4 de out. de 2012

Admirável Mundo Novo l Ficção científica de cunho socialista (anti)utópico

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por Andreas Lieber
(Tumblr)

Trama

Em 1611, a considerada última peça de Shakespeare, A Tempestade, era apresentada pela primeira vez, bramando em um de seus cantos o famoso: “Oh! Que milagre! Que soberbas criaturas aqui vieram! Como os homens são belos! Admirável mundo novo que tem tais habitantes!”. A peça possuía uma trama obscura onde era retratada a vingança e o amor entrelaçados aos instintos mais selvagens e animais do homem. Trezentos e vinte um anos depois, Aldous Huxley, escritor inglês, utilizou-se de tal citação para dar nome ao seu livro, Admirável Mundo Novo (do original Brave New World).

O ano vigente é 634 d.F. (depois de Ford). O método de nascimento humano é a proveta. O lema: “Comunidade, Identidade, Estabilidade”. Logo no primeiro capítulo de Admirável Mundo Novo ganhamos uma visita completa ao Centro de Incubação e de Condicionamento de Londres-Central, onde o Diretor de Incubação e Condicionamento nos explica todo o processo pelo qual os humanos são produzidos: graças ao avanço tecnológico, de apenas um óvulo e de um único espermatozoide, milhares de multiplicações e reproduções são feitas, gerando assim vários indivíduos em bocais de laboratório. Ao tempo de meses, esses bocais fazem um percurso em esteiras especiais onde são modificados geneticamente e condicionados ao estilo de vida que levarão, passando por acréscimo de substâncias químicas como a injeção do hormônio da pituitária à privação de oxigênio para a produção de indivíduos não pensantes.

Esse sistema ganhou o nome de Processo Bokanovsky, e é o principal método de estabilidade social dessa sociedade futurística: todos os indivíduos produzidos por esse método são pares de gêmeos idênticos que, de acordo com sua função social, são classificados em castas – Gama, Delta e Ípsilon. Os Alfas e Betas são concebidos por óvulos especiais e ganham substâncias diferenciadas, formando os indivíduos de aparência única e dotados de pensamento e inteligência, transcrevendo-se na elite social. Durante a infância, todas as crianças passam por processos de condicionamento, como a hipnopedia, o aprendizado através do sono, onde vários mantras são repetidos aos infantes (sofrendo alterações de acordo com suas castas) durante o sono e os fazem crescer aceitando certos preceitos como verdades absolutas.

A sociedade, alicerçada por esse processo de condicionamento, segue seu curso de felicidade geral, apresentando características que, a primeira análise, chocam o leitor: a iniciação sexual em crianças, a livre distribuição do Soma, droga que induz a pessoa a um estado de felicidade forçado onde qualquer preocupação mundana é apagada, a desconsideração da existência de Deus e a inexistência da família, a poligamia, a alienação, entre outros conceitos que são amplamente combatidos em nossa sociedade. Mesclado à descrição da sociedade, Huxley nos apresenta um plot narrativo relativamente simples, onde Bernard Marx, um rapaz Alfa-Mais que, aparentemente, sofreu algum tipo de erro na hora de geração, apresenta uma estatura mais baixa do que a normal para sua casta, e acaba se apaixonando (algo completamente ilegal e até mesmo desconhecido. Huxley, inclusive, nunca usa esse termo para descrever o sentimento) por uma Beta-Menos, Lenina Crowne, que também se sente, em momentos, distante da sociedade.

Ao aceitar o convite de Bernard para visitar uma das reservas de selvagens, uma alusão ao modelo antigo de sociedade (no caso índios de Malpaís, no México) Lenina se depara com uma realidade nunca antes vista: a doença, a velhice, o casamento, a família (pais e mães são motivo de nojo e zombaria) e, inesperadamente, uma mulher Beta-Menos, Linda, que se perdeu anos atrás e se descobriu grávida, dando luz, assim, ao primeiro filho dessa sociedade antiutópica: John, o Selvagem. Bernard consegue aprovação para levá-los de volta a Londres, onde eles se tornam motivos de estudo e interesse social, mas não Linda, não sendo mais aceita na sociedade por ter perdido sua aparência jovem e saudável. John, por outro lado, encontra-se no meio de um caso de estudo comportamental, apaixonando-se por Lenina, que, por sua vez, descobre sentimentos recíprocos. A aparente paz é quebrada, no entanto, quando John percebe a opressão social que só ele, Bernard e Helmholtz Watson, outro Alfa-Mais, conseguem perceber.

Análise

Admirável Mundo Novo é um “liquidificador literário”, misturando diversas filosofias, modelos políticos e econômicos e vanguardas artísticas. Percebemos grande influencia do socialismo e do anarquismo na construção detalhada da sociedade, onde não há Estado nem instituições como igreja e família; o hedonismo, filosofia grega que cultua o prazer, na iniciação sexual precoce e poligamia; o futurismo de Marinetti no culto a máquina, na complexidade de objetos pneumáticos e na destruição de qualquer e toda lembrança do passado; e, por último, grande influencia de Henry Ford, criador do Fordismo, modelo de produção que primava a alienação e a produção em massa, tanto é que o calendário é dividido em a.F. (antes de Ford) e d.F. (depois de Ford) e, durante o livro, os personagens se referem a “nosso Ford” como se fizessem referência a Deus.

Aldous Huxley, vivendo em um mundo pós Primeira Guerra Mundial e pré Segunda Guerra (marcado por um cenário de extrema insegurança e instabilidade mundial, evidenciados no crash da Bolsa de Valores de New York em 1929, na recessão, na Grande Depressão, na descolonização de continentes), criou um mundo futuro complemente controlado e estável, onde cada pessoa nascia para exercer uma função e a perda de autonomia era o preço a se pagar pela felicidade, nos obrigando a pensar, assim, até que ponto a ciência é aliada da evolução para a construção de uma sociedade futura benfazeja. Huxley cria um mundo futuro distópico, mas completamente plausível.

aldousAldous Huxley (1894-1963)

Andreas Lieber escreve todos os dias 05 e 20.

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