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Review: Me Chame Pelo Seu Nome

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Review: Liga da Justiça

É verdade: o novo filme da DC seria melhor se não tivesse uma Warner (e um Joss Whedon) no caminho.

23 de dez. de 2016

As 15 melhores séries de 2016

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por Caio Coletti

Peak TV é o termo usado pelos críticos americanos para definir o momento em que vivemos na produção de televisão. Com um número sem precedentes de produções originais no ar, as emissoras, serviços de streaming e produtoras independentes de TV pelo mundo inteiro oferecem uma abundância de séries de qualidade, que nenhum ser humano conseguiria acompanhar. Eu sou só um, e por isso, a lista que você vai encontrar abaixo e indiscutivelmente incompleta, mas também esforçadamente compreensiva. Aqui vão as 15 melhores séries de 2016, de acordo com este humilde seriador.

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15. Bates Motel (4ª temporada) – A&E

A evolução de Bates Motel foi uma das trajetórias mais incríveis que já tive o prazer de acompanhar nos meus anos de TV. De um suspense bobo com tramas secundárias sem sentido na primeira temporada, a série cresceu para se tornar uma tragédia grega cruel e psicologicamente enredada nos anos seguintes, atingindo seu ápice na 4ª (e penúltima) temporada, onde a construção de personagem de Norman e Norma Bates chegou a uma quase-conclusão lógica do arco desenhado para ambos. Vera Farmiga continuou maior-que-a-vida como Norma, mas a temporada foi mesmo de Freddie Highmore, que equilibrou a frieza calculada de um Norman amadurecido com seus ainda juvenis atos impulsivos para compor o mais brilhante e trágico retrato do amadurecimento humano na TV no momento.

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14. The Path (1ª temporada) – Hulu

O trabalho de um contador de histórias é, essencialmente, “recortar as pontas” de um universo ficcional de possibilidades ilimitadas e encontrar uma linha narrativa que revele e provoque o espectador de maneiras instigantes, tocantes ou inesperadas. Sob essa métrica, Jessica Goldberg, a criadora e showrunner de The Path, da Hulu, é uma mestre de seu ofício – a série aborda um tema cheio de potencial, investigando as entranhas de um culto religioso que está em um momento crucial de sua história, mas não cai em todos os chavões que já esperamos de uma obra “crítica” à religião organizada. Pelo contrário, se torna um excepcionalmente escrito e atuado, além de incrivelmente sutil, estudo de personagem. Uma série que, no fundo, só quer entender o que faz sentido para cada um dos seres humanos que coloca na tela.

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13. This is Us (1ª temporada) – NBC

Nossa primeira (de apenas duas) séries de TV aberta americana, This is Us surpreendeu todo mundo com um piloto que reestabelecia o recurso do plot twist como essencialmente emocional, e estabelecia personagens exemplarmente diversos e completamente envolventes. Com um elenco espetacular de atores que precisavam de uma oportunidade para se provar (e conseguiram), This is Us reestabelece o prazer de uma história bem contada e expõe as rachaduras e prazeres da vida em família, dos erros e modulações, ressentimentos e paixões, que vão se cristalizando com o tempo. Ainda em seu 10º episódio, a série ainda tem muito a mostrar – e, com certeza, muitas posições a subir nessa lista.

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12. Person of Interest (5ª temporada) – CBS 

Os episódios finais de Person of Interest definitivamente deixaram o legado da série, um conto inteligente não só sobre o estado de vigilância e suas ambiguidades, mas também sobre a importância da conexão humana em pleno século XXI. Com uma leva final acima da média de episódios e a ajuda de performances incríveis de Michael Emerson, Sarah Shahi e Amy Acker, a série chegou a um final ainda prematuro da forma como só ela conseguiria: personalíssima, agridoce e muito mais relevante do que sua audiência poderia denotar.

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11. House of Cards (4ª temporada) – Netflix

A 4ª temporada de House of Cards é também a sua mais aterrorizantemente premonitória. Nas mãos de Claire e Frank Underwood, os EUA estão tão seguros quanto nas mãos de Donald Trump – mesmo com lançamento no comecinho do ano, quando a eleição americana ainda parecia distante, a temporada encontra uma reflexão política fascinante nas estratégias de governo e popularidade dos dois protagonistas, enquanto nos empurra mais fundo ainda para suas psiques, expandindo seu relacionamento complicado e os jogos de poder que fazem um com o outro. Spacey e Wright estão excepcionais como sempre, e a série parece finalmente ter se elevado ao nível deles.

