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11 de jun. de 2010

Alejandro! Ale-Alejandro! Ale-Alejandro!

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Lady Gaga ora aparece cercada por militares gays, ora com seus dançarinos seminus em momentos de dança sexy e ao final surge vestida com um hábito de freira vermelho de vinil e termina em decomposição...

(Estadão Online – Cultura, 08 de Junho de 2009)

Uma frase porcamente elaborada, e era tudo o que o Estadão Online, um dos sites de jornais mais acessados pelos internautas brasileiros, tinha para dizer sobre o novo clipe de Lady Gaga, o épico "Alejandro", construído em cima da segunda canção listada no The Fame Monster, EP que serve de complemento e oposição ao primeiro álbum, o The Fame. E depois dizem que Gaga é fútil, que não possui senso de arte e que precisa escandalizar para fazer o sucesso que não teria se fosse por seus dotes musicais. Com um meio de comunicação resumindo um clipe extremamente complexo dessa forma, não é de se espantar que esse seja o pensamento geral.

Mas, fãs, respirem aliviados (se é que alguém ainda não conferiu o resultado final por si mesmo). “Alejandro” é muito mais do que militares gays, dançarinos seminus, e um hábito de freira feito de vinil. Houve quem disesse ainda que letra, música e clipe não se completavam da forma como deveriam. Pura bobagem. Quem sabe ler nas entrelinhas e está por dentro do contexto temático do The Fame Monster sabe reconhecer que “Alejandro”, a música e o clipe, são sobre o medo de se envolver e se machucar depois. Assim como “Bad Romance” era sobre o receio de um romance agressivo, e “Speechless” discursa sobre a inevitabilidade do fim (e a nossa aversão a essa ideia). São temas sombrios os que permeiam o álbum, e “Alejandro” é o primeiro clipe que faz jus a tais temas. É uma narrativa labiríntica e codificada, cheia de simbolismos e referências, mas fica claro para quem consegue passar pelos obstáculos e decifrar o segredo, que são as imagens certas para a mensagem certa.

Narrativa

Na primeira cena do clipe, um militar aparece morto em uma sala com outros soldados. Vale a pena prestar atenção no último a aparecer antes da tela escurecer: é o proverbial esposo de Gaga na história. Passando direto pela cena de dança quase ritualistica que ocorre logo depois, temos Gaga carregando um coração congelado, torturado por espinhos, enquanto segue um velório. Já dá até para começar a esboçar a trama: quem quer que tenha morrido, morreu junto com o coração de Gaga. Ela nos é apresentada como uma espécie de rainha, líder ou primeira-dama de um “reino” totalitário e militarista, uma das claras referências a Madonna, na época que impersonava Evita Perón, do clipe. Quando o nome-título é mencionado pela primeira vez, na já célebre abertura (traduzindo: “Eu sei que nós somos jovens, e sei que você pode me amar, mas não posso ficar assim com você… Alejandro”), o rosto de Gaga é focalizado em fusão com o do homem que se senta a sua cama, o modelo brasileiro Evandro Soviatti. Eis o nosso Alejandro!

O que se segue é um amálgama de cenas de dança e o estilo estourado e teatral de sempre, mas vale prestar atenção na progressão do clipe: alguém está morto, e o coração de Gaga também. Um espaço vazio todo aberto para os Alejandros, Robertos e Fernandos do clipe, numa dança coletiva que é tão escandalosa quanto abertamente homossexual. Mas estilo é estilo, narrativa é narrativa. E esta progride juntamente com a letra. Torturada, arrependida, Gaga se desprende dos laços emocionais e prefere a atração casual ao amor de verdade, com medo de se envolver e mais uma vez precisar enterrar seu coração. As cenas mais picantes, com Gaga e seus dançarinos digladiando-se em camas aos pedaços, remetem diretamente a fase “Human Nature” de Madonna.  Gaga se torna uma espécie de Anticristo, engole um terço, veste o tal hábito de vinil e é adorada como uma deusa pelos dançarinos. Polêmico, sim, mas por pouco motivo. Afinal, que mensagem mais cristã do que essa? Sem amor, nos tornamos o próprio Mal. Não é Gaga que engole o terço, é sua personagem. Ela (e eu, que estou com ela e não abro) assumiu que a nossa raça sabia separar as duas coisas. Aparentemente, estamos ambos errados.

