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Review: Me Chame Pelo Seu Nome

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Review: Liga da Justiça

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29 de jun. de 2014

Review: “Jogos do Apocalipse” dá roupagem nova a uma antiga reflexão sobre a humanidade

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por Caio Coletti

É difícil classificar The Philosophers (Jogos do Apocalipse, na bizarra tradução brasileira) em um gênero: fantasia não é um termo que englobe toda a ambientação do filme, que só traz cenários fantásticos – apocalípticos e pós-apocalípticos – quando entra na imaginação de seus personagens; suspense também não faria jus à atmosfera reflexiva e plácida da obra de John Huddles, que volta ao cinema 15 anos depois de seu último filme, At Sachem Farm; há algo de drama de personagens e algo de exercício metafísico de narrativa em The Philosophers.  Este é um filme que usa as ferramentas de um apanhado de gêneros diferentes para mostrar seu ponto de forma criativa, inteligente e efetiva. Dessa forma, mesmo que tal ponto seja notadamente batido, o resultado é marcantemente envolvente.

A trama se baseia em uma aula de filosofia ministrada por Mr. Zimit (James D’Arcy), a última do ano para sua classe de alunos notáveis em uma escola internacional. Em dita aula, o professor faz os estudantes simularem uma situação apocalíptica: o mundo está explodindo em guerra nuclear, e os 20 jovens precisam escolher só 10 deles (incluindo ou não o próprio docente) para se abrigar em um bunker, onde passarão anos a fio esperando a radiação se extinguir. O roteiro monta, assim, um jogo provocante e intenso entre racionalidade, conclusões filosóficas e emoção, enquanto a direção e a fotografia trabalham juntas para criar um clima idílico nas cenas que materializam a simulação dos alunos.

O elenco é uma virtude a parte. A interação entre D’Arcy (o Anthony Perkins de Hitchcock, o Rufus Sixsmith de Cloud Atlas) e o elenco jovem é de igual para igual, especialmente porque o trabalho da diretora de casting trouxe uma gama bem diversa de talentos para o filme. Sophie Lowe, que recentemente amargou o fracasso de Once Upon a Time in Wonderland, mostra que pode trazer sagacidade para detrás dos seus olhos azuis desbotados, usando a beleza a seu favor para compor uma protagonista apropriadamente serena para um filme tão reflexivo. Ela é um excelente contraponto para o professor atormentado de D’Arcy, assim como o sempre expressivo Rhys Wakerfield (Uma Noite de Crime) e a excepcional Katie Findlay (The Carrie Diaries).

Jogos do Apocalipse é um filme de vários pesos e várias medidas. Usa a personalidade de cada uma das criações que povoam o seu roteiro para explorar aspectos e concepções humanas que se complementam para formar um painel bastante amplo. Há um pouco de cinismo e um pouco de inocência em cada mudança de rumo da narrativa, e a verdade é que no final das contas o filme enaltece aquele aspecto da humanidade que sempre é destacado em grandes histórias sobre sobrevivência: a capacidade de viver por algo além dela. E talvez, a bem da verdade, a capacidade de escolher como fazê-lo.

✰✰✰✰ (4/5)

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Jogos do Apocalipse (The Philosophers, EUA/Indonésia, 2013)
Direção e roteiro: John Huddles
Elenco: James D’Arcy, Sophie Lowe, Daryl Sabara, Freddie Stroma, Rhys Wakerfield, Bonnie Wright, Katie Findlay, Jacob Artist, George Bladgen
107 minutos

Wilfred 4x01/02: Amends/Consequences

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ATENÇÂO: esses reviews contêm spoilers!

por Caio Coletti

4x01 – Amends
“Se você se se comportou mal, se arrependa, faça as pazes com o que puder fazer, e trate de se comportar melhor da próxima vez” (Aldous Huxley, autor de Admirável Mundo Novo)

Wilfred é uma série traiçoeira. Inspirados talvez pelo espírito de trickster do seu personagem-título, os roteiristas são afeitos a fazer jogos psicológicos com o espectador, questionar o que é real ou imaginário com desapego notável a uma linha narrativa meramente convencional, e nos envolver nas mentiras e nos limites do que pode ou não nos mostrar. Esse não deveria ser o procedimento mais aconselhável para série de TV alguma, visto que elas, mais do que muitas outras formas de contar histórias, depende do público que conquista para seguir adiante. O curioso é observar que, entrando no seu quarto (e último) ano no FXX, canal filiado ao que exibiu suas três primeiras temporadas (o FX), Wilfred conhece bem o bastante a pequena base de espectadores que atraiu durante sua jornada para saber que ser surpreendido e intrigado pela ambiguidade da trama é exatamente o que eles querem.

Mais ainda, Wilfred encontrou os escritores certos para fazê-lo. Reed Agnew (The Andy Milonakis Show) e Eli Jorné (Alternate Endings) conduziram a terceira temporada ao assinarem o primeiro e o último episódios. Agora, dão continuidade ao trabalho iniciando esse último ano da série e subverterem tudo o que fizeram antes para contar uma fábula moral ainda mais poderosa, ao mesmo tempo em que mantem o espírito de dúvida cômica que é ideal para que Wilfred prospere até o final. Enquanto isso, a direção e os atores tratam de suavizar as pontas e trazer à superfície as emoções essenciais da história, dando a série uma dimensão humana bastante interessante para uma comédia que faz muita graça da pronúncia da palavra “envelope”.

Em “Amends”, descobrimos que a morte do pai de Ryan, a briga com Wilfred e a descoberta da estátua que fechou a temporada passada não passavam de um delírio que nosso protagonista teve quando caiu das escadas (sim, foi ele quem caiu, não o pai). Essa reviravolta completa no início do episódio o conduz para um caminho que se assemelha a um amarrar de pontas muito mais emocional do que prático, ao mesmo tempo que nos dá mais um pedaço da mitologia para nos agarrarmos. As aparições curtas de Fiona Gubelmann e Dorian Brown mostram que, apesar de ainda possuirem características muito reconhecíveis das outras temporadas, Jenna e Kristen não são mais vistas sob o olhar distorcido e funcional de Ryan (embora existam essencialmente para realçar sentimentos dele).

