28 de abr. de 2012

Sobre… – Liberdade pode ser demais?

liberty

por Caio Coletti
(TwitterTumblr)

Em texto publicado na Folha de S. Paulo em 11 de Abril último, Élcio Verçosa Filho, artista multimídia brasileiro na ativa desde 1995, defende que levamos o conceito de “tolerância”, em nosso pensamento contemporâneo, longe demais, constatando em sua conclusão que “gloriamo-nos em não estar nem aí”, hoje em dia, para o que é bom ou ruim, aceitável ou não, “grande” ou “pequeno” do ponto de vista do mérito. A sentença pode parecer inofensiva, mas é o primeiro passo para iniciar uma dicussão muito maior: conceitos irmãos (siameses, eu diria), tolerância e liberdade podem ser demais?

Filosoficamente contestada, a liberdade foi dividida pelo pensador Isaiah Berlin em dois preceitos diferentes na sua seminal obra Two Concepts of Liberty: a liberdade positiva seria aquela que garante ao indíviduo o direito e as condições de ser auto-suficiente para buscar a realização completa de seus desejos; a negativa envolve, segundo o conceito de Berlin, “uma resposta para a questão ‘qual é a área na qual o sujeito é ou deveria ser deixado livre para ser ou fazer o que ele pode ser ou fazer, sem a interferência de outras pessoas?’”. Outro filósofo, Gerald MacCallum, tentou conciliar os dois conceitos em um só: “x é/não é livre de y para fazer/não fazer ou se tornar/não se tornar z”. A questão, então, passa a ser a extensão que deve assumir esse “y”.

Colocado contra a parede em entrevista ao USA Today em 2003, quando ainda nem era pré-candidato republicano a presidência (em uma campanha da qual desistiu recentemente em favor da candidatura de Mitt Romney), o republicano Rick Santorum revelou que, segundo a sua visão, o “direito à privacidade” e, portanto, a liberdade na vida privada, era algo “inventado”. Ele explica: “esse direito foi criado em Griswold (caso histórico da justiça americana em que a Suprema Corte inconstitucionalizou uma lei de proibição ao uso de contraceptivos), e agora nós estamos o estendendo. (…) Você diz, bem, é minha liberdade individual. Sim, mas ela destrói a base da nossa sociedade, porque ela inclui comportamentos que são anti-éticos para famílias fortes e saudáveis. Que seja poligamia, adultério, homossexualidade, tudo isso é anti-ético para uma família saudável, forte e estável”.

O problema com a declaração de Santorum é o mesmo que o do artigo de Verçosa, ainda que as consequencias dos mesmos sejam tão desproporcionais: enquanto Santorum julga, deliberadamente, o que é uma “família saudável, forte e estável” (formada por um casal heterossexual e monogâmico, entre outras coisas), Verçosa parece nos querer dizer que sabemos, sim, o que é “bom” e o que é “ruim”. Em certo ponto do seu texto, ele chega a dizer que “sabemos, para além de toda pose relativista, que Bach é, no campo da música, maior, ‘mais grande’, mais digno de louvor e imitação que Michel Teló”. Acusa-nos, como geração, portanto, de tolerância demasiada. Sugere-nos, logo, que não toleremos quem ouça Michel Teló, e não Bach? Essa “intolerância” é condição fundamental para que possamos reconhecer a “grandeza” do compositor erudito? É preciso, mesmo, diminuir um para engrandecer o outro?

O preceito do “toleramos tanto que não reconhecemos mais o mérito” é falho em especial quando se o estende para outras áreas de influência. Lutando na justiça britânica pelo direito ao suicídio assistido, Tony Nicklinson, cujo caso o Estado de S. Paulo destacou em Março,  deveria ser julgado por querer morrer? Deveria ser ser considerado menos digno de louvor que o jornalista Jean-Dominique Bauby, que sofreu da mesma síndrome e publicou o livro O Escafandro e a Borboleta, ditado apenas com o olho esquerdo? Até que ponto a falácia do “liberdade demais” resiste ao direito inviolável de uma pessoa fazer o que bem entender da própria vida?

Jane Nicklinson with husband Tony Nicklinson at home in Melksham, Wilts. A father-of-two with "locked in" syndrome says he will go to Swiss clinic Dignitas to die - unless the British Government changes the law on assisted suicide. Civil engineer Tony Nicklinson, 56, lost all movement in his body from the neck down after suffering a sudden catastrophic stroke on a business trip to Greece in 2005. The helpless husband is confined to a wheelchair and can tragically only communicate through moving his head and eyes. Now he says he wants wife Jane, 55, to help him in a "mercy killing" - or the determined dad will fly out to the assisted dying group Dignitas in Switzerland. See swns story SWLOCK , 17 Dec 2010.

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