Review: Dirty Computer (álbum e filme)

Janelle Monáe cria a obra de arte do ano com um álbum visual espetacular - e que desafia descrições.

Os 15 melhores álbuns de 2017

Drake, Lorde e Goldfrapp são apenas três dos artistas que chegaram arrasando na nossa lista.

Review: Me Chame Pelo Seu Nome

Luca Guadagnino cria o filme mais sensual (e importante) do ano.

Review: Lady Bird: A Hora de Voar

Mais uma obra-prima da roteirista mais talentosa da nossa década.

Review: Liga da Justiça

É verdade: o novo filme da DC seria melhor se não tivesse uma Warner (e um Joss Whedon) no caminho.

24 de set. de 2017

Diário de filmes do mês: Setembro/2017

Downloads

por Caio Coletti

Nem todos os filmes merecem (ou pedem) uma análise complexa como a que fazemos com alguns dos lançamentos mais “quentes” ou filmes que descobrimos e nos surpreendem positivamente. É levando em consideração a função da crítica e da resenha como uma orientação do público em relação ao que vai ser visto em determinado filme que eu resolvi criar essa coluna, que visa falar brevemente dos filmes que não ganharam review completo no site. Vamos lá:

annabelle

Annabelle (EUA, 2014)
Direção: John R. Leonetti
Roteiro: Gary Dauberman
Elenco: Annabelle Wallis, Ward Horton, Tony Amendola, Alfre Woodard
99 minutos

Há um filme de horror interessante dentro de Annabelle, o primeiro derivado da franquia Invocação do Mal, mas a ele não é permitido o espaço para respirar sobre as confecções preguiçosas do diretor John R. Leonetti. Difícil culpá-lo, no entanto: com apenas US$6.5 milhões à disposição no orçamento e a pressão para criar um filme que apele a uma grande audiência, ele usa os mais baixos denominadores comuns do gênero para produzir sustos sem trabalhar o suspense ou os personagens com a mesma habilidade e paciência de seu colega de profissão, o criador da franquia James Wan. Onde Wan é engenhoso com a colocação da câmera e a sugestão, Leonetti é óbvio na forma colo “telegrafa” a história dos personagens, os temas de sacrifício e maternidade do roteiro de Gary Dauberman, e a presença quase não sentida da boneca amaldiçoada do título. Na trama, vemos como Annabelle “absorve” o espírito de uma discípula de um culto satanista que morre dentro da casa da protagonista, Mia (Annabelle Wallis), enquanto ela ainda está grávida. Os acontecimentos bizarros que ocorrem ao redor da boneca não seguem uma lógica própria, e o mundo sobrenatural de Annabelle se parece exatamente com o que é: uma confecção apressada que buscou capitalizar no sucesso da “personagem” durante o filme original.

A talentosíssima Alfre Woodard é o destaque do elenco, imbuindo sua personagem com um certo censo de autoparódia, com todas as suas expressões espantadas e diálogos ominosos – se não fosse por ela, o final trágico do filme não funcionaria em nenhuma dimensão. É fácil creditar a fotografia óbvia e o design de produção pouquíssimo inspirado ao baixo orçamento, mas filmes independentes dentro e fora dos EUA nos mostram rotineiramente que dinheiro não é obstáculo para uma mente criativa. Fazer um filme de terror com propósito, climatização e habilidade artesanal sem muito dinheiro não é impossível – para que aconteça, só é preciso tempo e vontade, duas coisas que aparentemente faltam aqui.

✰✰✰ (2,5/5)

discovery

The Discovery (EUA, 2017)
Direção: Charlie McDowell
Roteiro: Justin Lader, Charlie McDowell
Elenco: Jason Segel, Robert Redford, Rooney Mara, Jesse Plemons, Riley Keough, Mary Steenburgen
102 minutos