✰✰✰✰✰ (4,5/5)

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4x02 – Consequences
”Mais cedo ou mais tarde todos se sentam para comer um banquete de consequências” (Robert Louis Stevenson, autor de Ilha do Tesouro)

“Consequences” tem melhores piadas e se aproveita do carisma bobalhão de Chris Klein no que provavelmente é sua performance final no papel de Drew. Quando Ryan resolve visitar o local de uma misteriosa fotografia que encontrou nos arquivos do seu pai, o marido de Jenna tenta fugir das crises no casamento e acaba forçando o protagonista a levá-lo junto, sem saber dos objetivos da “viagem de camping”. O gosto que fica no final do episódio assinado por David Baldy (na sexta contribuição com a série) é amargo porque as consequências das tramoias de Wilfred dessa vez são maximizadas.

Com a sua mitologia cada vez mais complexa e uma série de misterios que prometem se encadear pelos próximos oito episódios, a série mostra não ter mais medo de usar a figura de Wilfred como algo desconhecido e assustador, e a escassez de cenas nos cenários usuais (o porão de Ryan, por exemplo, por pouco não dá as caras) mostra que a temporada está apostando alto. No começo de seu último ano no ar, Wilfred wants to go out with a bang.

✰✰✰✰ (4/5)

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Próximo Wilfred: 4x03 – Loyalty (02/07)

27 de jun. de 2014

Review: “Ultraviolence” é o álbum perfeito para a nossa geração

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por Caio Coletti

Oscar Wilde uma vez escreveu que “a aversão do século XIX ao Realismo é a cólera de Calibã por ver seu rosto num espelho”. O que o escritor de O Retrato de Dorian Gray queria dizer é que nem sempre odiamos alguma coisa simplesmente porque ela vai contra os nossos princípios – às vezes, a odiamos porque ela vai de encontro a eles, e não queremos admitir. Irritar-se com os simbolismos de Ultraviolence, novo álbum de Lana Del Rey, é não se dar conta que vivemos em um mundo onde o que ela diz é muito real.

Lana dá voz a mulheres (no plural sim, porque sua personagem é simbólica de muitas outras que passeiam por suas músicas) que escondem sua força por trás da fragilidade. Existe uma crueldade que aflora na segunda metade do disco, especialmente em “Money, Power, Glory” e “Sad Girl”, que parece ser frustração mal direcionada por todas as opressões que ela mesma sofreu em outros pontos de sua história. É claro que Lizzy Grant, a artista por trás de Lana, também regozija nesses momentos, antecipando críticas certas a sua persona (“Fucked My Way Up to the Top”, embora talvez a canção menos memorável do disco, é marcantemente ácida) e colocando em pratos limpos quem ela é e porque ela faz o que faz.

Na essencial “Brooklyn Baby”, ela canta: “They judge me like a picture book/ By the colors like they forgot how to read” (“Eles me julgam como um livro de imagens/ Pelas cores, como se desaprendido a ler”). Não à toa, a canção foi chamada pela revista Time de “a música mais milennial já escrita”, se referindo ao nome dado à geração que teve o final da infância e toda a adolescência no século XXI. As agruras de Del Rey são idênticas as do público que muitas vezes a maltrata, e é por isso que a cantora reuniu tantos fãs quanto detratores.

Assim como boa parte do álbum, “Brooklyn Baby” ganha punch graças a produção de Dan Auerbach, metade do duo Black Keys. A interferência do moço traz ao Ultraviolence uma atmosfera mais crua, que troca as batidas hip hop e a produção exagerada do Born to Die por uma abordagem bem direta do clima que Lana quer passar para o ouvinte. Em “West Coast”, o primeiro single, o sintetizador intermitente e a guitarra que irrompe no final causam a sensação de transe relacionada ao clima sempre ensolarado a atmosfera sonhadoramente ignorante de Los Angeles.

“Pretty When You Cry” é uma balada discretamente marcada pela batida constante, que ganha um solo remanescente de Guns N’ Roses perto do final. “Ultraviolence” e “Sad Girl” têm intervenções de harpa que as tornam mais delicadas, enquanto o refrão de “Money, Power, Glory” explode em apoteose melódica. “Old Money” é uma canção de ninar melancólica sobre o envelhecimento, e Lana deixa sua voz mais áspera em alguns versos, como que reconhecendo o quanto a solidão faz parte do seu presente e do seu futuro. É preciso dizer que, nesse disco, ela deixa sua voz explorar caminhos que simplesmente não poderiam passar pela superprodução sufocante de Born to Die. Quem ouve o soprano de “Shades of Cool” nunca mais a vê da mesma forma como intérprete.

Amar o Ultraviolence superficialmente, no entanto, é tanto armadilha quanto odiá-lo superficialmente. Aceitar as maquinações temáticas de Del Rey pelo simples charme de sua elaboração musical retrô, suas alegorias românticas destrutivas e sua figura lasciva é perder o ponto. Complexo como é, o álbum é ao mesmo tempo uma celebração e uma crítica a toda a superficialidade de uma geração, e à forma como somos incrivelmente capazes de tirar profundidade dessa superficialidade. É um paradoxo, e não é a toa – o nosso mundo também é. A sensação de ouvir o Ultraviolence é essencialmente a de amar alguém que lhe abusa de todas as formas possíveis, mas também lhe ama de volta. A vida tem dessas coisas. She hit us, and it felt like a kiss.

✰✰✰✰✰ (5/5)

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Ultraviolence
Lançamento:
16 de Junho de 2014
Gravadora: Interscope/Polydor
Produção: Dan Auerbach, Lana Del Rey, Paul Epworth, Lee Foster, Daniel Heath, Greg Kurstin, Rick Nowels, Blake Stranathan
Duração: 51m24s

22 de jun. de 2014

Veep 3x08-10: Debate/Crate/New Hampshire

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ATENÇÃO: esse review contem spoilers!

por Sâmela Silva

3x08 – Debate

A trama de “Debate” é evidente: pela primeira vez os candidatos à presidência debaterão suas ideias em rede nacional, e o Team Veep precisa deixar Selina Meyer impecável diante do público antes que ele aconteça. Na reta final da temporada, a série trouxe mais um episódio fantástico que aposta ainda mais no roteiro sagaz para fazer graça – isso e as expressões faciais de seus atores, é claro.

Se existem personagens que interagem bem cujo relacionamento fica mais interessante com o passar do tempo, estes são de Selina e Ben. O clima de camaradagem e brincadeiras entre os dois é sempre bacana. Meyer e seu novo cabelo (que nem ficou tão ruim assim) deram espaço para ótimas piadas, e as reações foram impagáveis.

Após seu colapso, Dan está de volta super zen. Ver a maior parte do grupo tratando-o com cuidado foi inesperado, mas colocou destaque na falta de empatia de Amy e deu a Reid Scott a chance de ser bonzinho uma vez na vida. Pelo menos até o fim do episódio, já que Dan dá um gigante tapa na cara verbal em Jonah para avisar que sua personalidade não morreu.

