25 de abr. de 2012

A identidade nacional e as escolas literárias.

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por Luis Adriano Lima
(Literatura e Cinema)

O Brasil foi retratado pela sua própria literatura sob várias perspectivas. Algumas delas buscavam apenas proporcionar informações, enquanto outras, com caráter mais literário, intencionavam relatar os acontecimentos nacionais em narrativas densas. Pode-se garantir que em ambos os casos houve atitudes mais apropriadas por parte dos autores, mas não se pode negar que houve aqueles que fizeram com que surgisse uma oscilação na literatura nacional.

Quando se toma como exemplo a literatura inicial – aquele que surgiu próximo à época do descobrimento –, percebe-se que já naquele momento havia variação no modo de escrever. Como as terras do Brasil eram recém-descobertas, era necessário que fosse informado às pessoas (tanto à Coroa Portuguesa quanto aos que vieram para cá em expedições) a respeito do que havia aqui. Desse modo, vários autores e pesquisadores ocuparam-se em transcrever tudo aquilo que aprendiam: discorriam sobre a fauna e a flora, sobre os caracteres indígenas, sobre a alimentação. Pode-se até pensar que esse momento seria retomado três séculos depois, quando o Romantismo também relataria essa fotografia nacional, ampliando-a por uma escrita mais subjetiva e idealizada. Até mesmo nesse período histórico – quando o que se estudava sobre o Brasil era pouco difundido –, surgiram contradições entre os estudiosos: alguns descreviam a colônia como ela era ao passo que outros pareciam acrescer informações, tornando a sua visão muito “embelezada”.

O que se seguiu a partir daí foi uma busca pela chamada “identidade nacional”. As escolas literárias que vieram nos séculos XVII e XVIII – Barroco e Arcadismo, respectivamente – buscavam ao seu modo expor características do cenário brasileiro. Padre Antonio Vieira tentou contextualizar as suas missas e sermões a realidade colonial, Boca do Inferno não se intimidou ao fazer árduas críticas ao jeito como a política caminhava – e isso se refletia sua obra poética, que, dotada de racionalismo, ora apresentava uma perspectiva mais amena, ora era bastante agressiva.

A supracitada “identidade nacional” se forma gradualmente, mas não se consolida até o momento em que todos os habitantes do Brasil são reconhecidos como figuras importantes para a construção de um sentimento que deve ser comum a todos – o que estava bem longe de acontecer no século XIX, quando os poetas e prosadores da escola romântica tornaram-se para o índio, cultuando-o e fazendo com que ele se tornasse um importante elemento para a época. Vale ressaltar que, embora tenha havido a supervalorização do elemento indígena – fato que foi criticado arduamente por alguns autores, como Machado de Assis –, isso serviu para que os nativos não fossem mais tomados apenas como selvagens, mas também pudessem integrar a literatura brasileira. Machado de Assis, em artigo escrito para um jornal estrangeiro, comenta que era comum que o índio fosse retratado nas obras literárias e que o cenário das narrativas e poesias era restritamente nacional – isso não necessariamente indicava o nacionalismo, mas talvez pobreza e limitação quanto à ampla variedade de estórias que podiam ser criadas a partir da vastidão geográfica do Brasil.

Se até o Romantismo havia o predomínio da sociedade fotografada conforme os preceitos morais, a escola seguinte, o Realismo, se empenhava em desmitificar o personagem nacional. Se a Iracema de José de Alencar era poética e etérea, o Brás Cubas de Machado de Assis era entregue aos seus pensamentos mais liberais, como o de envolver-se com uma prostituta. Assim, num breve período de tempo, os leitores são apresentados a dois tipos de personagens bem distintos, sendo que tanto o primeiro quanto o segundo busca moldar a figura do brasileiro. É importante considerar que, mesmo em gradual construção, na aguardada consumação da identidade comum a todos os brasileiros, ainda não havia sido incluído o negro, o terceiro elemento básico da figura nacional, já que o índio e o branco já haviam sido citados e estudados.

É possível afirmar que a literatura nacional, ainda que muito ampla, era preconceituosa. E a reparação para esse erro aconteceu apenas após a década de 1930 do século XX, quando surgiram as primeiras universidades e, com elas, os estudos sociológicos e antropológicos, permitindo então que o negro passasse também a co-protagonizar narrativas, como em Casa grande e senzala, de Gilberto Freire. Ocorrida essa união de branco, negro e índio, podia-se dizer que havia sido consumada a identidade nacional.

Ao considerar todos os aspectos da literatura, não se pode deixar de comentar a respeito do movimento pré-modernista e da escola modernista, que foram marcos importantes para que houvesse a sensibilização das pessoas em relação àqueles que eram desconhecidos pela sociedade – como os nordestinos e o caipira –, e rapidamente surgiriam contrapontos a respeito das descrições. No Pré-Modernismo, tanto uma imagem boa quanto uma ruim foram criadas: o caráter jornalístico de alguns autores compôs narrativas que mostravam o interiorano como ser forte e firme; já o aspecto literário de outras criava personagens como Jeca Tatu, que ficou estigmatizado pela “preguiça”, quando uma análise prévia permitiria concluir que se tratava de um problema de saúde. O Modernismo, dividido em seus dois momentos mais notáveis, retomou o pitoresco e abordou questões regionalistas, fazendo sátira e crítica, discorrendo a respeito de como vivem as pessoas em determinados locais. Jorge Amado falou sobre garotos desprovidos de família; Graciliano Ramos analisou o sertão nordestino; Oswald de Andrade antitetizou estruturalmente ao usar a coloquialidade da fala brasileira na formalidade da poesia.

Pode-se afirmar que o instinto da identidade nacional foi alcançado quando se analisa o panorama proporcionado pelos autores que escreveram desde a fase colonial até a fase contemporânea. Enquanto uns apresentavam visões mais críticas e pessimistas, outros exibiam versões mais românticas e idealizadas, o que permite concluir que há no brasileiro – e conseqüentemente na literatura que pode falar sobre ele – uma vertente bem grande quanto àquilo que ele pode significar e tanto é real chamá-lo de caipira quanto considerá-lo urbano, ou mesmo depreendê-lo como calmo, como Jeca Tatu, ou dinâmico, como é descrito nas obras de Rubem Fonseca; pode-se, enfim, considerá-lo mestiço, sendo a figura nacional um pouco de tudo. E a literatura que o envolve, portanto, é suficientemente ampla para descrevê-lo em todas as duas concepções.

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Luis Adriano Lima escreve todo dia 23.

1 comentários:

Anônimo disse...

Para Bauman somos híbridos, somos a própria pós modernidade. E a nossa identidade cultual histórica é. Mitológica, isto é, idealizada pelas elites, sem o povo.