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24 de dez. de 2017

Review: Star Wars finalmente consegue unir o político e o pessoal em Os Últimos Jedi

jedi

por Caio Coletti

Quando uma história é contada no decorrer de 40 anos de cinema, é óbvio que diferenças sociais serão sentidas na forma como ela é recebida pelo público, e as expectativas desse público, agora multi-geracional, se tornarão cada vez mais discrepantes e impossíveis de manejar. Para a minha geração, que cresceu nos anos 1990 e 2000 com os prelúdios de George Lucas e, só depois, foi conhecer os filmes que os precederam, Star Wars sempre foi sobre política. Em muitos sentidos, ela sempre foi mesmo – vendo os filmes originais, dos anos 1970 e 1980, hoje em dia, fica óbvio que a ambição de Lucas era criar um épico que homenageava aventuras clássicas da ficção, mas que no meio do caminho ele topou com uma narrativa poderosa sobre autoritarismo e as formas de se rebelar contra ele.

Carregar Star Wars para o cinemão moderno e transformá-la em uma saga de nove longas metragens significava então, inevitavelmente, adicionar complexidade a essa reflexão política. O problema da trilogia dos anos 2000 de Lucas é que, na busca por essa complexidade, ele esqueceu de encontrar arcos de personagens emocionais que fizessem o espectador se engajar na trama – e o problema de O Despertar da Força e Rogue One, por suas vezes, era uma confiança muito grande nesse envolvimento emocional, enquanto detalhes e implicações políticas eram deixadas de lado. Em suma, para sobreviver aos próximos 40 anos, Star Wars precisava, tal e qual a Força de sua mitologia, encontrar o equilíbrio entre o lado sombrio (o de reflexão social) e o lado benévolo (o investimento emotivo) de sua história – e Os Últimos Jedi é o filme perfeito para isso.

Na trama, acompanhamos a continuação da luta contra a Primeira Ordem, mas o roteirista e diretor Rian Johnson consegue distingui-la, finalmente, da luta contra o “vilão” da trilogia clássica, o Império. Johnson empresta um toque de decadência e mesquinhez ao mal da Primeira Ordem que não existia nas imponentes forças imperiais, criando um mal muito mais banal e crível, em pleno século XXI, do que aquele clássico terror maniqueísta do cinemão americano. O cineasta se separa dos filmes clássicos também ao emprestar um pouco do cinismo de Lucas quanto aos ensinamentos Jedi e sua validade como instituição – na pele de um Luke (Mark Hamill) iludido, que se recusa a passar sabedoria para uma aprendiz (a Rey de Daisy Ridley) por achar que os Jedi precisam morrer com ele, o novo Star Wars tem a audácia de contestar os métodos, regulamentos e atitudes de seus supostos mocinhos.

A diferença da contestação que vemos aqui para aquela que vimos em A Ameaça Fantasma, O Ataque dos Clones ou A Vingança dos Sith é que Johnson a firma no desenvolvimento dos personagens, e não a despeito deles. Enquanto Rey tenta convencer Luke a ajudar a Resistência liderada por sua irmã, Leia, ela também se comunica com Kylo Ren (Adam Driver), o ostentoso vilão da trilogia, um homem torturado e em crise de identidade, cujas reservas amplas de fúria e ressentimento indicam muito mais uma alma perdida do que um mal absoluto. Quando Ren quebra sua máscara no começo de Os Últimos Jedi, Johnson sinaliza que sua redenção, se um dia vier, terá que vir de cara limpa, e não com uma revelação de fragilidade por baixo de um símbolo maligno, como aconteceu com Darth Vader. O filme representa uma Star Wars com história mais direta, despida de recursos mitológicos ou simbólicos.

Johnson é um grande contador de histórias que encontra rimas visuais e referências brilhantes para construir seu filme. Ao lado do diretor de fotografia Steve Yedlin, seu parceiro de longa data, o cineasta é incansável ao buscar significados em cores, formas e movimentos – seja na aproximação lenta da câmera em direção ao “buraco negro” onde Rey conhece o poder do Lado Escuro da Força ou na abundância de vermelho nas cenas de ação do final do filme, imagens nunca significaram tanto para Star Wars quanto em Os Últimos Jedi. Inspirado por um filme de complexidades e emoções à flor da pele, John Williams cria sua trilha mais genial em muitos anos, evocando emoções complicadas e trazendo à tona sons inesperados para colorir uma história já ricamente desenhada por Johnson.