A sequência de debate em si foi gloriosa, e não só por Selina tentando aparecer nas câmeras quando ofuscada por Thornhill, nem pelo candidato mais loser da história. O assunto de facada nas costas em política foi revisitado e, como uma boa série que entende seu material, Veep aproveita para lançar mais críticas ao povo americano, seja por Thornhill com suas irritantes analogias de esporte que consegue o carinho do público com facilidade ou pelo ódio de imigrantes que a maioria dos eleitores nutre, explicitado pela grande aceitação de Selina após o discurso sobre repelir os ilegais.

A surpresa maior de debate e talvez sua parte mais memorável fica com Maddox, que comete uma grande gafe e não consegue revertê-la – tudo pela distração do hilário discurso de Selina. Sempre interessante a intersecção entre diálogos e risadas mais fáceis com que os roteiristas brincam.

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3x09 – Crate

Já com “Crate” temos as primárias de New Hampshire, e com ela mais campanha. Aqui Selina busca parecer mais “folksy”, identificável para a população, e para isso usa um – caríssimo – caixote. A ironia disso não passa despercebida.

Infelizmente Veep ainda não conseguiu trazer dois episódios fantásticos em sequência, e “Crate” passaria despercebido se não fosse pela massiva reviravolta que ocorre em seus últimos minutos: a resignação de POTUS fará de Selina a próxima presidente. Ver a vice perdendo a paciência com o que acontece com ela e chamando seus empregados de perdedores é bom, testemunhar Jonah voltando para o fundo do poço também, assim como ver as mudanças do pensamento de Mike acerca de seu emprego e casamento. Mas nada se compara ao momento de felicidade, choro e quase histeria compartilhada entre Selina e Gary, e as reações do time quando ficam sabendo da notícia.

O clima absoluto de felicidade (principalmente da parte de Dan) pareceu inquebrável com as coisas enfim dando certo para a protagonista. Doce engano.

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3x10 – New Hampshire [SEASON FINALE]

Quase anticlimático vem “New Hampshire”, e Selina Meyer é a primeira presidente mulher dos Estados Unidos. E em menos de 12 horas comete um erro gigantesco, que começa a acabar com suas esperanças de ganhar a eleição, e os resultados das primárias não são animadores. Parecia fácil vencer já sendo a presidente, mas não teria graça se tudo desse certo, afinal. Mais uma vez, um episódio com poucos destaques, e o maior deles foi Dan sendo Dan, acabando com Jonah e conseguindo o que queria de qualquer forma.

O final se assemelha um pouco à season finale da primeira temporada, com um sentimento desolado e Selina cabisbaixa em sua cadeira. Nesse ponto, é quase impossível que ela continue na presidência, visto que Chung é apoiado pelos candidatos mais fortes que desistiram. A dúvida que fica é: será que essa queda vai acontecer mesmo? Em The Thick of It, também de Armando Iannucci, o fundo do poço para seu principal personagem aconteceu apenas na última temporada, e Veep não dá sinais de que vá acabar tão cedo. Talvez no próximo ano ela acabe se tornando vice-presidente de novo. Mas não saberemos até o próximo episódio, infelizmente. Veremos o que vai acontecer.

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Veep está confirmada para uma quarta temporada!

19 de jun. de 2014

Você precisa conhecer: Frida Sundemo explora os cantos ainda não descobertos do synthpop

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por Caio Coletti

É fácil querer comparar Frida Sundemo com Robyn. A bem da verdade, parece ser um vício do jornalismo musical equiparar qualquer artista surgido no canto norte da Europa com a cantora dos hits “Call Your Girlfriend” e “Dancing on My Own”, simplesmente porque Robyn é o exemplo mais recente de sucesso para além das fronteiras de seu país, que já produziu incontáveis gemas pop. Isso não significa que a música de Sundemo não mereça atenção, ou não se mostre única em suas próprias elaborações melódicas e de produção. Pelo contrário, é preciso se despir das comparações para enxergar a refinação das experiências dessa sueca.

O primeiro impacto de Frida no mundo pop veio no final de 2012, com o lançamento da balançada “Indigo” (abaixo). Com sua batida metálica e sua melodia etérea, combinada com um clipe quase perturbador mostrando a relação da cantora com um ser vestido de coelho de pelúcia, “Indigo” a fez entrar na lista de apostas pop de muita gente. Menos de dois anos depois, a música viria a inspirar a batida de "Mr. President", faixa do Kiss me Once de Kylie Minogue. As duas canções seguintes anteciparam o lançamento do primeiro EP: as baladas "Snow" e "Home", essa segunda com uma vibe indie pop inconfundível (pense no MS MR com mais sintetizadores), mostraram que o talento de Frida é mesmo misturar o épico com o intimista.

A própria Frida confirma essa tendência. Em entrevista para o site de música PlanetNotion, ela contou: “Eu amo o contraste entre o grande e épico e o pequeno e frágil. Se você tem os dois ao mesmo tempo, eu acho que é mais fácil apreciá-los separadamente também”. A cantora também afirmou, na mesma entrevista, que muitas das suas influências vem da música clássica, especialmente do trabalho de Debussy e do compositor de trilhas-sonoras John Williams. Estão explicadas as sessões de cordas grandiosas que conduzem “Home”, e as melodias líricas que enchem todas as suas canções.

As cartas na manga da cantora não param por aí, no entanto. Dos singles soltos e vazamentos online os fãs montaram um primeiro álbum não-oficial para a cantora, intitulado For You, Love. A coleção mostra pequenas pérolas como a canção-título, que mostra um lado mais áspero e tragicamente romântico de Frida. O single “A Million Years” (abaixo), por sua vez, traz corais, instrumentos de sopro e uma versão mais “direto ao ponto” do lirismo sempre presente nas melodias de Frida – é uma canção pop forte, com um refrão pegajoso, mas é também excepcionalmente incomum para o gênero.

O lançamento mais recente da moça, antecipando a saída do seu segundo EP, Lit Up By Neon em Maio último, foi o interessante clipe de “Drawn to You” (abaixo). Reflexão do som mais contemporâneo da cantora para 2014, com pitadas de eletrônica noventista e um refrão matador que leva a voz da moça às alturas de forma delicada e esteticamente incrível, a canção é uma boa aposta para Frida, que deve ganhar mais e mais público conforme sua música for evoluindo e “infiltrando” a mente do púlico.