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10. Girls (5ª temporada) – HBO

Girls é uma obra-prima. É falha, cheia de vícios e idiossincrasias irritantes, personagens que não seguem um padrão dramático de evolução convencional, e infundida dos mesmos preconceitos involuntários de sua criadora e estrela, Lena Dunham. Por ser corajosamente tudo isso, e encontrar uma espécie de realidade fantástica onde pode expressar coisas como a prisão da personalidade e o árduo trabalho do amadurecimento, Girls continua ficando melhor a cada temporada e se encontrando em um ligar especial e único na TV americana no momento – o tempo será mais gentil com a série do que os críticos hoje em dia, e esse é o maior certificado de qualidade que alguém pode receber.

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9. Masters of Sex (4ª temporada) – Showtime

Naquela que acabou sendo a última temporada de Masters of Sex, drama de época da Showtime sobre dois pesquisadores pioneiros da sexualidade, personagens foram explorados de maneira mais objetiva do que a sempre oblíqua showrunner Michelle Aahford permitiu nos três anos anteriores. Pudemos observar Bill (Michael Sheen) passar por uma transformação que, por causa dos 36 episódios anteriores de teimosia, pareceu bem merecida, e Libby (Caitlin Fitzgerald) finalmente se liberar das pressões e descobrir quem verdadeiramente é. Com seu final em 2016, Masters se consagra como um tratado arguto sobre as relações de gênero através da história e um delicado conto moral sobre identidade.

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8. Orphan Black (4ª temporada) – BBC America/Space

Em seu penúltimo ano no ar, Orphan Black finalmente ganhou coragem para se tornar mais que a soma de suas partes. Sim, Tatiana Maslany continuou superlativa em seus múltiplos papeis, talvez ainda mais que nas três temporadas anteriores, e sim, a mitologia envolvendo a série ainda é tremendamente divertida e derivativa de chavões clássicos da ficção científica. No entanto, na 4ª temporada, Orphan Black é também um conto urgente sobre a natureza da opressão, e as muitas reações a elas, usando a variedade entre as personagens para criar um retrato inteligente e multifacetado dos efeitos da prisão social em que essas mulheres foram colocadas. Quem diria que Orphan Black se tornaria uma pièce de resistance.

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7. Dirk Gently’s Holistic Detective Agency (1ª temporada) – BBC America/Netflix 

Essa pérola da BBC America/Netflix surgiu no finalzinho do ano. Inspirada por uma obra de Douglas Adams (O Guia do Mochileiro das Galáxias), Dirk Gently mostrou logo em seu espetacular piloto que seria uma agridoce e deliciosamente absurda viagem por temas grandiosos como destino e redenção. Com personagens vívidos que são tão relacionáveis quanto completamente surreais e uma trama que trouxe mais reviravoltas do que qualquer um poderia prever, Gently trouxe Elijah Wood e Mpho Koaho como comoventes “caras normais” para seus parceiros de cena doidinhos, os brilhantes Samuel Barlett e Fiona Dourif. O resultado é um caldeirão de narrativa de gênero viciante.

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6. American Crime Story (1ª temporada) – FX

Um ano em que American Crime Story: The People v. O.J. Simpson fica na sexta posição nessa lista é um ano excepcional. Graças à escola de Ryan Murphy de assumir apenas produção e direção da nova série, deixando o trabalho de roteiro para Lary Karaszewski e Scott Alexander, o que assistimos foi um equilíbrio perfeito entre entretenimento de primeira e retrato social astuto, corrigindo as más concepções da época retratada ao mesmo tempo em que expunha como elas continuavam até hoje. Descontando os sublimes Sarah Paulson e Sterling K. Brown, há de se argumentar que o restante do elenco realizou caricaturas de personagens reais, mas poucas vezes caricaturas foram tão envolventes quanto as de Cuba Gooding Jr. ou John Travolta, por exemplo. American Crime Story pode ser nossa 6ª melhor série do ano, mas é talvez a mais importante.

