por Caio Coletti
(Twitter – Tumblr)
Eu já disse algumas vezes antes que o grande trunfo do cinema francês reside em nos levar de volta à definição primal dessa arte: uma forma de contar histórias. Amor, o segundo filme francês notável do ano (depois de Intocáveis, que revisamos aqui) e uma gratíssima surpresa nas indicações ao Oscar (Melhor Filme, Melhor Filme Estrangeiro, Melhor Direção, Melhor Atriz, Melhor Roteiro Original) é um choque de linguagens que ressoa um choque de conceitos da trama, se analisado a fundo, mas é primariamente e fundamentalmente um filme com uma história digna de se assistir. Amor não se esforça para ter um grande sentido, uma grande mensagem. É um daqueles raros e precisosos filmes inquietantes justamente por não transcender em uma realidade alternativa moldada para as telas de cinema. Você tem o que você vê, e as dúvidas que o filme deixa.
A história confina-se quase inteiramente a um cenário, e apresenta personagens contáveis nos dedos das mãos. Os protagonistas são Georges (Jean-Louis Trintignant) e Anne (Emmanuelle Riva), casal octagenário cuja relação é abalada após ela sofrer um ataque neurológico que a leva a perder os movimentos de um lado do corpo. Os dois tem uma filha, Eva (Isabelle Huppert), adulta e dona de sua própria vida e os visita de vez em quando. Amor não é tanto uma meditação sobre a solidão quanto poderia ser tentado a ser. Esse elemento temático é intrinseco muito mais a algumas escolhas de direção de Michael Haneke (A Fita Branca) do que a narrativa. O insistente silêncio que predomina em algumas cenas e a fotografia de Darius Khondji (Meia-Noite em Paris), contemplativa e enfática no realce aos espaços vazios e distanciamento quase inquebrável, fazem o trabalho de preencher esse aspecto do contexto da trama.
Outras escolhas de Haneke, na condução da história e especialmente da atuação do protagonista Jean-Louis Trintignant, levam a crer que o choque de linguagens que se vê aqui é proposital. Este é um filme francês, com ritmo abertamente europeu e uma cadência extremamente particular, mas é conduzido pela exatidão alemã de Haneke, em uma de suas expressões mais contrastantes e auto-indulgentes. O personagem de Trintignant não fraqueja por um segundo durante o filme. É como se sua frieza fosse resoluta, sua força ao lidar com a situação da esposa fosse veementemente auto-imposta, e é apenas a genialidade de Trintignant que faz o personagem meramente humano. Ele é capaz de amar, parece nos dizer o filme, ao mesmo tempo que o espectador é obrigado a questionar: isso é o amor? É assim que ele termina? O tempo se encarrega de matá-lo?
Há uma beleza diferente, no entanto, de outra cor e outra resolução, na interpretação de Emmanuelle Riva. Sua Anne brilha com uma orgulhosa altivez, mesmo na amargura, e parece pulsar e respirar com a dureza de ideais que os anos lhes trouxeram. Trata-se de uma encantadora performance que certamente mereceu a lembrança da Academia (e, indo além, mereceria também o prêmio). Os dois atores parecem ser quase antagonistas durante o desenrolar do filme, e no entanto dividem a dedicação um pelo outro e os momentos doces de experiências e lembranças compartilhadas. É possível ver que esses dois, se digladiando em tela, se amam profunda e resolutamente. Mesmo que o filme nos deixe (apropriadamente) sem saber exatamente o que isso poderia significar.
***** (5/5)
Amor (Amour, França/Alemanha/Áustria, 2012)
Direção e roteiro: Michael Haneke
Elenco: Jean-Louis Trintignant, Emmanuelle Riva, Isabelle Huppert
127 minutos
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