que ressoa por todo o restante do episódio, e empresta credibilidade a essa história cada vez mais digna de ficção científica que a série está se tornando.

A busca de Reese e Root por Shaw é só metade do episódio, mas continua a tendência de serialização que Person praticamente introduziu (ao menos nessa escala) ao procedural contemporâneo, contornando com graciosidade e propósito narrativo o afastamento de Sarah Shahi da série, devido a uma gravidez. Ao menos nos conhecimentos desse que vos fala, nenhuma outra série na história recente usou um problema de casting tão eficientemente no desenvolvimento dos personagens e na continuidade da trama. O affair todo em torno do desaparecimento de Shaw, o proverbial gato de Schrödinger de Person, parece muito oportuno para o momento que a série está vivendo, os desafios que precisa colocar frente a seus protagonistas e o drama que precisa criar para suportar as diversas linhas narrativas que conduzirão ao final da temporada, daqui há 9 semanas.

Paralelamente a tudo isso, ainda acompanhamos um caso-da-semana capitaneado por Fusco e Silva (a policial-em-treinamento que apareceu em “Point of Origin” – review), o que, desnecessário até dizer, é uma boa oportunidade para ver Kevin Chapman e a ótima Adria Arjona contracenando. A caça a um assassino de aluguel improvável das gangues criminosas não só rende bom entretenimento e nos dá a localização de uma personagem recorrente interessantíssima, como também se conecta com o tema do episódio ao mostrar os limites e as fardas do heroísmo, e onde mora o limite dele. Como toda boa (quase-)ficção científica, Person é ótimo em nos mostrar quem almejamos ser, quem esperamos nunca nos tornar e, principalmente, quem já somos.

Notinhas adicionais:

  • De forma típica de Person, porque a série é obcecada em mudar as regras do jogo, o gato de Schrödinger sai da sua caixa (entendedores entenderão) numa ceninha no final do episódio. O mais bacana é que a série se permite observar os efeitos dramáticos da dúvida nos personagens e, ao mesmo tempo, nos dar mais uma amostra da forma destemida com a qual os roteiristas encaram o processo de storytelling.

✰✰✰✰✰ (4,5/5)

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Próximo Person of Interest: 4x14 – Guilty (10/02)

8 de fev. de 2015

Gotham 1x14: The Fearsome Dr. Crane

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ATENÇÃO: esse review contem spoilers!

por Caio Coletti

“The Fearsome Dr. Crane” é uma peça consideravelmente empolgante de televisão, com seus 44 minutos ultra-dramáticos, cheios de imagens icônicas, um tipo de humor que só Gotham poderia ter e a representação dos personagens nos momentos que melhor definem quem eles são. Já na segunda metade de sua temporada de estreia, a prequel para as aventuras do herói mais famoso da DC Comics forjou uma espécie de identidade própria imprevisível, mas ao mesmo tempo muito sólida. É pouco provável que alguma coisa nos próximos meses seja mais pulp que “The Fearsome Dr. Crane”, um episódio que termina com Fish Mooney e (o que presumimos ser) um pirata de alguma milícia africana se preparando para o combate físico à bordo de um navio – mas é pouco provável, também, que algum episódio de televisão vá fazer tanto desenvolvimento de trama quanto esse.

O caso da semana, como o título denuncia, se conecta com o futuro supervilão Espantalho, o mesmo que foi interpretado memoravelmente por Cillian Murphy em Batman Begins. No entanto, não é o próprio Jonathan Crane, ainda um adolescente encarnado por Charlie Tahan (Eu Sou a Lenda), que é o algoz de “The Fearsome Dr. Crane” – esse papel cabe ao seu pai, um cirurgião interpretado por Julian Sands (Crossbones, Banshee) que sequestra suas vítimas em um grupo de apoio à pessoas com fobias e confronta-as com seus mais arraigados medos, a fim de estudar as reações químicas que ocorrem nos seus corpos. O episódio ganha muito tendo Sands em cena, e é empolgante saber que o Dr. Crane ainda estará ao menos no próximo capítulo – o ator tem um talento inato para expressar a loucura de um vilão quadrinesco como esse, combinando um senso muito agudo de kitsch com a encarnação das perturbações desse indivíduo. Sands não se leva muito a sério, mas sabe que seu personagem sim.

A investigação do caso abre espaço para Harvey ter seu primeiro interesse amoroso, em uma provável próxima vítima do Dr. Crane, e a química entre o sempre ótimo Donal Logue e Maria Thayer (Ressaca de Amor) ajuda a vender melhor as outras duas tramas românticas do episódio. O roteiro de John Stephens (“The Balloonman” – review) ajuda a explorar Ben McKenzie e Morena Baccarin em cena, desenvolvendo o casal Gordon-Thompkins com tintas de sinceridade e uma boa fundação de charme. Ao mesmo tempo, o excêntrico cortejo entre Ed Nygma e Kristen Kringle é fundamental no sentido de adicionar outras dimensões ao personagem de Cory Michael Smith, que faz um trabalho cômico exemplar com o material nem sempre abundante que a série lhe dá. O futuro Charada de Gotham se desenha ao mesmo tempo como uma inesgotável fonte de humor e uma figura um tanto trágica, que com certeza vai assombrar o futuro de Bruce Wayne e cia.