Por fim, há também o poder que Os Últimos Jedi dispensa às suas personagens femininas, que por décadas passaram os filmes de Star Wars amargando papéis coadjuvantes em relação aos homens – se não fosse a marca própria de humor e personalidade de Carrie Fisher, quão revolucionária seria a Princesa Leia, como escrita no roteiro, no primeiro Star Wars? Aqui, as decisões de liderança que elas precisam tomar são monumentais, e as consequências delas ainda maiores – elas são forças que afetam a jornada dos homens ao redor delas, mas também personagens vívidas e autônomas, com arcos próprios e edificantes. Em certa cena, Leia e Holdo (Laura Dern) tentam dizer, ao mesmo tempo, a frase clássica da série: “Que a Força esteja com você”. Parando na metade, Leia ri da forma como apenas Carrie Fisher era capaz de rir, e faz concessão à amiga: “Eu já disse isso o bastante”. Temos que discordar, Leia – não ouvimos sua voz o bastante desde o começo de Star Wars, lá em 1977. Nem perto disso.

✰✰✰✰✰ (5/5)

jedi

Star Wars: Os Últimos Jedi (Star Wars: The Last Jedi, EUA, 2017)
Direção e roteiro: Rian Johnson
Elenco: Mark Hamill, Carrie Fisher, Adam Driver, Daisy Ridley, John Boyega, Oscar Isaac, Andy Serkis, Lupita Nyong’o, Domhnall Gleeson, Anthony Daniels, Gwendoline Christie, Kelly Marie Tran, Laura Dern, Benicio Del Toro, Frank Oz, Billie Lourd
152 minutos

10 de dez. de 2017

Diário de filmes do mês: Novembro/2017

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por Caio Coletti

Nem todos os filmes merecem (ou pedem) uma análise complexa como a que fazemos com alguns dos lançamentos mais “quentes” ou filmes que descobrimos e nos surpreendem positivamente. É levando em consideração a função da crítica e da resenha como uma orientação do público em relação ao que vai ser visto em determinado filme que eu resolvi criar essa coluna, que visa falar brevemente dos filmes que não ganharam review completo no site. Vamos lá:

atomic

Atômica (Atomic Blonde, Alemanha/Suécia/EUA, 2017)
Direção: David Leitch
Roteiro: Kurt Johnstad, baseado nos quadrinhos de Anthony Johnson & Sam Hart
Elenco: Charlize Theron, James McAvoy, Eddie Marsan, John Goodman, Toby Jones, James Faulkner, Sofia Boutella, Bill Skarsgard, Til Schweiger
115 minutos

Atômica começa com Charlize Theron mergulhada em uma banheira de gelo, nua. A câmera do diretor David Leitch, no entanto, não filma a cena iluminada por neon de forma sensual, mas passa seu tempo focando nos enormes hematomas nas costas de Theron, que interpreta a espiã Lorraine Broughton, enviada à Berlim dias antes da queda do muro, em plena Guerra Fria, para recuperar uma lista roubada de agentes secretos e seus nomes reais. Os próximos 115 minutos são passados explicando porque Lorraine acabou indo parar nessa banheira de gelo, com esses hematomas – e Theron faz valer o outlook nada sensual do diretor Leitch ao construir uma anti heroína misteriosa, brutal, imparável, perenemente surpreendente. Com a desonrosa exceção da cena de sexo desnecessária entre Lorraine e Delphine (Sofia Boutella), inserida no roteiro puramente para permitir a fetichização de um relacionamento lésbico, Atômica entrega uma protagonista feminina complexa e naturalmente icônica, que sempre joga no mesmo nível (ou acima) dos homens que a cercam. O oxigênio do filme é a performance física e emocional de Theron, que rouba a cena até da ambientação oitentista espetacularmente construída pelo diretor Leitch.

