Jodie Foster, ontem (13), na cerimônia do Golden Globe, com seu Cecil B. de Mille Award
por Caio Coletti
(Twitter – Tumblr)
Num post de alguns anos atrás, em um blog que hoje nem existe mais, este humilde cinéfilo elegeu a atuação de Jodie Foster em Valente como uma das 10 performances femininas mais arrasadoras do século XXI. Nesse mesmo post, o Rubens Rodrigues, atual colaborador aqui d’O Anagrama, comentava sobre a escolha definindo a atriz, produtora e diretora americana como “uma preciosidade”. Se é que ele me permite roubar-lhe as palavras, Jodie é mesmo preciosa. Ontem a noite, durante seu discurso de agradecimento pelo Globo de Ouro honorário (o Cecil B. De Mille Award) que recebeu, ela declarou: “É a festa mais divertida do ano, e essa noite eu me sinto como a rainha do baile”. Bem, Jodie, você definitivamente fez por merecer.
Nascida em 19 de Novembro de 1962, Alicia Christian Foster (apelidada de Jodie pelas duas irmãs mais velhas) foi fruto de um reencontro entre a mãe Evelyn Ella e o ex-marido Lucius Fisher Foster II. Atuando desde os três anos de idade em comerciais (o primeiro deles, para o protetor solar Coppertone, pode ser visto aqui), Jodie acabou chegando à TV em 1968, na série Mayberry R.F.D.. O trabalho para a Disney em uma série de apresentações especiais para a televisão levou à estreia cinematográfica em 1972, aos 10 anos, na aventura Napoleon and Samantha.
O estrelato veio em 1976, com dois papéis extremamente ousados para uma garota de 14 anos. Em Taxi Driver, de Martin Scorsese (o filme que abriu as portas de Hollywood para o diretor e para Robet DeNiro), ela era Iris, uma prostituta menor de idade. Em Bugsy Malone, ela era a femme fatale no musical-de-gângsters-estrelado-por-crianças de Alan Parker (vamos reconhecer que se trata de uma das ideias mais bizarras já executadas por Hollywood). Taxi rendeu à moça a primeira indicação ao Oscar, e ela seguiu equilibrando escolhas ousadas como a garota homicida em A Menina do Outro Lado da Rua (1976) e uma das amigas envolvidas em uma espiral de bebida-drogas-e-sexo em Gatinhas (1980), com filmes da Disney como Um Dia Muito Louco (1976), que foi refeito com Lindsay Lohan no papel que foi de Jodie, em 2003.
Jodie em Taxi Driver (esquerda) e Bugsy Malone (direita)
Em 1980, Jodie ingressou na Universidade de Yale, onde estudou Literatura, e deu um tempo na atuação. A atenção em torno de sua figura, no entanto, não diminuiu: foi na época da faculdade que dois acontecimentos definidores de sua obsessão por privacidade tomaram lugar. John Hinckley Jr, um fã obcecado, a seguiu pelo campus e deixou uma série de cartas apaixonadas em sua caixa postal. A perseguição culminou em 1981, quando Hinckley tentou assasinar o então presidente Ronald Reagan, declarando que o fizera para impressionar a atriz. Jodie se recusou a falar sobre o assunto até 1999, quando deu entrevista para o 60 Minutes. Outro homem, Edward Richardson, a seguiu e planejou assassiná-la, desistindo após considerá-la “bonita demais”.
Durante os anos de faculdade, Jodie se limitou a alguns papéis bem escolhidos. O telefilme Svengali (1983) deu a ela a oportunidade de “retomar a confiança” após os atentados contra a sua vida, e de contracenar com Peter O’Toole. Um Hotel Muito Louco (1984) a colocou ao lado de Rob Lowe, Beau Bridges e Natassja Kinski como parte de uma família pouco convencional. O grande retorno se deu em 1988, no entando, com o papel em Acusados, primeira atuação notável da carreira adulta da atriz. Aos 26 anos, ela interpretou uma garçonete que era estuprada após uma noite em um bar. Pelo filme dirigido por Jonathan Kaplan ela venceu o primeiro Oscar e o primeiro Globo de Ouro da carreira, ambos como Melhor Atriz.
Sempre seletiva, Jodie se guardou para os grandes papéis, e seguiu Acusados com O Silêncio dos Inocentes (1991), no papel Clarice Sterling, a agente do FBI designada para lidar com o psicopata Hannibal Lecter. Um segundo Oscar de Melhor Atriz a impulsionou para a primeira aventura do outro lado da câmera, dirigindo e estrelando Mentes Que Brilham (1991), sobre uma mãe solteira que descobre que o filho, Fred, é um prodígio. Antes dos 30 anos, a garota que começou como atriz de comerciais tinha dois Oscar na prateleira, e estava estreando na direção.