Do outro lado da trama, observamos o Pinguim sair de mais uma situação espinhosa quando Maroni finalmente descobre que ele esteve trabalhando para Falcone o tempo todo, como o espectador ficou sabendo em “Penguin’s Umbrella” (review). Essa trama gera os visuais mais quadrinescos do episódio, as situações mais satisfatórias, em uma dimensão visual e dramática, para o espectador. Seja o desesperado Robin Lord Taylor fazendo uma ligação salvadora de telefone quando o carro em que está trancado está prestes a ser esmagado em um ferro-velho, seja a escapada do futuro vilão (em um ônibus cheio de velhinhas religiosas cantando gospel), tudo aqui é feito para impressionar de forma superficial, tanto quanto a sequência flashy e deliciosa protagonizada por Fish no final do episódio.

Mesmo com essas tendências, Gotham nunca coloca estilo acima de substância, e “The Fearsome Dr. Crane” ainda é um pedaço de televisão cheio de resoluções, que enfrenta problemas e situações com as quais a trama de Gotham teria de lidar eventualmente, e sai delas com um senso de propósito renovado.

✰✰✰✰✰ (4,5/5)

GOTHAM: Jada Pinkett Smith as Fish Mooney in the "The Fearsome Dr. Crane" episode of GOTHAM airing Monday, Feb. 2 (8:00-9:00 PM ET/PT) on FOX. ©2015 Fox Broadcasting Co. Cr: Jessica Miglio/FOX

Próximo Gotham: 1x15 – The Scarecrow (09/02)

Os 15 melhores álbuns do semestre

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Chegamos! Atrasados como sempre, mas chegamos. Nossa já lendária (e nada pretensiosa) lista de melhores álbuns do semestre dessa vez foi selecionada por votos de quem acompanha O Anagrama, angariados no Facebook do blog e de outros colaboradores. A seleção final foi essa que você acompanha aí embaixo, com reviews de vários autores para garantir a diversidade de visões sobre esse semestre tão rico para a música (especialmente a pop). Destaque para os vocais femininos, que dominam 13 dos 15 selecionados aqui, mas vamos deixar vocês conferirem sozinhos:

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1000 Forms of Fear
Lançamento:
04 de Julho
Gravadora: Monkey Pussle, RCA
Produção: Chris Braide, Greg Kurstin, Diplo, Jesse Shatkin
Duração: 48m41s

por James

Após longa caminhada e tropeços em seus quase 15 anos de carreira, Sia apresenta álbum completo e expansivo. Para quem ouve a australiana pela primeira vez com este novo álbum 1000 Forms of Fear, pode soar como uma nova diva que perambula entre o holofote e os bastidores, mas esta já definia desde 2008, em seu também muito aclamado Some People Have Real Problems suas veias para o pop. Diferente das outras compositoras que saem do anonimato e começam a estrelar suas próprias carreiras solo, Sia fez o caminho contrário.

De uma longa divulgação e turnê em 2010 do mediano We Are Born, álbum que foi preenchido de registros e composições muito antigas da cantora, a tímida e muitas vezes desajeitada cantora se fechou nos bastidores, na composição para outros artistas pop como Rihanna, David Guetta, Britney Spears e, pasmem, chegou até a flertar com o novo trabalho do camaleão David Bowie, dizendo-se assim “aposentada” da carreira. O tiro de Sia para o escuro acabou na verdade clareando toda a sua carreira.

Emprestando vocais para faixas poderosas como “Titanium”, “Dim The Lights” e “She Wolf”, e dona de hits dublados por Rihanna, como em “Diamonds”; e Britney Spears, como “Perfume”, era quase que uma charada se Sia lançaria outro álbum. 2 anos de preparação, sessões com o produtor e compositor Greg Kurstin e sua mãe, também musicista, Loene Furler, Sia traz à luz um álbum com visual artístico obscuro. Faixas com refrão pesado e poderoso, muitas vezes gritado e em outras, sussurrada. “Chandelier” (abaixo), sua mais célebre composição, retrata a tentativa de suícidio em 2012. Em outras faixas, como “Burn The Pages”, “Free The Animal” e “Cellophane”, Sia recupera trechos marcantes de suas baladas anteriores, incorporando batidas mais pesadas e dançantes. 1000 Forms of Fear é uma viagem de auto conhecimento e sofrimento, da própria cantora, que cativa e conquista seus antigos fãs, e com certeza, muitos outros novos.

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Trouble in Paradise
Lançamento:
18 de Julho de 2014
Gravadora: Polydor
Produção: Elly Jackson, Ian Sherwin, Al Shux
Duração: 41m27s

por Caio Coletti

Trouble in Paradise é um álbum pop de tirar o fôlego – e não é por acaso que entre todas as expressões elogiosas que viraram chavões entre os críticos, eu escolhi justamente essa para definir a segunda obra (em seis anos) de Elly Jackson. Dizer que as nove músicas do disco roubam o oxigênio do ouvinte é escrever um testamento aos sintetizadores envolventes e obsessivamente curados da moça, e também uma forma de resumir em uma expressão de fácil acesso a sensação de urgência que, mesmo sendo uma obra tão adiada, o álbum consegue passar.

Abrir com “Uptight Downtown” ajuda, o mais perto de uma canção de protesto que tivemos no pop nos últimos tempos. Questionadora, incansável, movida pelo baixo inclemente que impulsiona essa nova La Roux, a canção olha com espanto para a força mordaz que moveu os jovens londrinos a encherem as ruas em 2011, e no caminho reflete uma vontade de identificar e se juntar a essa energia que foi tão marcante nos últimos anos, no mundo todo (“How can all these people have so much to prove?”). Desde os primeiros minutos, Trouble in Paradise é a obra mais atual, imediata e importante do ano.