A direção de arte decadente, cheia de paredes descascadas, coberturas ímpias de arranha-céus, e muito neon (designer de produção: David Scheunemann); a música propulsiva escolhida pelo supervisor John Houlihan (há uma cena de ação ao som de “Major Tom”, de Peter Schilling, que é uma combinação de arrepiar) e, em suas intervenções originais, composta por Tyler Bates; o figurino de Cindy Evans e o trabalho da equipe de cabelo e maquiagem, apresentando visuais icônicos da época sem serem óbvios ou “certinhos” demais, sofisticados demais para a situação. Atômica é um tremendo feito de produção. que revela Leitch não só como um grande diretor de ação (o que já sabíamos, graças a John Wick), mas um cineasta detalhista e elegante. Resta aguardar o refinamento desse talento nos próximos longas metragens de seu currículo.

✰✰✰✰ (4/5)

gerald

Jogo Perigoso (Gerald’s Game, EUA, 2017)
Direção: Mike Flanagan
Roteiro: Mike Flanagan, Jeff Howard, baseados no livro de Stephen King
Elenco: Carla Gugino, Bruce Greenwood, Chiara Aurelia, Carel Struycken, Henry Thomas, Kate Siegel
103 minutos

A junção do diretor Mike Flanagan com o escritor Stephen King faz muito sentido – em seus poucos filmes até agora, Flanagan demonstrou um refinamento sem precedentes para brincar com as convenções do gênero de horror, e King sempre casou essa mesma habilidade com um olhar cirúrgico sobre a condição humana e alguns dos temas mais importantes da nossa sociedade. A perspectiva de ver Flanagan brincando com uma das histórias em que o princípio de King de que “o verdadeiro monstro é o ser humano” mais se aplica era excitante, e o resultado – esse Jogo Perigoso, lançado pela Netflix – corresponde às expectativas. É um terror de sobrevivência obviamente tenso, mas surpreendentemente denso, examinando profundamente o passado de sua protagonista e como ele afetou decisões que ela tomou no seu presente. A trama, como todo mundo sabe, compreende uma mulher, Jessie (Carla Gugino) que é deixada algemada à cama quando seu marido, Gerald (Bruce Greenwood), tem um ataque cardíaco fulminante no meio da “hora H”. O filme é notavelmente mais do que isso, no entanto, usando a engenhosa premissa para entender relações masculino-feminino e traumas de abuso sexual com sensibilidade aguda.

Gugino, que sempre foi uma grande atriz mal-aproveitada em pequenos papéis, regozija ao ganhar uma personagem tão complexa, que é o centro das atenções por 103 tensos minutos. Intensamente ponderada em seu legue de emoções intensas, Gugino segura o olhar do espectador com o que parece muito pouco esforço, encontrando as melhores formas de expressar o trauma que guia a personagem, e as formas como ela é maior do que ele. Um deliciosamente teatral Bruce Greenwood dá apoio à protagonista em algumas das cenas mais cáusticas e envolventes do filme, com o diretor de fotografia Michael Fimognari trabalhando habilmente as luzes e sombras do quarto onde a maioria da ação se localiza. Stephen King teve algumas boas adaptações em 2017, mas Jogo Perigoso é talvez a que melhor entende aquilo que o tornou um escritor de tanto apelo popular quanto aclamação crítica – a força de seus personagens, e as histórias em que o medo sobrenatural é também trauma e opressão, terrores muito reais dos quais tentamos sempre nos desvencilhar.

✰✰✰✰✰ (4,5/5)

kingsman

Kingsman: O Círculo Dourado (Kingsman: The Golden Circle, Inglaterra/EUA, 2017)
Direção: Matthew Vaughn
Roteiro: Jane Goldman, Matthew Vaughn, baseados nos quadrinhos de Mark Millar & Dave Gibbons
Elenco: Taron Egerton, Mark Strong, Hanna Alström, Julianne Moore, Colin Firth, Channing Tatum, Halle Berry, Elton John, Jeff Bridges, Pedro Pascal, Edward Holcroft, Michael Ganbon, Bruce Greenwood, Emily Watson
141 minutos

