20 de set. de 2011

Sobre… – Como não se fazer crítica

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Algumas vezes já eu me vi conversando com um dos meus melhores amigos sobre até que ponto a crítica é válida como forma de expressão ou formadora de opinião. Onde está o limite quando um crítico começa a desenhar as linhas que podem e provavelmente vão (embora não sejam talvez por definição feitas para isso) influenciar o pensamento de alguém sobre um livro, um filme, uma música, a política nacional ou internacional, a sociedade? O leque de temas de uma crítica é tão amplo e seu poder como força de expressão, quando nas mãos certas, é tão grande, que é preciso saber bem a medida de o que dizer e como dizer. Esse meu amigo, fique registrado de passagem, não acredita que a crítica traga qualquer benefício para quem a lê ou para quem a faz. Com todo o respeito a quaisquer opiniões, para mim a questão é simplesmente a de uma divisão entre o bom e o mau crítico.

show_avril_lavigne_brasil.jpg (300×396)E de que forma podemos defini-lo, essa figura tão rara nos dias de hoje, que é o bom crítico? Talvez seja mais fácil simplesmente indicar o que não fazer. Exemplo excelente do que fugir quando se escreve crítica está no trabalho de Alex Alves, o autor da coluna periódica Termômetro, do que é com certeza o maior site de notícias e opinião pop do nosso pais, o PopLine. A proposta de Alex não é nova: dar “notas” baseadas numa escala de temperatura para os mais recentes singles pop de artistas como Rihanna, Lady Gaga, Demi Lovato, Florence + The Machine… e Avril Lavigne. Não que as colunas anteriores tenham sido menos ultrajantes de alguma forma, mas usemos sua mais recente barbaridade, cometida contra o single “Wish You Were Here”, de Avril, como exemplo. A resenha é um amontoado de equívocos que denotam um crítico mal-informado, intolerante, fechado a possibilidades e dono de visão estreitamente pobre do mundo pop.

Vamos por partes. Só para começar, já no primeiro parágrafo o crítico realiza um comentário sobre a mudança de estilo pela qual Avril e sua carreira de uma década passaram. Segundo ele, a “Deusa dos revoltados mirins” que a canadense era em Let Go e Under My Skin, se tornou “mais-uma-loira-teen-de-brechó” em The Best Damn Thing e Goodbye Lullaby. Além da colocação sobre a nova fase da cantora ser desnecessariamente ofensiva, parece que o crítico se preocupa mais em parecer desagradavelmente espirituoso do que em tomar conhecimento que Avril tinha acabado de completar 18 anos a época do lançamento do seu primeiro álbum, e que agora é uma mulher de 27. Se tivesse permanecido “a Deus dos revoltados mirins”, Avril só denotaria ser uma artista controlada por sua própria gravadora. Quando uma artista amadurece, e muda com isso, ela está perdendo a credibilidade? O bom crítico foge do senso comum como o diabo foge da cruz.

Mais a frente no texto, Alves comenta perjorativamente sobre as “guitarras pseudo-punks” que ele diz serem uma espécie de cerne podre da discografia de Avril.  O bom crítico precisa sempre buscar uma visão relativizada das influências e subjetividades daquilo que analisa. Se o fizesse, Alvez talvez fosse capaz de reconhecer que Avril nunca clamou ser uma cantora punk. Entre os rótulos que se atrelaram a ela estão “punk pop”. Trata-se de só mais um rótulo para não começar a reconhecer que o uso de guitarras e uma composição visual baseada na cultura rocker não exclui a possibilidade de estarmos lidando, em Avril, com uma artista pop. A forma como ela marcou toda uma geração, a forma como sua imagem é hoje completamente atrelada a sua música, tudo a impôs isso. E se você me perguntar, ela se adaptou muito bem a essa função.

O erro derradeiro de Alves é também o mais grave que qualquer crítico pode cometer: adquirir tanta auto-confiança que é fácil tomar a opinião pessoal como uma verdade absoluta. Isso leva, é claro, a má informação. Nem sempre o crítico vai estar certo sobre algo, e nem sempre ele vai ter todos os ventos soprando a favor da opinião que ele quer expressar. Quando Alves tenta finalizar sua crítica dizendo que Avril “parece ter perdido o apelo com o público de todo o mundo”, ele desconsidera que, apesar de ser um  número modesto comparado aos de Let Go, o último álbum da canadense tem mais de 1 milhão e meio de cópias vendidas. E quando a sugere que desista “de vez de levar sua carreira artística a sério, como fez sua conterrânea Alanis Morissette”, Alves parece estar atrelando sucesso artístico com sucesso de vendas. O último álbum de Alanis, apesar dos números de fato nada impressionantes, se tornou um dos mais elogiados criticamente de toda a carreira da cantora.