Seguindo o mesmo espírito que a ajudou a retirar o cerne da música oitentista para produzir o álbum que define o revival daquela década, La Roux olha para um aspecto dos anos 90 que passou batido pela maioria dos artistas que estão trazendo-os de volta. “Tropical Chancer” e “Sexotheque” são a visão mais completa do que a última década do século XX significou para a produção musical, carregando consigo a obsessão pelo exótico e pelo estrangeiro, o multiculturalismo, a sexualização do kitsch e, ao mesmo tempo, a obsessão pela elegância das batidas constantes do início da música tecno.

Trabalhando sem a ajuda de Ben Langmaid, o parceiro do primeiro disco, Jackson cria uma obra extremamente pessoal e atual (“Paradise is You” é um exorcismo dos stresses pelos quais ela passou nos últimos anos; “Cruel Sexuality” é uma canção complexa sobre as complexidades de ser bissexual no século XXI), ao mesmo tempo em que aborda temas universais e eleva o jogo retrô do pop a um novo nível. Trouble in Paradise é um álbum cheio de tribulações, mas fala em última instância sobre liberdade, como deixa claro o single “Let me Down Gently” (abaixo): “And I hope it’s siking in/ That behind your perfect skin/ There’s a part of you that’s free”.

FKA-twigs-LP1

LP1
Lançamento:
06 de Agosto
Gravadora: Young Turks
Produção: Arca, Clams Casino, Cy An, Paul Epworth, FKA Twigs, Emile Haynie, Dev  Hynes, inc., Sampha, Tic
Duração: 40m46s

por Caio Coletti

Segundo a Rolling Stone Brasil, que colocou o LP1 em 19º na sua lista de 25 melhores álbuns internacionais de 2014, “não houve disco mais sexy em 2014 do que o trabalho de estreia de FKA Twigs”. O veredito é mesmo incontestável, com o single “Two Weeks” (abaixo) liderando uma coleção de canções confiante e lânguida, que mistura referências distintas em um todo que apresenta a artista estreante para o mundo como se já estivesse pronta para marcar a iconografia pop da sua época.

Sim, porque apesar dos pendores para o experimentalismo, o cerne de Twigs é indiscutivelmente pop. Cheio de ganchos e melodias prontas para se infiltrar na memória do ouvinte, o LP1 é um ensaio em como ser acessível e diferente ao mesmo tempo. Ecos de Björk passeiam pela construção de algumas faixas, especialmente a fase mais recente da islandesa, que ecoa nas batidas fragmentadas e trechos cantados quase a capella de “Pendulum” – mas FKA faz música de uma maneira muito mais sedutora do que Björk, uma artista notadamente despreocupada em agradar o público.

“Numbers” marca o uso mais eficiente da voz extraordinariamente projetada de Twigs, que atinge agudos inéditos no refrão e mostra certa vulnerabilidade nas notas mais baixas, entregues com uma rouquidão de fundo que aparece lindamente também em “Lights On”. A sexualidade da britânica é pintada com tons de submissão por vezes, o que pode alarmar as feministas, mais FKA mostra mais do que o suficiente de controle sobre a própria libido e a própria expressão sexual para compensar.

Ela deve bastante também ao R&B contemporâneo de artistas como The Weeknd, uma influência óbvia na primeira (mais animada) parte do disco, especialmente em “Hours”. Nessa mistura armada por um time extenso de produtores, o elemento de coesão é a própria Twigs, uma personalidade cintilante que ultrapassa os limites sonoros do álbum para se materializar na mente do ouvinte. Além de sexy, nenhum disco foi mais sinestésico em 2014 do que LP1.

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Goddess
Lançamento:
05 de Setembro
Gravadora: Harvest
Produção: Tim Anderson, Lil Silva, Justin Parker, Jesse Rogg, Shlohmo, Al Shux, Sohn, Totally Enormous Extinct Dinosaurs, Jamie Woon
Duração: 59m37s

por Willian Carrilo

A californiana Jillian Rose Banks, que diz ter como principais inspirações Lauryn Hill e Fiona Apple, deu seu pontapé inicial em 2013 e não demorou muito para que conseguisse chegar aos milhares de plays em sua conta no SoundCloud. No mesmo ano em que lançou seu primeiro EP já teve seu nome citado na Billboard e sua musica usada em um comercial da Victoria’s Secret. A fama chegou antes mesmo do lançamento de seu primeiro álbum em 2014 Goddess.

A pegada trip-hop esta presente no álbum quase que inteiro assim como as letras melosas com uma pitada de agressividade. Um ponto muito interessante no álbum inteiro é a falta de complexidade nas musicas, Banks consegue ser altamente parecida com FKA Twigs, mas ao mesmo tempo suas musicas não contem a excessiva leva de sons por segundo.

Goddess conta com incríveis produtores (SOHN, Lil Silva, Totally Enormous Extinct Dinosaurs), que fizeram mais do que algo bom. Mais um ponto a ser citado sobre a produção é que o nome de quem produziu não grita no meio da musicas (acontece muitas vezes com o Diplo) – é interessante a maneira como o álbum inteiro soa homogêneo, como se até as musicas antes lançadas tivessem sido feitas para ele.