Em seu site oficial, a descrição da artista, provavelmente assinada por algum amigo muito lisonjeito, crava bem o espírito dela: “O futuro já está aqui para Frida Sundemo. Ela está esperando por você dentro dos seus ouvidos”.

Pra quem gosta de: Robyn, Niki & The Dove, Goldfrapp, The Golden Filter, Vanbot, The Sound of Arrows, M83

8 de jun. de 2014

Review: Duas visões de “Malévola”, o subversivo “filme de vilã” da Disney

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ATENÇÃO: esses reviews contem spoilers!

“Malévola” e uma reflexão sobre pontos de vista na narrativa cinematográfica

por Caio Coletti

Ensina o manual de roteiro mais cultuado do mundo, o Story de Robert McKee, que ao nos depararmos com uma história que queremos contar, as possibilidades são vastas. Cabe a nós, criadores, selecionar apenas um dos “fios condutores” individuais que, juntos, formam o tear da história, e apresentar esse mundo rico e sem fronteiras através da percepção (limitada,sim) dessa narrativa singular. Há aqueles que preferem uma perspectiva maior, e por isso selecionam o “fio condutor” de um narrador externo, distanciado, observando a história se desenrolar em todas as direções possíveis. O perigo dessa escolha, apesar da amplitude que ela concede ao produto final, é que o filme, se mal conduzido, sai-se emocionalmente distante. E por mais tendencioso que seja no seu retrato do ponto de vista da personagem-título, Malévola em nenhum momento pode ser acusado de frio.

Para receber a história assinada por Linda Woolverton (O Rei Leão) de braços abertos, portanto, o espectador deve tratar Malévola não só como a enésima encarnação da história d’A Bela Adormecida, dessa vez desenvolvida dentro dos mesmos estúdios Disney que criaram o clássico da animação de 1959 – o filme é também uma criatura própria. E, como tal, é também provido de intenção e uma busca incessante por provar seu ponto. Quando o estúdio do Mickey contou pela primeira vez a história da Princesa Aurora, estava na verdade contando a história das três fadas benevolentes e atrapalhadas que foram incumbidas pelo Rei Stefan de cuidar de sua filha até o amaldiçoado aniversário de 16 anos. A Bela Adormecida é irremediavelmente moldado pela inocência dessas personagens, pela visão exuberante da natureza e do romantismo – a animação é o que é porque escolhe seguir o “fio narrativo” de Fauna, Flora e Primavera.

O mundo criado pelos técnicos de efeitos especiais e registrado pelo diretor Robert Stromberg (ele mesmo um ex-profissional da área, apenas estreando no comando de um filme) é uma boa dica para quem quer pegar o espírito de Malévola. Mesmo com suas criaturas adoráveis e suas fadas aladas e luminescentes, Stromberg e sua equipe não deixam de conceder certa tensão entre nossas percepções estéticas e a natureza perenemente misteriosa desses elementos mágicos. Na condição de espectadores do filme, somos obrigados a contemplar um mundo irremediavelmente selvagem e, mesmo que diante de nossos olhos e filmado em detalhes luxuriosos (e em 3D!), eternamente desconhecido. Malévola não quer que nos tornemos familiares a toda essa magia, porque a inquietação que mora em seus detalhes é parte integrante do clima do filme.

A premissa de contar a história a partir da visão da vilã da animação original, adicionando detalhes como a razão pela qual Malévola perdeu as asas, seu relacionamento conflituoso com o rei Stefan (Sharlto Copley em atuação incrível como de costume), e a afeição que cresce entre ela e Aurora durante a infância da menina, torna o filme em uma fábula estranha, um conto de fadas com o coração sombrio – ou seria um filme noir com um coração romântico? Essa contradição casa bem com a recente tendência da Disney de modernizar suas visões e fazer jus a suas personagens femininas, cada vez menos dependentes do amor conjugal. Tanto Frozen quanto Malévola são histórias de romance fraternal, de conexão familiar construída através de anos de convivência, que joga para a escanteio as noções de “amor-à-primeira-vista” e “Príncipe Encantado” que a Disney perpetuou por décadas a fio.

É claro que essa transformação de Malévola de uma vilã implacável e sem motivos para uma mulher machucada que vê na princesa que amaldiçoou uma protegida improvável, e no servo Diaval um amigo para todas as horas, só é vendida porque Angelina Jolie está no comando. Fabulosa quando precisa perpetuar sua maldição, mas também cheia de garra na hora de tornar a personagem uma figura tridimensional e compreensível, com o lado provocador convivendo em paz com instintos maternais, Jolie consegue a proeza de ser um poço de cinismo que nos convence completamente do quanto quer passar a acreditar. Nunca um filme foi tão apropriadamente intitulado com o nome de seu protagonista. Malévola respira e ofega, diverte e emociona, vive e morre pela formidável fada encarnada por Jolie. E isso garante o encantamento do filme melhor do que qualquer outra coisa.

✰✰✰✰ (4/5)

“Malévola” ganha pontos no conceito e na atuação de Jolie, mas o roteiro não convence

por Gabryel Previtale

Well well... O que falar de um filme tão subversivo e adorável ao mesmo tempo como Malévola? A rainha do mal, diva e maligna foi reconfigurada pelos estúdios Disney. Em um filme que transforma a antagonista em heroína, desvilanizando Malévola e dando razões para seu despeito e maldição. Embora muito fã da história original e das Princesas Disney, o filme possui pontos interessantes e fortes, e outros falhos e a mim em especial, frustrantes.

Angelina Jolie está linda e perfeita em todos os ângulos, jeitos, formas, morta, viva, voando, girando... Se ela fosse a única personagem no filme (se fosse possível) eu assistiria sem grandes problemas pelos 97 minutos, que correspondem a duração do filme. Embora Jolie use nariz prostético, bochechas prostéticas, lentes de contato e chifres, ela consegue demonstrar emoções e reações formidáveis a personagem e ao mesmo tempo exibir sua beleza ímpar. Destaque para a cena do batizado: o sotaque da atriz, o modo como olha e reage aos outros personagens, a sutileza na fala e no olhar, são sem sombra de dúvidas a Malévola personificada. Aurora, interpretada pela Ellen Fanning, foi boa e cabível, carismática e alegre (sem ser "enjoativa") como a princesa do desenho original.

