19 de out. de 2012

Review: 30 anos de “Blade Runner – O Caçador de Andróides”.

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por Caio Coletti
(TwitterTumblr)

Blade Runner é um filme sobre controle. Melhor ainda, sobre a ilusão de controle. Em certo ponto da obra de Ridley Scott, o Dr. Eldon Tyrell (Joe Turkel) descreve ao caçador de andróides do título, Rick Deckard (Harrison Ford), o mais novo subterfúgio tecnológico usado por sua empresa: implantar memórias de terceiros nas mentes dos replicantes – criaturas artificiais com absolutamente todas as características humanas –, lhes prover com um passado, um “travesseiro” para as reações emocionais que os andróides passaram a desenvolver. A justificativa? “Assim nós podemos controlá-los melhor”. Durante suas quase duas horas, Blade Runner se dedica a provar que não é possível controlar um ser que pensa por si próprio.

Lançada originalmente em 1982, essa adaptação livre de uma obra do mestre da ficção científica distópica Philip K. Dick foi repudiada pelo público da época, o que a maioria dos atuais adoradores do filme diz ser culpa da campanha publicitária equivocada da Warner, que vendeu o filme como um blockbuster de ação futurista. Classificação essa que passa longe da produção de Scott, que vinha direto da ascenção à fama com Alien – O Oitavo Passageiro. Ele fez da história de Deckard, que é recrutado para tirar das ruas um grupo de replicantes fugitivos liderados por Roy Batty (Rutger Hauer), um diamante de paranóia e distopia, inserindo elementos dignos de David Lynch ou Ingmar Bergman e coordenando uma encenação detalhista e certeira.

Isso tudo porque o mestre inglês trabalha com um roteiro reconhecidamente longe do ideal. Hampton Fancher, um ator que não deu certo, e David Peoples, que viria a escrever Os Doze Macacos, outra pérola da ficção científica, criam uma trama simples, conduzida de maneira pouco inovadora, que investe em conceitos poderosos e em um clímax brilhante para conquistar o espectador. E conquista, não me entenda mal. Mas é claramente no trabalho de Scott, do diretor de fotografia Jordan Cronenweth (mais tarde indicado ao Oscar por Peggy Sue) e do elenco que Blade Runner encontra sua força.

Para início de conversa, ainda que a sua indicação ao Oscar tenha vindo só três anos depois por A Testemunha, é aqui que Harrison Ford mostra que é mais do que o herói bronco dos filmes de aventura. Seu Deckard parece minimalisticamente calculado, notavelmente frio e conflitante, e é possível ver nos olhos do ator essa perturbação do personagem. Não é a toa que os fãs do filme teorizem que Deckard é, ele mesmo, um replicante: combinaria com a paranóia dominante da história, com os meandros da trama, e principalmente com a impassividade proposital e fragmentada de Ford. Scott e companhia, espertamente, deixam isso em aberto.

No restante do elenco, outro óbvio destaque é Sean Young, que seguiu longa carreira após o filme, mas nunca brilhou tanto quanto na pele da replicante Rachael. É nela que a trama encontra o seu centro nervoso, a sua delicadeza e quebra emocional. Young faz uma ingénue com alma e força de espírito, construindo uma atuação que desmorona aos poucos para a fragilidade da personagem. O outro ponto feminino da trama fica com Daryl Hannah, sexy como nunca na pele de Pris. E, por fim, é claro, há Rutger Hauer. O ator holandês foi escolhido por Ridley Scott sem nem mesmo realizar um teste, e a aposta valeu a pena: Hauer é talvez o que fez de Blade Runner um clássico. Seu Roy Batty é escrito como o centro da trama, e sua atuação cheia de maneirismos e absolutamente insana causa choque quando, nos momentos finais, entrega uma das cenas mais comoventes e brilhantes da história do cinema.

Faz 30 anos desde a primeira vez que Roy Batty fez o público encarar a inevitabilidade da morte e, especialmente, a insignificância cósmica da vida (a dele, mais humana que a de muitos de nós). Blade Runner é um filme sobre controle, sim. Controle corporativo, controle governamental, controle do homem sobre a tecnologia que ele cria. Mas, especialmente, sobre tomar controle de nossa própria jornada.

***** (5/5)

Blade Runner - O Caçador de Andróides - Harrison Ford - Deckard - reg thorpe

Blade Runner – O Caçador de Andróides (Blade Runner, EUA/Hong Kong/UK, 1982)
Direção: Ridley Scott.
Roteiro: Hampton Fancher e David Peoples, baseados em conto de Philip K. Dick.
Elenco: Harrison Ford, Rutger Hauer, Sean Young, Edward James Olmos, M. Emmet Walsh, Daryl Hannah, William Sanderson.
117 minutos.

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