26 de out. de 2013

Estreia: “Dracula”, da NBC, foge de tudo o que poderia torná-la interessante

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ATENÇÃO: esse review contem spoilers!

Drácula só perde para Sherlock Holmes como o personagem que mais apareceu nas mais diversas mídias desde o seu nascimento. A obra original de Bram Stoker, que data de 1897, já foi contada e recontada inúmeras vezes, por inúmeros diretores, e com inúmeros valores de produção no cinema e na televisão. O personagem, ano após ano, vai fazendo jus a sua imortalidade ficcional: já passa de um século de vida, e se recusa a sair do imaginário popular mesmo que Hollywood tenha dado tantos outros tratamentos ao mito do vampiro. Claro, há um motivo para isso, e ele é exatamente aquele que deveria ser: Drácula é um personagem brilhante.

O vampiro mais famoso da história não vive só das dicotomias medo & sedução, selvageria & elegância, da ameaça velada que atrai, e da sexualidade sempre pronta para explodir. Antes de ser o vampiro mais letal de todos, o Conde é um homem apaixonado que viu o seu amor morrer com os séculos que passaram incólumes pelo seu rosto. Uma tragédia decadente e gótica que, lá no final do século XIX, era uma alegoria para as más pernas da aristocracia colonial, e tambem uma viagem metafórica pelo ego de um personagem que se voltava para a violência e a satisfação dos seus desejos mais primais. Sua sede de sangue era o nosso desejo luxuriante e reprimido, sua condenada imortalidade era um espelho – e portanto reverso – da nossa temida finitude. O monstro dentro de Drácula (e essa é a principal dicotomia do Conde, não se enganem) não representava só o monstro escondido em nossa sociedade. Muito além disso, representava o monstro escondido em cada um de nós.

Talvez por isso Dracula, a nova série da NBC, seja tão decepcionante. A criação do estreante Cole Haddon só agarra com força o mito do vampiro da forma como ele foi abstraído da superexposição que recebeu nas últimas décadas. É como se o roteirista pescasse imagens que colaram no imaginário popular, uma atmosfera específica que esteve sendo martelada na cabeça do público, e a reproduzisse na esperança de criar um personagem de verdade no meio do caminho. Pelo menos nessa primeira hora de Dracula, isso não acontece, e se chega minimamente perto de acontecer é só graças ao esforço do intérprete do personagem-título, Jonathan Rhys-Meyers (The Tudors). O ator de 36 anos – e nós também não vimos o tempo passar, você não está sozinho! – lida com o material que recebe perfeitamente, rascunhando um Drácula genuinamente interessante que o roteiro falha miseravelmente em explorar.

O problema é que na trama de Haddon, o lorde dos vampiros é mais uma releitura sedutora do Conde de Monte Cristo do que qualquer outra coisa. Assim como Edmond Dantes, Drácula é um peixe fora d’água em busca de vingança: após ser ressucitado por Abraham Van Helsing (Thomas Kretschmann), o vampiro assume a persona de um novo ricaço que surge na sociedade britânica abalando os interesses dos lordes do petróleo com uma fonte de energia alternativa que parece ter vindo direto do laboratório de Nikola Tesla. Além de tudo, a série não sabe jogar suas cartas no tempo certo, porque ficamos sabendo com menos de 20 minutos de episódio que os tais lordes do petróleo são na verdade a Ordem do Dragão, responsáveis pela morte da amada de Drácula e da família de Van Helsing, o que levou os dois a armarem um plano mirabolante de vingança.

Esse arranjo poderia abrir a oportunidade para a série se tornar uma improvável, mas potencialmente brilhante, alegoria política, e há dicas dessa série que Drácula poderia ser na performance de Meyers e na fascinante cena em que ele concede entrevista para Jonathan Harker (Oliver Jackson-Cohen) – o clássico corretor imobiliário que encontra destino assustador na mansão de Drácula no livro de Stoker é revisto aqui como um jornalista ambicioso que se interessa pelo empreendimento tecnológico do milionário à la Gatsby que o vampiro incorpora (“visionário, delirante e egomaníaco”). A reimaginação dos personagens clássicos é sempre um jogo divertido de se jogar, e de se assistir, e Drácula tem a perfeita oportunidade nas mãos de ser igualmente fascinante, relevante e divertida. O problema é que prefere não ser.

Nessa relutância, ganhamos em troca uma cena de ação com bullet time (really, though? hou very 90s of you guys), coadjuvantes pouco expressivos com exceção de Nonso Anozie como Renfield e Katie McGrath como Lucy, e uma trama fácil de vingança que nada tem a ver com o sentimento de inquietação fundamental em todo e qualquer Drácula. Ao escolher não incomodar ninguém, e é preciso dizer que nisso deve pesar o fato de a série estar na TV aberta americana quando claramente pertence a algum canal a cabo com mais vontade de ousar, Drácula habilidosamente escapa de tudo que poderia torná-la minimamente interessante.

*** (2,5/5)

2013-NBC-Dracula05

Próximo Dracula: 01x02 – A Whiff of Sulphur (01/11)

Caio

1 comentários:

MultiSeries disse...

Parabéns pelo texto muito bem escrito.