Um ponto estético que me incomodou foi o figurino, não as roupas em si que estão bem legais, mas a cronologia da roupa da personagem principal. Ela começa o filme com um vestido em um tom escuro de marrom, depois ele "enegrece" os tecidos devido a sua nova maldade interior, depois ela vira uma espécie de "Dominatrix" no batizado de Aurora, cheia de couro etc. Passado isso ela vai alternando entre um marrom mais claro do que era no começo do filme, e termina em outro tom. Tudo bem que isso não é algo que todo mundo se importa, enfim, está lindo o figurino, mas a mim não fez muito sentido essa oscilação de humores e maldade, indo e vindo desconforme os acontecimentos do longa.

A direção mais artística e preocupada com fotografia do que o normal são pontos bem legais e caprichados, todos sabem que o diretor Robert Stromberg é tradicionalmente designer de produção, e trabalhou nas versões mais recentes de Alice no País das Maravilhas e Oz: Mágico e Poderoso, que se assemelham nas criações de mundo mágicos mostrado em Malévola. Embora as criaturas fantásticsa não tenham apresentado muito carisma, eu gostei e pra mim deu certo.

As fadas, momento complicado. O que são aquelas fadas miniaturas feitas sob animação 3D? Bizarríssimo. Quando em forma humana, menos pior. Foi muito legal ver que uma das fadas é a Umbridge do Harry Potter! Sim, a Imelda Stauton ♥ E a mim foi a salvação dessas fadas tortas, desculpem, mas não rolou. Talvez seja porque eu gostava muito das fadas originais do desenho, ou vai ver porque o filme é infantil, para as crianças deve ter funcionado as piadas e o carisma das mesmas, que são mostradas também bem superficialmente.

Tem trilha sonora durante o filme inteiro praticamente, trilha de suspense, de ação, quem for sensível vai sair incomodado do cinema, em uma cena que a Malévola levitava os soldados no ar e girava, a trilha acompanhou os movimentos e ficou perfeita, mas assim, de tão saturado de música e trilha, quase não percebi quando cabível. Fiquei triste que a música performada pela Lana Del Rey para promover o filme, não apareceu durante o longa.

Sobre o roteiro, achei muito óbvio e com alguns buracos, no meio do filme eu já sabia qual seria o final. Li muita gente falando que o filme tem um roteiro inovador e feminista, outros falando que o filme propaga o ódio ao sexo masculino nas crianças e etc. Não vou comentar sobre as ideologias que o filme pode transmitir ou não. Eu só acho não há necessidade de sexualizar os filmes da Disney e tornar eles feministas ou não, querer comparar a cena da perda das asas com estupro (????), não tem essa necessidade. Contos de fadas formam a mente das crianças? Talvez, mas não é um filme que vai fazer isso, embora seja louvável a Disney estar se aventurando em roteiros mais arriscados ultimamente, com personagens femininas fortes e independentes.

Acho que um filme pode ser feminista e ter um roteiro bom, o que não é o caso. Por exemplo, tem horas que a Malévola pode realizar grandes magias e transformar as coisas, tem horas que ela entra no castelo como uma pessoa normal, faz tudo meio sem poderes e depois do nada pode fazer uma grande magia, têm horas que ela consegue e horas que ela não faz e isso não é explicado, é meio arbitrário e sem sentido, mas é um filme infantil então a gente releva e entende. Se eu esperei por um beijo lésbico entre Malévola e Aurora? Talvez. Mentira né gente.

O filme é muito bonito visualmente, com um roteiro meia boca, tem gente que assim como eu achava que a graça da Malévola estava justamente na maldade e que o trailer faz você pensar que o filme traria isso, mas no geral é interessante e merece ser assistido. Pelo fato de ser diferente e inovador, algo que sai da zona de conforto da Disney, já vale a nossa ida ao cinema.

✰✰✰ (3/5)

Disney's "MALEFICENT"

Maleficent (Angelina Jolie)

Photo Credit: Film Frame

©Disney 2014

Malévola (Maleficent, EUA/Inglaterra, 2014)
Direção: Robert Stromberg
Roteiro: Linda Woolverton
Elenco: Angelina Jolie, Elle Fanning, Sharlto Copley, Lesley Manville, Imelda Staunton, Juno Temple, Sam Riley, Brenton Thwaites
97 minutos

7 de jun. de 2014

Você precisa conhecer: Wynter Gordon muda tudo com o novo projeto, The Righteous Young

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por Caio Coletti

A história de Wynter Gordon no showbusiness começou em 2005, quando a nova-iorquina, então com 20 anos, foi contratada pela Atlantic Records e escreveu canções para Mary J. Blige, Danity Kane e Jennifer Lopez. Depois de cantar em "Sugar" com Flo Rida e em "Toyfriend" com David Guetta, a moça ganhou a oportunidade de gravar um disco de estreia. With The Music I Die é um gema perdida da nossa década, cheia de canções para encher a pista de dança e um uso perfeito da voz poderosa de Wynter, cujo verdadeiro nome é Diana Gordon. As vendas nada impressionantes do disco, no entanto, fizeram com que a cantora não lançasse um sucessor e abandonasse a Atlantic.

Em selos independentes, ela lançou dois EPs que só fizeram ampliar a nossa visão do quão maravilhosa como artista ela é. Doleo e Sanguine são os dois volumes do projeto Human Nature, incluindo canções incríveis como "Stimela", "Don't Waste Your Time", "Lucky Ones" e "TKO", misturando uma gama enorme de referências, de música africana a hip hop e synth-pop.

Agora, em 2014, próxima de completar 30 anos de idade, e uma década de carreira, Wynter resolveu mudar tudo e sair com um projeto novo, completamente fora do esquema de gravadoras, que quer apostar na audiência online para conseguir relevância. É o The Righteous Young, um sexteto encabeçado pela cantora, que além de assumir os vocais também escreve as canções, dirige os vídeos e faz o styling para os mesmos. “Everything Burns”, a única canção liberada da banda até agora, traz bem o clima que o Righteous Young quer passar.

O vídeo traz Wynter cantando em uma floresta, filmada por uma câmera de VHS (pense em A Bruxa de Blair), e também vestindo uma roupa macabra, que inclui chifres feitos de galhos de árvores e flores, de forma parecida com os vistos na primeira temporada de True Detective (creepy, right?). A estética se mistura à produção muito “orgânica” da música, com violões, pianos e cordas acompanhando a voz de Wynter, mais crua e mais potente do que nunca. O resultado é uma mistura de Florence + The Machine com um toque estético de Bastille e a angústia existencial de Fiona Apple.

