por Caio Coletti
(Twitter – Tumblr)
A tradição dos break-up albums não é nova: transformar a queda de um relacionamento em obra musical fechada já não era ousadia quando o Fleetwood Mac talhou a obra-prima do “gênero”, o Rumours de 1977. "Go Your Own Way", do citado álbum, é provavelmente a canção que resume esse filão. Little Broken Hearts, o quinto projeto de estúdio de Norah Jones, lançado três anos depois do modesto (porém brilhante) The Fall e no ano que marca o aniversário de uma década do Come Away With Me, sua meteórica estreia musical, dá continuidade a essa tradição. Só não espere nada visceral demais.
Não há aqui a impulsividade à auto-penitência como no 21 de Adele (não espere nada parecido com "Take it All"), ou o levantamento de moral através da euforia como no MDNA de Madonna ("I Don't Give A" passa longe do que se ouve nesse álbum), e isso não é desprezar o mérito desses dois álbuns, ótimos exemplos recentes de projetos calcados em fins de relacionamento. Norah apenas não abre mão de fazer as coisas do seu jeito, e isso significa canções pensadas e repensadas, serenamente melódicas, conscientes das próprias intenções, de conteúdo lírico maduro que jamais cede ao instinto.
Mesmo cantando uma murder ballad como a sombria e grudenta “Miriam” Norah parece ter certeza do que está fazendo. Seu tom é ameaçador, mas mantem a serenidade e a “ausência” que caracteriza seu timbre enquanto entoa, quase docemente, versos como “eu vou sorrir quando tirar sua vida”. Essa é a canção que serve de sucessora para “Happy Pills”, com certeza a criação mais pop da carreira de Jones, com todos os seus ganchos e filtros de voz usados com sabedoria pelo produtor Danger Mouse (as camadas na voz de Jones são finalmente desconstruídas pelo trabalho de estúdio). É uma canção de auto-libertação bastante madura, e uma das criações pop mais certeiras do ano.
Estendida por todo o álbum, a parceria com Mouse, o homem que estava por trás do pop do Gnarls Barkley e de uma variedade de outros projetos únicos da música do nosso século, rende excelentes frutos. Com levada mais animada, “Say Goodbye” tem letra um tanto cínica (“Don’t you miss the good old days/When you let me misbehave?”, “It ain’t easy to stay in love if you can’t tell lies”), carregada por linha de baixo, toques de guitarra e órgão sibilante. Há algo de Lana Del Rey aqui, com Norah jogando o jogo da femme fatale, o que acaba caindo muito bem na qualidade um pouco blasé que sua voz sempre teve.
“Good Morning” é a faixa de abertura perfeita, simples em seus dois conjuntos de versos e refrão baseado na repetição do tom de soprano angelical de Norah na frase “I’m folding my hand”. O piano agudo e as delicadíssimas sessões de cordas a tornam uma faixa bastante atmosférica, como “She’s 22”, a balada mais simples do álbum e também uma das faixas mas belas dele. Norah discorre uma espécie de lamento quanto ao novo affair do ex-namorado, acompanhada de um riff de violão constante. Há mais ousadia em “Travellin’ On” com seu belíssimo violoncelo afinado com um tomo de devoção que é um repiro dos temas pesados do Little Broken Hearts, e na crescente “Take it Back”, começando com piano repetitivo e adicionando camadas até o climático pós-refrão.
O Little Broken Hearts é ao mesmo tempo uma demonstração clara do espírito Norah Jones de fazer música e um passeio musical ousado para a imagem e a carreira da mesma. Contido, maduro, expressando da forma mais pensada e equilibrada possível uma série de emoções que costumam vir, em forma de música, à flor da pele. Norah sempre se caracterizou por ser consciente, até demais, do que faz musical e liricamente, a um ponto que às vezes era capaz de esmagar a emoção das canções. Aqui, para a alegria tanto de quem já a sabia admirar assim quanto de quem esperava algo um pouco mais intenso, ficamos com uma Norah competente e elegante como sempre, mas exalando verdade como nunca.
*** (3,5/5)
… Little Broken Hearts
Lançamento: 27 de Abril de 2012.
Selo: Blue Note/EMI Records.
Produção: Danger Mouse.
Duração: 45m01s
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Notas (glossário):
Gancho (hook):
O gancho ou hook, na música pop, é definido por uma ideia melodica simples, um riff ou uma frase cantada, que é usada para chamar a atenção do ouvinte. Uma canção cheia de hooks é "Bad Romance", de Lady Gaga (o famoso “oh-oh-oh-oh-ooooh” e o ainda mais célebre “rah-rah-rah-ah-ah”).
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