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5. Westworld (1ª temporada) – HBO

Todas as análises rasas que clamavam que Westworld é uma série sobre a natureza de ser humano são um detrimento da obra de Jonathan Nolan e Lisa Joy. De forma paciente e inteligente, os dois showrunners nos conduziram por uma história que é sobre muito mais que isso – é sobre nossos medos e anseios como sociedade, sobre os sistemas que nos prendem em loops eternos, modorrentos, violentos e/ou deprimentes nas nossas vidas, sobre como o mundo é construído para o desfrute de poucos sob o sofrimento de muitos. É uma história de libertação encarnada em cada atuação dos androides do parque, e sutilmente refletida nos humanos – ao final de sua temporada, Westworld, mais uma produção de qualidade refinadíssima da HBO, parece se render aos próprios desejos. E esses prazeres violentos tem fins violentos, como você bem sabe.

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4. The Night Of (1ª temporada) – HBO

Em um ano no qual a mídia em geral começou a pensar nas falhas do sistema presidiário e judiciário com mais intensidade, The Night Of chegou para ser a obra definidora dessa reflexão. A trama de Richard Price é menos sobre o mistério em seu centro e mais sobre o que acontece depois dele, e como os vários sistemas da sociedade oprimem, moldam e acomodam os personagens ao redor de Nasir Khan (Riz Ahmed). Com um elenco infalível e um olhar agudo para as hipocrisias da sociedade que cerca suas criações, Price e o diretor Steven Zaililan criaram uma fábula deprimentemente real que assombrou e fascinou todo mundo que lhe deu uma chance por 9 penosas e fundamentais horas.

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3. Game of Thrones (6ª temporada) – HBO

Em seu sexto ano, Game of Thrones continuou provando por que é a narrativa definidora da nossa era de televisão – nos bons e nos maus sentidos. A dupla D.B. Weiss e David Benioff trabalhou nas reclamações dos fãs e definiu uma data de término para a série: sem a prisão dos livros de George R.R. Martin, a dupla de talentosos roteiristas conseguiu direcionar sua história de verdade e refletir com mais inteligência sobre seus temas: crença, opressão, a passagem do tempo e o amadurecimento. No caminho, a jornada dos personagens se tornou mais clara e mais envolvente, abrindo espaço para grandes atuações de todos os cantos, especialmente, é claro, de Lena Headey (Cersei). “Battle of the Bastards” (6x09) pode ser a menina dos olhos da HBO nesse sexto ano de Thrones, mas a excelência da série, finalmente, foi muito além de seus momentos mais épicos.

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2. Penny Dreadful (3ª temporada) – Showtime

O “final-surpresa” de Penny Dreadful (que não avisou a ninguém que a 3ª temporada seria a última) deixou fãs revoltados, mas em perspectiva é impossível negar que tenha sido a conclusão perfeita para a saga escrita por John Logan. Em seus 27 episódios, Dreadful foi uma análise de como a sociedade “repulsa” e “deixa de lado” os diferentes, e como para estes talvez seja mais catártico ser tocado pelas trevas e pelo mal do que não ser tocado por nada. Essa reflexão chegou ao ápice natural no terceiro ano, abrindo espaço para o episódio mais devastadoramente bem-escrito do ano, “A Blade of Grass” (3x04), uma simples peça de diálogo com mais repercussões e complexidades do que qualquer grande batalha. Fosse ou não o final, Penny Dreadful mereceria seu lugar aqui.

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1. The Americans (4ª temporada) – FX

Há 4 anos que The Americans é a melhor série no ar na TV americana. Essa 4ª temporada, no entanto, adicionou mais e mais camadas de complexidade na história do casal Jennings, e especialmente do amadurecimento de seus dois filhos, Henry e Paige. O fato de que The Americans cresceu para se tornar uma série sobre amadurecimento e foi capaz de identificar que o forte temático de sua história estava na forma como o trabalho de espiões de Philip e Elizabeth reflete as complicações da vida adulta que Henry e Paige só começarão a sentir com o tempo é excepcional em si próprio. A forma como a 4ª temporada explorou e expandiu os cantos mais escuros desse mundo adulto, e a forma como a Guerra Fria é intimamente ligada ao momento que vivemos hoje, politicamente, no mundo, é o que a faz acima de qualquer expectativa. Se continuar superando a si mesma dessa forma, é quase impossível prever o que The Americans vai entregar em sua 6ª (e última) temporada em 2018.

