ATENÇÃO: esse review contem spoilers!
Existe uma particularidade em Masters of Sex que talvez nenhuma outra série no ar tenha tão palpavelmente: ela é muito menos sobre a trama que desenrola em tela do que é sobre os temas contidos nela. A construção de arcos de personagem tem sido nessa primeira temporada – que aos poucos se aproxima da reta final – mais micro do que macroscópica, com exceção da enorme e extremamente cuidadosa evolução do relacionamento de Bill e Virginia (e suas consequencias para o casamento do doutor com Libby). Dessa forma, a série fica mais livre para explorar as múltiplas facetas da complexa relação social que examina entre a sexualidade na década de 50 e a repressão à natureza humana.
A diversidade de cores no mosaico pintado por Masters é deslumbrante, mas também implica que a série precisa ter protagonistas sólidos como uma rocha em seu centro. É essa parte do desenvolvimento que por vezes (como em “Love & Marriage”, na semana passada) fica um pouco negligenciada, especialmente tendo em vista a personagem de Virginia. Vejam bem, em uma série movida essencialmente por plot, como The Blacklist, por exemplo, não há nada de mal em usar uma personagem como dispositivo de trama, mas a partir do momento que a história contada é parte de um tema tão intrínseco a lógica da série, e que cumpre um papel tão grande em seu desenvolvimento, o truque simplesmente não funciona. É um testamento a inteligência do time de desenvolvedores de Masters que “Involuntary” faça um trabalho tão bom em vulnerabilizar Virginia, e é um exemplo que deveria ser seguido nas próximas instâncias da série.
Para uma série que olha tão intimamente para os seus personagens, Masters sempre retratou a personagem de Lizzy Caplan como essencialmente infalível. Claro, ela tem problemas com o filho que a odeia, mas até isso é uma consequencia de sua dedicação pioneira a um trabalho científico quebrador de fronteiras, e sua obstinação em conseguir um diploma de medicina. Não há nada de errado, pelo contrário, em fazer de Virginia uma mulher destemida e o exemplo-maior de personagem feminina a frente de seu tempo nessa trama (ao lado da Dra. DePaul, é claro). O problema é que até as mulheres destemidas e pioneiras da liberação sexual precisam ser seres humanos de verdade, e seres humanos de verdade falham. Frustram-se. Decepcionam-se.
Lá pelo final de “Involuntary”, essa dedicação pioneira de Virginia ao trabalho dela e do Dr. Masters esbarra no fato de que ela se envolveu demais com o que os dois estavam fazendo (seja a pesquisa, seja o caso extra-conjugal que estavam conduzindo). A intimidade construída entre os dois nos últimos episódios desaba, e é sobre a cabeça de Virginia que fica o peso. Há dicas de que, além de tudo isso, a moça é uma pessoa extremamente solitária, mesmo na bobinha side-story sobre os problemas dela na faculdade. Não é o caso de pintá-la como carente, ou patética. Virginia é uma mulher magnífica, mas aínda é uma mulher, e está na condição humana que todos nós esporadicamente nos deixamos enganar quanto a natureza de algo. É trágico que, no caso da personagem, tenha sido justamente aquilo que ela mais preza em sua vida, mas a tragédia está no coração de Masters of Sex.
Tanto que as duas outras histórias principais do episódio não escapam muito desse tom. As desventuras de Libby tentando lidar com a gravidez e, mais tarde, com a reação de Bill a notícia, são verdadeiramente comoventes, em grande parte porque Caitlin FitzGerald interpreta tudo o que essa série joga para ela com o mesmo toque de fragilidade e dignidade. O trabalho que os escritores tem feito com a personagem é exemplar, aliás, e Noelle Valdivia (Smash) não deixa cair a peteca nesse nono episódio, elaborando uma linha crescente que culmina em um exasperante monólogo: “The purpose of sex isn’t an orgasm. It’s making life”. É curioso como a série apresenta Libby com uma perspectiva tão conservadora sem minimizá-la, e não dá ao espectador essa opção tampouco. O que ela diz sobre o amor e a família serem o que prende o homem a Terra e ao propósito da vida tem algo de inegavel, e está no coração de Masters. A série admite ambiguidade e relativismo no seu próprio cerne moral, e isso é lindo.
No lado de Ethan e Vivian, assistimos a queda de um relacionamento que, embora as perspectivas interessantes construídas nos últimos episódios, estava fadado a ter esse destino. “No. You picked me, Viv”, dispara Ethan (Nicholas D’Agosto não exatamente se mostrou apto ao desafio do personagem mais complexo que vemos nesse episódio) no diálogo conceitualmente brilhante que tem com a não-mais-futura-esposa. O episódio apresenta o Dr. Haas sobre uma nova perspectiva, ou talvez esclareça aquela que sempre esteve presente no personagem, como um homem que não realiza as próprias escolhas, e deixa a maré social levá-lo para onde for. A reflexão de um paciente mais velho em certo momento do episódio é mais do que esclarecedora, se conectando com o próprio ponto da série ao mostrar os arrependimentos e amarguras que vem de seguir algo além dos seus próprios desejos.
Observações adicionais:
- E tudo isso num episódio sem traço de Allison Janney. De fato, essa série pode fazer qualquer coisa.
- Talvez seja uma das últimas vezes que vemos Rose McIver como Vivian, então façamos nossos aplausos ao trabalho absurdamente versátil que a atriz fez nesses episódios em que esteve em foco.
- A primeira cena de Bill com a mãe é um trainwreck emocional. Um jogo de vontades e amarguras que só uma relação mãe e filho especialmente bem retratada e honesta poderia ter. Ann Dowd e Michael Sheen interpretam maravilhosamente juntos. A história toda envolvendo o personagem e a mãe serve para nos mostrar que o limite e o fantasma de Bill é o seu passado, um para o qual ele se recusa a olhar.
- O humor com que a série trata o sexo amadureceu. Ele não mais diminui ou convencionaliza aquilo que a trama tenta desmistificar. É um alívio cômico que acompanha a excitação da descoberta.
***** (4,5/5)
Próximo Masters of Sex: 01x10 – Fallout (01/12)
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