20 de out. de 2013

Review: “Elysium”, ou sobre o ponto de vista no panorama do cinema

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É curioso observar o que aconteceu a Hollywood nessa última parte do século XXI. Ou talvez o processo tenha começado lá nos anos 70, com Francis Coppola vilanizando os personagens que usavam de poder e influência para controlar a vida daqueles que não estão em seu nível da cadeia alimentar capitalista (O Poderoso Chefão) e Martin Scorsese elegendo como protagonistas aqueles que agiam nas beiras das convenções sociais (Taxi Driver). Aos poucos, a indústria do cinema começou a fazer dinheiro do ideal de uma revolução, da fome por liberdade e da sordidez criada ou emanada pelos opressores. É preciso um equilíbrio delicado, ou uma situação muito extrema (vide Ensaio Sobre a Cegueira) para encontrar o ponto certo de mostrar que todos nós como seres humanos somos iguais, e não que nós (os oprimidos) somos simplesmentes melhores que eles.

Garantidamente, toda narrativa precisa de uma figura antagonista, mas não cabe generalizar os traços desse indivíduo cegado pelo poder (aqui, o papel cabe a uma maravilhosa Jodie Foster) a todos aqueles que representam a classe auto-nominada superior. Deveria ser uma regra que não precisasse ser verbalizada, mas aqui está: o próprio princípio de narrativa só funciona se a construção dela envolve uma compreensão ampla dos fatos retratados. Elevar a classe oprimida, seja ela fiel a nossa realidade ou fabulizada como em Elysium, e pintar com cores concretistas sua oposição a classe opressora faz a narrativa deixar de sê-la. Em suma, não se escreve um roteiro como se faz política. Se relativiza, não se maniqueiza as avessas.

Elysium escapa de manchar sua bem esmaltada composição com esse erro só por negligência. A trama compreende uma Terra futurista em que a sociedade está a beira do caos, e em que apenas os mais pobres da população permaneceram em superfície, enquanto os bem-afortunados ricos construíram uma fortaleza espacial que orbita o planeta, conhecida apropriadamente como Elysium. Nos enxutos 109 minutos do filme de Neill Blomkamp (Distrito 9), nós não conhecemos um único habitante de Elysium que se mostre algo além de mesquinho e egoísta, mas a verdade é que além da inescrupulosa secretária de segurança de Jodie Foster e do engomadinho empresário de William Fichtner, não conhecermos aprofundadamente nenhum outro habitante de lá. O Presidente Patel de Faran Tahir é o que mais chega perto disso, mas não dá pra concluir se ele é um burocrata confortável em seu posto ou tem realmente boas intenções – embora de qualquer forma não faça muito para concretizá-las.

Assim, por ser uma trama largamente contada sobre só uma perspectiva, Elysium passa quase ileso pelo crime de não relativizar sua história de revolução. Nosso protagonista é Max (Matt Damon), um trabalhador de fábrica na Terra que, depois de um acidente bizarro, é exposto a radiação e informado que tem apenas 5 dias de vida. Lá em cima, em Elysium, no entanto, ele sabe que a tecnologia de ponta das instalações médicas podem curá-lo – o aparelho milagroso retratado por Blomkamp é altamente improvável, mas vamos relevar isso pelo bem das convenções da ficção científica. Por isso ele procura Spider (Wagner Moura, yes!), que tem os meios para arranjar uma viagem clandestina para Elysium, mas primeiro quer que Max participe de uma missão arriscadíssima que inclui atracar ao seu corpo um aparato tecnológico que o torna mais forte, e também capaz de transferir informações direto do cérebro do alvo (o personagem de Fichtner) para o seu.

Adicione aí: a reaproximação entre Max e sua namoradinha de infância, Frey (Alice Braga) e sua filhinha que sofre de leucemia; e o mercenário impiedoso de Sharlto Copley, ator-fetiche de Blomkamp e protagonista de Distrito 9, emprestando seus fartos talentos para um personagem bem diferente aqui. O diretor conduz essa narrativa sem nunca perder o fio da meada e o centro emocional, incluindo flashbacks a infância de Max e uma bela relação entre o personagem e sua Terra natal. Elysium relaciona o orgulho de suas origens a uma força de caráter e de espírito que vive em Max grande parte graças a Matt Damon, numa interpretação bem diferente daquela oferecida na trilogia Bourne. Lá, era frieza e adrenalina alta; aqui, é vivacidade e perseverança que ele empresta ao personagem.

O restante do elenco se enfileira com outras ótimas interpretações: destaque para Moura, em estado de graça, dando visceralidade a um filme cujo visual e abordagem gritam por ela; e para Foster, que transborda as barreiras da forma como sua personagem foi escrita e realiza um retrato verdadeiramente intrigante, ainda mais por se fechar inconcluso, dela. Blomkamp sabe como poucos coordenar cenas de ação e suspense verdadeiramente desesperadoras e claustrofóbicas com uma jornada conceitual bem definida. Embora não tenha a inteligência de Distrito 9 ao aproximar vítima e algoz, e até fazê-los se encontrar no meio do caminho, Elysium ainda é a obra de um cineasta realmente engajado com suas histórias, e essa é uma preciosidade que Hollywood precisa cultivar.

**** (3,5/5)

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Elysium (EUA, 2013)
Direção e roteiro: Neill Blomkamp
Elenco: Matt Damon, Jodie Foster, Sharlto Copley, Alice Braga, Diego Luna, Wagner Moura, William Fichtner
109 minutos

Caio

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