12 de dez. de 2016

As 10 melhores canções de 2016

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por Caio Coletti

O ano está acabando, e preparamos uma pequena surpresa: além da completíssima lista de 30 (30!) melhores discos do ano que deve aparecer por aqui no mês que vem, resolvemos marcar o reveillon com um ranking das melhores faixas individuais de 2016! Na nossa seleção entraram singles e não-singles, entrou soul, entrou pop, entrou indie e entrou R&B. Como sempre, o lema é quanto mais eclético melhor! A listinha provavelmente deve ter algumas surpresas e preciosidades para todo mundo descobrir. Vamos lá?

10) Desperado – Rihanna

Quando Rihanna finalmente quebrou o silêncio de quatro anos sem lançar álbuns com o Anti, no finalzinho de janeiro, a sensação foi que o ano musical tinha finalmente começado. A espera valeu a pena para ouvir um álbum genuíno e à flor da pele como todos os anteriores de Rihanna, mas com um espírito experimental e aventureiro que era inédito. “Desperado” é uma canção machucada que conjuga o conflito entre querer estar sozinho, mas não querer estar solitário – levada com segurança por Rihanna nos vocais, a faixa coloca uma batida simples sobre versos quebrados, criando um ambiente melódico que é único do Anti, uma das obras pop mais singulares que vimos em muito tempo.

9) John Wayne – Lady Gaga

“John Wayne” é a faixa que prova de uma vez por todas: se você achou o Joanne uma mudança muito radical da Lady Gaga que conhecíamos anteriormente, você não está ouvindo com atenção. Com guitarras country rock espremidas em uma melodia e uma letra que só Gaga poderia escrever, a canção fala de um amor urgente que poderia muito bem figurar nos temas “na beira do precipício” do Born This Way – com ganchos geniais e uma química pop cosmopolita em cima de suas raízes na música tradicional americana, “John Wayne” é exatamente o que foi concebida para ser: um prazer culpado incrustado no meio do ambíguo e corajoso Joanne.

8) The Sound – The 1975

Há sarcasmo pingando da letra de “The Sound”, segundo single do gloriosamente intitulado disco do The 1975, I Like it When You Sleep For You Are so Beautiful Yet so Unaware of It. Uma alegoria romântica sobre teclados disco, sintetizadores agudos e uma guitarra deliciosa, “The Sound” é na verdade um recado afiado aos fãs da primeira fase da banda que se desligaram da estética mais “colorida” e francamente pop do segundo álbum: “Não me diga que você ‘simplesmente não entende’/ Porque eu sei que sim”, canta Matty Healy, entregando uma perfeitamente irônica resposta que consegue não subestimar a inteligência dos fãs e cutucá-los ao mesmo tempo. Música pop raramente fica melhor que isso.

7) Moth to the Flame – Chairlift

Se você perguntasse para mim, “Moth to the Flame” deveria ser o clímax de todas as baladas de 2016 ao redor do mundo. A canção do Chairlift tem aquela qualidade icônica da grande música de pista de dança, na qual a repetição deliciosamente culpada serve a um propósito: realçar a situação lírica da música, em que o sujeito se vê inesperadamente atraído por algo que ele nunca consegue alcançar. “A esperança se esconde dentro de um clichê”, canta a angelical voz de Caroline Polachek em um dos versos, sob uma batida viciante e a produção sutil e acertada que aprendemos a esperar da banda. Clichês são clichês por um motivo: eles funcionam.

6) Operator (He Doesn’t Call Me) – Lapsley

Se você excluir todos os singles espetaculares que ela havia lançado antes do álbum, o destaque óbvio do álbum de estreia da Lapsley, um dos grandes talentos que encontrei esse ano, é “Operator”. Com um clima disco que passa pelo pacote de cordas aliado à batida e chega até a linha melódica dos versos, a canção é minimalista como Lapsley costuma ser, mas contagiante como poucas outras em sua discografia. Um conto simples e genioso de um amor à longa distância, “Operator” esconde um sentimento de quebrar o coração em cima de uma produção dançante, no melhor estilo da música pop dos anos 70 e 80.