Banks e seu primeiro álbum é sem dúvida alguma um must listen da musica atual, um debut que consegue chegar onde esta indo, e mais do que indica: grifa e sublinha isso!

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Hozier
Lançamento:
19 de Setembro
Gravadora: Rubyworks/Island
Produção: Rob Kirwan
Duração: 53m26s

por Rubens Rodrigues

Você sabe que precisa prestar atenção em um artista quando a primeira música de trabalho é algo relevante como "Take Me to Church" (abaixo). Utilizando-se da intolerância religiosa como temática, a canção, que já havia sido lançada no EP homônimo em 2013, viralizou com o videoclipe de narrativa forte, fazendo referência clara aos acontecimentos que marcaram a comunidade LGBT e falta de políticas sociais relacionadas na Rússia.

Lançado em setembro de 2014, o álbum de estreia de Andrew Hozier-Byrne, ou simplesmente Hozier, confirma as expectativas de quem esperava algo tão acertado quanto as músicas lançadas no ano anterior. Embora o belíssimo single que impulsionou sua carreira ainda seja a melhor canção no registro, Hozier traz uma série de composições fortes e arranjos bem trabalhados que misturam sabiamente blues e folk com uma pegada indissociável ao rock.

As letras profundas ganham ainda mais destaque com a voz forte do músico, como fica perceptível em faixas como "To Be Alone", uma crítica aos hinos populares de cultura ao estupro, e "Sedated", uma espécie de pedido de salvação das drogas. Claro que nem tudo é espinho na trajetória musical do irlandês, que traz momentos menos obscuros como a espirituosa "Someone New".

Com um dos melhores álbuns do ano, Hozier ainda garantiu indicações no Grammy Awards, além de ter sido o responsável pelo single mais executado no Spotify em 2014. Basicamente, é o tipo de música que toca, e se ouvida com cuidado, faz pensar. O talento, portanto, é inegável. Um registro que merece crédito do primeiro ao último minuto, não que você vá querer parar de escutar.

Tove-Lo-Queen-Of-The-Clouds-2014

Queen of the Clouds
Lançamento:
24 de Setembro
Gravadora: Island
Produção: The Struts, Klas Ahlund, Mattman and Robin, Lucas Nord, Ali Payami, Alx Reuterskiold, Mike “Scribz” Riley, Kyle Shearer, Captain Cuts
Duração: 43m29s

por Marlon Rosa

Quem passa horas entrando em vários sites e vasculhando a internet por uma banda, música ou cantor novo já deve conhecer o VEVO DSCVR, um canal da VEVO no YouTube que tem por objetivo dar aquele empurrãozinho para artistas em ascensão. Foi no ano passado que em uma das minhas visitas sabáticas ao canal me deparei com Tove Nilsson, uma cantora e compositora sueca de 26 anos. Fazia meu tipo de cantora, admito, impossível de não clicar e ouvir a música intitulada "Habits" (abaixo), que fora lançada em Março de 2013 e viria a ser o seu principal hit alcançando a #3 posição na Billboard Hot 100, vendendo mais de 2 milhões de cópias nos Estados Unidos.

Hits e singles a parte, é costume que após emplacar uma música, o artista corra para lançar seu primeiro álbum de estúdio depois de ter sobrevivido só de EPs. Queen of the Clouds monta-se de personalidade ao explorar contradições e certas características sombrias, em um ambiente que apesar de às vezes decadente ainda possui um certo colorido próprio, o que faz com que o primeiro trabalho de Tove Lo, se destaque e não passe batido em meio a outros lançamentos pop do ano.

Destaque para as faixas "Timebomb", "Not On Drugs" e "Thousand Miles".

Betty-Who-Take-Me-When-You-Go-album-cover-artworkTake Me When You Go
Lançamento:
03 de Outubro
Gravadora: RCA
Produção: David Ryan Harris, Martin Johnson, Mag, Kyle Moorman, Vaughn Oliver, Brandon Paddock, Starsmith, Peter Thomas
Duração: 49m48s

por Caio Coletti

Quando Betty Who surgiu com a insuperável “Somebody Loves You” (abaixo), quase dois anos atrás, a moça parecia ser a artista mais francamente anos 80 a aparecer na cena pop em muito, muito tempo. Talvez desde que La Roux lançou seu disco de estreia e deixou os outros artistas explorarem novos cantos e ramificações da paisagem musical oitentista e noventista. Nessa situação, era refrescante ouvir uma cantora/compositora de synthpop que tinha plena consciência do gênero em que estava se metendo e não tentava fugir das convenções dele. Tudo em Betty era muito direto, honesto e contagiante – e mesmo que Take Me When You Go não seja uma obra puramente oitentista como alguns esperavam, esse espírito permanece na estreia em disco da moça.

O co-compositor e produtor Peter Thomas, que foi seu colaborador desde “Somebody Loves You”, tem o nome em 11 das 13 faixas de Take Me When You Go, o que garante uma forte identidade para o álbum, e deixa mais claro também que a parceria Thomas/Who é inteligentemente atual ao mesmo tempo em que é cheia de referências. “All Of You” é simbólica nesse sentido, combinando muitos elementos comerciais (a parte instrumental depois do refrão, feita sob medida para as pistas, é puro Calvin Harris) com o espírito melódico e a preocupação com o feeling da música, algo que muitos artistas atuais perdem pela falta de sutileza. E Take Me When You Go é, de fato, muito mais sutil do que a energia cinética das composições de Betty faz parecer.