Sobre a letra, Wynter diz: “’Everything Burns’ é uma carta aberta para todos os homens protagonistas da minha vida, começando pelo meu pai”. A julgar pelos versos, esses tais homens da vida da cantora deveriam tomar mais cuidado, porque a fúria vingativa da moça não é pouca: “Agora está chovendo, mas você vai aprender/ Brincando com fogo você está condenado a se machucar/ Eu não vou ficar brava, eu não vou dizer nada/ Eu simplesmente não vou parar até tudo queimar”.

O Righteous Young está trabalhando com Mike Eliozondo (Alanis Morissette, 50 Cent, Carrie Underwood) em estúdio para produzir mais canções. Estamos esperando ansiosamente já.

Pra quem gosta de: Florence + The Machine, Laura Marling, Dia Frampton, Alanis Morissette, Bastille, Fiona Apple, Delta Rae

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Por que odiar Lana Del Rey é só uma questão de não ler as entrelinhas?

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por Caio Coletti

Em Milk, cinebiografia do político americano Harvey Milk estrelada por Sean Penn em 2008, Josh Brolin interpretou Dan White, um integrante do Corpo de Supervisores de San Francisco (os representantes do poder legislativo da cidade). White, uma figura real, foi também o responsável pelo assassinato de Milk, o primeiro político abertamente gay a conseguir um cargo oficial no governo americano. Cheio de conflitos e claramente desiquilibrado, o personagem é interpretado com propriedade por Brolin, que foi indicado ao Oscar de Melhor Ator Coadjuvante pelo papel. Apesar do ator não ser exatamente o que se pode chamar de “um cara boa gente” (ele já foi acusado de violência doméstica pela ex-esposa Diane Lane, num caso que nunca ficou esclarecido, e preso outras duas vezes), as disposições do público em relação a ele nunca esfriaram muito por causa disso. Dan White, seu personagem em Milk, e o “homem mais odiado da história de San Francisco”, segundo o maior jornal local. White e Brolin não são a mesma pessoa.

Parece óbvio, mas é justamente o ridículo de definir claramente essas linhas que faz a diferença ao se olhar para o caso de Lana Del Rey, e as recentes declarações que a cantora fez sobre feminismo para um extenso artigo da edição musical da revista FADER. Guardadas as devidas proporções, é preciso olhar para os dois casos e se perguntar: por que atores (e escritores, diga-se de passagem) podem viver suas vidas sem se preocuparem em serem odiados pelo que seus personagens fazem ou dizem, enquanto outros artistas não tem esses privilégios? A divisão entre as duas coisas parece lógica, mas não é. Nunca foi, e é cada vez menos no mundo contemporâneo em que nenhuma arte existe por si só, senão mesclada com todos os outros tipos de arte que constituem o cenário atual.

É verdade que Elizabeth Grant (o nome verdadeiro da cantora) não poderia estar ligando menos para o fato de alguém odiá-la por algo que Lana Del Rey disse. De fato, se alguém odiá-la, ela estará sendo bem-sucedida em transmitir sua mensagem, e isso não é porque ela é uma rebelde sem causa que quer ter as opiniões mais controversas do momento – é porque tudo que Lana é, na verdade, é uma reflexão de quem a assiste. É comum observar na arte contemporânea empreendimentos que solidifiquem e sublinhem esse aspecto do próprio fazer artístico. A performance The Artist is Present, de Marina Abramovic, retratada no documentário de mesmo nome, colocava a artista disponível e vulnerável em frente ao público para mostrar que a reação deles à “solidificação do tempo” naqueles momentos que passavam com ela era muito mais importante do que qualquer coisa. O problema é que essa reação não existiria se a artista não estivesse ali.

A posição do criador de arte hoje em dia é essa: a de provocador. E como qualquer provocador, o artista não tem absoluto controle sobre os efeitos de sua provocação, o que é quase um paradoxo, uma vez que o que definirá sua arte são esses efeitos. Não existe arte independente da reação da sociedade à ela no século XXI. Não existe arte que não seja modificada pela forma com que ela é vista.

Tendo isso em mente, é possível olhar para aquela polêmica declaração no artigo da revista FADER de uma forma diferente. “Para mim, a matéria do feminismo não é um conceito interessante. Eu estou mais interessada em SpaceX e Tesla, o que vai acontecer com as nossas possibilidade intergalácticas. Sempre que as pessoas falam de feminismo, eu fico, por Deus. Eu simplesmente não estou tão interessada”, diz ela no quote principal usado pelo autor da reportagem, Duncan Cooper. Releia essa frase. Releia-a na entonação meio dopada que Lana usa nos monólogos de seus clipes, como Tropico (mais um curta-metragem do que um videoclipe), “Ride” e “National Anthem”. Não soa exatamente como algo que Lana Del Rey diria? Pois esse é exatamente o ponto.

Odiar Elizabeth Grant por essa declaração é o mesmo que odiá-la por ter colocado botox nos lábios, por negar isso em qualquer oportunidade possível, por admitir sem vergonha que “fucked her way up to the top” (título de uma das canções do Ultraviolence, álbum que sai no dia 16 de Junho). Odiar Elizabeth Grant por ser anti-feminista, na verdade, é querer odiá-la por criar um personagem em que ser anti-feminista é uma característica não só adequada, como provocativa. A cirurgia nos lábios também conta aí, e a candura sobre a vida sexual movida à ambição também. Logo em seguida a essa primeira declaração, o jornalista da FADER completa: “Quando pressionada, ela adiciona, de forma mais esclarecedora, ‘minha ideia do verdadeiro feminismo é uma mulher que é livre o bastante para fazer o que ela bem quiser’”. Aí, nessa frase, é possível ouvir mais Grant do que Del Rey.

O público parece ter esquecido que provocação está no coração da arte pop. Andy Warhol fazia cópias de latas de Campbell’s para mostrar que o consumismo estava se infiltrando na arte, e que se esse não era um processo que poderia ser parado, poderíamos muito bem aproveitar para tirar novos significados dele. Madonna usava um vestido de noiva no palco e se esfregava para multidões na época de “Like a Virgin” para desmistificar o culto à virgindade feminina e cutucar aqueles que ainda consideravam o sexo um tabu, especialmente se cantado por uma mulher. Katy Perry até hoje engatinha nos palcos para cantar “I Kissed a Girl” para infiltrar, com a sua atitude de boa moça “levadinha”, a homossexualidade no mainstream. Lady Gaga diz que arte pop só é bem sucedida quando tem um elemento de crime, porque ir contra a etiqueta social é provocar pensamento. E arte contemporânea alcança sucesso provocando pensamento, mesmo que não tenha controle nenhum sobre que pensamento será esse.

