ATENÇÃO: esse review contem spoilers!
por Caio Coletti
3x04 – Contempt
Correndo o risco de ser um pouco auto-depreciativo, a maneira perfeita de começar a falar sobre “Contempt” é com o seguinte conselho: não confie em tudo o que a crítica diz, especialmente quando se trata de The Newsroom. Há um limite em relação ao quão equilibrados podem ser os jornalistas que assistem essa obra de ficção sobre a profissão que eles aprenderam a conhecer como a palma de suas mãos – o que não significa que alguma reflexão sobre a série deva ser descreditada, só é preciso ter em mente que um oceano de pré-concepções muito pessoais está envolvido nela. O crescimento de The Newsroom como série tem muito a ver com ouvir as críticas que foram atiradas em sua direção, mas também tem a ver com a evolução natural da narrativa televisiva. Esse terceiro ano é melhor porque The Newsroom está mais segura de si do que nunca, e é claro que está, depois de três temporadas no ar.
É fácil odiar o discurso de Aaron Sorkin sobre a nova mídia, por exemplo, em grande parte representada pela subtrama romântica entre Jim e Hallie, especialmente quando se vive constantemente no ambiente que o roteirista tanto critica. Falta um pouco de autocrítica para o escritor de internet entender que Sorkin sabe, também, em que momentos está certo ou errado. “Contempt” é inevitavelmente a cria do seu idealizador, mas não faltam momentos em que fica claro como o script tem consciência das falhas e das ações analógicas de seus personagens. The Newsroom é como o conto decadente de uma forma de fazer jornalismo que está prestes a morrer, e não parece advogar contra essa morte – parece tentar eternizar o que havia de bom nessa peça de museu e chamar a nova mídia para uma auto-análise menos soberba. Os detratores de The Newsroom a denunciam por ser moralista, mas não descem do próprio pedestal para fazê-lo.
O episódio é bem marcante nesse sentido meio metalinguístico, especialmente porque mostra a passagem de Will pela justiça americana no caso da fonte confidencial que já fez Neal fugir para a Venezuela. Esse terceiro ano parece ter sido reservado para The Newsroom contar sua própria história, e poucas vezes a mira de Sorkin foi tão precisa nos diálogos e nas interações entre os personagens, culminando em uma cena impactante entre Mac e a tal fonte, interpretada com olhar de desafio por Clea DuVall. É uma pena que tanta gente tenha uma visão tão limitada e maniqueísta (sim, maniqueísta) sobre a discussão que The Newsroom, mesmo com todos os vícios do seu autor, tenta levantar. Presos num eterno julgamento que quer decidir se uma peça de ficção é “correta” ou não, esquecemos de observar e nos envolver na discussão moral que ela tenta levantar. É a mesma grande falha do mau jornalismo moderno, aliás (que, ironicamente, repete as falhas do mau jornalismo anacrônico): presos no jogo de acusação, esquecemos do diálogo.
Observações adicionais:
- Sorkin não esqueceu que seus personagens são essencialmente humanos, e nós também não. Apesar do moço sempre derrapar um pouco nas cenas mais sentimentais, ainda acontecem momentos tocantes como Will e Mac se casando, e o casal formado por Hallie e Jim se desfazendo.
✰✰✰✰✰ (4,5/5)
3x05 – Oh Shenandoah
Ok, vamos falar sobre “Oh Shenandoah”. Para o pré-finale de uma série que se mostrou tão consciente de si mesma durante toda a terceira temporada, esse episódio é uma egotrip de primeira – e, talvez pela primeira vez em todos os meus reviews de The Newsroom, eu não estou dizendo isso de uma forma positiva. Do simples egocentrismo a mais flagrante falta de um senso de apatia por qualquer pesonagem e qualquer situação que Aaron Sorkin não tenha construído dentro de sua própria trama, “Oh Shenandoah” escapa com uma (só uma!) boa subtrama e um monte de bobagens revoltantes ao redor dela. Talvez a gente deva começar falando do que é bom, tudo bem? Só para não soar pessimista demais.
