28 de set. de 2013

Estreia: Showtime aposta na elegância (!) com a nova “Masters of Sex”

MASTERS OF SEX (SEASON 1)

ATENÇÃO: esse review contem spoilers!

Manual do espectador do Showtime, regra número 1: nunca confunda elegância com sutileza. Não há nada de sutil nos dramas produzidos pelo canal a cabo americano, conhecido por títulos como Homeland, Shameless e a recente Ray Donovan, mas quando acerta os pontos na equação de um programa, é possível encontrar bastante elegância no tratamento de roteiro e de personagem. Masters of Sex, a grande aposta do canal para a fall season de 2013, é sem dúvida nenhuma uma das produções mais elegantes já elaboradas pelo Showtime, mas não faz questão de ser nem um pouco sutil. A combinação às vezes vira uma bagunça na percepção do espectador, e às vezes incomoda, mas as costuras da série são tão bem delineadas que fica difícil elaborar alguma crítica séria. Principalmente porque, no final das contas, Masters of Sex ainda é o drama mais provocativo e relevante da temporada.

O piloto que estreia hoje (29), mas vazou online há algumas semanas, é dirigido por John Madden, indicado ao Oscar por Shakespeare Apaixonado, e apresenta de cara as ambições de retrato social e análise psicológica explícitas no roteiro de Michelle Ashford, em sua primeira investida como escritora principal de uma série (no currículo, episódios de The Pacific e Anjos da Lei). A perspectiva feminina é bem forte, a ambientação de época é ao mesmo tempo oportuna e previsível, e o que se destaca no trabalho da moça é mesmo a habilidade de construir seus personagens em cima de estereótipos e aos poucos quebrar cada pretensão e barreira deles e do espectador. Essa provavelmente será a grande força de Masters of Sex: usar-se de conflitos com os quais o espectador se identifica facilmente para ilustrar sua história de lenta e progressiva iluminação científica e emocional.

O que se desenha aqui é um colossal arco de revelação que parece abranger todos os personagens da série e fazer paralelo com a história real que tem para contar. O Dr William Masters (Michael Sheen) é um renomado obstetra que se vê fascinado pelas reações do corpo humano ao sexo e a estímulos de libido. Ele apresenta a proposta de um estudo dessa ordem para o seu superior, o Dr Barton Scully (Beau Bridges), que a princípio o rejeita. Em certo ponto do vai-e-vem das decisões do médico-administrador, Masters é obrigado a mover seus equipamentos para um prostíbulo, onde sua ex-cobaia Betty (Annaleigh Ashford) trabalha. Enquanto isso, ele tem que lidar com a esposa Libby (Caitlin FitzGerald), que há dois anos tenta engravidar, e com sua atração por Virginia Johnson (Lizzy Caplan), ex-cantora de jazz, mãe solteira e dona de comportamento sexual modernino, que ele contrata como sua secretária.

Não me entendam mal, Masters of Sex tem alguns problemas para conviver (não vou dizer corrigir, porque há uma grande chance de que eles nunca o sejam). O principal é o estranho sentimento de que a série está mudando de tom o tempo todo, e o tratamento constrangido e meio cômico que o roteiro dá ao próprio assunto que figura em seu título. Não adianta, caro Showrtime, estar disposto a mostrar o sexo em tela se não está disposto a tratá-lo da forma madura que pede aos seus personagens para fazer. Já como comentário social, Masters of Sex triunfa, e não há o que possa contradizer isso. Ashford está pronta para desenhar as linhas de personagens em posições bem diferentes nesse mosaico de perspectivas em relação ao avanço sexual da época retratada, e não há falha na sua caracterização dos personagens masculinos como figuras coloridas e complexas, mas bastante “perdidas”. No final das contas, é a posição deles na sociedade e na relação homem-mulher que está sendo questionada e derrubada, e não a delas.

O elenco feminino completa esse bom trabalho de estruturação de Ashford com primazia. Caplan é um achado, vinda direto da cancelada Party Down e injetando a dose certa de inocência e olhar de aço a sua Virginia, peça central e inestimável do sucesso da série;  ela só não está mais impressionante que as divinas Annaleigh Ashford e Caitlin FitzGerald, embora as duas entregem performances bem diferentes em tom: a primeira enche Betty de astúcia e consciência de mundo, arrancando algumas lágrimas garantidas em um monólogo no segundo episódio, “Race to Space” (que também vazou antes da estreia); a segunda é um tratado sobre a fragilidade e a prisão social no corpo de Libby, e sua performance é constantemente de quebrar o coração de qualquer um. Perto delas, até o sempre brilhante e sempre bem-vindo Michael Sheen empalidece, embora ele dê contornos simpáticos e compreensíveis a um personagem que muitos atores achariam fácil tornar repugnante.

As grandes “prisões” de Masters of Sex, que o impedem de ser a série verdadeiramente brilhante e ousada que poderia ser, ainda estão aqui devido ao “modelo Showtime” de televisão, como um tratamento específicio de cenas de sexo e um molde bem rígido de construção de um protagonista. Brilha através da burocracia, no entanto, a tentativa de escrever aquele drama provocativo e relevante que eu coloquei no primeiro parágrafo. Por esses flashes de brilhantismo, e pelas mulheres formidáveis que passam pela tela (as personagens e as atrizes), vale muito a pena acompanhar.

***** (4,5/5)

Pra quem gosta de: Mad Men, Top of The Lake, Ray Donovan

Beau Bridges as Barton Scully, Nicholas D\'Agosto as Dr. Ethan Haas, Michael Sheen as Dr. William Masters, Lizzy Caplan as Virginia Johnson, Teddy Sears as Dr. Austin Langham and Caitlin Fitzgerald as Libby Masters in Masters of Sex (season 1) - Photo: Erwin Olaf/SHOWTIME - Photo ID: MOS1_PR04_WAITSIX_4C_300

“Masters of Sex” estreia hoje, dia 29. Os reviews d’O Anagrama voltam a partir do terceiro episódio, “Standard Deviation” (13/10)

Caio

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