Em um outro ponto da entrevista para a FADER, Lana Del Rey (ou Elizabeth Grant) dispara: “Minha carreira não é sobre mim. Minha carreira é uma reflexão do jornalismo, do jornalismo dos dias de hoje. Minha persona pública e minha carreira não tem nada a ver com meu processo interno ou minha vida pessoal. É, na verdade, só uma reflexão sobre o processo criativo do escritor e onde ele está em 2014. Literalmente não tem nada a ver comigo. A maioria das coisas que você lê não é verdade”. Grant e Del Rey não são a mesma pessoa tanto quanto White e Brolin, do exemplo que eu dei lá no primeiro parágrafo sobre o filme Milk, também não o são. Em cada declaração, em cada foto posada e cada entrevista e monólogo meticulosa e friamente planejados, Del Rey é uma criação mais completa e fascinante. De uma forma que distingue uma boa parte dos grandes artistas da atualidade, Lana Del Rey não faz arte. Ela é arte.

Marina & The Diamonds, outra artista contemporânea que faz isso de forma muito distinta, disse sobre seu álbum Electra Heart, em que interpreta uma loira fútil que exalta tudo o que o american dream tem de mais podre e falso: “Electra Heart é a antítese de tudo aquilo no que acredito. E o ponto de introduzi-la e construir todo um conceito ao seu redor é que ela representa o lado corrupto da ideologia americana, que é basicamente a corrupção de si mesmo”.

Qual é o ponto de construir um personagem que vai tão contra a sua própria ideologia? Talvez seja fazer o ouvinte (e espectador) pensar no porquê ele mesmo não é contra tudo isso (o que quer que seja “isso” para o projeto do artista). Talvez seja fazer pensar o porquê tantas pessoas não são.

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6 de jun. de 2014

“Sorry”

London_Underground_Tube_Stock_1992Estação de metrô em Londres

por Fabio Christofoli

Lá estava eu. Quieto, ouvindo música. Um garoto entra no vagão. Me chama atenção por estar com aqueles típicos uniformes escolares da Inglaterra, com blazer e gravata. E sapatos. Impecáveis. Ele senta, e abre um livro. E não pensem que era um best seller ou um livro juvenil, era um livro velho. Parecia um romance antigo. Não sei porque me impressionei com isso. E me impressionei ainda mais com a atenção que ele lia aquilo. Calculei que ele deveria ter uns onze anos. Treze, talvez. Vai saber.

Em seguida, um casal de velhinhos entra no trem. Para na frente do garoto. A mulher consegue sentar ao lado dele. O homem não. Não tinha mais lugar ali. Só em outro banco. Imediatamente o garoto fecha o livro e cede o lugar para o homem sentar ao lado da companheira. Se dirige ao banco vazio e retoma a leitura.

Fiquei impressionado com a cena. Com a naturalidade que ela aconteceu e com tantos fatores positivos intrínsecos nela.

Assim como fiquei impressionado com o fato de os ingleses pedirem desculpa cada vez que sem querer (ou quase sempre sem querer) encostam em você. É “sorry” pra tudo! Às vezes até exagerado e meio automático, mas existe a preocupação em pelo menos dar uma satisfação ao próximo. Se alguém está com dificuldade para carregar uma sacola, sempre aparece um outro pra ajudar. Sempre! E olham feio se você está do lado e não ajuda.

E foi assim, com pequenos gestos cotidianos que os ingleses me fizeram pensar no Brasil e em como estamos distantes de um país melhor.

protestos-no-brasil-em-junho-de-2013-5Manifestante usando a máscara-símbolo do grupo Anonymous levanta cartaz, em Junho/2013, em São Paulo

Vejo uma grande distância entre o que almejamos e o que fazemos pra alcançar. Queremos políticos melhores e soluções imediatas, mas somos incapazes de sermos melhores. Nossas crianças (e adultos) leem pouco. Nossos idosos ficam em pé nos precários ônibus que temos. Até ajudamos o próximo, mas na maioria das vezes precisamos que alguém peça. Somos mais calorosos, é verdade. Mas esse calor acaba camuflando na malandragem. Maldita malandragem!

Nós brasileiros exigimos muito do Brasil, mas invariavelmente esquecemos que o Brasil é feito por nós.

Ano passado teve protestos. Quantas mudanças positivas aconteceram? Imediatamente após essa frase, o reflexo é pensar no que foi feito pelo poder público, certo? Mas e o que foi feito por nós? Onde melhoramos como cidadãos? Tivemos um ano pra isso e vejo que não mudamos em nada. Pior, vejo que ficamos piores. Com mais exigências e com menos ações.

Eu penso nisso invariavelmente e infelizmente minhas respostas atualmente estão longe de algo promissor. Não que eu esteja apto para fazer uma análise profunda do que somos, mas eu me sinto apto para entender que não somos o que queremos ser.

O Brasil não vai virar Inglaterra da noite para o dia. Mas podemos começar a ser primeiro mundo na forma como pensamos e agimos no nosso dia a dia. No que somos internamente e no que passamos para os outros. E o que passamos adiante é exatamente aquilo que recebemos depois.

brasil-junho-2013-00-594x396Manifestante levanta bandeira do Brasil em protesto em Junho/2013

3 de jun. de 2014

Você precisa conhecer: Archis, o novo projeto da Dia Frampton com o compositor da trilha de TRON

1979851_508670462594823_3028816516367554873_nFoto promocional do projeto Archis, postada no Facebook do duo

por Caio Coletti

Apesar do péssimo desempenho nas paradas, Red, o álbum de estreia de Dia Frampton em carreira solo, depois de terminar a primeira temporada do The Voice em segundo lugar, era admirável. Cheio de canções grudentas que não abriam mão de seu toque autoral (vide "The Broken Ones"), hoje é possível dizer que o disco saiu melhor que encomenda: Dia contou, em entrevista ao Express Milwaukee, que o processo de composição, gravação e produção do álbum foi tão apressado que o lançamento, seis meses depois do final da temporada do The Voice, foi considerado tardio pela gravadora.

De qualquer forma, Red é passado para Dia (o parágrafo aí em cima foi em parte para familiarizar os recém-chegados com a trajetória da moça). Três anos depois, ela se prepara para fazer outra estreia com o EP inaugural do projeto Archis, desenvolvido por ela e pelo produtor Joseph Trapanese, que já coloaborou com o Daft Punk na trilha de TRON e com o M83 na trilha de Oblivion. Amigos de longa data, os dois liberaram até agora só uma faixa, intitulada “Blood”, que ganhou esse enigmático e expressivo clipe ontem (veja aí embaixo). Foi o bastante para capturar o olhar d’O Anagrama.

