O diretor Joseph Kosinski estreou na cadeira de diretor em 2010, com a continuação tardia Tron: O Legado. Fã do filme original e protegé do roteirista Steven Lisberger, ele criou um épico de ação com cara, linguagem e tratamento de video game, o que fazia perfeito sentido para a história. Chamou os robôs cool e futuristas do Daft Punk para criar uma trilha que vendeu até mais do que o filme, e garantiu uma boa bilheteria. Três anos depois, o moço chega a sua segunda obra com esse Oblivion, e continua colocando o toque pessoal na mistura: essa é a adaptação de uma graphic novel finalizada, mas nunca lançada, pelo diretor. De novo chamou um músico cool (dessa vez o duo M83) que fez um trabalho primoroso na trilha. E mais uma vez emprestou a linguagem de outra mídia para mesclá-la com a magia do cinema e produzir algo único: uma história em quadrinhos filmada.
Oblivion incorpora essa linguagem de maneira bem mais sutil do que Sin City, por exemplo, que adaptou quadro a quadro a obra de Frank Miller. Aqui, vão notar essa fidelidade a mídia original da história aqueles que prestarem atenção na fotografia maravilhosa assinada pelo chileno Claudio Miranda, vencedor do Oscar por As Aventuras de Pi. Os enquadramentos exatos, a resistência ao movimento de câmera e a busca pelo impacto visual enquanto artifício de história estão presentes integralmente no trabalho do fotógrafo em conjunto com o diretor Kosinski. Apesar de favorecer o aspecto sensorial do filme, esse trabalho tem pelo menos um impacto negativo: as cenas de ação de Oblivion são filmadas de forma tão quadrinesca que quase sempre perdem o momentum e a adrenalina. Isso só não é tão grave porque este é um dos blockbusters que menos confia na ação para funcionar em um bom tempo.
Isso porque outra herança dos quadrinhos, essa ainda mais positiva, vazou para Oblivion: apesar das adaptações de roteiro assinadas por Karl Gajdusek (Reféns) e Michael DeBruyn (pseudônimo de Michael Arndt, de Pequena Miss Sunshine), esse ainda é um filme que confia no espectador como uma graphic novel confia no leitor. Ou seja, a trama tem espaço de sobra para respirar e tomar vida, o mundo dos personagens ganha um tempo incomum nas correrias hollywoodianas para se construir na mente do espectador, e a jornada das pessoas em tela adquire mais peso por isso. Tanto que se torna imensamente mais importante do que o retrato futurista distópico de Kosinski e companhia. Parece que Hollywood ainda tem muito o que aprender com os quadrinhos, afinal.
Claro, Oblivion tem seus méritos como filme. A história acompanha Jack (Tom Cruise), que com a esposa Victoria (Andrea Riseborough, aos 32 anos uma das melhores atrizes de sua geração) é um dos últimos humanos a ainda residir na Terra devastada por um apocalipse nuclear motivado por invasão alienígena. Ele cuida da manutenção das máquinas que estão recolhendo a água do planeta e exterminando as últimas resistências extraterrestres em Terra, e aguarda ansiosamente pela hora de ir até a Lua de Saturno, onde lhe é prometida uma nova casa. As coisas viram de cabeça para baixo quando ele resgata uma outra humana, Julia (Olga Kurylenko), que ele pensa reconhecer de sonhos recorrentes que o assombram.
A trama arma a mira bem alto: quer ser sobre a fugacidade da vida humana e sobre a efemeridade da constituição de um indivíduo, mas não resiste a uma metáfora que está na moda desde Cloud Atlas, e insere o tema do amor atravessando a barreira da própria vida. Mistura questões de identidade na panela de pressão e deixa Tom Cruise segurar o filme na garra, especialmente quando Riseborough não está em cena, enquanto Morgan Freeman se diverte em um papel secundário e Kurylenko mal segura as pontas como a mocinha da vez. Cruise mostra que ainda tem a habilidade de construir um protagonista carismático, e ganha o filme com as evocações nostálgicas e a confusão de caráter de seu personagem. Ele é a definição mais perfeita de tudo o que Oblivion representa na cena hollywoodiana.
Em uma entrevista algum tempo atrás, Keanu Reeves afirmou que vê a ficção científica como um Cavalo de Tróia, um receptáculo no qual os manipuladores da história podem colocar o que bem entenderem. Essa definição cabe muito bem aqui, porque vive em Oblivion, ainda que não da forma mais pulsante de todos os tempos, o coração de uma humanidade que sempre esteve e sempre estará presente no gênero, e que ainda é capaz de comover. Se nem Hollywood conseguiu matá-la, bom, quem vai?
**** (4/5)
Oblivion (EUA, 2013)
Direção: Joseph Kosinski
Roteiro: Karl Gajdusek, Michael Arndt, baseados na grephic novel de Joseph Kosinksi
Elenco: Tom Cruise, Morgan Freeman, Olga Kurylenko, Andrea Riseborough, Melissa Leo
124 minutos
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