Vamos direto ao ponto aqui: Demi não é melhor álbum do ano. Não é nem mesmo o melhor álbum da carreira de senhorita Lovato, mas é impossível dizer que seja uma criação sem propósito. Para começar, Demi é muitas coisas pelas quais não lhe foi dado crédito: um sucessor digno e fiel a direção indicada pelo Unbroken; uma inteligente e bem amarrada, mas também muito honesta, empreitada de carreira que vem a calhar logo após um álbum de comeback; um retrato fiel do amadurecimento musical, lírico e emocional de Demi; um tour de force pela voz de diva da moça, aqui provida com as melodias que melhor a destacam. Acima de tudo, no entanto, Demi é um audacioso projeto musical.
“Heart Attack”, a faixa de abertura e primeiro single do disco, deixa bem claro que Demi é uma artista que sabe em que território está pisando. A produção incorpora os violões dos hits de Dr. Luke, os sintetizadores em loop que remetem ao dubstep, e adiciona uma batida incansável, mas que em momento algum sufoca a igualmente forte performance de Demi, que domina os vocais difíceis no refrão e coloca a cereja no bolo de um smash-hit confiante. O retorno dessa batida e dessa vontade de ser visceral sem deixar de ser pop em “Made in The USA” é o que denuncia a intenção clara de Demi e sua equipe em fazer música com a energia e a vivacidade que marcou o começo da carreira da moça, sem deixar de lado as experimentações e honestidade que a estabeleceram como uma artista legítima.
Uma canção fundamentalmente soul que ganha tratamento orquestral da produção (violinos, violoncelos, até a eventual intervenção de uma harpa) e mesmo assim não abre mão da batida-assinatura do álbum, “Nightingale” é a peça mais genuína e comovente do Demi, mas é também uma alquimia pop no mínimo graciosa. Escrita para o melhor amigo da cantora, que cometeu suicídio em 2005, a canção surpreende ao trazer de volta a força de espírito e a lágrima que ouvimos na voz de Demi em canções como “My Love’s Like a Star” e “Skyscraper”. Já “Two Pieces” tem uma das melhores performances vocais de Demi até o momento, com um refrão desafiador que é tornado ainda mais impactante pela parede de guitarras que a produção coloca para competir com a bonita melodia. A mágica é um pouco óbvia, com batidas militares, arpejos de piano e um bom meio minuto a mais do que deveria haver para o bem da canção, mas funciona, muito graças a quem está atrás dos microfones.
Cher Lloyd é o que há de mais dispensável em “Really Don’t Care”, com uma participação estranhamente curta e ainda mais estranhamente desconectada do restante da canção. Sem contar essa infeliz escolha de feat, Demi e companhia são muito bem-sucedidos em injetar energia e espírito na fórmula Dr. Luke de fazer hits. “Something That We’re Not” é uma agradável lembrança de que Demi ainda se diverte fazendo pop rock jovem e, ainda mais que isso, é uma das melhores artistas do gênero atualmente. A letra bobinha sobre o garoto que não para de insistir em “ser mais que amigos” não deixa de ser bem sacada e divertida, e a produção trata de pegar pesado nas guitarras e na batida contagiante, realçando os ganchos pop e a energia da canção.
Problemas aparecem em “Neon Lights”, em que Ryan Tedder e companhia falham em criar uma sentença dance tão sumária e eficiente quanto “we found love in a hopeless place”, por exemplo, mesmo que espalhem algumas boas ideias pela canção (“be still, my heart, ‘cause it’s freaking out”, “we’ll be shooting stars just passing by”). Mas que a cantora mostra ter cacife para ser diva das pistas de dança, isso é indiscutível. Um outro dia, quem sabe, Demi. Já “Never Been Hurt” simplesmente não deveria existir. É uma mancha em um histórico de criatividade que de outra forma seria impecável, uma reciclagem de conceitos preguiçosa que cola a premissa (e quase versos inteiros!) da faixa-título do Unbroken e desperdiça uma boa produção eletrônica tanto com essa mal-arrumada cópia de si mesma quanto com o truque barato da queda dubstep no final do refrão.
O disco fecha com duas pérolas: “Shouldn’t Come Back” é quase tão amarga quanto “For The Love of a Daughter”. Ou talvez seja ainda mais, tendo em vista que as desesperadas súplicas por uma recuperação se tornaram desesperança nessa nova canção em que Demi se dirige ao pai. A produção elegantemente se limita ao violão e ao violoncelo nessa balada confessional sem grandes explosões, mas com muita carga emocional. E “Warrior” é uma balada edificante feita da forma como deve ser. Piano e um belo arranjo de violoncelo acompanham, mas é a voz de Demi e a interpretação poderosa que falam alto, de uma forma diferente da fragilidade de “Skyscraper”. Se é possível uma comparação, “Warrior” é a “Beautiful” (da Christina Aguilera) de Demi, uma canção sobre ultrapassar o obstáculos mas, especialmente, sobre o estado de espírito que vem depois disso. Não é como se a vida tivesse ficado fácil. A nossa armadura que se tornou mais grossa.
Demi declara-se uma guerreira em um álbum que prova essa tese também no sentido musical: Demi é audacioso e multifacetado, perseguindo vários alvos e nem sempre acertando-os. Mas é injusto dizer que é calculado apenas a procura de hits (embora tenha vários potenciais entre suas faixas), e é sumariamente impossível negar que seja uma peça de música com um direcionamento bem específico. No fim das contas, isso é fazer música: muito menos a habilidade de alcançar e muito mais a coragem de perseguir.
**** (4/5)
DEMI
Lançamento: 14 de Maio de 2013
Produção: Josh Alexander, Mitch Allan, Battleroy, Jason Evigan, Carl Falk, Toby Gad, Andrew Goldstein, Jonas Jeberg, Emanuel Kiriakou, The Monsters and the Strangerz, Anne Preven, DQ, Matt Rad, Rami, Jaz, Matt Squire, Billy Steinberg, Ryan Tedder, Noel Zacanella
Duração: 47m48s
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