Perto dos 7 minutos de clipe, o “marido” de Gaga reaparece. Observando a “esposa” em sua louca dança com o amante, ele puxa uma arma, e ouvimos um disparo. Nesse momento, a tela preenche-se com a mesma imagem que ocupou o início do clipe. O militar morto não era ninguém, a não ser o próprio Alejandro! Aquele que fez estourar o processo de desprendimento e frieza em Gaga! É chocante, surpreendente, mirabolante e combina perfeitamente com o tema central da letra. No fim, Gaga se entrega a um amor que não o é verdadeiramente, e sua “anticristização” está então completa. Ela se tornou o monstro que ela mesma temia. Contundente, não?

Influências

Há óbvias referências a Madonna do auge de sua fama e polêmica. Mas não se deixe de fora o fato de Steven, diretor do clipe e dono do “Klein” que estampa seu início, é um dos fotógrafos favoritos da ex-rainha do pop. Inclusive, foi ele o autor das célebres fotos dela com Jesus Luz, tiradas para a W., que supostamente haveriam iniciado o caso entre a cantora e o modelo. De uma forma ou de outra, o estilo de Gaga lembra “Vogue”, a sexualidade exacerbada remete a “Erotica” e “Human Nature”, e a colocação de uma rainha plácida, belamente nobre, lembra muito “Don’t Cry for Me Argentina”, tirado do musical Evita, que Madonna tornou em sucesso em 1996, quando ainda tinha bala para tudo isso.

De qualquer forma, nada se resume a uma só influência, e arte pop que é arte pop precisa sugar tudo, absolutamente tudo, de qualquer fonte possível e imaginável. É isso que Gaga, sua equipe e seus diretores sempre fizeram de melhor. A diferença é que, se em “Telephone” e “Papparazzi” o objetivo era criar um clima ao mesmo tempo mórbido e divertido, com pitadas de Tarantino, a missão aqui é criar uma peça sombria de verdade, severa, agressiva, e ainda assim extremamente pop. Há expressionismo alemão (Fritz Lang e seu M. são presenças marcantes) e surrealismo nas doses certas, e a cena em que Gaga aparece com olhos de cores diferentes remete diretamente a David Bowie, ídolo-maior da cantora.

Música

Seria enganar-se dizer que “Alejandro” está entre as melhores canções de Gaga. Batida e refrão são extremamente grudentos, e não há nada de errado em o ser quando o assunto é música pop. O problema é que Gaga elabora uma melodia que se repete eternamente, sem a criatividade absurda que marca momentos como “Bad Romance”, “Papparazzi” e “The Fame”. E o clipe ainda a estende. O faz com elegância, é bem verdade, mas a repetição ab aeterno não deve agradar a quem não é fã e espanta muita gente que não teve paciência de ver o clipe inteiro. De uma forma ou de outra, “Alejandro” tem suas qualidades: uma levada constante, um refrão empolgante, um vocal seguro e a alquimia digital medida do produtor RedOne. E, em tempos de Gaga, a verdade é que a música pop passou a existir em razão do clipe, e não o contrário. É preciso enxergar, portanto, o todo, e não as partes.

