por Caio Coletti
(Twitter – Tumblr)
Quando da época do estouro do revival dos anos 80, lá por meados da década passada, eu ouvi em algum lugar que não deveria ser surpresa essa atitude cíclica do mundo pop. Que, de 20 em 20 anos, se descobria que haviam sido feitas coisas legais 20 anos antes. O princípio parece funcionar as mil maravilhas, porque entramos no terceiro ano dessa nova década com um movimento cada vez mais evidente de renovação daquilo que foi feito, olhem só, nos anos 90. Mais notavelmente liderado por novos e emergentes artistas do cenário pop, essa tendência de relembrar musical e visualmente a época das boy bands, do grunge e de uma série de outras coisas parece que chegou para ficar.
É difícil ter certeza de quando essa movimentação começou. A foto acima é de um dos exemplos mais recentes (e mais óbvios) de produção pop inspirada por referências noventistas. O clipe da canção “Never Gonna Happen”, da promissora Colette Carr, é o primeiro single do seu terceiro EP em direção ao álgum de estreia, o Skitzo, ainda sem data definida. Se a moça sempre teve uma influência clara dos anos 90 (do despojado e delicioso clipe de "We Do It (Primo)" ao hip hop à beira da piscina de "Like I Got a Gun"), o novo vídeo é o auge dessa influência: transpira As Patricinhas de Berverly Hills e lembra uma série de outros filmes adolescentes da época. Dá uma olhada no trailer do filme e depois veja o clipe da moça.
As semelhanças começam bem óbvias, pelo fato de Colette estar usando um figurino idêntico, na reunião com suas amigas no quarto, ao de Alicia Silverstone no filme. Mas há relações mais sutis a serem feitas e, também, pequenas atualizações que indicam a característica do mundo pop de reciclar as ideias adicionando algo novo a elas, em uma eterna auto-referência evolutiva. As cenas na house party da cantora parecem algo saído de Glee ou alguma outra produção jovem atual, com as referências visuais oitentistas (da decoração ao padrão estético de moços e moças), ao mesmo tempo em que encarnam o espírito do filme de Amy Heckerling, parte celebração e parte crítica do estilo de vida fútil dos jovens de uma certa classe social. A idealização do amor, embora não saia de moda nem nenhuma época, assumia caráter diferente no ambiente noventista, e retoma o mesmo significado agora.
Musicalmente, o que ocorre com Colette é mais ou menos o mesmo processo do que o do visual. O violão que lidera a melodia bobinha do refrão (a volta do violão a música pop, por si só, já é um resgate dos anos 90 – e o culpado por isso se chama Dr. Luke) remete as baladinhas das boy e girl bands da época, como uma série de outras canções da moça já fez, mas Colette não está disposta a sair do posto de nova rapperzinha preferida do pop. No melhor estilo Ke$ha, e até com flashes de Nicki Minaj, a moça destila veneno nos versos de rap entre os refrões.
Quem também entrou na onda da estética dos anos 90 foi a nossa artista pop promissora preferida, Charli XCX. O último clipe da moça, “What I Like”, precede o lançamento do (esse sim, já marcado) álbum de estreia, True Romance, que chega às lojas 15 de Abril. Embora seja ainda essencialmente oitentista, a arte pop de Charli tem evoluído para abarcar noções da década seguinte à mistura eletrônica de suas composições. E a estética de gravação amadora e festa com as amigas no quarto remete diretamente aos anos 90. A moça vem se tornando o amálgama mais empolgante de referências diferentes no cenário pop atual, juntando noções do gótico, do eletrônico experimental e, agora, do bubblegum pop.
A música dance é sempre uma das primeiras a se alinhar com a movimentação geral da cultura pop, e não foi diferente nesse recente revival noventista. Figura proeminente no gênero nos últimos anos, Calvin Harris baseou seu sucesso na repetição de fórmulas que levaram uma série de artistas a um sucesso um tanto fugaz na década de 90. A diferença entre CeCe Peniston, Rozalla e Rihanna (selecionada aí em cima) é que essa última, como filha exemplar da enorme onda pop dos anos 2000, sabe seguir tendências e moldar seu som e sua assinatura pessoal a elas como ninguém. Competentes como eram, as duas divas noventistas não sobreviveram ao tempo porque não mudaram junto com ele. Rihanna, assim como quase todas suas companheiras de geração, é especialista justamente em fazê-lo.
Mas voltando a Calvin Harris, não é difícil perceber que o moço se utiliza de sons, timbres e combinações típicas dos anos 90. O teclado sequencial onipresente nas produções do moço é facilmente perceptível também no hit de CeCe Peniston que colocamos acima, datado de 1991. A adaptação a modernidade entra em cena quando Harris combina essas referências (atenção para a batida surda das canções também) com um tratamento de sintetizadores que foi modelado cuidadosamente pela música pop da década passada, adaptada dos anos 80. É de certa forma fascinante observar como se estrutura a engrenagem pop: a música que Harris faz hoje é uma mistura da que se fez a vinte anos atrás com a que se fez na década passada, que por sua vez se configurava como uma nova leitura daquilo que foi feito há trinta anos. E o círculo vicioso é quase eterno.
Um sinal claro do retorno dos anos 90 que uma parte bem grande do público deve ter percebido é a nova popularidade do formato das boy bands. Não tanto o das girl bands, uma vez que as que estão na ativa no momento datam já da década anterior (o retorno de algumas que haviam se desmantelado, como a Girls Aloud, é um sinal de que o mercado pede material nessa área). Mas os dois nomes aí em cima mostram que é só o formato e a abordagem que são parecidas ao da década de 90: a musicalidade das boy bands século XXI pende para o pop e o folk oitentistas/setentistas.
Em uma análise mais arriscada, até a imagem de Lolita ressucitada por Lana Del Rey (um pouco tardiamente, diga-se) e Marina & The Diamonds tem alguma influência da fase “Oops! I Did It Again” e “… Baby One More Time” de Britney Spears. Ambos os processos subvertem ideais dos anos 50 em sua composição visual, e apelam para uma obsessão sexual que está em voga há quase um século. E a emergência das experimentações indie de artistas como Florence + The Machine, Niki & The Dove, Crystal Castles, MS MR e outras tantas não se assemelha, de alguma forma, a revolução pop que Björk operou (quase sozinha, mas aí é outra história) nos anos 90?
No mundo pop, como se sabe, governa o princípio de Lavoisier: em termos de ideias, nada se cria, e tudo se transforma.
1 comentários:
acho que as pessoas tendem a adorar a década que nasceram ou tiveram a sua infância, e todos acabam tendo essas recaídas nostálgicas entre os 20 e 30 anos...
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