30 de mai. de 2012

Sobre… – Entendendo o pop.

pop

por Caio Coletti
(TwitterTumblr)

Se o caro leitor procurar por “pop music” na Wikipedia em inglês, vai encontrar, no segundo parágrafo e, mais tecnicamente, na seção “characteristics”, uma descrição bastante metódica do que se define, usualmente, como uma canção pop. Um resumo da ópera (ópera pop, claro) para quem não quer gastar seu inglês: duração entre 2m30 e 3m30, estrutura baseada em versos e refrão, inserção de ganchos pegajosos e foco na melodia. A caríssima professora virtual ainda ensina que “música pop” é usado para designar um gênero que é “gravado comercialmente e deseja apelar a uma audiência de massa”.

Agora, um outro dado: "Someone Like You", de Adele (o link para o vídeo é só para o caso de você ter passado o último ano em uma caverna), com mais 4 milhões de downloads vendidos apenas em solo americano, é inquestionavelmente uma das grandes, senão a grande canção pop de 2011. Bate nos 5 minutos de duração, não tem um gancho melódico sequer, e há de se concordar que voz-e-piano não é exatamente uma fórmula que se imagine como apelativa a uma audiência de massa. O sucesso absurdo da balada mais intensamente emocional da cantora britânica é apenas um exemplo entre muitos de que a banda não toca sempre dentro das regras.

O que é pop, então? Existe a tentação, atualmente, com as divisas de gênero cada vez mais borradas, de chamar tudo o que encontra seu nicho no alto das paradas de pop. Mas o fato é que há muita canção pop por aí que não emplaca, também. Se a disposição for um pouco maior, aquele leitor curioso que se arriscou a entender música pop pela Wikipedia pode também dar uma olhada em “pop art”. Das longas definições que a enciclopédia nos fornece, emerge um conceito básico: encontrar objetos banais e inseri-los em um contexto de sentido diferente. Tornar a arte um bem de consumo. Ironizar o próprio preceito de arte.

Era o que faziam Richard Hamilton, Roy Lichenstein e, claro Andy Warhol. E aí chegamos no ponto essencial. O que Warhol empreendeu em sua carreira e sua vida pessoal (e, especialmente, na forma como as duas coisas começaram a impreterivelmente se misturar) é talvez o primeiro grande ato pop da história. Na década de 1960 especialmente, a figura do filho de imigrantes poloneses Andrej Varchola Jr, que adotou o pseudônimo Andy Warhol, se tornou não só fundamental ao desenvolvimento artístico, como representante mais célebre da pop art, como também fonte de fascinação por sua imagem. Os cabelos desarrumados, o olhar enigmático e a forma como constantemente recortava pedaços de sua própria personalidade na arte (nos filmes, especialmente), de forma muito encriptada, tudo isso definiu-o como, talvez, a epítome do ícone pop, e a personificação do próprio pop.

Existe uma espécie de subversão de conceitos aí. De uma arte feita para ironizar a própria arte, o pop aos poucos se incorporou a esse sistema, como a contradição intrinseca de ser bem de consumo ao mesmo tempo que mexe com o imaginário do que já foi bem de consumo para a sociedade. O pop se estabeleceu como um ciclo, auto-referente e, na prática, de continuação inquebrável.

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Para os que se perderam na articulação das ideias, a conclusão é que o pop é, para além de uma estrutura musical (mesmo que ela seja mais ou menos aplicável a maioria do universo que chamamos de música pop hoje), um empreendimento artístico cujo apelo às massas é explicado pela exploração de uma imagem forte, que mexa, contradiga ou consoe com o que se chama de cultura popular (em abreviação de uso recente, “cultura pop”). E “Someone Like You” nessa coisa toda?

A canção de Adele nada mais faz senão articular com o imaginário coletivo, e a situação essencialmente banal do fim de um relacionamento. Você já passou por isso, ou ao menos sentiu o fim de uma paixão, logo consegue se identificar o bastante, num primeiro nível superficial, para comprar a ideia. Ela já passou por isso, e portanto é crível vê-la cantando assim. Especialmente quando o 21, álbum do qual a balada foi retirada, é tão declaradamente inspirado em um relacionamento misterioso que despedaçou o coração da britânica. Adele tomou o estandarte dessa amargura para si, fez sua imagem se confundir com sua música, usou-a em seu peito como uma medalha, e se tornou um ato pop perfeito.

Em um resumo bem simplificado: conceitualmente, o pop é a construção de uma imagem. Seja ela inteiramente baseada na verdade ou a expresse através de um personagem. Além disso, nada prende o pop a 3m30, uma estrutura de verso e refrão ou ganchos pegajosos. O artista pop pode, e deve, trazer todo e qualquer tipo de influência que achar contundente para a sua obra. A Electra Heart de Marina & The Diamonds, todo o exagero e a experimentação de Lady Gaga, o fenômeno Lana Del Rey, a lira dos vestidos esvoaçantes de Florence Welch, a combinação segurança + desafio + amargura + provocação de Madonna. Todas expressões autênticas, brilhantes e absurdamente diferentes de um mesmo preceito: a música pela imagem, e a imagem pela música.

1 comentários:

GuiAndroid disse...

Parabéns Caio, esse texto entrou pro top 3 dos seus artigos.