Veredicto

Para quem é fã, não dá para discutir, “Alejandro” é provavelmente a coisa mais épica, ambiciosa, interessante e misteriosa que Gaga conseguiu produzir. As expectativas ela conseguiu alcançar, mas com uma peça particularíssima, de nuances e detalhes que poucos ouvintes casuais terão a paciência de decifrar, preocupando-se muito mais com a própria expressão de sua mensagem do que com o que é agradável, típico ou não, para quem vê, ouve e assimila. Dito por dito, afinal, fico com a opinião do site gringo da MTV: “E, até esse ponto, Alejandro é um trabalho que é singularmente, 100% DELA, artístico, obstuso e, sim, um pouco auto-indulgente. Mas o que dizer? Até aqui, ela com certeza mereceu esse momento”. Ah, e o refrão definitivamente vai te deixar assobiando, e por um bom tempo.

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She’s got both hands in the pocket/ And she won’t look at you, won’t look at you/ She hides true luve ‘en su bolsillo’/ She’s got a halo aroud her finger around you (…)

Don’t call my name/ Don’t call my name/ Alejandro!”

(Lady Gaga em “Alejandro”)

7 de jun. de 2010

Novidades – O MTV Movie Awards 2010

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Astro é astro. Há quem torça o nariz para o famoso sorriso do ator, mas é preciso reconhecer, às vezes, a inteligência e a absoluta falta de pudor de Tom Cruise. Careca e gordo, re-encarnando o hoje lendário produtor Les Grossman, seu personagem “rouba-cenas” no hilário Trovão Tropical, Cruise tomou parte do que foi, simplesmente, o melhor momento de todo o MTV Movie Awards 2010. Depois de uma propositalmente vergonhosa (e hilariantemente ridícula) “performance” de Ken Jeong, outra das inesperadas estrelas da noite, Cruise/Grossman surtou, subiu ao palco e fez a plateia sacudir com um desempenho surpreendente no hip hop. Sim, ele teve a ajuda de quem entende do assunto: Ludacris nos vocais e J.Lo como parceira de dança, mas que Cruise conseguiu fazer de uma piada essencialmente repetida um momento absolutamente inesperado e brilhante, ninguém duvida. Sem medo do ridículo, sem amarras, Cruise mostrou quem o verdadeiro ator não pode temer o vexame ou se prender a vaidade e, ainda mais, provou-se um astro que ainda faz a cabeça do público jovem.

awards 2Quem também garantiu a diversão de qualidade da noite foi Sandra Bullock, que subiu ao palco para receber o Generation Awards, concedido a artistas que marcaram a “geração MTV”, como a única mulher a receber o troféu até o presente momento, despachou os muitos comentários maldosos que andaram surgindo sobre o motivo de sua separação do cantor Jesse James e ainda ficou responsável pelo momento “beijo inesperado”, obrigatório em qualquer festa da MTV que se preze. A vítima da vez, para o delírio do público-macho, foi a lindíssima Scarlett Johansson, em uma cena tão obviamente planejada quanto inevitavelmente, assim digamos, “interessante”. Ou, ao menos, deu algo para se falar no MTV Movie Awards 2010.

Mesmo porque, nas premiações, nada de muito surpreendente aconteceu. Saudado como um gigantesco comercial para a saga Crepúsculo mas, a bem da verdade, um prêmio concedido ao tipo de obra que faz a cabeça do público adolescente, o Movie Awards consagrou Lua Nova como a mania teen do momento com cinco troféus. Entre eles, aliás, o de Melhor Atuação Feminina para Kristen Stewart, prêmio este que pertencia, por convenção e mérito, a própria Sandra por seu momento máximo em Um Sonho Possível. O romance vampiresco levou também Melhor Atuação Masculina para Robert Pattinson (sejamos sinceros, não haviam concorrentes tão bons para se chamar a escolha de injustiça), Melhor Cena de Beijo (entre o casal principal, que fez ceninha no palco com um selinho rápido até demais), Astro Global (Pattinson de novo) e até o prêmio maior da noite: o de Melhor Filme. Indignado com alguns desses? Pois o pior está por vir.