O disco passa sua mensagem nas entrelinhas, combinando um cenário de decadência-chique com um toque de rebeldia inspirada nas mulheres do rock (de Joan Jett à P!nk) e da cultura pop americanas (Thelma & Louise, alguém?). Betty consegue soar satisfeita e plena com o momento sem apelar para sentimentos adolescentes, como faz na empolgante "Glory Days", e consegue também criar canções de heartbreak sem cair nos clichês da música-de-separação, vide o baixo gostosinho de "Just Like Me", que abre o disco. Ela é sedutora sem perder a pose na nossa pillow talk favorita do ano, "Alone Again", e pesa um pouco nas guitarras de "Heartbreak Dream". Até a power ballad do disco, "Better", foge do melodrama.

Da sua forma peculiar, o que Betty Who faz nesse disco de estreia é uma maturação dos temas comuns do pop, e tem sido mais do que claro nos últimos tempos o quanto o gênero precisa dessa maturação. Embora se pretenda perene, e portanto vise conquistar o tempo todo novas gerações de adeptos, o pop precisa aprender a não subestimar seu ouvinte, e Take Me When You Go é um dos álbuns que melhor fizeram isso em 2014.

Jessie_Ware_Tough_LoveTough Love
Lançamento:
13 de Outubro
Gravadora: PMR, Island, Interscope
Produção: BenZel, James Ford, Dave Okumu, Emile Haynie, Julio Bashmore, Nineteen85
Duração: 43m41s

por Caio Coletti

Não seria fácil para nenhum artista compor um segundo álbum quando o primeiro foi incluído pela Rolling Stone na lista de 100 melhores discos de uma década que acabou de começar. O fato de que Jessie Ware não perdeu tempo e chegou com Tough Love apenas dois anos depois de Devotion mostra extraordinária confiança e, especialmente, integridade artística de não se deixar pautar pela possível reação do público à suas escolhas musicais. Quando se ouve as 11 faixas desse disco da britânica, no entanto, é impressionante perceber a extensão das ousadias de que ela é capaz: mesmo não sendo francamente experimental como alguma de suas contemporâneas, Jessie é uma corajosa peregrina de gêneros, testando sua sensibilidade musical e compositiva contra uma gama enorme de influências. Não há nada de seguro em Tough Love, e é isso que o faz excepcional.

O disco começa com os sussurros da faixa-título, uma revisitação sexy de Sade, a intérprete da eterna "Smooth Operator" e musa inspiradora de Ware, mas logo Tough Love se mostra pronto para alçar vôos mais altos. “You & I (Forever)” tem colaboração do mago pop Benny Blanco e mostra a britânica se relacionando com o mainstream sem perder a identidade, enquanto o hit “Say You Love Me” (abaixo) é co-escrito por Ed Sheeran e traz a moça para um universo mais soul, embalada por um arranjo bem orgânico que é diferente de tudo que Jessie havia feito até então. É bacana vê-la usando a voz mais cheia, em contraste com o falsete de "Champagne Kisses", que faz par com a balançada "Sweetest Song" como as duas releituras mais criativas da musicalidade de Prince dos últimos anos.

Com sua apresentação musical cuidadosamente controlada, Jessie é quase uma Norah Jones com os pés mais decididamente no pop, abusando do apelo melódico para suportar suas viagens de gênero, e apresentando com maturidade uma elaboração temática que normalmente aparece à flor da pele nos trabalhos de artistas como Adele e Sam Smith. Tough Love é cheio de dicas e indícios de um coração quebrado, e reconhece a natureza torturante do amor – às vezes Ware assume até um tom suplicante, como na balada disco (sim!) "Want Your Feeling" –, mas é na sofisticação da produção e na cuidadosa escolha de refrões, timbres e insinuações vocais que o álbum de encontra como um dos melhores do ano.

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Lançamento:
14 de Outubro
Gravadora: RCA
Produção: Dallas Green, P!nk
Duração: 36m59s

por Marlon Rosa

Uma das primeiras vezes em que vi Alecia Beth Moore, conhecida mundialmente como P!nk, cantar algo mais próximo do folk, foi em "I Have Seen the Rain", música composta pelo seu próprio pai no Vietnã. Logo, quando ouvi pela primeira vez sobre o projeto com o Dallas Green (City and Colour), não fiquei tão surpreso sobre ela se aventurar em um estilo diferente, mas não tão distante do seu timbre de voz.

O resultado da parceria entre a dupla foi o projeto You+Me, e por incrível que pareça, parecem cantar juntos há muito tempo. As melodias em sua maioria compostas por apenas dois instrumentos e os dois vocais são literalmente música para os ouvidos. As 10 faixas que foram praticamente compostas em apenas uma semana, e o álbum gravado em oito dias trazem um tom de uma versão inacabada, feita no improviso, o que no sentido geral dá mais originalidade e sentimento para um álbum tão acolhedor, melancólico e intimista.

Faixas que não podem deixar de serem ouvidas com mais calma: "No Ordinary Love", "Love Gone Wrong” (minha preferida) e por fim a que dá o nome para o trabalho, "You and Me".