Mesmo tipo de equívoco é cometido sem pudor por veículos de longo alcance entre o público. Em certa matéria, intitulada “Mau-gosto não se discute”, os críticos da revisa VEJA Sérgio Martins e Jerônimo Teixeira, ainda na época de Tik Tok, se apressam a julgar todo o ábum da artista pop Ke$ha como baseado em, sem rodeios, um tremendo mau-gosto. O trecho que salta aos olhos é o seguinte: “As demais canções de Animal, disco que já vendeu 152 000 cópias nos Estados Unidos na primeira semana de lançamento, não são diferentes: relatos de baladas, com muito álcool e sexo”. Aparentemente nenhum deles ouviu canções como Hungover, Your Love is My Drug e a própria Animal. É fácil distinguir, quando apenas se para por um segundo para ouvir o que há além do senso comum, da má informação e de todo o descaso que se dispensa a música pop hoje em dia, que não se trata simplesmente de um relato sobre festas. Trata-se de usar esse ambiente, o de toda uma geração, para se tornar a voz a falar por ela.

A mensagem de Ke$ha é a de conceder poder a si próprio, e aceitar o que se é sem nenhuma restrição. Não é a mesma que o The Runways passava, de seu jeito particular, trinta anos atrás? Não deixa de ser. E vocês sabem muito bem o apreço que os críticos hoje em dia têm pela banda de Joan Jett e companhia. É claro que o tempo é o melhor juiz. Mas não custa nada tentar prestar um pouco mais de atenção para não sermos um primeiro crivo tão ruim para tudo de bom que a cultura pop do nosso tempo tem nos dado.

O bom crítico é o que vê o defeito, mas que sabe como diminui-lo em função de uma visão aberta e de uma proposta válida. O bom crítico não ofende, não humilha. O bom crítico sabe o que está fazendo, e do que está falando, e se certifica de saber mesmo a cada passo do caminho. O bom crítico é o que se preocupa com o efeito que suas palavras vão ter, e que sempre almeja, acima de tudo, trazer algo de novo, e algo de bom, para o leitor. Infelizmente, os dois exemplos aí em cima estão mais preocupados mesmo em achar que sua opinião viciada e mente fechada são a verdade absoluta. Como se algo assim sequer existisse.

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Tendo vivido tanto, eu tive a experiência de ser obrigado, por mais informação ou por maior consideração, a mudar de opinião, mesmo em assuntos importantes, nos quais eu já pensei estar certo quando na verdade estava completamente errado”

(Benjamin Franklin)

11 comentários:

iJunior disse...

A boa crítica sobre o mau crítico. Parabéns Caio :]

Talita Rodrigues. disse...

"O bom crítico é o que vê o defeito, mas que sabe como diminui-lo em função de uma visão aberta e de uma proposta válida. O bom crítico não ofende, não humilha." Disse tudo. O problema é que, atualmente, só encontramos pessoas intolerantes que ficam esperando a primeira oportunidade de apontar o dedo na cara de outra pessoa e dizer que ela errou. A gente vê isso na música, na tv, e até na vida. Ninguém mais procura pela essência de algo ou alguém, só querem saber da popularidade. Mas, existem criaturas preocupadas com os seres humanos e é por isso que não perdemos a esperança.
Todos querem polêmica e não verdade. Infelizmente, ainda veremos ótimos trabalhos artísticos sendo pisoteados a troco de nada. Péssimo.
Parabéns pelo texto Amigo, ficou muito muito bom, digno de um crítico com bom senso!
Amo você, beijos!

Alex Alves disse...

Parabéns pela crítica.
Achei interessante estar do lado contrário da cadeira. Você escreve muito bem e argumenta de forma coesa. Gostei.

Alex Alves

Rodrigo Galeano disse...

Muito boa a crítica, ha se existissem mais críticos como você...

Anônimo disse...

Cara.. falou tudo! Muitos "críticos" fazem suas más resenhas de algo baseado simplesmente no fato de não gostarem de tal artista. Com a Avril foi assim! E vai ser com qualquer outro artista que um "crítico" não goste. Essas baboseiras se resumem a: não gostar + falta de informação (preguiça de procurar saber) + se achar o dono da verdade. Sinceramente, eu prefiro ouvir e tirar minha própria conclusão daquilo que ouvi, seja lá qual for o artista. Leve em consideração o que você pensa e acha de tal coisa e não o que um criticozinho diz.

Mandou bem Caio! Quem derá todos fossem que nem você.

léo.sensui disse...

pois é, e além do mais, hoje em dia com essa facilidade de acesso à internet e downloads de músicas, obiviamente afetam o número de vendas de cds dos artistas. avisem isso pro tal de Alex Alves.

Anônimo disse...

Arrasou.

J. disse...

adorei a crítica, você escreve muito bem!

Felipe Martins disse...

Muito bom o texto. Parabéns!

Dante disse...

Muito boa sua crítica. Parabéns.

Anônimo disse...

parabens,vc conseguiu fazer uma critica boa ,o que o popline e a veja nao conseguem