Confesso que sou fã de carteirinha de Harry Potter, e até torci por Daniel Radcliffe e Emma Watson em suas categorias. E nada contra Tom Felton, tampouco, um intérprete mais do que competente, especialmente no último filme da saga, em que Draco Malfoy tem seus melhores momentos. Ainda assim, nada para bater Christoph Waltz e seu nazista cínico em Bastardos Inglórios, talvez a maior atuação masculina do ano que passou. No voto do público, no entanto, o jovem, estiloso e gente fina intérprete do rival teen do herói da saga saiu vitorioso em Melhor Vilão sobre o nem tão jovem, nem tão estiloso, muito mais talentoso e igualmente gente fina Waltz. Diante dessa lista, salvam-se Zach Galifianakis como Melhor Performance Cômica pelo papel no divertido Se Beber Não Case, e a talentosa Anna Kendrick como Revelação do Ano pela atuação espetacular em Amor Sem Escalas. De resto, muita modinha, pouco pensamento, pouco talento.

Para a MTV, que deveria premiar a nova geração recheada de talentos que celebra, uma noite um tanto decepcionante. Para quem foi esperando um show, no entanto, a emissora entregou o de sempre, com um gosto um tanto especial. E fica a dica: da próxima vez, dêem mais espaço para o apresentador do prêmio fazer valer seu cargo. Pobre Aziz Ansari, espremido entre atrações, pouco teve a fazer. É a vida… Quem sabe na próxima.

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As prévias

Sempre marcantes nas edições do Movie Awards, o prêmio cinematográfico de 2010 da emissora contou com uma trinca de prévias exclusivas de três dos filmes mais esperados desse ano.

Logo de cara, é claro, a onipresente saga Crepúsculo deu as caras com o clip de Eclipse, o próximo tomo da série de Stephenie Meyer a chegar a celulóide. Dessa vez a direção ficou nas mãos mais viscerais de David Slade. Conhecido pelo também vampiresco 30 Dias de Noite e pelo perverso thriller de Meninamá.com, o diretor deu um toque de elegância sombria que nem Catherine Hardwicke nem Chris weitz conseguiram imprimir. Eles fizeram os filmes certos para as tramas certas, mas é o tom de Slade que parece o ideal para que Crepúsculo atinja um público além das meninas histéricas que suspiram por Pattinson e Taylor Lautner. O clip é curto e poucas cenas agradam a olhos treinados, mas ao menos os flashes do momento de ação da trama, de escopo bem maior do que os dois primeiros, parecem feitos de forma épica, intensa e impactante. Lautner ainda não aprendeu a atuar de verdade, e Pattinson continua o mais competente do trio principal, com Stewart tendo pouco o que fazer com um personagem tão passivo.

Em seguida, o bacana Scott Pilgrim vs. The World teve seu preview apresentado pelo próprio diretor, o tarimbado Edgar Wright, parceiro de longa data do comediante inglês Simon Pegg e arriscando seu primeiro vôo solo na história do garoto que passa por uma odisséia mezzo fantasia, mezzo romântica para derrotar os sete ex-namorados malvados de sua nova garota e, assim, ser o dono do coração dela. Pura desculpa para um elenco afinado comandado por Michael Cera e co-estrelado por Mary Elizabeth Winstead, Kieran Culkin, Chris Evans, Anna Kendrick, Brandon Routh e Jason Schwartzman, comandar um festival de gags apoiado pelos recursos aparentemente infindáveis de Wright. O trailer lembra muito a mistura de pop e trash de Zumbilândia, mas o filme deve garantir, ao menos, umas boas risadas, se não um pouco mais do que isso.