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Sound of a Woman
Lançamento:
17 de Outubro
Gravadora: Lokal Legend, Island, 4th & B’Way
Produção: Rami Samir Afuni, Jordan Orvosh, Simen & Espen
Duração: 50m21s

por Felipe Dantas

Kiesza deixou sua marquinha em 2014 de um jeito muito pessoal, não é a toa que o álbum diz sobre o "som de uma mulher" logo no título. E quando falamos "pessoal", não estamos falando de músicas introspectivas. A canadense chegou trazendo de volta um som que ninguém exatamente estava sentido falta... Assim pensávamos até ela chegar com “Hideaway” (abaixo).

Fazendo uma revisitação gostosa da house music dos anos 90, Kiesza trouxe à América o que está bombando na vida noturna européia graças ao Disclosure. E olha que antes ela cantava folk! E como se fosse um conjunto de "good vibes" que a artista quis ressuscitar, ela ainda nos traz um visual clubber e clipes cheios de coreografias bem boladas.

Sentimos essa vontade involuntária de mexer o esqueleto também em "No Enemiesz" e "Giant in my Heart", mas Kiesza preparou ainda mais para o álbum todo. Quando a dance music das duas primeiras faixas acaba e "Losin' My Mind" começa, um R&B estruturado e forte começa e a cantora nos deixa loucos de um jeito novo. Os rappers Mick Jenkins e Joey Bada$$ ainda contribuem ao longo do álbum para deixar o trabalho ainda mais firme.

O maior problema é que essa mistura de estilos pode não ser tão consumível no todo, fazendo algumas faixas se perderem. Se Kiesza bombou justamente com a dance music, então mais que a metade do álbum pode se perder.

É por isso mesmo que Kiesza marcou o ano de um jeito pessoal. Em Sound Of a Woman ela nos trouxe treze faixas fortes que talvez não se unam, mas cada uma mostra um verdadeiro talento da cantora em explorar o que ela quiser.

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1989
Lançamento:
27 de Outubro
Gravadora: Big Machine
Produção: Max Martin, Taylor Swift, Jack Antonoff, Nathan Chapman, Imogen Heap, Greg Kurstin, Mattman & Robin, Ali Payami, Shellback, Ryan Tedder, Noel Zancanella
Duração: 48m41s

por Gabryel Previtale

Confesso que nunca fui o maior fã de Taylor Swift (acho que cheguei até a odiar a moça em um determinado ponto da minha vida), mas como o mundo dá voltas, cá estou eu pra falar do 1989, último álbum da cantora norte-americana. Muita gente anda falando que este é de longe o trabalho mais diferente e distante do ~country~ que a Taylor apresentou na sua carreira. Concordo e ainda digo que, em minha opinião, é o melhor até agora. Red, que veio anteriormente mostrava uma transição da artista, saindo do country e entrando no pop. Já o último álbum deixou isso bem claro, essa transição aconteceu e foi bem realizada. Até algumas falhas e buracos do penúltimo trabalho, foram consertados no 1989, deixando o álbum totalmente coerente.

Álbum pop coeso é algo que não temos visto frequentemente, essa coesão torna o CD simples e divertido por inteiro, voltado apenas para o entretenimento. Abandonou os instrumentos do country e se jogou nos sintetizadores do synthpop. Embora as melhores faixas tenham uma base meio oitentista (dando um fundo mais leve aos hits), há claramente outras influências atuais no CD da norte-americana, tais como: Sia, Lorde e Lana Del Rey.

Sobre as faixas do 1989: “Blank Space” (abaixo), de longe minha favorita e acho que de muitos outros fãs desse álbum. Ela tem um ritmo diferente, com tempos altos e baixos, e a letra é sensacional: “Nice to meet you, where you been?/I could show you incredible things/Magic, madness, heaven, sin”. “Welcome to New York” é a faixa que abre o CD, com amostra de sons dos anos 80, e é boa, mas a letra acaba ficando repetitiva. “Style”, que começa com um solo de guitarra bem à la Daft Punk, deixa tudo mais animado – o refrão também reflete um pouco mais de eletrônico e a interpretação da Taylor para cada verso e cada emoção é simplesmente maravilhosa, desesperada e apaixonada.

“Shake it Off”, que foi o primeiro single desse trabalho, funciona muito bem como faixa isolada, talvez não no conjunto da obra. Ótima faixa, muito dançante e animada, despretensiosa, meio “doa a quem doer, vamos sacudir”. “Wildest Dreams” é uma balada lenta, uma vibe quase Lana Del Rey, romântica e com refrão muito bom de ouvir. Há presença do eletrônico de novo e uma letra sensacional.

No geral, adolescentes e jovens vão se identificar muito com essa fase da Taylor, com as letras e tudo mais, ela que já disse em entrevistas que esse álbum é resultado de uma fase experimental quando ela estava curtindo muito pop e eletrônico. Voltando para o country ou não, Taylor com certeza alavancou sua carreira e conseguiu juntar milhares de fãs por todo mundo.

PS do editor: Taylor tirou todos, absolutamente todos os links do Youtube ou de qualquer outro site para ouvir os não-singles do álbum dela em streaming. Portanto, pedimos desculpas pelos links serem para performances ao vivo (no caso de “Welcome to New York” e “Style”) ou covers (no caso de “Wildest Dreams”).

