31 de jul. de 2013

Review: Uma saga mais de humanos e menos sobre humanos na adaptação de “A Hospedeira”

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Quando Stephenie Meyer lançou A Hospedeira, em 2008, ficou claro que a escritora da série Crepúsculo (que colocaria seu último capítulo nas prateleiras alguns meses depois) havia crescido para além de sua própria criação. Embora apresentasse alguns dos mesmos vícios de narrativa, especialmente a tendência ao anti-clímax e a premissa do triângulo amoroso, a abordagem dessa primeira novela de Meyer fora das histórias de Edward Cullen e cia era muito mais ampla. Essa era uma ficção científica que, na tradição das melhores ficções científicas, colocava o foco na natureza humana e na resistência e facetas dela diante de uma situação extraordinária. Só o fazia do modo Meyer de ser.

A Hospedeira, o filme lançado em Março último, preserva apenas essa vontade de ser essencialmente humana da novela de Meyer, além da estrutura básica de trama. A mudança fundamental que ocorre na transposição de livro para filme, e nós vamos culpar isso mais na diferença das mídias do que no trabalho de Andrew Niccol, é que agora a história que observamos não é contada sob o ponto de vista de uma estranha no ninho, e parte do estudo de Meyer sobre os efeitos e complexidades do amor e da compaixão ficam perdidos nessa diferenciação. A Hospedeira, o livro, era sobre Wanderer (Peregrina, na tradução em português) se encantando e se horrorizando com a natureza mista da humanidade. A Hospedeira, o filme, é sobre Melanie Stryder se reencontrando com essa natureza.

Na trama, a Terra foi tomada por alienígenas chamados de Almas, criaturas pacíficas que só conseguem existir de forma parasitária em outras espécies, tomando seus corpos. Melanie Stryder é capturada pelo inimigo e Wanderer, uma Alma que já esteve em oitro outros planetas “colonizados”, é implantada nela. Para a surpresa de todos, porém, a moça não desiste de lutar contra o domínio de Wanderer sobre seu corpo, começando um embate de consciência que leva a Alma a trair sua própria espécie para se juntar a família humana que Melanie (e Wanderer, agora) ama. E esse é só o começo. Nas mãos de Andrew Niccol, o homem pelo menos em parte responsável por Gattaca, O Senhor das Armas e O Show de Truman, essa é uma ficção científica ascética e serena, com momentos de ação delineados mais fortemente pela tragédia do que pela adrenalina. Uma trama extrema cuidadosamente controlada, como a Terra que as almas criaram ao invadirem nosso planeta.

Dois méritos são merecidos a Niccol: o homem entende de narrativa e é bom diretor de atores. A mudança de narrador, por exemplo, é uma das escolhas mais acertadas do filme, e poucos outros roteiristas/diretores teriam feito os constantes diálogos internos de Wanderer e Melanie parecerem tão pouco constrangedores em tela. Niccol mantem o anticlimax do livro especialmente porque é nele que tem a oportunidade de explorar melhor a personagem de Wanderer isoladamente, já que durante o restante do filme até o lado do triângulo amoroso representado por ela e Ian (Jake Abel, bem escalado e surpreendente) fica em segundo plano diante da trama amorosa entre Melanie e Jared (Max Irons, um dos poucos heróis românticos eficientes da atualidade). Essa mudança de foco enfraquece um pouco o impacto de A Hospedeira, mas sua mensagem continua interessante.

Diane Kruger é uma escolha sábia para o papel da Buscadora, sabendo ser odiável e compreensível o tempo todo, e entregando em seus últimos momentos em cena a performance mais intensa do filme. William Hurt é um triunfo silencioso na pele do sábio Tio Jeb, mas quem comanda o espetáculo é Saoirse Ronan, absolutamente a única jovem atriz capaz de lidar com os conflitos psicológicos de intepretar duas personagens não só no mesmo filme, mas ao mesmo tempo, e em um só corpo. É ela quem ameniza a mudança de foco do roteiro, equilibra o tempo de tela entre Wanda e Melanie e deixa transparecer o quanto essa história é de ambas em todos os momentos. Stephenie Meyer com certeza deve uma a essa garota.

*** (3/5)

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A Hospedeira (The Host, EUA, 2013)
Direção e roteiro: Andrew Niccol, baseado na novela de Stephenie Meyer
Elenco: Saoirse Ronan, Diane Kruger, Max Irons, Jake Abel, William Hurt, Chandler Canterbury, Boyd Holbrook, Scott Lawrence
125 minutos

Caio

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