Por fim, e jamais menos importante, As Relíquias da Morte - Parte I, o começo do fim da saga do bruxo adolescente Harry Potter, trouxe para o palco do Movie Awards o que pode muito bem ser o preview mais empolgante desde, bom, desde que o primeiro filme estreou. Ao menos aos olhos de um fã, o mero um minuto do trailer, recheado de cenas novas e momentos marcantes, é o mais perto da sensação épica, emocional, conclusiva, grandiosa e radical que J.K. Rowling imputiu no final de sua saga que um filme vai poder alcançar. As expectativas aumentam com aperitivos das atuações de Radcliffe, Watson e Grint, aparetemente mais afinados do que nunca com seus personagens, especialmente o último, em um trecho de dar arrepios em quem vem acompanhando a jornada dos três amigos por todos esses anos. A direção de David Yates promete força e realismo condizentes com o mundo criado, em grande parte por ele, para a saga de Potter nos cinemas, e o roteiro de David Kloves parece mais insanamente criativo (e, ainda assim, fielmente leal ao livro) desde que o inglês começou a escrever a série, no primeiro filme. É esperar até Novembro para o começo do fim. As unhas já estão indo embora de ansiedade.

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Os shows

Katy Perry fez furor, deu entrevistas, anunciou a primeira performance ao vivo de seu novo hit “California Gurls” no Movie Awards 2010 como o grande acontecimento da noite, brincou que ia ficar nua no palco para a apresentação e, no fim, fez só o feijão com arroz. Snoop Dogg estava lá com seu senso ridículo de estilo de sempre, Perry botou peruca azul e desceu surfando até o palco, em trajes reveladores, é verdade, mas nem de longe tanto quanto a cantora prometia. Para uma canção que tem o estado mais “quente” da nação americana no nome, uma performance friazinha, friazinha. Gelada, aliás, perto do que fez Christina Aguilera.

Comparações não faltam desde o lançamento do seu novo disco, Bi-o-nic. Há quem diga que ela deu de emular Lady Gaga, há quem a defenda pelos anos de carreira que tem somados na ficha, e na noite passada deu pra ouvir gente citando Cyndi Lauper e Madonna como inspirações para a apresentação explosiva da cantora. A verdade é que Aguilera tem uma voz brilhante, um estilo não exatamente único, mas particular de uma forma um tanto estranha, e faz uma mistura do pop agressivo que está na moda com um visual retrô, um show de luzes, cores e danças e um ato pop de dar inveja a muita cantorazinha experiente por aí. Do disco eu não falo, mesmo porque não o ouvi, mas, por enquanto, Christina continua dignamente detentora do meu profundo respeito.

60664743Ed Helms, Ken Jeong

“Minha mãe não me deixava assistir aos Smurfs quando eu era criança. Ela achava que a Smurfette parecia um pouco puta sendo a única mulher da vila. Agora eu a mostrei! Eu acabei de ligar pra ela, e foi tipo: ‘advinha, mãe? eu sou a Smurfette’”

(Katy Perry brinca com a peruca azul no tapete vermelho)

Eu estou mais focado em trazer Entourage para as telas do que nos meus próprios filmes. Eu só acho que podemos fazer um grande filme. As pessoas sempre quiseram o filme e reclamavam que os episódios eram muito curtos – eles sempre quiseram mais. Eu penso que vamos conseguir fazê-lo e essa temporada é, de longe,  a melhor até agora”

(Mark Wahlberg atiça os fãs de Entourage, da qual é produtor)

4 de jun. de 2010

Onde Vivem os Monstros (Where the Wild Things Are, 2009)

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Hoje em dia, não é tão difícil ser diferente quando o assunto é arte (ou entretenimento, ao gosto do leitor). Em tempos em que quase tudo é um clichê, não fica tão complicado fugir deles para criar uma peça verdadeiramente única aos olhos de quem vai apreciá-la. Indo direto ao nosso assunto por aqui, o universo cinematográfico, o ingrediente fundamental para tocar o público, o tempero que tanto tem faltado nos grandes blockbusters hollywoodianos, é só um: sensibilidade. E, apesar de todos os defeitos, não dá para negar que Onde Vivem os Monstros, esse estranho exemplar de cinema independente em um contexto inusitadamente mainstream, tem sensibilidade de sobra. Abrindo as cortinas do mundo curiosamente criativo de uma criança bem na frente dos olhos de seu espectador, Spike Jonze transformou a obra infantil de Maurice Sendak em uma pérola de conexões e reflexões sobre a família moderna, o sentimento e a visão de uma criança e, acima de tudo, sobre o que falta para nossa sociedade e sobra para os monstros do título: humanidade.