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Rock’n’Roll Sugar Darling
Lançamento:
03 de Novembro
Gravadora: Independente
Produção: Kassin, Adriano Cintra
Duração: 34m28s

por Gabryel Previtale

Ao que me parece, Thiago Pethit, sempre encarna um novo personagem a cada trabalho que lança, e não foi diferente no seu último álbum Rock’n’Roll Sugar Darling. Para os amantes de suas canções indie/MPB, essas evoluções e mudanças de caráter são sempre positivas e crescentes. Não consigo classificar Thiago nessa categoria “nova MPB”, embora a maioria de suas faixas passeiem por esse gênero, mas sem amarras ou limitações. Tanto é que nesse último álbum o cantor paulista decidiu colocar influências claras de rock clássico dos anos 70. O próprio artista disse que ter essas nuances do rock não faz desse um trabalho temático ou rotulado como “um CD de rock”. O cantor queria que o retrô fosse um elemento a somar, e não o foco do disco. Partindo disso, nós temos essa mistura da MPB poetizada e bonita com a sujeira e o peso do rock embutido nas faixas. Mistura que agradou a muito os fãs e acrescentou na música brasileira por ser algo sensível e diferente do que é produzido atualmente.

Quanto ao conteúdo do álbum, ele é um disco quente, com toques libidinosos (muitos) e muita testosterona (no sentido de ser algo sexual masculino). O trabalho conta com uma “Intro” interpretada pelo ator norte-americano Joe Dallesandro (muso de Andy Warhol), onde ele cita as músicas e fala um pouco sobre esse voluptuoso anjo sujo e do mal que extravasa pelas canções. Tudo isso ajuda o CD fazer sentido como um todo.

Sobre as faixas: a mais comentada e a que dá o tom lascivo ao trabalho, com certeza é canção-título, “Rock’n’Roll Sugar Darling”: "Doce como açúcar explode na sua boca / Vem chupar meu rock'n'roll". Melódica, bem redonda, com fundo musical de rock clássico e guitarras bem presentes, alterna em versos em inglês e o refrão em português. Em “Quero Ser Seu Cão”, o cantor reforça esse convite ao lascivo e voluptuoso nessa referência clara ao The Stooges (do single “I Wanna be Your Dog”). “Romeo” (abaixo) tem participação do Hélio Flanders (Vanguart) – a letra seria pesada se não fosse irônica e bem calculada no contexto. O abuso de guitarras e efeitos é bem interessante e valorizou a letra (que é melancólica, mas abordada de um jeito diferente). “Save the Last Dance” é uma faixa bem confusa, com inglês e português misturados e muitos elementos eletrônicos. “Voodoo” é diferente e interessante, com coro gospel americano que acaba caindo na batida do rock clássico. Confesso que quando percebi a faixa relacionei com “I Put a Spell on You”, e depois o próprio Thiago disse em entrevista que se inspirou na base desse clássico para produzir a sua faixa.

Em suma, é um grande trabalho artístico, mas deve ser ouvido de mente aberta e sensibilidade em níveis maiores. Não é um disco para simples entretenimento, há uma linha de sentimentos que devem ser seguidas (ou compreendidas) para que o álbum surta o efeito que o cantor pensou quando o produziu.

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Broke With Expensive Taste
Lançamento:
06 de Novembro
Gravadora: Azealia Banks, Prospect Park, Caroline
Produção: Azealia Banks, Apple Juice Kid, Araabmuzik, Ariel Pink, Boddika, Enon, Lazy Jay, Lil Internet, Lone, Machinedrum, M.J. Cole, Oskar Cartaya, Pearson Sound, Pop Wansel, SCNTST, Sup Doodle, Yung Skeeter
Duração: 60m19s

por Ilson Junior

6 de Novembro de 2014, data de uma grande surpresa, um acontecimento já visto como utópico - e até motivo de piada - se tornou realidade: Azealia Banks, aquela rapper tão conhecida pelo seu comportamento desbocado e temperamento forte lançou seu álbum de estreia, três anos após seu grande hit  “212” (também encontrado no álbum) começar a dar ascensão à artista. Ousado e carregado de promessas, o Broke With Expansive Taste capturou sem dúvida alguma a atenção de qualquer um que se dispôs a ouvir – independente de ser gostado ou não, o álbum merece muito reconhecimento, mas isso não seria surpresa vindo de uma artista que sempre soube ser genuinamente ímpar em seu trabalho.

BWET chegou pisando em ovos após tanto tempo de espera, e as expectativas dos fãs - e até daqueles que esperavam o fracasso dela - eram grandes, mas particularmente sempre senti essas expectativas muito nebulosas, ciente de que Azealia nunca foi de fazer algo repetido ou monótono.

Antes de dar play na primeira musica já me preparei para toda a ousadia despeitada da cantora que não temeu desafiar até Kanye West a fazer algo melhor. Segundo ela o “Broke With Expensive Taste é o mais inovador, é o mais novo, é o mais agora” e ao menos dessa vez, longe de qualquer briga em redes sociais, não digo que ela tenha falado mais do que deveria. O álbum de estreia de Banks pode não ser o melhor, mas é sem duvidas o novo; é experimental, é ousado, é ímpar faixa-a-faixa, e pode não ter carregado a sonoridade do tão bem conceituado EP 1991, mas traz o crescimento da artista que não teve medo de mostrar que não apenas sabe fazer um bom rap como em “Miss Camaraderie” mas também sabe usar sua voz muito bem, como em “Nude Beach A-Go-Go”, que até surpreende quem já conhecia a potência vocal da artista. O eletrônico e experimental tão presentes no álbum o envolvem em uma vibe alegre, bem combinada até com o cenário dark de musicas como “Ice Princess” – uma das faixas mais comerciais do álbum – e “Heavy Metal and Reflective”, que consegue com sua sonoridade pesada impor respeito ao disco.