Quando voltamos para a newsroom da ACN, já fazem 52 dias que Will está preso, enquanto o governo espera que o tempo na cadeia o faça mudar de ideia e revelar a identidade de sua fonte confidencial (really, FBI, essa é sua melhor estratégia?). Enquanto isso, a emissora sente a tomada de controle por parte de Pruit, que está colocando em prática os conceitos de jornalismo cidadão que os protagonistas de Sorkin (e ele próprio, claramente) tanto desprezam. Não vale nem a pena gastar muitas linhas dizendo que o retrato que o roteirista faz dessa inovação na área é bem limitado – se estivéssemos em Star Wars, seria como dizer que só existe o Lado Negro da Força, mas até aí Sorkin se sai bem porque consegue criticar os pontos certos desse mundo que lhe deve parecer tão novo e estranho. Há um problema muito claro em chamar de jornalismo determinados elementos da expressão popular, e Sorkin é bom em identificá-los. É excelente a cena em que Sloan entrevista o técnico do ACN online sobre um aplicativo que é não só uma potencial ferramenta para stalkers de celebridades, mas também uma expressão gritante da banalidade social embutida em chamar isso de jornalismo.
Esse seria o ponto perfeito para The Newsroom concentrar seu episódio, mostrando como sempre que Sorkin possui a clareza da auto-crítica, mas também precisa ser ouvido. O problema é que “Oh Shenandoah” também quer discutir estupro, e nesse território o roteirista não encontra o espaço para diálogo que existe no jornalismo – e nem deveria encontrar. Quando Don tem seu encontro com Mary, vítima universitária de violência sexual que o todo-poderoso Pruit quer dentro de um estúdio com o garoto que ela acusou de ser seu violentador, a elaboração de Sorkin não está protegida pelo mesmo manto da convivência possível entre duas opiniões. Dizer que o antigo jornalismo está morrendo e que nem todos os princípios dele devem morrer junto é uma coisa, dizer que acusados de estupro – mesmo que inocentes – podem ser hostilizados pela sociedade se alguma plataforma denunciá-los sem o devido processo judicial é outra. A diferença aí está em uma simples presunção de realidade: enquanto o antigo jornalismo está de fato morrendo, acusados de estupro não estão de fato sendo hostilizados pela sociedade (como a reviewer do AVClub.com destacou brilhantemente no início desse review). E tentar calar o protesto de uma vítima não devidamente amparada pela lei é ainda mais revoltante por causa disso.
Da primeira temporada para cá, Sorkin evoluiu muito sua escrita em relação às personagens femininas, que ganharam traços mais fortes e atitudes bastante pró-ativas frente aos homens da trama. Mac, Maggie e Sloan são mulheres muito mais tridimensionais aqui do que foram no primeiro ano, mantendo uma humanidade básica (e, portanto, algumas falhas de caráter) ao mesmo tempo em que demonstram inteligência emocional, maturidade e eficiência no trabalho que fazem. É quando os elogios sobem à cabeça, quando pisa um pouco fora do ambiente cuidadosamente controlado, que Sorkin derrapa – e derrapa muito feio. Além de toda a grossa incompetência na história envolvendo Don e a vítima de estupro, o episódio ainda gasta tempo com Will, trancado em uma cela com o delírio materializado de seu pai, que joga todas as falhas que sabemos que o protagonista tem bem na cara do espectador. Não é tão fácil assistir um anti-herói preconceituoso e com ilusões de grandeza quando se sabe que ele (por ser o próprio alter-ego de Sorkin na trama) concordaria com cada palavra dita naquele desastroso diálogo num dormitório de faculdade.
Notinhas adicionais:
- Também é difícil ligar muito para Maggie e Jim finalmente admitindo a atração um pelo outro. O único golpe emocional de “Oh Shenandoah” é a morte de Charlie, que deixará muitas saudades.
✰✰✰(2,5/5)
Próximo The Newsroom: 3x06 – What Kind of Day it Was (14/12)
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