por Caio Coletti
O grande problema da maioria das comédias românticas (e dos dramas românticos também, aliás) por aí é que a jornada do casal retratado na trama é colocado como prioridade da narrativa, enquanto o arco emocional de cada personagem vai para segundo plano. A Proposta, para usar um exemplo mega-bem-sucedido recente, tem um processo bem delineado e até vagamente realista de evolução (e revelação, principalmente) na relação entre os personagens de Sandra Bullock e Ryan Reynolds. No entanto, muito embora o filme seja entretenimento sólido no campo cômico, a narrativa nunca deixa esses dois indíviduos existirem por si só. Para efeitos narrativos, eles só existem juntos.
Admission é precioso porque deixa seus personagens respirarem e adquirirem vida própria além das idas e vindas românticas retratadas. O casal principal é, sim, parte combustível do filme, mas o triunfo do roteiro é deixar que a vida contidiana interfira e se imponha sobre esse enredo de romance, e não o contrário. E isso é uma qualidade especialmente valiosa quando se tem uma trama que envolve um assunto tão todo-poderoso quanto esse. Portia Nathan (Tina Fey) é uma das avaliadoras de aplicação para a Faculdade de Princeton, tomando parte ativa na decisão de quem dos milhares de candidatos vai ter a chanche de entrar para a universidade. John Pressman (Paul Rudd) é o diretor aventureiro de uma escola alternativa que quer submeter seu primeiro aluno à análise de Portia e de Princeton: a grande virada é que Pressman acha que Jeremiah (Nat Wolff) pode ser o filho que a moça deu para a adoção durante sua época de faculdade.
O fato de que Admission não chegou aos cinemas brasileiros é fácil de explicar: nenhuma distribuidora colocaria seu dinheiro em uma comédia que tem seu centro em um processo que simplesmente não existe no Brasil (uma breve explicação para os que estão perdidos: nos EUA, os estudantes não fazem um “vestibular”, e sim mandam seus currículos escolares e outros documentos/ensaios para o crivo de pessoas como a personagem de Fey, que decidem quem terá uma vaga nas diversas faculdades do país). Talvez pese também na decisão o fato que Admission lida com questões como adoção, gravidez na adolescência e pais e mães solteiras de maneira muito natural, obviamente engraçada mas também desafiadoramente dramática. O roteiro de Karen Croner deve provavelmente a novela de Jean Hanff Korelitz a abordagem direta e segura desse tipo de cenário, como simples fatos da contemporaneidade, mais preocupada com o que eles significam para seus personagens do que com o que podem passar para a sociedade.
Também à novela de Korelitz (e ao roteiro de Croner) o filme deve a sua adorável narração em off, o arco de personagem inteligente aplicado tanto a Portia quanto aos coadjuvantes, e a comédia extra-verbal e extra-inteligente que apresenta. Há uma cena histericamente engraçada no início em que Portia é largada pelo companheiro de anos (Michael Sheen em participação impagável) e precisa servir pedaços de frango assado aos convidados de uma pequena festa que estava sendo dada na casa dos dois. Tanto a entrega de Tina desse diálogo é brilhante (ela está em seu território aqui, mas mostra que sabe jogar os momentos dramáticos com igual precisão) quanto a escrita do mesmo é espirituosamente aguda e trágica. Admission é uma comédia romântica que transpira verdade e tem uma mensagem e tanto para passar: nos incita a viver a vida do jeito que quisermos, e não do jeito que acharmos mais confortável.
***** (4,5/5)
Admission (EUA, 2013)
Direção: Paul Weitz
Roteiro: Karen Croner, baseada na novela de Jean Hanff Korelitz
Elenco: Tina Fey, Paul Rudd, Nat Wolff, Lily Tomlin, Olek Krupa, Sonya Walger, Michael Sheen
107 minutos
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