por Caio Coletti
Marina Lambrini Diamandis é parte de uma geração das mais brilhantes da música pop britânica. Surgida em 2009 com o EP The Crown Jewels, que possuía a canção "I Am Not a Robot", depois incluída no álbum de estreia, The Family Jewels, do ano seguinte, a moça de 26 anos nascida no País de Gales, com descendência grega, não esconde de ninguém que mira ainda mais obstinadamente o mercado americano com sua segunda obra de estúdio, Electra Heart. Ela o faz, no entanto, construindo uma obra essencialmente pessoal na forma como analisa não só a relação da sociedade americana com o celebrity way of life, mas também o próprio conflito de Marina com essa instituição.
Absolutamente ácida ao mesmo tempo que inicia um processo que vai durar por todo o álbum, uma “transformação” de Marina na personagem Electra Heart, “Bubblegum Bitch”, a faixa de abertura, tem produção calcada em bateria e guitarras frenéticas, sintetizadas (com algo de punk, talvez), enquanto a cantora destila veneno nos vocais. Ela nos introduz a sua persona vã, pseudo-trágica, e não esconde que sabe o quanto isso pode vender (“soda pop, soda pop, baby here I come/straight to number one”). “Primadonna” é prova disso: é o single que trouxe à Marina a visibilidade que o The Family Jewels não pôde trazer, mas é só metade da grande canção que poderia ser. Seja por seu refrão grudento ou pela letra genial (o quanto “fill the void up with celluloid/ take a picture, I’m with the boys” fala sobre a nossa geração?), é um acontecimento pop que vai ser lembrado para além dos sintetizadores e quedas de ritmo clichês de Dr. Luke.
“Lies” é metade power ballad, metade pérola dubstep. A sequencia harmônica de sintetizadores graves no refrão é algo de mesmerizante enquanto a voz de Marina passeia pelas alturas viscerais a que pode chegar em alguns dos versos mais amargos do álbum. É aqui que as coisas começam a ficar sombrias no Electra Heart. “Starring Role” é de uma qualidade extremamente incômoda em termos de temática e execução lírica, e ainda que a produção de Greg Kurstin não seja perfeita, não é possível ignorar os sintetizadores em tom rascante que embalam a última bridge da canção: “I never sent for love, I never had a heart to mend/ Because before the start began I always saw the end”, ela canta em tom furioso. E quem nunca quis reclamar o papel principal no coração de alguém? Electra cai por terra em sua então aparente perfeição suburbana, mas todos nós caímos junto.
Melodicamente, Marina só se aproxima do The Family Jewels em “Living Dead”, e não por coincidência a demo da canção foi uma das primeiras a surgir após o lançamento do primeiro álbum. Aqui, é possível ouvir a cantora incansavelmente elástica que a galesa pode ser, e é de estagnação que ela fala, em uma virada bastante notável: se antes Marina nos apresentou a Electra glamourosa ruindo aos poucos, agora é a vez da cantora confessar que ela própria também quer a “ascenção e queda”. O produtor do primeiro álbum, Liam Howe, retorna para “Teen Idle”, conferindo clima crescente à canção. A abordagem absurdamente suave da última ponte, que contribui para a viagem do ouvinte na faixa, realça o melhor do registro agudo de Marina (em “the day has come where I have died/only to find I come alive”) e a quebra temática com a personagem de Electra. Aqui, Marina fala de si, e fala de se tornar outra pessoa.
Tudo no Electra Heart é um conflito. As mentiras e verdades dolorosas de “Lies”, o jogo do amor de “Power & Control” (ecoando Madonna por todos os lados), a vida ofuscantemente glamourosa e, ainda, desesparadamente vazia de “The State of Dreaming” (inspirada em Marilyn Monroe) e “Living Dead”. No entanto, tudo se resume a apenas um dilema: Marina, claramente, despreza tudo aquilo que ela mesma quer se tornar. Tudo que ela ironiza cruelmente em “Bubblegum Bitch” e esvazia em “Valley of The Dolls” é glorificado em “Primadonna”, e eu preciso dizer que a letra de “Teen Idle” é um testemunho disso? “Eu quero ser uma loira encaixotada”, “eu queria ter sido uma rainha do baile lutando pelo título”, “o dia chegou em que eu morri apenas para descobrir que estava viva”. Marina quer estar viva, mesmo que sua concepção de vida implique ter a visão cegada por flashes e a mente fechada por palavras de outrem. Mesmo que essa vida que ela almeja seja tão passageira. A personagem de Electra Heart personifica tudo isso.
“E quando o tempo chegar, e as luzes se apagarem/ Eu sei onde pertencerei quando eles me dispensarem”, ela canta sobre os pianos, corais e batidas crescentes da belíssima “Fear and Loathing”, que fecha o álbum, logo antes de uma passagem final que, segundo a própria Marina, é uma gravação de sua avó cantando na cozinha, na Grécia. Soa como uma lembrança apagada, e como um adeus a inocência. É preciso dizer que, assim encerrado, o Electra Heart é a obra pop mais genial do ano?
***** (5/5)
Electra Heart
Lançamento: 27 de Abril de 2012.
Selo: 679 Artists, Atlantic Records.
Produção: DJ Chuckie, Cirkut, Diplo, Dr. Luke, Liam Howe, Devrim Karaoglu, Greg Kurstin, Fabian Lenssen, Ryan McMahon, Rick Nowels, Ryan Rabin, Dean Reid, Stargate.
Duração: 46m51s
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Notas (glossário):
Power-ballad:
É a canção que tem estrutura e ritmação de balada (como a clássica "And I Am Telling You I'm Not Going"), mas é acompanhada de instrumental pop e percussão forte. Um excelente exemplo de power-ballad é o cover de Jordin Sparks para "Don't Let it Go to Your Head", de Fefe Dobson.
Dupstep:
Tendência absoluta no mundo da música eletrônica atualmente, o estilo surgido em Londres se caracteriza basicamente por grandes quebras de ritmo, padrões de bateria reverberantes e fortes linhas de baixo. O expoente mais destacado do estilo hoje é Skrillex (ouça "Equinox (First of The Year)"), mas o dubstep tem forte influência também no último hit de Rihanna, "Where Have You Been".
2 comentários:
dorei.
INCRÍVEL!
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