Eu não amei o primeiro Kingsman como a maioria das pessoas que eu conheço (e uma boa parte da crítica) amou. Serviço Secreto, de 2014, me atingiu como uma parábola arrogante sobre como “as maneiras fazem o homem”, que reforçava um estereótipo masculino menos agressivamente ofensivo, mas ainda essencialmente tóxico. Sua sátira dos épicos de super espiões, por outro lado, era consideravelmente menos esperta e mais óbvia do que achava ser, e não havia medida de criatividade visual e adrenalina bem dirigida que apagasse tudo isso. No fim das contas, Serviço Secreto era um blockbuster pouco imaginativo que fingia não o ser, o que faz com que a continuação, O Círculo Dourado, represente uma melhora para a franquia – ao menos aqui as gracinhas conceituais do diretor Matthew Vaughn fazem parte da piada, já que o segundo Kingsman abraça seu status como arrasa quarteirões sem ambições metalinguísticas e deixa atores mastigadores de cenário e encantos pura e rasamente estéticos brilharem no lugar de pseudo-ambições de mensagem social. Ele ainda não é um grande filme, mas ao menos não parece tentar ser.

Dessa vez, Eggsy (Taron Egerton) precisa lidar com a traficante de drogas Poppy (Julianne Moore), que tem um plano para obrigar o presidente dos EUA a legalizar os narcóticos (da maconha à heroína, naturalmente). Para isso, os espiões britânicos cruzam o Oceano Atlântico e se juntam a suas contrapartes americanas, que incluem agentes interpretados por Pedro Pascal, Channing Tatum, Halle Berry e Jeff Bridges. Encarnando personagens coloridos que os permitem exageros, esses atores, com destaque especial para uma Moore claramente inspirada pelo Lex Luthor clássico de Gene Hackman, abrilhantam a tela quando O CÍrculo Dourado derrapa nas ambições narrativas para além de seus paradigmas óbvios de pastiche de gênero. O retorno relativamente decepcionante na bilheteria é apropriado: Kingsman não tinha muito mais a dar além disso.

✰✰✰ (3/5)

assassin

O Assassino: O Primeiro Alvo (American Assassin, EUA/Hong Kong, 2017)
Direção: Michael Cuesta
Roteiro: Stephen Schiff, Michael Finch, Edward Zwick, Marshall Herskowitz, baseados no livro de Vince Flynn
Elenco: Dylan O’Brien, Sanaa Lathan, Michael Keaton, Scott Adkins, Taylor Kitsch, Shiva Negar
112 minutos

Virtualmente todas as pessoas envolvidas com O Assassino mereciam um filme melhor – a começar por Dylan O’Brien, o jovem astro de Teen Wolf que tenta lançar uma carreira cinematográfica em cima da força do personagem Mitch Rapp, consagrado nos livros de Vince Flynn. Ele encontra todos os recôncavos mais sombrios do personagem e os expressa com a destreza com a qual encarnou todos os seus papéis até hoje, o que faz ainda mais penoso que O Assassino seja um filme de ritmo tão torturado, mensagem tão conservadora, falhas tão previsíveis em quesitos chave para um bom filme de ação em pleno 2017. O diretor Michael Cuesta, que assinou o bom O Mensageiro, injeta o máximo de propulsão às cenas de adrenalina, nunca deixando seu herói se tornar um super-agente invencível nos moldes de John McClane ou James Bond – na câmera de Cuesta, o protagonista Rapp é um jovem hábil e flexível, cuja ira instintiva é a maior motivação. Entendemos sua falta de cautela, mas o filme não pinta suas ações, que beiram o vigilantismo, como negativas ou moralmente ambíguas.

O que acontece é justamente o contrário, aliás – aqueles que levantam essas preocupações são vistos como obstáculos no caminho da justiça, e essa é a falha fatal de O Assassino como peça de ficção ligada ao nosso momento social. Na pele do “mentor” de Rapp, Michael Keaton é consistentemente mais envolvente do que deveria ser, assim como um Taylor Kitsch que há muito tempo merece papéis mais complexos para interpretar – aqui, eles sabem que são os holofotes brilhantes de exagero cuidadoso em um filme sombrio e contido, e se divertem muito nesses papéis. Fracasso de bilheteria, essa primeira aventura de Mitch Rapp provavelmente não vai gerar continuações – é difícil comemorar, no entanto, quando isso significa algo ruim para a carreira de gente que poderia abrilhantar Hollywood.

✰✰✰ (2,5/5)