Antes de The Discovery, o diretor Charlie McDowell e seu parceiro de roteiro, Justin Lader, criaram outra pequena ficção científica que causou comoção na época do lançamento: Complicações do Amor, lançada em 2014, sobre um casal que vai a um retiro para recuperar seu matrimônio e encontra uma cabana em que coisas bizarras acontecem (não queremos estragar nada). Como The Discovery, era uma premissa engenhosa executada com precisão e bravura, que não fugia da ambiguidade ou da ironia de seu final. Como The Discovery, era um filme ao qual faltava alguma coisa – nos 102 minutos de sua nova ficção científica, McDowell e Lader conseguem explorar os cantos escuros da mortalidade, do suicídio, da própria condição humana. O que não conseguem, no entanto, é construir personagens com jornadas que realmente envolvem o espectador. O resultado é um filme paradoxal: profundamente humano pela natureza de sua trama, mas estranhamente frio, como se a ideia (a tal descoberta) importasse mais do que as pessoas envolvidas nela – o que pode funcionar na ciência, mas não funciona na arte. Will (Jason Segel), o protagonista, vai visitar seu pai, Thomas (Robert Redford), um renomado cientista que conseguiu comprovar a existência da vida após a morte, um evento que deu início a uma epidemia de suicídios. Chegando lá, conhece Isla (Rooney Mara), que logo se junta ao grupo de “seguidores” que o pai de Will reuniu ao redor de si.

O elenco tenta de forma dedicada construir a jornada desses personagens a partir dos poucos detalhes dado pelo roteiro – Segel entrega uma performance dramática que é particularmente precisa, e Redford também destaca-se com uma de suas melhores e mais sutis performances em tempos. Assim como em Lion, a Mara é dado o papel de criar suporte às elaborações emocionais de seu protagonista masculino, o que não serve bem a uma atriz tão habilidosa, cheia de recursos para criar personagens complexos (lembram-se de Carol?). O estilo meditativo de The Discovery casa bem com as intervenções escarças da câmera de McDowell e sua diretora de fotografia, Sturla Brandth Grovlen. É um filme que quer deixar espaço para sua história ganhar vida, mas não dá a ela sangue o bastante para tal – ainda que um pouco frustrante, é um exercício interessante de cinema, vindo de um gênero e um cenário que explode de ideias inovadoras todos os anos.

✰✰✰✰ (3,5/5)

gits

A Vigilante do Amanhã: Ghost in the Shell (Ghost in the Shell, Inglaterra/China/Índia/Hong Kong/EUA, 2017)
Direção: Rupert Sanders
Roteiro: Jamie Moss, William Wheeler, Ehren Kruger, baseados no mangá de Shirow Masamune
Elenco: Scarlett Johansson, Pilou Asbaek, Takeshi Kitano, Juliette Binoche, Michael Pitt
107 minutos

Faz alguns meses que eu me obriguei a assistir Ghost in the Shell, o original japonês, duas vezes para entendê-lo (leia o review). Foram precisas duas sessões porque o filme de Mamoru Oshii me pegou desprevenido na primeira vez, com seus longos diálogos e trechos contemplativos, combinados com a ação árida, os traços retos e a consideração profunda sobre identidade de gênero, sexualidade, livre arbítrio, corrupção governamental, engenharia social que a história fazia. Posso apostar que a versão americana de Ghost in the Shell, nunca vai prontificar alguém e dizer, quando sobem os créditos: “Bom, eu preciso ver isso de novo”. Isso não só porque o filme de Rupert Sanders é menos extraordinário como peça de cinema, mas porque o roteiro de Jamie Moss, William Wheeler e Ehren Kruger vai de encontro ao mangá original de Shirow Masamune e reduz sua firma contestação filosófica a uma batida reafirmação de humanidade acima da artificialidade que já vimos um milhão de vezes na ficção científica hollywoodiana. Pudera: pensar que um roteirista de Transformers (Kruger) era uma boa escolha para adaptar uma obra como essa, ou mesmo tirar algo de diferente e igualmente excitante dela, é algo que só Hollywood faria. A trama envolve a Major (Scarlett Johansson), uma mulher de corpo inteiramente biônico, porém consciência humana, transplantada para o invólucro artificial após um acidente mortal – ela trabalha com uma organização governamental que caça o criminoso Kuze (Michael Pitt), capaz de hackear a mente de pessoas e controlá-las.

A história ligando Major e o vilão é óbvia o bastante para que o espectador médio veja a “reviravolta” chegando de longe, e o final não é nem metade tão subversão do status quo quanto o do original. Para piorar a situação, o diretor Rupert Sanders aborda o futuro de Ghost in the Shell com sua sensibilidade visual aguçada, porém voltada a um uso impecável dos melhores efeitos especiais que Hollywood pode oferecer. O resultado é um filme superficialmente deslumbrante, com seus plásticos lustrosos e curvas sinuosas – é sedutor elogiá-lo por isso, mas a verdade é que pouca ou nenhuma inventividade visual está envolvida na concepção desse futuro de Sanders, que divide o (des)crédito com o designer de produção Jan Roefls. O Ghost in the Shell americano não precisava ser igual ao original – de fato, há de se argumentar que o que o filme precisava fazer para honrar seu predecessor era criar algo nunca visto antes, no espírito de Oshii. Foi aí que (de novo) Hollywood falhou.