5) Cool Girl – Tove Lo

Qualquer artista que seja capaz de acessar o inconsciente popular da forma como Tove Lo fez com “Habits” merece atenção, mas “Cool Girl” traz um outro nível de sofisticação ao discurso dessa sueca. Terrivelmente irônica e venenosa, a faixa que abriu os trabalhos do álbum Lady Wood ganha pontos pelo refrão em monotom contrastado com os versos mais “abertos”, uma combinação sempre exótica e difícil de fazer funcionar, mas ganha ainda mais pela forma como encapsula o ridículo e o delicioso da aversão da nossa geração ao compromisso romântico.

4) Death of a Bachelor – Panic! At the Disco

Se as palavras “Brendon Urie brincando de Frank Sinatra” não são o bastante para te convencer do porquê “Death of a Bachelor” está nessa lista, você não é meu tipo de pessoa. Brincadeiras à parte, o vocalista (e único membro) do Panic! At the Disco arrasa nos vocais da faixa, que expressa um sentimento meio-amargo de envelhecimento embebido na teatralidade e na ironia honesta (se é que isso é possível) que aprendemos a esperar do Panic. Guitarras sintetizadas se misturam com sopros no instrumental que traz o swing para o século XXI sem fazer muito barulho por isso.

3) She Lays Down – The 1975

A lista de melhores canções d’O Anagrama sempre chega no finalzinho com pelo menos uma composição simples e linda exatamente por sua simplicidade. Minha canção preferida de todos os tempos é “Moon River”, então vocês devem entender minha fraqueza por faixas como “She Lays Down”, que no álbum do The 1975 é executada apenas pelo vocalista Matty Healy e a guitarra. Com versos machucados que abordam a depressão pós-parto e o abuso de drogas da mãe de Healy, “She Lays Down” é uma daquelas composições que colocam uma melancolia universal em música e falam direto à sensibilidade mais profunda do ouvinte. Não há muito o que analisar – é arte.

2) Perfect Illusion – Lady Gaga

Por outro lado, uma elaboração complexa e fascinante como “Pefect Illusion” é também extremamente sedutora. Nenhuma outra faixa de música pop chegou com mais camadas, significados, compreensões e dimensões musicais quanto o primeiro single do Joanne, de Lady Gaga – há algo do pop rock de Cyndi Lauper, influenciado na melodia pelo blues do começo da carreira da cantora; há algo de “Total Eclipse of the Heart” na mudança de tom para o último refrão; há a batida constante do tecno europeu e as guitarras francamente americanas que permeiam o restante do álbum, tornadas “cosmopolitas” pelo produtor Mark Ronson.  É uma música sobre a separação entre verdade e mentira, arte e artista, história e realidade – sobre tudo de complicado com o que Gaga sempre foi fascinada, mas em uma roupagem enganosamente simples.

1) Love on the Brain – Rihanna

Me dê emoção à flor da pele com arte pop, no entanto, e você me ganhou. “Love on the Brain” é soul com seus corais e órgão, mas, ainda, tremendamente moderna em suas linha melódica e produção, das guitarras elétricas à batida sintetizada. É genuína em seu amor desesperado, e desesperada em seu amor genuíno. Tem a marca indelével de Rihanna nos vocais, esticando seu alcance sem se preocupar com a elegância da interpretação – é mais importante passar a mensagem do que torna-la digerível para um público que não vai entendê-la de qualquer forma. No Anti, o status de artista supera em muito o status de diva da cantora barbadiana, e as sofisticações são deixadas de lado de vez para um álbum cru e genial do qual “Love on the Brain” é a melhor representação.

3 de dez. de 2016

Review: Animais Fantásticos demora para se encontrar, mas é mágico quando consegue

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por Caio Coletti

Às vezes, nós críticos nos perdemos tanto em análises e análises sobre como a saga Harry Potter marcou uma geração (e de fato é fascinante pensar e falar sobre isso) que esquecemos do fato de que J.K. Rowling é uma das melhores contadoras de histórias em atividade na literatura popular. É um caso clássico de se concentrar no impacto de uma obra ao invés de seu conteúdo ou sua técnica, mas assistir Animais Fantásticos e Onde Habitam é simultaneamente uma lembrança da absurda habilidade de Rowling em tecer histórias e um aviso de que ela também é capaz de falhar. Essa expansão/prelúdio da saga Harry Potter explora terrenos desconhecidos para a autora, e isso fica claro na primeira meia hora de filme, quando Rowling parece estar procurando pela história que quer contar.