Os dois Oscar da carreira, por Acusados (em cima) e O SIlêncio dos Inocentes (em baixo)
Estabelecida como uma estrela e uma atriz respeitada, Jodie teve um começo espetacular de década em 1990. Trabalhou com Woody Allen (o auge para qualquer atriz) no noir Neblina e Sombras (1991), fez par com Richard Gere (o auge para qualquer estrela noventista) em Sommersby (1993) e ganhou a quarta indicação ao Oscar por Nell (1994), que também produziu, no papel de uma mulher que nunca viu o mundo fora da cabana na floresta onde foi criada. Ainda em 1994, ela estrelou ao lado de Mel Gibson na paródia de western Maverick, um sucesso de bilheteria que gerou uma amizade de longa data entre Jodie e Gibson. O segundo filme na direção gerou outra amizade duradoura: com Robert Downey Jr, astro da comédia de humor negro de Jodie, Feriado em Família (1995), ao lado de Holly Hunter.
Após Nell, Jodie se tornou uma atriz ainda mais eventual, retornando ao cinema em 1997 para estrelar Contato, de Robert Zemeckis, como uma cientista que descobre provas de vida extraterrestre em uma estação de vigia espacial. O papel lhe rendeu a quinta indicação ao Globo de Ouro. Em 1999, após dar a luz ao primeiro filho, Charlie (cuja paternidade não é conhecida graças aos esforços da atriz de manter a vida particular segura da imprensa), Jodie estrelou o remake (não-musical) do clássico O Rei e Eu, intitulado Anna e o Rei. O segundo filho, Kit, nasceu em 2001, ao qual Jodie seguiu o papel de uma freira na adaptação do romance-de-garotos-degenerados Meninos de Deus.
Jodie com os filhos Charlie (a esquerda) e Kit (a direita), ontem, no Golden Globes
Com dois filhos e entrando na faixa dos 40 anos, Jodie se encontrou no papel de duas mães ferozes que protegem seus filhos em O Quarto do Pânico (2002) e Plano de Vôo (2005), sucessos de bilheteria, ou em participaçõe em filmes de diretores que ela admira como Jean-Pierre Jeunet (Eterno Amor, de 2004, falando francês fluente) e Spike Lee (O Plano Perfeito, de 2006). Seu projeto mais pessoal desde então veio com Valente (2007), no qual estrelou e produziu a história de uma apresentadora de rádio que resolve tomar o controle em suas próprias mãos após o namorado ter sido vítima da violência urbana. A atuação espetacular lhe rendeu a sexta indicação ao Globo de Ouro.
O timing cômico de Jodie foi testado com resultados espetaculares na aventura A Ilha da Imaginação (2008), interpretando uma escritora com fobia social, e Deus da Carnificina (2011), de Roman Polanski, uma pequena epopéia de quatro personagens e um único cenário. Por esse último, recebeu uma nova indicação ao Globo de Ouro. No meio disso ainda encontrou tempo para se reunir com o amigo Gibson em Um Novo Despertar (2011), co-estrelando e dirigindo a história de um executivo que entra em depressão e decide se comunicar apenas por um fantoche.
Jodie em momentos perigosos de O Quarto do Pânico (em cima) e Valente (em baixo)
Jodie Foster completou 50 anos em 2012. Sempre muito reservada quanto à vida pessoal, ela manteve um relacionamento com a produtora de Sommersby, Cydney Bernard, de 1993 até 2008, sem nunca admitir publicamente a homossexualidade. Ontem, durante o discurso de agradecimento pelo Cecil B. de Mille Award, ela brincou: “Eu tenho algo muito importante para falar, que sinto que preciso falar publicamente. Eu preciso do apoio de vocês nisso. Eu… estou solteira”. Depois dos risos, Jodie graciosamente explicou que esse não ia ser o “grande discurso de saída do armário” que todos esperavam, porque ela já havia feito isso “anos atrás, na idade da pedra, quando uma garota gradualmente dizia para seus amigos e familiares, para depois orgulhosamente se abrir para todos que ela realmente conhecia”.
O engraçado, elegante e emocionado discurso também incluiu um momento tocante em que Jodie se dirigiu a sua mãe: “Eu sei que você está aí, em algum lugar atrás desses olhos azuis, e sei que tem tanta coisa que você não vai conseguir entender hoje, mas o mais importante é isso: eu te amo, eu te amo, eu te amo”. Quanto as perspectivas para o futuro, Jodie declarou que “45 anos no show business é um tempo muito longo”. Embora não tenha deixado claro, é possível que Jodie, após a participação em Elysium, de Neill Blomkamp, que sai em Agosto desse ano, se dedique integralmente a produção e direção de projetos pessoais.
Em uma emocionante despedida, Jodie encerrou seu discurso com: “Isso parece com o final de uma era e o começo de algo mais. Assustador, excitante… e agora? Eu nunca mais estarei em cima desse palco novamente. Em nenhum palco, aliás. Mudança, você precisa amá-la. Eu vou continuar contando histórias, emocionando as pessoas através da minha própria emoção. É o melhor trabalho do mundo! De agora em diante, talvez eu esteja segurando um microfone diferente, e talvez ele não chame tanta atenção, talvez eu não estreie em 3000 salas de cinema. Talvez seja tão quieto e delicado que apenas os cachorros vão poder me ouvir. Mas será minha escritura na parede: Jodie Foster esteve aqui, eu ainda estou, e eu quero ser vista, ser entendida profundamente, e não ser tão solitária. Obrigado a todos pela companhia, e este prêmio é pelos próximos 50 anos!”.
Que assim seja, Jodie.
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