✰✰ (2/5)

ican

Ao Cair da Noite (It Comes at Night, EUA, 2017)
Direção e roteiro: Trey Edward Shults
Elenco: Joel Edgerton, Christopher Abbott, Carmen Ejogo, Riley Keough, Kelvin Harrison Jr
91 minutos

Seria fácil dizer que o grande trunfo de Ao Cair da Noite, como outros terrores e suspenses independentes antes dele, é o senso de expectativa que ele cria. De fato, o diretor e roteirista Trey Edward Shults é inteligente na forma como movimenta a câmera através dos espaços confinados do filme, no mistério inclemente com o qual cerca a ameaça externa enfrentada pelos protagonistas, nos poucos flashes de imagens obvia e visceralmente perturbadoras que escolhe mostrar. O incômodo causado pelo filme de Shults, no entanto, tem muito mais a ver com o que ele significa do que com a forma na qual ele é conduzido – habilidosamente, ele criou um suspense que traça as origens do medo e da raiva que impulsionam tantas atitudes e pensamentos isolacionistas e preconceituosos, muito especialmente a xenofobia que é a força motriz por trás de tantas campanhas políticas bem sucedidas mundo afora no momento atual. Ao Cair da Noite incomoda porque expõe as consequências mais extremas de um pensamento protetivo que existe na própria natureza da humanidade, e que costuma se exacerbar nos momentos mais sombrios de dificuldade (ó título do filme não é aquele por acaso). O roteiro de Shults desenha paralelos complexos desse pensamento com a estrutura machista da sociedade, tanto a que ele apresenta quanto a nossa, e tem a delicadeza de concentrar em seu protagonista adolescente a reflexão sobre como ideologias de ódio e medo tem um profundo impacto na nossa formação psicológica.

Na trama, Paul (Joel Edgerton), Sarah (Carmen Ejogo) e o jovem Travis (Kelvin Harrison Jr) vivem juntos em uma casa isolada – o mundo sucumbiu a algum tipo de vírus e os poucos sobreviventes vivem quase sem contato com o exterior. É quando Will (Christopher Abbott), com sua esposa Kim (Riley Keough) e o filho ainda criança, aparecem propondo uma parceria para sobreviver – Shults desenha a desconfiança e as sutis maneiras de segregação que os recém-chegados enfrentam com sutileza, e deixa seu filme rapidamente tomar uma direção sombria quando o primeiro evento “estranho” acontece na residência dividida das famílias. A escalação violenta, em junção com duas performances explosivas de Edgerton e Abbott, criam um clímax tão chocante quanto claramente inevitável. Quando os créditos de Ao Cair da Noite sobem, uma mistura de náuseas, tristeza e impotência toma conta do espectador – com sua fábula fatalista, Shults criou o épico de terror mais representativo da nossa época.

✰✰✰✰ (4/5)

tdt

A Torre Negra (The Dark Tower, EUA, 2017)
Direção: Nikolaj Arcel
Roteiro: Akiva Goldsman, Jeff Pinkner, Anders Thomas Jansen, Nokolaj Arcel, baseados nos livros de Stephen King 
Elenco: Idris Elba, Matthew McConaughey, Tom Taylor, Dennis Haysbert, Claudia Kim, Jackie Earle Haley, Abbey Lee, Katheryn Winnick
95 minutos