O filme começa com Newt Scamander (Eddie Redmayne) chegando à Nova York dos anos 20 com uma maleta mágica cheia dos animais fantásticos do título, espécies que só existem no mundo bruxo. A tranca mais que frouxa da mala é o dispositivo de plot que Rowling usa para colocar em movimento uma trama que se conecta profundamente com o passado da saga, e também com seus temas. Quando finalmente se encontra, após fazer a introdução de personagens e situações, Animais Fantásticos é cheio daquela magia típica da escrita de Rowling, um prazer que mistura a intimidade com os personagens e a sensação de assistir enquanto todas as peças aparentemente desconectadas se juntam em uma exploração de tema e trama perfeita.

Animais Fantásticos tem questões sérias para discutir sobre opressão e as formas insuspeitas que ela muitas vezes toma, além dos nada belos resultados dela nos indivíduos. Rowling sabe que, ao viajar para o passado (muito mais do que viajar para o outro lado do Atlântico), uma adaptação social precisaria ser feita no mundo bruxo, e se aproveita da localização nos anos 20 para inverter a situação do preconceito que vimos na saga Harry Potter – aqui, a “caça aos bruxos” é muito mais literal que metafórica, e Rowling é mais uma vez esperta em sua construção de universo ao retratar a perseguição social que levaria ao preconceito no universo que conhecemos, de décadas mais tarde. É um círculo vicioso de ódio que a autora revela aqui, uma observação aguda da forma como a nossa sociedade funciona.

Ajuda que Rowling continue colocando os outsiders como seus campeões e heróis – o perpetuamente constrangido Scamander, interpretado com os maneirismos adoráveis usuais por Redmayne, é apenas um condutor para o público se conectar a personagens como a subestimada ex-Aurora Tina (Katherine Waterston), a excêntrica leitora de mentes Queenie (Alison Sudol), o caloroso e fracassado Kowalski (Dan Fogler), e até o terrivelmente reprimido Credence (Ezra Miller). Cada um desses atores traz um elemento diferente que contribuí para a forte miscelânea de estilos do filme, que só não parece mais vibrante porque o diretor David Yates, que comandou as quatro derradeiras aventuras de Harry Potter, insiste em um visual e mise-en-scene de poucas intervenções estilísticas.

Não significa, é claro, que o trabalho de figurino da sempre espetacular Colleen Atwood não brilhe, assim como o esforço da equipe de efeitos especiais ao criar criaturas críveis inseridas em visuais de encher os olhos. Animais Fantásticos é um caldeirão de criatividade conduzido por uma força unificadora (Yates) talvez centrada demais para seu próprio bem, mas funciona como filme, entretenimento e pedaço de narrativa pop assim que encontra seu rumo como história. A expectativa de outros quatro capítulos dessa nova saga é excitante especialmente para ver o que a mente de Rowling pode tramar tendo tirado as introduções e caracterizações do caminho.

Deixamos esse último parágrafo pra endereçar o “elefante na sala”, que atende pelo nome de Johnny Depp – o ator, recentemente acusado de violência doméstica pela agora ex-esposa Amber Heard, aparece por poucos minutos no final do filme (não se preocupe, não vamos “estragar” a surpresa aqui), mas deve ter papel maior nas continuações. E sim, a escalação dele diz algo sobre o quanto produtores, estúdios e até criadores que amamos em Hollywood realmente se importam com questões sociais, mas a verdade é que histórias transcendem aqueles que as contam. Animais Fantásticos é sobre a unidade superando o medo, mesmo em um mundo mais adulto e cruel do que o de Harry Potter, e o tempo vai transformar Johnny Depp, assim como transformou a cruel vilã Mary Lou (Samantha Morton), em uma nota de rodapé nessa história.

✰✰✰✰ (4/5)

FANTASTIC BEASTS AND WHERE TO FIND THEM

Animais Fantásticos e Onde Habitam (Fantastic Beasts and Where to Find Them, Inglaterra/EUA, 2016)
Direção: David Yates
Roteiro: J.K. Rowling
Elenco: Eddie Redmayne, Katherine Waterston, Alison Sudol, Dan Fogler, Colin Farrell, Ezra Miller, Samantha Morton, Carmen Ejogo, Jon Voight, Johnny Depp
133 minutos