24 de jan. de 2012

Ab Aeterno

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texto por Caio Coletti
fotos por iJunior

(para quem não viu o texto ao qual este serve como continuação, Movimento, é só clicar aí)

Às vezes ela achava que acabava ali. Porque, o que mais haveria de vir? O respirar cinzento do trem, o peso frio do ar, a insustentável aspereza que, às vezes, era ser o que ela era. O tempo passou, e só o que ela sentia era o movimento, só o que ela via era o marrom do deserto pela janela, só o que ela TINHA era o vazio. Tudo o que ela conhecia além daquilo eram vislumbres do que não poderia ser real. É claro que ela sempre tivera a si mesma. Mas quem disse que ter a si mesma era o bastante?

Sem fechar os olhos, sem mover um músculo, sem ouvir os segundos, tantos já haviam batido, não foi de se surpreender que ela nem mesmo tivesse escutado quando a porta da sua cabine se abriu. O olhar vidrado ainda era o mesmo enquanto o homem de roupas muito vermelhas lhe chamava no tom mais fatigado do mundo: “Senhora, é a sua parada”. Contrariado, ele franziu as grossas sobrancelhas ruivas e entrou na cabine, chamando mais alto. Sem resposta. Milímetro por milímetro, como que por medo de quebrá-la, estender a mão e tocou-a, repetindo o chamado em tom mais urgente.

Entao, puf! Pó voando pelo ar, iluminado pelos raios de Sol. Tábuas rangendo na agourenta subida de um conto de terror. O cheio da cola que compôs um livro muito, muito antigo, raramente ou nunca aberto, redescoberto no fundo de todas as coisas que guardamos na gaveta. E, por toda essa odisséia, pela reclamação suja de um encanamento enferrujado, a água limpa e azul preencheu de novo aquelas íris apagadas. Um mero movimento. Um olhar. Ele a reconheceu, e ela passara a vida esperando por ele. Tanto tempo aguardando por aquele que também a esperava, numa daquelas paradas. Que tola fora. Era óbvio que aquele que deveria pertencê-la precisava estar junto a ela na viagem.

Sim, essa era a sua parada. Mas ela nunca pensara que não precisaria descer nela.

Enquanto isso, naquela estação empoeirada há tanto passada, em que aguardava a tanto tempo, ele, a pose cuidadosa e falsamente despreocupada, tomou a melhor e mais ousada decisão da sua vida: olhou ao redor.

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Ab Aeterno (‘da eternidade’): literalmente, ‘daquilo que dura para sempre’. De um tempo imemorial, desde o começo dos tempos ou de um tempo infinitamente remoto. Na teologia, frequentemente indica algo, como o universo, que foi criado fora do próprio tempo.

1 comentários:

Anônimo disse...

Taí, não disse que ia bem uma continuação? :)