Max (Max Records) é o cativante protagonista de uma jornada ao mesmo tempo corriqueira e extraordinária, da qual o diretor e roteirista tira a beleza dos pequenos detalhes, engrandecendo os relacionamentos entre os personagens e ilustrando-os em uma história tão fantástica quanto absurdamente realista em suas conclusões. Ele foge de casa uma noite em que a mãe (Catherine Kenner) se irrita com sua atitude frente ao novo namorado (Mark Ruffalo) e, ao entrar em um barco ancorado as margens de um lago perto de sua casa, vai parar na ilha habitada pelo grupo de monstros do título. Delatar as personalidades dos personagens tão inusitadamente complexos que são Carol (voz de James Gandolfini), Alexander (Paul Dano), Judith (Catherine O’Hara), Ira (Forest Whitaker), Douglas (Chris Cooper) e KW (Lauren Ambrose), os próprios monstros, seria estragar boa parte do encanto abundante do filme de Jonze. Basta dizer, portanto, que o roteiro os coloca como reflexões distorcidas, por vezes exageradas, por outras realistas e, talvez justamente por isso, desoladoras, das pessoas presentes (e ausentes) na “vida real” de Max.

Repleto de simbolismos para explorar no script co-escrito por Dave Eggers, o diretor Jonze realiza um trabalho que combina perfeitamente com o clima sensível, quase estourado, do filme. Todo o equilíbrio entre exagero, comoção e contemplação é administrado pela câmera de Jonze com toda a competência, lançando mão de todos os recursos que tem as mãos para aumentar o impacto quase palpável das miudezas e simplicidades da trama. Onde Vivem os Monstros é o típico filme de narrativa simples, linear, que encontra sua beleza nos detalhes e metáforas que vai fazendo pelo caminho. Ainda que seja uma criança, Max é extremamente perceptivo com o mundo ao seu redor, e toda essa sensibilidade é repassada para o público com cautela e simplicidade comoventes.

Claro, uma parcela do mérito deve ir ao jovem Max Records, que fez um dos Irmãos Bloom quando jovens em Os Vigaristas, com uma atuação extremamente expressiva como Max. Ele é o centro nervoso do filme e o personagem que acompanhamos por quase todo o tempo, e é notável observar como o Records encara esse desafio com desevoltura e talento. Seu nível de atuação permite ao espectador tanto navegar pelas águas turvas da vida real quanto acompanhar um delirante mundo imaginário com o personagem. Catherine Keener também é elemento fundamental no começo e no final do filme, incorporando uma mãe tão amorosa quanto indulgente e descontrolada, pintando assim um retrato fiel das inconstâncias da família moderna e comovendo o espectador. São os olhos desses dois atores brilhantes em suas posições que fazem, ao final de Onde Vivem os Monstros, uma fagulha de esperança brilhar na tela.

Jonze fez um filme sensível, interessante, divertido e emocionante, que não furta o espectador de um final realista, sem soluções fáceis, nem de mostrar as dificuldades de se relacionar e, enfim, de viver. Mas, ao final, mostra que vale a pena continuar tentando. Às vezes, pode até dar certo.

Nota: 8,5

Where The Wild Things AreWhere The Wild Things Are

Onde Vivem os Monstros (Where the Wild Things Are, EUA/Alemanha, 2009)

Uma produção da Warner Bros. Pictures/Legendary Pictures…

Dirigido por Spike Jonze…

Escrito por Spike Jonze, Dave Eggers…

Estrelando Max Records, Catherine Keener, Mark Ruffalo, Pepita Emmerichs…

Com as vozes de James Gandolfini, Paul Dano, Catherine O’Hara, Chris Cooper, Lauren Ambrose, Forest Whitaker, Michael Berry Jr, Spike Jonze…

101 minutos