19 de jan. de 2013

Review: “Lincoln” e seu herói placidamente humano

Lincoln_Poster

por Caio Coletti
(TwitterTumblr)

Há um tanto em comum entre Lincoln e A Última Estação, obra de 2009 de Michael Hoffman sobre os últimos anos de Leon Tolstoy. Especialmente no drama mais pessoal que o protagonista tem de interpretar. Quando juntos em cena, a dinâmica entre Daniel Day-Lewis e Sally Field aqui é bastante parecida com a de Christopher Plummer e Helen Mirren naquele filme. A boa fortuna de Lincoln é que se trata de um conflito envolvente o bastante para convencer duas vezes, porque sem ele esse seria um excelente filme político, com implicações históricas absurdas… e só. Não me entendam mal, o que estou querendo decretar aqui é uma sentença antiga e um tando batida: embora seja um entretenimento de primeira com suas maquinações políticas, é no entendimento profundo de seus personagens e na dimensão mais humana deles que Lincoln ganha o jogo.

Assim como Leo Tolstoy e a Condessa Sofya, aqui Abraham (Day-Lewis) e Mary Todd Lincoln (Sally Field) representam pólos opostos na forma de lidar com uma situação emocional e ideologica inegavelmente complicada. E assim como A Última Estação, agradecemos por isso, Lincoln não cai na armadilha de julgar nenhum dos lados do conflito. Pelo contrário, dá alguma razão a ambos. O personagem de Day-Lewis caminha na fina linha entre o endeusado e o humano. As longas histórias que conta antes de tomar decisões são surpreendentemente interessantes, ao menos para os espectadores que apreciem uma boa curiosidade e uma atuação afinadíssima (e, se você não é um desses, porque mesmo está assistindo esse filme?). Lewis emerge no personagem e o encarna de forma impressionante. Enquanto isso, a Mary Todd de Sally Field é retratada como uma mulher de impulsos e emoções cruas, numa maneira que a atriz consegue capturar como poucas outras poderiam. Trata-se da visão mais humana, e as vezes da reação mais compreensível, a situação enfrentada pelo casal.

O roteiro inteligentíssimo de Tony Kushner (Munique) acompanha Lincoln durante uma das épocas mais notáveis de sua carreira política – e esse não é um páreo fácil. Já no segundo mandato e aproximando-se do final da Guerra Civil, o presidente quer passar pelo Congresso a 13ª Emenda a Constituição, que, em termos simplórios, acaba com a escravidão. Embora essa fosse justamente uma das razões para a Guerra Civil, o lado supostamente “abolicionista” tinha políticos habilidosos não exatamente dispostos a abrir mão de seus próprios escravos. É aí que entra em cena Thaddeus Stevens (Tommy Lee Jones), líder da bancada republicana na Câmara dos Representativos e improvável aliado do igualmente republicano Lincoln na luta pela abolição. A indicação (e muito provável vitória) de Jones ao Oscar é – e eu tive alguma resistência em dizer isso – extremamente merecida: seu Stevens é dono de um brilhante discurso e certa força internalizada (tornada também em alguma amargura) que o faz a peça mais emocionante do filme.

Spielberg, indo para sua sétima indicação da carreira como Melhor Diretor com esse filme, mostra que ainda tem cartas na manga, e ainda consegue ser um diretor surpreendente: favorece o thriller-dramático-político sobre a biografia enfadonha, engrandece e ao mesmo humaniza o personagem principal, e ainda retrata um momento histórico com equilíbrio e sem cinismo de mais (nem de menos). Lincoln é um filme sobre sacrifício altruísta, que não foge do tradicional, mas, assim como seu protagonista, aplica uma pequena revolução em cada um que cruza seu caminho.

***** (4,5/5)

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Lincoln (Lincoln, EUA, 2012)
Direção: Steven Spielberg
Roteiro: Tony Kushner
Elenco: Daniel Day-Lewis, Sally Field, David Strathairn, Joseph Gordon-Levitt, James Spader, Hal Holbrook, Tommy Lee Jones, John Hawkes, Jackie Earle Haley, Lee Pace.
150 minutos

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