Um show de ousadia e experimento, Broke With Expansive Taste traz sonoridades de diversos estilos musicais, desde o pop de ótima qualidade vocal e instrumental em “Chasing Time” (abaixo) até a musica latina tão bem trabalhada em “Gimme a Chance”. Azealia pode até ter decepcionado alguns que não acostumaram com suas surpresas, mas digo como uma das maiores certezas da vida que merece desfilar com louvor entre os melhores álbuns de 2014.

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Earth Sick
Lançamento:
11 de Novembro
Gravadora: Tusk or Tooth
Produção: Oh Land
Duração: 51m20s

por Caio Coletti

Se tem alguma coisa que este que vos fala aprendeu na última década acompanhando música pop é que a dinamarquesa Oh Land é infalível. Na ativa desde 2008, quando lançou o disco de estreia Fauna, a moça enfileirou outros dois trabalhos de estúdio impecáveis (Oh Land, de 2011, e Wishbone de 2013) e se infiltrou nas listas de audições obrigatórias para os fãs do gênero mesmo sem atingir o Olimpo do mainstream. Depois da desmerecida má recepção do último álbum, Oh Land cortou laços com as gravadoras e produziu Earth Sick de forma independente, compondo, produzindo e tocando quase tudo que pode ser ouvido nas 11 faixas do disco. Esse esquema de produção faz bem à artista, que entrega a obra mais pura e autêntica da sua discografia, uma pérola de delicadeza pop e faro melódico.

A primeira metade de Earth Sick é formada por seis baladas de instrumentação e tematização sutil. O single “Head Up High” (abaixo) é o paradigma dessas canções, brilhante sem fazer muito estardalhaço e machucada sem transbordar ressentimento. A fórmula ganha pequenas variações: a faixa-título, “Earth Sick”, é um suspirante exercício de climatização em que o registro agudo da dinamarquesa parece dançar em círculos ao redor dos sintetizadores; as lindíssimas "Nothing is Over" e "Doubt My Legs" testam com sucesso as particularidades de Oh Land em um ambiente melódico mais próximo à balada tradicional; e a transicional "Half Hero" se pergunta como uma balada raivosa de Adele soaria se a britânica fosse mais dada à experimentações instrumentais.

A fatia final do disco se preocupa mais com batidas, e com isso ganha um ar mais direto. Essa é uma parte da musicalidade de Oh Land que é mais informada pelas experiências de gênero do Wishbone do que a maioria dos críticos e fãs estaria propenso a admitir, e a verdade é que a dinamarquesa amadureceu muito esse som no último ano. “Daylight” explode em corais no último minuto, “Hot ‘n’ Bothered” se aproxima do hip hop sem perder a identidade experimental e indie, “No Particular Order” coloca um exército de sopros para funcionar a favor de uma apoteose musical, e e a dramática “Trailblazer” fecha o Earth Sick com o espírito experimental e lindamente melódico que é a força propulsora de uma das discografias mais interessantes e relevantes da última década.

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Sucker
Lançamento:
15 de Dezembro
Gravadora: Asylum/Atlantic/Neon Gold
Produção: Rostam Batmanglij, Patrick Berger, Benny Blanco, Cashmere Cat, Stefan Gräslund, John Hill, Jerry James, Greg Kurstin, Steve Mac, Justin Raisen, Jarrad Rogers, Stargate
Duração: 40m19s

por Felipe Dantas

2014 foi o grande ano de Charli XCX. E não vamos atribuir isso à "Fancy" não. Se o True Romance foi um pop experimentalizado, Sucker é onde a britânica finalmente atingiu seu objetivo. Com o álbum, ela faz uma grande homenagem à tudo o que a educou culturalmente como uma digna filha dos anos 90-2000. Há aqueles vocais grudentos igual Britney o fez para ela, há uma atitude feminina autônoma, educada pelo girl-power ascendente da década passada e também um casamento arranjado por ela entre o pop ritmado com melodias viciantes e as guitarras impositivas do punk-rock.

Além da sonoridade, também vemos o berço onde Charli nasceu por todo o resto de seu trabalho. Suas letras falam sobre o desejo da fama, sobre sair com as melhores amigas e se divertir, aproveitar Los Angeles como se fosse uma estrela de cinema. Sem esquecer que as referências aparecem também nos videoclipes, como Thelma & Louise, filme de 1991, sendo inspiração do recente "Doing It".

Muitos reclamam que a britânica "traiu o movimento", mas ele sempre esteve presente. Ela originalmente queria um álbum punk feminista, divulgando até algumas músicas que foram descartadas. Mas aquele não era o momento dela, e de qualquer forma está tudo em Sucker. Com uma banda formada apenas por garotas, Charli é uma rebelde que manda todo mundo se foder na faixa-título, que não é obrigada a aturar babaca em "Breaking Up" e muito menos precisa de qualquer macho para ter prazer em "Body of My Own". É tudo sobre ela, sobre seu corpo, e Charli faz como bem entender.

Sucker é uma grande homenagem à era de ouro do plastic pop, ao mesmo tempo que é um grande ato de reinvenção do gênero pela própria Charli. Definitivamente queremos ela por perto por um longo tempo.