Em entrevista ao The Music Ninja, que debutou a faixa com exclusividade duas semanas atrás, Dia esclareceu as muitas razões pelas quais resolveu deixar de lado o mundo comercial das gravadoras e lançar um projeto independente, de canções longas (reportadamente, nenhuma das incluídas no EP contam menos de 5 minutos) que não vão cair bem nas rádios: “Eu sempre quis escrever sobre coisas tristes, ou dolorosas, ou sobre sentir medo. Eles [as gravadoras] nunca quiseram que eu escrevesse isso. Eu acredito em força, mas eu acredito em vulnerabilidade. Eu sou uma pessoa muito vulnerável. Há coisas que aconteceram na minha vida que simplesmente causaram mudanças, e eu nunca fui uma pessoa super-otimista em relação a isso. [O projeto] é sobre superar algo mas não sair do outro lado parecendo a Beyoncé”, disse Dia.

Esse clima, sentido bem claramente em “Blood”, transpira para a produção de Trapanese, que segundo Dia “acrescentou um efeito dramático ao que você ouve nas letras”. Com seus pacotes de cordas típicos de compositor de trilha sonora, mas também sintetizadores sutis e batida que resvala, sim, no pop e no R&B, Trapanese é um casamento perfeito para essa nova e mais dramática Dia Frampton.

O EP de estreia ainda não tem data certa, mas dá para acompanhar as novidades do duo no canal oficial do Youtube e na página oficial do Facebook.

Pra quem gosta de: Bastille, Tom Odell, A Fine Frenzy, Ellie Goulding

1012570_674501422585017_4095702509155606737_nFrampton e Trapanese nos bastidores do primeiro show do Archis em Los Angeles

1 de jun. de 2014

Veep, 3x05-07: Fishing/Detroit/Special Relationship

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ATENÇÂO: esse review contem spoilers!

por Sâmela Silva

3x05 – Fishing

“Fishing” veio para mostrar que o resto da temporada não vai ser como “Clovis”, e igualou-se a “Alicia” no quesito qualidade. No meio da decisão sobre o chefe de campanha, Selina precisa se encontrar com Maddox para, talvez, se livrar de um possível – e forte – concorrente.

E aqui temos Julia Louis-Dreyfus entregando alguns de seus melhores momentos na série como um todo, aproveitando ao máximo os diálogos do inteligente roteiro. Não teve uma cena sem um jogo de palavras bem construído e engraçado. Tony Hale também mostrou estar em sua melhor forma, usando as tramas de Gary a seu favor (Hale brilhou nas últimas cenas do episódio com facilidade).

Por outro lado, Amy deixa Dan passar à frente na corrida para chefe de campanha. A moça não consegue ao menos fingir simpatia, algo que Egan tira de letra. Além disso, descobrimos que Amy tem um namorado e mal sabe quanto tempo tem o relacionamento deles, o que explicita como nunca seu comprometimento com o trabalho que faz. E, bem, toda essa dedicação não foi recompensada como ela gostaria, visto que, após não conseguir o chefe que queria, Selina escolhe Dan para mandar na campanha. Esse plot teria infinitas possibilidades, mas, por sorte, a série escolheu a melhor saída, deixando Amy ter seu momento.

Cheio de cenas memoráveis como a bizarra conversa entre Dan e Selina no fim, “Fishing” foi um episódio bem estruturado e sagaz, que dá gosto de assistir.

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3x06 – Detroit

“Detroit” foi basicamente uma saia justa em forma de episódio. Com a participação especial de Christopher Meloni e a volta da finlandesa interpretada por Sally Phillips, o caos foi bem-vindo mais uma vez. Foram 30 minutos simples, mas divertidos.

Catherine vem trazendo bastante substância nessa temporada, apesar de ter que trair seus princípios em prol de sua mãe. A melhor cena de “Detroit” foi sua, dando um soco em um manifestante e participando de uma confusão hilária. As esquisitices de Minna também foram interessantes, assim como as interações do personal trainer de Meloni. A tristeza do episódio é a volta de Andrew, que não se cansa de ser chato – e Selina não se cansa de cair na dele toda vez.

O que nos traz ao assunto Dan, que contratou Ray para que a Veep não se jogasse nos braços de Andrew na primeira oportunidade. Outra prova de que Egan não se importa com o quão baixo deve ir nesse trabalho, que entende perfeitamente onde está e tenta tirar proveito disso. Uma pena que os eventos acabem destruindo sua força, e que o aparente melhor chefe de campanha possível falhe, como acontece em “Special Relationship”.

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3x07: Special Relationship

Incrível como os episódios no exterior rendem tanto. Situado em Londres, “Special Relationship” deu uma ótima oportunidade para atores já conhecidos pelos fãs de Armando Iannucci darem o ar da graça, além de trazer mudanças importantes na série.

A maior mudança foi Dan, pobre e querido Dan, ter um colapso nervoso e ser demitido de seu tão almejado cargo. Daí vemos a esperteza de Amy, que de forma sorrateira fez Jonah soltar uma história podre sobre Ray, fazendo com que a Veep se livrasse do tóxico personal trainer e complicando ainda mais a vida de Dan. Claro que ela não teria como saber que Gary contaria para Selina sobre o verdadeiro motivo da contratação de Ray, mas tudo funcionou a seu favor. Entretanto, não acho que Amy vá durar muito de campaign manager. Veremos.

Nesse ponto da série, quando Selina consegue o que quer, a pergunta que fica na minha cabeça é: que diabos ela está fazendo? A necessidade de se livrar de Andrew era clara, mas Ray substituiu o ex-marido de Meyer até na hora de dar ideias estúpidas que a vice-presidente ouvia. Sério mesmo que nessa altura do campeonato ela esteja se dando ao luxo de errar feio? Pelo menos Ray está fora, assim como Dan, então não dá pra saber ainda como isso vai funcionar.

O episódio teve bons momentos, principalmente com todo o discurso de Selina sobre pessoas gordas e o que ela de fato pensava do assunto depois, sem contar com o chapéu horrendo que usou e acabou lhe rendendo problemas. Mas o destaque fica por conta da atuação de Reid Scott, ainda mais na hilária cena final, com Jonah listando seus sintomas e a câmera se focando em sua face desolada. Reid não ganha muito crédito por parte de premiações, e deveria, visto que está fazendo um trabalho incrível nessa temporada. Talvez os Emmys lembrem seu nome ano que vem. Talvez.

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Próximo Veep: 3x08 – Debate (01/06)