13 de jul. de 2012

Review: Um retrato contemporâneo com o “kin” do iamamiwhoami.

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por Caio Coletti
(TwitterTumblr)

Não seria possível julgar o kin, primeiro álbum oficial do iamamiwhoami, como um disco de estúdio comum. Nem possível, nem justo, diga-se de passagem. O histórico do projeto (não é adequado chamar o iam de “banda”) já é bastante não-convencional, tendo duas séries de vídeos acompanhados de música lançados online, além de um “concerto ao vivo” que foi transmitido pelo YouTube (mais detalhes desses projetos podem ser vistos no post de ontem do iJunior), todos calcados numa incansável experimentação musical com os dois pés fincados no eletrônico e no esforço para manter o mistério acerca dos nomes envolvidos nas produções. Ainda que os créditos do kin revelem que as canções aqui são escritas e produzidas, como já era especulado, pela cantora sueca Jonna Lee (também protagonista dos vídeos) e pelo produtor Claes Björklund, e as composições soem consideravelmente mais pop do que as investidas anteriores do iam, não se trata de um ajuste aos moldes.

kin é um álbum audiovisual, para início de conversa. Cada uma das nove faixas ganhou um vídeo antes mesmo do lançamento do álbum como pacote, no dia 11 de Junho último. O primeiro destes, “sever”, foi lançado em 14 de Fevereiro, e desde então teve início uma narrativa críptica, em que cada capítulo desafiava quem assistia a decifrar o rumo dessa história (todos podem ser vistos aqui). Especulações não faltam quanto as metáforas usadas pelo projeto, algumas reminiscentes da fase anterior (a história da madrágora) e outras que analisam novos elementos dos vídeos. A lenda da huldra, uma espécie de versão sueca (e terrestre) da sereia, é uma das teorias levantadas por quem acompanhou o desenvolvimento da trama.

As canções que foram lançadas desde Fevereiro tomam um estilo que, ainda que não se afaste da experimentação inerente ao projeto, são capazez de soar dançantes e sustentar-se por si mesmas. “sever”, entre seus corais, teclados, baixo lento e vocal agudo entoando uma melodia de canção de ninar, é como um envelope sonoro, que envolve o ouvinte a um ponto realmente impressionante justamente por não ser uma canção apressada. Lá se vão 1m30 na entrada da batida, e 2m30 para os sintetizadores adicionarem um crescendo repentino à canção. “play” destaca-se por seu ritmo absolutamente peculiar, combinando a batida da percussão com o baixo sintetizado e palmas que acrescentam um elemento R&B desacelerado à canção, influência que pode ser sentida também na composição melódica do pré-refrão (“my love for play!”). Uma canção de entrega, ainda que o vídeo acrescente o elemento da culpa, “play” é a emoção mais primária do kin, e ganhou tratamento musical adequado como tal.

Aparentemente preocupado em manter-se inovador e jamais repetir a si mesmo, o iamamiwhoami não se acomoda aos próprios moldes. “in due order” ganha acréscimo de guitarras, talvez pela primeira vez do projeto, em seus curtos 3m30, contribuindo para o clima mezzo opressivo mezzo sedado estabelecido principalmente pelos sintetizadores e pelo vocal de interpretação maliciosa. “rascal” é atmosférica com sua batida percussão-e-estalar-de-dedos, sua intervenção delicada de sintetizadores e seus corais longínquos. No final da canção, também pela primeira vez na história do projeto, é possível ouvir a voz de Jonna Lee pura, sem filtros ou modificações eletrônicas. Peça importante no jogo do kin, “rascal” é um tomo de auto-penalização serenamente tenso.

O destaque em “good worker” é a interpretação cuidadosa de uma das letras geniais do kin, uma mistura de duas vozes narrativas que brigam entre o inconformismo (“mas quem sou eu quando tudo o que sou é sua esposa designada?”) e o canto da sereia do refrão (“a negação é uma virtude”). “drops” empresta a batida constante do tecno, e também ganha pontos por um dos melhores vocais do projeto até hoje (o trecho “sticks like glue/obstructs my view” é entregue com um vibrato alcançado no limite da voz). “goods” é o aceno dos artistas em direção ao próprio público. “Eu realmente adoro a sua companhia, mas eu preciso trabalhar para mentê-los contentes”, “diga suas saudações com despedidas”. É o iamamiwhoami dizendo que se trata, apesar de uma estreia, também de um adeus (ou, melhor, um “até logo”), e não uma entrada do grupo em uma carreira convencional. Eles chegam quando tem algo a dizer, e arsenal musical o bastante para dizê-lo.

“kill” é a verdadeira conclusão da jornada do kin. Com a repetição insistente do verso “come on, just kill this” no refrão e a afirmação, logo em seguida, de que “uma era está se afogando em nossos sorrisos e risadas”, o iamamiwhoami escancara, para quem ouve/vê atentamente, que essa história se trata não essencialmente de madragóras, huldras e misticismo (ainda que use a abuse de tais metáforas pelo caminho), mas sim da mentalidade inerente ao mundo contemporâneo. Acompanhamos uma trajetória que começa na relutância e na negação (“sever”), passa pela progressiva entrega ao prazer (“drops”, “good worker”, “play”), prossegue na direção de uma tomada de consciência (“in due order”) e um amargo arrependimento com sentimento de auto-piedade (“idle talk”, “rascal”). Aqui, em “kill”, com sua batida sem peso e tom distante, assistimos a nossa personagem abraçando a própria natureza, moldada pelo mundo e, ao mesmo tempo, absolutamente maleável. “Toda essa comoção não vale a pena”, ela diz. É uma declaração de desapego e fluidez que talvez seja consequência de alguma auto-proteção, o álbum sugere. Mas não julga. Como artistas, o iamamiwhoami só faz constatar e representar. Se é um retrato triste ou não o do nosso tempo, a escolha é toda nossa.

***** (5/5)

kin
Lançamento: 11 de Junho de 2012.
Selo: To Whom it May Concern/Co-Operative Music.
Produção: Claes Björklund, Jonna Lee.
Duração: 43m29s.

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Notas (glossário):

Vibrato:
Vibrato é um termo que se refere tanto a oscilação proposital das cordas de um instrumento, causando um som “vibrante” ou “ondulante”, quanto a produção desse mesmo efeito, naturalmente, com a voz humana. Um exemplo recente é a cantora galesa Duffy, que usa e abusa (às vezes até no mau sentido) do vibrato nas notas finais de cada verso em canções como "Endlessly".

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