5 de abr. de 2012

Ceremonials por Emma Forrest.

ceremonials

por Emma Forrest
(do encarte do álbum – tradução livre)

Eu costumava chorar a noite porque eu não havia escrito “O Corvo”, de Edgar Alan Poe, até que minha mãe me lembrou de que havia outras pessoas que não haviam escrito “O Corvo”, de Edgar Alan Poe. Ouvindo o Ceremonials do Florence + The Machine, eu precisei ficar me lembrando constantemente que havia outras pessoas que também não haviam  escrito essas músicas, outras que não haviam cantado e arranjado-as, que eu conhecia muitas e muitas pessoas que não haviam tocado o piano que soa como sinos de igreja e a percussão que evoca o oceano. Eu circundei “Never Let Me Go” e senti que ela patinava no gelo, formando “oitos” ao meu redor:

“Looking up from underneath                                “Olhando para cima, de baixo
Fractured moonlight on the sea                             Luar fragmentado no oceano
Reflections still look the same to me                     Os reflexos são os mesmos para mim
As before I went under                                            De antes de submergir
And it’s peaceful in the deep                                   E é pacífico nas profundezas
Cathedral where you cannot breathe                      Catedral onde não se pode respirar
No need to pray                                                        Não é preciso orar
No need to speak                                                     Não é preciso falar
‘Cause now I am under                                            Porque agora eu estou submersa
And it’s breaking over me                                         E está quebrando acima de mim
Thousand miles down to the sea bed                      Mil milhas abaixo do leito do mar
Found a place to rest my head                                 Um lugar para descansar a cabeça
And the arms of the ocean                                        E os braços do oceano
Are carrying me…”                                                    Estão me carregando…”

“Eu sou atraída pela ideia do afogamento”, explica Florence, “ou na verdade pela ideia de saltar e ser envolvida por algo, não algo bom ou ruim, apenas ser envolvida. Quando eu era criança, eu tive um momento quando eu fui para baixo da água, me deitei no chão da piscina, e senti que podia respirar. Eu estou tentando recriar esse sentimento desde então”.

É nos fazendo acreditar que pode haver palavras para descrever sentimentos inomináveis e melodias para descrever essas palavras que um álbum pode realmente fazer-nos sentir menos sozinhos no mundo. Essa procura por coisas inomináveis é porque usamos camisetas de bandas – para que nos reconheçamos mutuamente na rua. Mesmo que aquele fã de Florence pelo qual você passou seja um enorme filho-da-puta (e esses não são tantos), ele ainda ama Florence + The Machine, então talvez – num pulo de coragem e fé – você possa ser amada por alguém ainda desconhecido de você, mesmo que, como aquele filho da puta, você não seja essencialmente amável.

Deixem-me dizer-lhes algo sobre esse álbum: se você está dançando ao som de “Heartlines”, você é o melhor dançarino que já existiu. Porque nesse momento você está fazendo uma dança flamenca, movendo o dorso com os braços desumanamente esticados, arcando suas costas, com um pouco de cultura judia e um pouco de alguma outra religião a qual se mostra devoção. Ceremonials nos oferece melancolia em sua forma mais pura e mais dançável. Cantando com essas faixas, você vai ter a coragem de levantar sua voz aos céus sabendo que pode nunca receber uma resposta.

“A música é tão eufórica”, diz Florence, “como uma forma de batalha de palavras. É como um exorcismo, marcando com a percussão, ‘sacuda esse demônio para fora’, e é tão visceral porque a melancolia precisa ser tocada para fora! Eu não posso deixá-la se acomodar dentro de mim”.

Já que Florence Welch está preocupada, nesse novo álbum, com a vida vivida debaixo das ondas, eu já posso ouvir “Only if For a Night” soando ao lado da chamada para a oração em Istambul, ecoando sobre o Mar de Mármara. Eu ouço “Lover to Lover” no Porto de Sydney, olhando para o Luna Park, “Seven Devils” enquanto atravesso a ponte sobre o Tâmisa, “Leave My Body” no píer de Nova York, onde executivos se despem até as roupas de baixo para tomar Sol – um cerimonial em miniatura, mas ainda um cerimonial. Ouça esse álbum em seus headphones perto de qualquer pedaço de água que escolher. Olhe para o rio e lembre do oceano, lembre que o apelido de Richard Burton para Elizabeth Taylor era “Ocean”. O impacto. O poder. A possibilidade de destruição.

Sua própria história de amor? Seu amado pode ter tido amantes antes de você. Mas ninguém nunca ouviu esse álbum além de você. Não da forma como você o ouve. As canções são lindos vampiros, adormecidos em seu iPod, despertando quando a noite chega brilhante. Você pode tê-los quando quiser, todo o poder é seu para conduzi-los da forma como Florence Welch costumava tentar e conseguir conduzir o oceano quando ela era uma garotinha desajeitada.

“Vamos fazer um trato”, ela diria para as ondas, “Vocês continuem aí. Não se aproximem”.

Ela estava, eu acho, praticando para a vida adulta e para o amor. Mas é claro que eu pensaria assim, já que recebo minha cópia do álbum no meio de uma briga. Apesar de ele me odiar nesse momento, ele descansa a música na banheira, acende uma vela (porque uma das notas do quanto ele me odeia é o quanto ele me ama). A música está nos moldando ou nós estamos a moldando: “No Light, No Light…”

“Nenhuma luz, nenhuma luz/ Nos seus brilhantes olhos azuis/ Eu nunca achei que a luz dia pudesse ser tão violenta/ Você quer uma revelação/ Alguma resolução/ Me diga o que quer que eu fale.”

Ele finge sono. “Você pode diminuir esse volume?”.

Eu pego o iPod e escuto “Heartlines” na caminhada até o ponto de ônibus, chorando, dizendo a mim mesma:

“Apenas continue seguindo as linhas do coração inscritas em sua mão. E se não der certo, se ele for embora, se você for embora, se ele não for como ele tem sido, se você não for a pessoa que ele pensava que você era, faça um funeral a beira-mar”.

Quando o ônibus chega, eu me lembro do ex de uma década atrás, que deixou uma mensagem de voz no meu telefone, se masturbando, dizendo meu nome repetidamente, e como eu havia pensado que era uma gravação dele se afogando.

Meu namorado faz esforço para me ajudar. Música soa diferente em carros então nós tocamos o Ceremonials na estrada, dobrando as curvas e atravessando a neblina.

“I’m gonna live my body                                   “Vou deixar o meu corpo
I’m gonna loose my mind”                                Vou perder minha cabeça”

Tudo isso é passageiro – a sensação marítima, o carro, o amor. Vocês podem ficar juntos para sempre, mas um de vocês vai ter que partir primeiro. Ele aumenta o volume dessa épica faixa de encerramento até o mais alto que pode. Eu quero que dure. Eu quero. Eu o amo e eu quero que ele fique.

Você pode, agora, estar cuidando de um coração partido. Amigos dirão “você não está feliz por ter tido a experiência de qualquer jeito?” e você pode dizer “não”. Eventualmente, por incrível que pareça, você pode nem se lembrar do garoto ou garota que estourou todo o processo. Você vai se lembrar dos lugares que visitaram, mas não como chegaram lá. Você vai se lembrar das músicas que ouviram.

ceremonials 2

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