por Caio Coletti
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Aos olhos treinados (ou aos de um espectador que esteja realmente prestando atenção, na verdade), quase todo filme tem um momento definidor em que pipoca na mente de quem o assiste qual é o ponto, o cerne, o significado mais intrincado daquela história. É como se o roteirista quisesse jogar isso na cara do público, na verdade, e é curioso como muitas pessoas acabam perdendo esse momento. Em O Lado Bom da Vida (título nacional mediano de Silver Linings Playbook, expressão esperta que, pra ser honesto, não tinha uma tradução literal possível), esse momento vem de forma curiosa. Após terminar um livro de Ernest Heminghway, o protagonista interpretado por Bradley Cooper se irrita com o desfecho trágico da história, explodindo com seus pais (as 4 da manhã): “Quer dizer, o mundo já é ruim o bastante. Alguém não pode dizer algo como ‘hey, vamos dar um final feliz para essa história’?”.
O Lado Bom da Vida é sobre finais felizes, sim, mas é principalmente sobre finais felizes serem possíveis na vida real. Pode soar piegas, mas se há um filme que é capaz de convencer os cínicos sobre isso, você está diante dele. A mágica de O Lado Bom da Vida consiste em montar uma estrutura típica de uma comédia romântica, temperada com pinceladas dramáticas mais realistas do que a maioria dos filmes do gênero costuma ter, e subverter pequenos detalhes da trama para que tudo possa parecer, bem… possível. Não há aqui uma grande maquinação, um momento em que o mocinho (ou a mocinha) descobre que esteve sendo enganado de alguma forma e toda a decepção e a raiva acabam por resultar em uma realização que concretiza o romance principal do filme. Não, de fato, O Lado Bom da Vida até ensaia isso em um momento, mas logo na mesma cena nos surpreende ao mostrar que as coisas não podem acontecer de forma tão brusca. Não na vida real.
Outro ponto interessante é que esse é um filme que retrata seres humanos com problemas de verdade, tragédias que aconteceram em suas vidas e com as quais eles não souberam lidar de uma forma saudável e esperada. Esse tampouco é um tomo de transformação. Não há um arco de mudança, aqui (algo que deixaria qualquer autor de manual de roteiro de cabelos arrepiados), mas uma história de encontro. O encontro entre Pat (Bradley Cooper) e Tiffany (Jennifer Lawerence). Ele acaba de sair de uma instituição psiquiátrica, onde foi internado após achar a ex-mulher traindo-o e quase ter espancado até a morte o amante da moça. Ela é uma recém-viuva que perde o emprego porque a única forma que encontrou para lidar com a morte do marido foi dormir com todos os empregados de seu escritório. Ele quer reconquistar a ex-esposa, ela quer ganhar um concurso de dança.
Esse é o momento em que o leitor já deduziu que eles se apaixonam e está gritando em protesto porque isso se parece exatamente com o clichê das comédias românticas. Talvez. Mas é a forma como O Lado Bom da Vida retrata isso que o faz especial: essas são pessoas perturbadas, marcadas por acontecimentos horríveis e consequencias ainda piores, em retrospecto. E nenhuma das duas partes do casal principal almeja mudar um ao outro. Eles simplesmente se encontram no meio dessa loucura toda, e é da forma mais natural e progressiva e bem desenvolvida que o gênero do romance viu em um tempo bem considerável. Parte da culpa, é claro, é de David O. Russell. O diretor de Três Reis e O Vencedor faz um filme quieto e discreto, mas absurdamente eficiente em nos envolver na história. Ele tem sob seu comando uma fotografia (assinada por Masanobu Takayanagi) que brinca de ballet com a encenação, uma boa história para contar e, é claro, um elenco brilhantemente guiado.
Bradley Cooper compõe seu Pat com a inteligência rápida de um comediante eventual, acertando em cheio na verborragia (a habilidade verbal do moço é impressionante, há de se dizer) e brincando com carisma e uma abordagem pouco sutil, mas bastante eficiente, da forma como seu personagem vê o mundo. Ele é balanceado, no entando, por toda a delicadeza e a mestria de Jennifer Lawrence. Não é exagero dizer que a moça faz trabalho digno de atrizes bem mais experientes que ela, jamais escondendo as sombras de sua Tiffany, e ao mesmo tempo lhe emprestando sensibilidade, integridade e determinação absolutamente cativantes. Se o Oscar acabar mesmo nas mãos dessa estrela de 22 anos, será mais do que merecido. No campo dos coadjuvantes, Robert DeNiro acerta a mão na sensibilidade contida, de uma forma como não acertava há algum tempo, na pele do pai de Pat. Indicação acertadíssima da Academia, primeira do ator desde Cabo do Medo, em 1992.
O Lado Bom da Vida é um filme sensível, mas jamais choroso. Por vezes engraçado, mas nunca histérico. E tem um final feliz, sim, mas não subestima nossa inteligência para chegar lá. E é a prova que o realismo não precisa ser pessimista, e o otimismo não precisa ser irreal. Take that, Heminghway!
***** (4,5/5)
O Lado Bom da Vida (SIlver Linings Playbook, EUA, 2012)
Direção: David O. Russell
Roteiro: David O. Russell, baseado na novela de Matthew Quick
Elenco: Bradley Cooper, Jennifer Lawrence, Robert DeNiro, Jacki Weaver, Chris Tucker
122 minutos
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