Adaptar A Torre Negra, saga de sete livros assinados por Stephen King, sempre foi uma tarefa ridiculamente difícil – os livros são supremamente bizarros, uma mistura curiosa, excitante e inesquecível de épico de fantasia, faroeste e a escrita sempre recheada de cultura pop de King. Seria tolice esperar que um filme hollywoodiano de 95 minutos, como o A Torre Negra de Nikolaj Arcel, fosse capaz de capturar essa bizarrice e esse exato encanto. Talvez por isso a decisão dos roteiristas de criar uma nova história com os mesmos personagens tenha sido acertada, mas do jeito como foi feito, A Torre Negra não se destaca de seus parceiros blockbusters nem em feitura nem em narrativa. A construção de Akiva Goldsman, Jeff Pinkner, Anders Thomas Jansen e do próprio Nikolaj Arcel no roteiro é inana, conformando os personagens em moldes pré-concebidos. Pior ainda, o script não consegue se decidir qual dos moldes quer dar para cada um deles – o pistoleiro Roland vai de herói estoico a alívio cômico/peixe fora d’água, enquanto o jovem Jake (Tom Taylor) começa como aprendiz subestimado e acaba como mais um “Prometido” trágico da fantasia, um Harry Potter sem a gana adolescente do protagonista de J.K. Rowling.Enquanto isso, Matthew McConaughey mal é um personagem – o filme não lhe dá espaço ou material para ser, e o ator se reduz a ajustar seus maneirismos usuais em um contexto vilanesco arrogante. O Homem de Preto de McConaughey quer destruir a Torre Negra, construção que mantém os múltiplos universos livres de monstros, enquanto Roland jurou impedí-lo, e Jake é jogado em meio a essa batalha de homens poderosos quando percebe que tem habilidades psíquicas especiais. A jornada de Jake e Roland por dois desses múltiplos universos (o nosso e um outro, que parece genericamente pós-apocalíptico) não encontra virtualmente nenhum módico de originalidade.

Se a construção clichê não desmorona completamente, culpe Idris Elba. O ator encontra no Roland errante do roteiro um personagem envolvente, colando as partes distintas de seu passado com habilidade – contra todas as possibilidades, o ator britânico consegue comunicar a tragédia, relutância, extraordinária habilidade e até a comédia de Roland; muitas vezes todas elas ao mesmo tempo. É uma performance incomum em um filme desesperadoramente comum, ao qual o diretor Arcel faz pouco para injetar vida – seu trabalho ao lado do cinematógrafo Rasmus Vidabaek é belamente controlado, mas o mesmo não pode-se dizer da concepção e uso dos efeitos especiais, por exemplo. Mudar o universo de Stephen King não foi o problema em A Torre Negra – privá-lo de sua humanidade, sim.

✰✰✰ (2,5/5)

whtm

Onde Está Segunda? (What Happened to Monday, Inglaterra/França/Bélgica/EUA, 2017)
Direção: Tommy Wirkola
Roteiro: Max Botkin, Kerry Williamson
Elenco: Noomi Rapace, Glenn Close, Willem Dafoe, Marwan Kenzari
123 minutos

O diretor Tommy Wirkola não tem exatamente o melhor dos currículos. Seja a “franquia” Zumbis na Neve ou o terrível João e Maria: Caçadores de Bruxas, o norueguês é conhecido por construções baratas e “sujas” de ação, erguidas sem o cuidado de outros diretores contemporâneos do gênero. Onde Está Segunda? não é tão diferente – Wirkola encontra-se com um roteiro básico de Max Botkin e Kerry Williamson e não faz muito esforço para surpreender com ele. Seu filme é eventualmente divertido e envolvente, mas some da memória do espectador minutos depois dos créditos subirem. A falta de imagens ou momentos indeléveis também não favorece a atriz Noomi Rapace, que já provou ser talentosa sob as condições corretas. Aqui, ela encara um papel sétuplo que não lhe dá espaço para desenvolver nenhuma das irmãs Settman propriamente – Rapace é boa em simular o desespero pelo qual as irmãs passam, a busca incessante por conexão humana, o cansado companheirismo entre elas, mas são emoções primárias e coletivas que se esquivam das complexidades do particular de cada uma. Conforme o roteiro despacha cada uma das gêmeas Settman, a impressão é que nunca realmente as conhecemos – o que é uma pena, porque o roteiro é de exemplar diversidade. Não ajuda que o filme desperdice Glenn Close, sempre excelente independente do material, na pele de uma vilã cujas motivações podemos entender, e cuja frustração com a monstruosidade de seus próprios atos é palpável.

Na trama, Close é uma cientista que provém a solução definitiva para o problema de superpopulação na Terra: permitir que cada família tenha apenas um filho, e congelar qualquer eventual irmão em criogenia, para ser acordado quando a situação estiver normalizada. Quando as gêmeas Settman nascem, a mãe morre no parto, e o avô (Willem Dafoe) as cria para se esconderem do mundo – todas elas assumirão a identidade de Karen Settman, e só sairão de casa um dia por semana. O “plano perfeito” funciona por décadas, até que um dia a irmã para a qual é designada a Segunda-Feira desaparece do mapa. Daí para frente, Wirkola dirige uma série de cenas de ação brutais e dinâmicas, mas desencontra de vez a urgência e humanidade de sua história.

✰✰✰ (3/5)