Como O Anagrama é um espaço democrático, não custa lembrar que um artigo de opinião bem diversa sobre a nova fase de Miley foi publicado um tempinho atrás (você pode ler aqui)
O grande assunto dos últimos dias pós-VMA tem sido, e provavelmente vai continuar sendo por um tempo, só um: Miley Cyrus. Se a polêmica com o novo visual e com o clipe ousado/sujo de “We Can’t Stop” sumiu quando a canção se tornou um dos maiores hits do verão americano, o VMA serviu para reascender a discussão sobre esse retorno transformado da ex-Hannah Montana. Miley, vestida com um maiô de látex mínimo, tocou o terror no palco do Brooklyn e aproveitou para tirar uma casquinha (e isso é um eufemismo quase grosseiro) do cantor Robin Thicke, que se juntou a ela para performar “Blurred Lines” após o final de “We Can’t Stop”. Mercadologicamente, quis chamar a atenção de volta para si às vistas do lançamento do álbum Bangerz no próximo 04 de Outubro. Nesse sentido, a apresentação foi um sucesso estrondoso.
A eficiência da performance, e da nova fase de Miley como um todo, na dimensão de empreendimento artístico, no entanto, tem se mostrado bem mais discutível (e discutida). Sim, estamos falando de música pop, e no final do dia o que importa num médio prazo é o resultado comercial, mas é prerrogativa d’O Anagrama, e especialmente deste que vos fala, que o pop abre espaço também para um impacto duradouro na cultura musical e comportamental da sociedade, e que portanto precisa ser encarado com um mínimo de seriedade. É justamente aí que Miley tem falhado até agora em sua fase Bangerz: falta-lhe ainda a maturidade de compor uma identidade artística completa e contextualizada. Falta coerência.
Esqueça as críticas que você tem ouvido por aí nos bate-papos com amigos: Miley não foi longe demais, não pecou por querer amadurecer aos olhos do público rápido demais, não está sendo falsa com a sua verdadeira personalidade e forçando uma vulgaridade que não existe. Vulgaridade, como demonstram todas as cachorras do hip hop e do funk por aí, raramente ou nunca é pecado pop. Exagero muito menos, vide Lady Gaga. Rapidez, então, nem pensar: Rihanna lança um álbum por ano e ainda é uma das artistas pop mais eficientes do mercado. O problema é que essas duas artistas citadas aí em cima, ao lado de tantas outras, sabem conjugar e manejar estilos de maneira por vezes simples, por vezes complexas, mas sempre brutalmente eficientes. E coerentes.
Rihanna é a rainha da mistura de ritmos urbanos, elementos do rock n’ roll e do soul americanos, e influências caribenhas de sua terra natal. Cria uma identidade suja e carregada para rimar com essa mistura em seus clipes, e aparece ao mundo como uma party girl que anda com o coração exposto e o nariz sempre em pé. Rihanna é sempre presente do indicativo (eu sou, eu visto, eu canto). Lady Gaga, por sua vez, com sua ambição de conjugar arte e pop em um só empreendimento, se mostrou uma artista que está musicalmente disposta a pular do precipício pop e sair de lá com as mais inusitadas e cosmopolitanas mesclas de ritmos e mensagens, contruiu sua reputação vanguardista no campo visual, e se apresenta como a heroína infalível de si mesma. Se compromete a falar sempre no futuro (eu serei, eu vestirei, eu cantarei).
Até agora, essa nova fase de Miley Cyrus é como uma frase que muda de tempo verbal na metade. Abandonou a imagem de santinha e quis se desvincular de Hannah Montana, logo radicalizou o cabelo, as roupas e o estilo visual: veio com a proposta bacaníssima de trazer o kitsch americano para o mainstream, com cores saturadas e viagens lisérgicas que tem como veículo as bárbaras house parties dos hipsters do Brooklyn. Começou a se apresentar como a jovem que se revolta contra toda a imagem que a mídia constrói dela e canta em seu lead single que “está é a nossa festa, e fazemos o que quisermos”. Uma mistura até interessante da atitude nigga que está em voga com a rebeldia adolescente dos anos 90.
Miley está cheia de boas intenções com esse Bangerz, é impossível negar. O problema é que toda essa proposta legal não rima em nada com a música, e aí a coisa toda vai por água abaixo. “We Can’t Stop” é um R&B urbano quase gostosinho, mas de forma alguma notável. Não foge da estrutura redondinha do pop, não traz novidades na produção e na interpretação monocórdica de Miley, cujo timbre comprovadamente só é bom para a música country, mas que já cantou melhor até fora desse estilo. O maior dos pecados, porém, é não incorporar a identidade visual à musical. “We Can’t Stop” não tem nada de nigga, nada de kitsch, nada de saturado e lisérgico, nada do espírito hipster da atual cultura trash americana. Miley cresceu em tudo, menos na música.
O novo single, “Wrecking Ball”, é ainda menos coerente com tudo isso: uma balada eletrônico-urbana de pretensão maior-que-a-vida, que numa análise fria é até melhor que “We Can’t Stop”, mas concorda ainda menos com a nova identidade visual da moça. Trazer o kitsch para o mainstream? Isso Azaelia Banks, Iggy Azalea, Diplo, M.I.A. e tantos outros fazem com muita coerência dentro de sua identidade multimídia, e seria muito, mas muito bom, se Miley também fizesse. No mínimo, porque daria mais visibilidade para esses outros nomes, ainda meio presos no mundo dos admiradores mais atentos de música pop. O problema é que Cyrus quer ser indicativo, subjuntivo, gerúndio e particípio, tudo ao mesmo tempo. Talvez devesse reaprender redação para lembrar que todos eles juntos, sem nada para os ligar, não significam nada.
2 comentários:
Que texto absurdamente maravilhoso. Amei, amei, AMEI!!!!
A Miley mudou muito em 4 anos =/
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