por Andreas Lieber
(Tumblr)
Chutes, murros com soco inglês, eletrochoques e queimaduras. Esses são apenas alguns dos métodos descritos por Raphael Draccon, aclamado escritor brasileiro da trilogia Dragões de Éter, em seu último romance, o sombrio Espíritos de Gelo. Baseando-se em uma antiga lenda urbana ao melhor estilo de terror old school e apresentando uma veia diferente de narrativa nas poucas 173 páginas de seu novo livro, Draccon nos leva ao soturno mundo da tortura não apenas física, mas bem como psicológica, ao narrar horas da vida de um personagem sem nome, preso a correntes enferrujadas em um porão úmido, vítima de três algozes sinistros e sem escrúpulos.
Em uma história não linear que vai, aos poucos, se auto-explicando, Raphael Draccon nos presenteia com uma trama bizarra contada por um personagem anônimo que acorda em uma sala de tortura, acorrentado e encarando um baixinho macilento, com cara de monstro de O Senhor dos Aneis, usando uma camisa do Black Sabath e dois verdugos ao seu lado, cada um com uma roupa de couro a là sadomasô. E o que eles querem? Lembranças.
No melhor estilo Dementador-tentando-sugar-lembranças, essas três figuras disformes informam ao nosso personagem, que poderia ser, na verdade, qualquer um – o típico garoto rico e esnobe, que morava com o pai divorciado e aprendeu a “pegar garotas” aos 10 anos estudando as que o pai levava pra casa, fez faculdade e herdaria a empresa do pai – que se ele quiser continuar a viver, terá de se lembrar o que aconteceu nas últimas horas, memórias essas que foram bloqueadas por ele devido a um trauma emocional sofrido no caminho.
Com o desenvolvimento da história, somos introduzidos a um loop permeado por tortura e lembranças fragmentadas que nos contam sobre uma quase tentativa de suícidio por parte do personagem e seu envolvimento com uma deusa em forma humana, Mariana Slaviero, que o inicia em um tipo de seita sexual aonde ele aprende a magia obscura que envolve o sexo e participa de orgias místicas em casas de ricaços. Mas nem tudo é o que parece, obviamente. Adentrando esse mundo, ele se depara com situações que o fazem perder a razão e, eventualmente, farão com que perca um rim, acordando em uma banheira de motel cheia de gelo.
Criando uma história de terror moderna e cheia de referências pop, Raphael Draccon viaja por uma mente conturbada e nos apresenta alguns sadismos enquanto entrelaça uma narrativa ágil e rápida que cita de O Senhor dos Aneis à Percy Jackson e os Olimpianos, passando por True Blood e analisando obras das mais diversas lendas do rock enquanto ajuda um subconsciente fechado a expurgar todos os seus segredos. Durante toda a história somos perseguidos pela angustia de um corpo e mente torturados e tentamos montar os pedaços do quebra cabeça juntamente com os fragmentos de memória do personagem: o que um culto ao sexo tem a ver com um roubo de orgãos que levou alguém a uma sala de tortura? Draccon não poupa suspense em Espíritos de Gelo e deixa o leitor pendurado na margem do que é real e do que não é até a última página.
**** (4/5)
Raphael Draccon, autor de Dragões de Éter e Espíritos de Gelo
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