24 de out. de 2012

Review: O respiro de paz de Ellie Goulding em seu Halcyon.

Ellie Goulding Halcyon

por Caio Coletti
(TwitterTumblr)

Ellie Goulding está no comando do seu jogo em “Anything Could Happen”, primeiro single oficial retirado de seu segundo álbum de estúdio, Halcyon. Para começar, os vocais são, na falta de um adjetivo melhor, impressionantes: em dois dos muitos ganchos pop da canção a cantora mostra que é capaz de doçura encantadora (“baby, I’ll give you everything you need”, em belíssimo soprano), mas também potência invejável (“I know it’s gonna be”). Ellie é o tipo de vocalista que é capaz de se tornar dona absoluta da música que canta quando – como aqui – está no seu auge. De quebra, a letra do single é um retrato refrescante e gigantesco do fim de um relacionamento, capaz até de se admitir egoísta (“but I don’t think I need you!”). E não somos egoístas, todos nós?

A visão da cantora britânica nessa segunda obra de estúdio certamente não parece otimista. “Figure 8”, por exemplo, é uma balada clássica de decepção com uma angulação que a leva para perto do dubstep com parcimônia e elegância (ao contrário do que os “críticos independentes” tem dito por aí, Halcyon não é um álbum inteiramente ditado por essa tendência, da qual o namorado de Goulding, o DJ Skrillex, é o principal representante). A canção é dona de um refrão brilhantemente escrito e conta com a força de Ellie nos vocais, soando identificáveis e atrativos, cheios de garra, sempre que realmente acreditam na composição da qual tomam parte.

Ela inclusive remete à Kate Bush na teatralidade dos vocais (uma referência cada vez mais presente na música pop contemporânea) quando retoma sua veia de cantora-compositora em “My Blood”, construída a partir do arpejar de um violão que se transfere graciosamente para o piano durante a canção, reminiscente de “Home”, do seu álbum anterior. O refrão que Ellie constrói é de puro faro pop, combinando linha melódica clássica e uma produção esperta que faz da multiplicação dos vocais da cantora um recurso usado na medida certa.

Se há uma armadilha na qual Halcyon não cai, é a de ser um álbum construído em cima do sucesso de “Lights”, mais bem-sucedido single da carreira da cantora. É uma obra própria, particular, mas que não escapa de seus vícios. “Don’t Say a Word” é uma canção que flerta com as experimentações tribais do Florence + The Machine (em certo do ponto do refrão, “Heartlines” vem à mente), combinando percussão pesada e sintetizadores aéreos. A letra remói o passado de um relacionamento, enquanto Ellie sugere ao ex-amante: “venha, mas não diga uma palavra”. Trata-se, ao lado do quase-mantra “Only You”, de uma produção hermética, ainda que sem sombra de dúvidas competente, e com pouco sangue humano correndo por suas veias.

Por outro lado, poucas vezes na recente discografia da música pop uma canção-título foi tão bem escolhida quando “Halcyon”. A faixa, que ganha tons de disco music na produção de Goulding e Jim Eliot (uma das metades do duo Kish Mauve), contem uma letra cardeal para o tema do disco (ao qual a própria cantora se referiu como um break-up album), uma coleção de expectativas frustradas e realidades dolorosas. “When we’re alone/ It could be home”, ela canta, emendando, após a quebra de instrumental, no refrão que diz justamente que o homem a quem Goulding canta foi incapaz de fazê-la se sentir em casa. O pós-refrão, por sua vez, cola um “it’s gonna be better” à história. A paz, o Halcyon (um pássaro lendário que era capaz de acalmar as ondas do mar revolto) de Goulding é o final de um relacionamento que não a fazia bem.

O pico do álbum, no entanto, vem em “I Know You Care”. Depois de “Someone Like You” e “Video Games”, virou regra: você vai achar pelo menos uma balada de piano-e-voz em todos os grandes álbuns pop desse ano. Mas você não vai achar uma como “I Know You Care”, e talvez nem mesmo as obras de Adele e Lana Del Rey se comparem a essa pedra preciosa que Ellie lapidou aqui. Seus vocais encontram tamanha ressonância com o ouvinte que é impossível passar incólume por eles. E sua letra amarga que parece se arrepender do passado e insistir em sonhar com o futuro é, ainda assim, de um agridoce raro e genuinamente machucado.

É emoção autêntica como a que ressoa nas melhores partes do álbum. E falta em suas piores, é verdade. Mas correm-se riscos quando assumem-se posturas tão ousadas quanto as que Ellie teve que sustentar aqui, saída de um grande sucesso e com as expectativas e holofotes em cima de si. Halcyon é um respiro de paz em meio ao hype de uma estrela que quer se mostrar algo além de uma posição nas paradas.

**** (4/5)

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Halcyon
Lançamento: 05 de Outubro de 2012.
Selo: Polydor.
Produção: Billboard, Jim Eliot, Ellie Goulding, Calvin Harris, MONSTA, Justin Parker, Mike Spencer, Starsmith.
Duração: 46m54s

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Notas (glossário):

Dupstep:
Tendência absoluta no mundo da música eletrônica atualmente, o estilo surgido em Londres se caracteriza basicamente por grandes quebras de ritmo, padrões de bateria reverberantes e fortes linhas de baixo. O expoente mais destacado do estilo hoje é Skrillex (ouça "Equinox (First of The Year)"), mas o dubstep tem forte influência também no último hit de Rihanna, "Where Have You Been".

Disco:
A disco music é um gênero de música pop que teve seu auge no final dos anos 70, tendo com ocaracterísticas os vocais produzidos com ecos, percussões de influência latina e o uso de instrumentos de sopro ao lado dos teclados e sintetizadores. A recentemente falecida Donna Summer é considerada uma das rainhas do gênero (vide"Bad Girls").

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